MARCO-2020 - nº 262
Centro Lusitano de Zurique Edição de Março 2020 - nº 262
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Edição de Março 2020 - nº 262
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DESPORTO
Um/dezasseis avos
Somos medíocres, excepto nos treinadores
(Jorge Jesus, Paulo Fonseca, Luís Castro ou
Pedro Martins ontem) capazes da maior estupidez
(leia-se alguns comentários publicados
por aí) porque nos custa assumir que só a cor
das camisolas vem do passado.
ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO (*)
Se houvesse um dispositivo que
medisse hoje a produtividade
nacional ficaríamos a saber que
o vírus futebol está a fazer das
suas. No fundo, salvou-se o Braga,
só levou um em casa.
Confesso-vos que a meio da tarde de
ontem pensei que aquilo poderia acontecer
e se a tragédia redonda fosse um
facto, escreveria um texto pela lucidez
que nos falta. Aqui estou.
Sou do Benfica, mas o jogo morreu para
mim ao fim dos descontos. Levámos
três, como o Porto. O Sporting, que dizia
a imprensa especializada (?) ter a tarefa
mais simples, levou quatro. Esqueceram-se
que era na Turquia…
Dos jogos que vi, deu para entender que
os outros correm, não discutem com os
árbitros e marcam na primeira oportunidade.
É confrangedor ouvir a lengalenga dos
nossos treinadores depois de uma derrota;
palmas para o senhor Luís Castro;
saudades das calinadas do Jorge Jesus,
que segue e soma. Mas este texto tem
um alvo. Enfrenta aquele estado de guerra
civil latente que a clubite nacional produz
todas as semanas.
Ainda me lembro do campeonato que o
Benfica ganhou num domingo, durante
o consulado socretino, e do aumento do
IVA na segunda-feira, que passou incólume,
como gostam de soletrar os da bola.
Andamos distraídos; querem-nos entretidos.
Fui jornalista (e comecei por baixo) desportivo,
entre 1976/80 no Record. A música
impediu a carreira, e ainda bem.
Temos três diários desportivos e três
ou quatro programas diários de taberna
sobre bola na TV. Analisamos ‘casos’,
multiplicamos ‘casos’, vemos ‘casos’ em
cada esquina do tapete verde (esta também
é da bola) porque há audiências.
Um único facto nacional nos une: temos
milhões de treinadores de sofá e gente
em armas pronta a chacinar os adversários,
tomados como inimigos.
O nosso futebol é pobre, muito pobre, e
ontem vimo-lo uma vez mais – era bom
não esquecer que até a selecção (feita
de estrangeirados) foi campeã europeia
a somar empates, continuando a sofrer
para se apurar para uma nova prova.
Somos medíocres, excepto nos treinadores
(Jorge Jesus, Paulo Fonseca, Luís
Castro ou Pedro Martins ontem) capazes
da maior estupidez (leia-se alguns comentários
publicados por aí) porque nos
custa assumir que só a cor das camisolas
vem do passado.
Quando chegar o fim da época veremos
a comunicação social publicar as
manchetes do campeonato das transferências,
uma retórica engraçada para
esconder a penúria dos nossos clubes.
Vendemos muito e compramos mal.
É para isto que queremos uma guerra?
O meu pai ensinou-me: glória aos vencedores
e honra aos vencidos. Nunca
me ensinou a desculpar as minhas falhas
apontando terceiros.
(Se quiserem comentar, peço-vos que
não entrem nas gastas razões da clubite
individual)
(*) vocalista do mais antigo grupo
de Rock português, o UHF
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