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Lusitano de Zurique, edição nº 265 - Junho 2020

Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique

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CRÓNICA

Em nome da língua

portuguesa

15

ANTONIO MANUEL RIBEIRO (*)

Por ventura, a pessoa mais importante

na minha formação literária

seja o professor Manuel

Mendes, que me deu aulas entre

1972 e 1974 no antigo ‘barracão’,

a que chamávamos Liceu Nacional

de Almada – uma escola

erguida em pré-fabricado que

deveria ter durado meia dúzia de

anos e ali ficou por mais de duas

décadas.

Um dia propôs-nos a redacção de uma prosa

livre. E eu, que já escrevia poemas para

as minhas paixões, bem, seriam antes cartas

em forma poética (uma chegou às 21

páginas), surfei um texto com agilidade –

aos 18 anos é assim, errar é fácil. Quando

ele me viu despachado, enquanto os meus

colegas batalhavam entre o substantivo e

o pronome, agarrou no meu caderno, leu e

disse-me: «Se quiseres escrever sobre algo

mete-lhe densidade além do somatório de

palavras, fala de coisas concretas». Nunca

mais o esqueci.

Mais tarde, já na faculdade de Letras (na

altura em que o Artur Jorge estudava Germânicas

e eu Românicas), encontrei uma

professora de Linguística II que me fez

despertar para o som da palavra, o peso

da palavra, o grito, o palavrão, a entoação,

o sotaque – as minhas perguntas exasperavam

os futuros professores que queriam

um diploma a correr, mas ela gostava. Urbano

Tavares Rodrigues (Literatura) e Pereira

Bastos (psicanálise do estudo literário)

abriram-me um mundo que eu trouxe

para a música.

Enquanto isto, na prática jornalística no

trissemanário Record, onde passei 4 anos

1976/80), moldei-me à síntese que uma

notícia exige – os versos vêm do mesmo

ninho.

Foi gente como José Afonso, José Mário

Branco ou Sérgio Godinho que consolidaram

a minha palavra, o contributo maior

que fornecemos ao rock português – cantar

na língua-mãe de Camões,na pátria de

Pessoa, na riqueza de Eça, Lobo Antunes,

Saramago, Peixoto.

Eu respeito a língua portuguesa desde o

meu primeiro dia público. Sou obsessivo

na correcção, de um livro, de um poema,

de um post nesta rede social. Porquê? Para

não propagar erros.

Escreve-se muito mal em Portugal. Uma

boa parte dos pais querem ver os filhos

entrar na linha de produção da fábrica-escola

e que não se perca tempo – é a ansiedade

que tudo altera e mata. Estudar exige

tempo para errar e corrigir.

Estudar exige tempo e discussão. Com a

eleição daquele senhor em 2005 entrámos

no desvario de certificar depressa e em

força para atingir as médias europeias.

Triste sina para um país, uma língua, o

que aí vem. Iliteracia pura e funcional.

Hoje, na celebração do 1.º dia Mundial

da Língua Portuguesa, em que múltiplos

discursos somarão as banalidades do costume,

aguardarei (sentado) que o famigerado

Acordo Ortográfico de 1990 (sem

ratificação na CPLP) seja invocado para

devolução ao étimo fundador, dele extirpando

os facilitismos saloios que um grupo

de peraltas desenhou há 20 anos.

Compras:

Discos: LP Led Zeppelin – “Live at the Fillmore

West, San Francisco, 1969” (2020)

- Livros:

“O Traidor” – Nelson DeMille (2020)

(*) Fundador e vocalista do grupo de Rock

mais antigo de Portugal - o UHF

Junho 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU

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