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Revista Gávea 03

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Lucio Costa sobre Aleijadinho 49

nenhum modelo. Na questão específica da escultura seria preciso investigar em que

medida o Aleijadinho poderia sofrer uma leitura modemizante. O Sérgio Camargo acha

que sim, mas na verdade é uma constatação a posteriori de uma afinidade, que no caso da

arquitetura a cultura brasileira teria tido mais condições de absorver.

LC — Na escultura acadêmica e na pintura também havia muita coisa

bonita, dentro daquele sistema todo.

RB — Talvez não tenha havido a leitura correta na hora...

LC — O próprio Bernardelli — outro dia o irmão do Carlos Leão me mostrou

uma cabeça feita pelo Bernardelli, que a deu à Dona Tita, mãe dele. Uma obra-prima!

Uma cabeça pequena de bronze, uma escultura cem por cento escultura, espantosa, bem

construída, densa. E o Cristo com a Adúltera, aquela coisa impressionante? Tudo isso

vocês menosprezam demais. Uma mania de menosprezar que eu acho uma coisa incrível!

RB — Não somos nós não, é histórico!

CZ — A culpa é da sua geração!

LC — Pois é, o negócio de desarrumar e não deixar nada em troca é a pior

coisa que há!

JC — Dr. Lúcio, o senhor costuma repetir que desarrumou a Escola e não

deixou nada em troca, e estamos exatamente discutindo o problema da pintura e da escultura

no Brasil, que não se valeram de uma releitura do passado, como aconteceu com a

nossa arquitetura, o que a tornou tão singular no panorama da arquitetura moderna mundial.

Isso foi uma contribuição fundamental sua, que eu reputo como a base efetiva de nossa

arquitetura moderna. Para mim é a pedra de toque de tudo o que aconteceu depois. Me

parece que o senhor, a partir da teoria corbusiana, do espaço de manobra que ela permite,

fez a releitura da arquitetura mineira a partir de sua lógica intrínseca, de sua construção,

da relação funcional de seus elementos. Foi por aí, pela idéia, que o senhor se apropriou

dessa arquitetura antiga, e não pela forma, pelo desenho, como tinha sido o caso do neo-

colonial.

LC — Daí a consistência...

JC — Então, longe de não deixar nada em troca, o senhor exatamente

retomou a tradição daquele partido singelo ao qual se referia antes. O senhor reviveu o

processo que deu o Aleijadinho. Em sua obra o senhor retoma isso, mostra o caminho.

LC — Exatamente, isto é fato... Há uma definição de arte muito boa, não

sei se você conhece, que me marcou muito. É daquele Clive Bell, casado com a irmã da

Virgínia Woolf, ou com a própria, ele tinha uma citação que achei muito verdadeira e

dizia: “Art is significant form ". Arte é forma com significação, com carga. Só isso. Porque

tem formas que não são nada e tem formas que têm carga. O que caracteriza a obra de

arte é essa significação, essa carga que é só você descobrir que ela explode. Está contida,

você sente que tem um troço ali que é como a energia atômica, se você bolir, pode explodir.

Esse livro do Clive Bell quem me deu foi uma das filhas da senhora Blank, que era

amiga do Manuel Bandeira. Eu o estava lendo quando fui preso na Revolução de 30, porque

não tinha me apresentado na mobilização geral decretada pelo Washington Luís.

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