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*Junho/2020 Referência Industrial 219

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ESPAÇO ABERTO<br />

A HIPÓTESE<br />

DAS TRÊS CRISES<br />

Ao colocar as pessoas em isolamento social,<br />

a pandemia do coronavírus gerou uma<br />

crise múltipla: parou parte do sistema produtivo,<br />

fábricas e lojas fecharam, estabelecimentos<br />

de serviços pessoais deixaram<br />

de atender, o desemprego aumentou, e milhões de<br />

profissionais autônomos perderam sua renda. O estrago<br />

econômico nacional foi grande, a perda financeira das<br />

famílias foi expressiva e os efeitos psicológicos do isolamento<br />

e do empobrecimento econômico está aí, visível<br />

para todos. Esta crise, porque ela ainda não acabou,<br />

acendeu um debate novo sobre a previsão de crises<br />

futuras.<br />

A pergunta principal é: há alguma crise em formação<br />

que não estamos vendo e que pode explodir em algum<br />

momento do futuro? A pergunta pode parecer um pouco<br />

ingênua, pois crises fazem parte da vida econômica,<br />

social e política, logo, outras crises virão certamente.<br />

Mas, a questão não é essa, e sim tentar ler a realidade<br />

mundial e, por meio de informações e estudos, captar<br />

sinais que ajudem a prever determinada crise de uma<br />

ou outra natureza. Para entrar no debate, penso em três<br />

crises possíveis.<br />

A primeira, por óbvio, é a crise econômica pós-coronavírus.<br />

Que o produto mundial vai cair é algo que todos<br />

sabemos. Se o produto cai e a população aumenta,<br />

o produto por habitante – que é a versão real da renda<br />

per capita – declina, em uns países mais e em outros,<br />

menos. Nem a taxa de redução da renda por habitante<br />

será igual em todos os lugares nem o empobrecimento<br />

terá o mesmo significado. Uma coisa é a queda de 20%<br />

na renda per capita da Dinamarca, que hoje está em<br />

US$ 61 mil por ano, outra coisa é essa mesma queda no<br />

Brasil, cuja renda anual por habitante não chegou aos<br />

US$ 11 mil.<br />

A segunda crise, e essa é mais estrutural, é o aumento<br />

do número de pessoas desocupadas. É a crise do<br />

desemprego, que pode criar aquilo que o escritor Yuval<br />

Harari (1976-) chamou de uma “enorme classe sem utilidade”.<br />

Além do desemprego causado pelos efeitos da<br />

pandemia do coronavírus, o mundo caminha para outro<br />

tipo de desemprego com o qual ainda não sabe como<br />

lidar. Trata-se do seguinte: nas revoluções tecnológicas<br />

do passado, as máquinas competiam com o ser humano<br />

em habilidades físicas, mas agora, na quarta revolução<br />

POR<br />

JOSÉ PIO MARTINS<br />

ECONOMISTA,<br />

E REITOR DA<br />

UNIVERSIDADE<br />

POSITIVO<br />

tecnológica, as máquinas e os robôs vão competir com<br />

o ser humano em habilidades cognitivas, e milhões de<br />

pessoas perderão seu emprego.<br />

A terceira crise, se houver, fará parte das grandes<br />

catástrofes financeiras. Será a crise dos derivativos. Em<br />

2008-2009 o mundo viu explodir uma grave crise financeira,<br />

cujos efeitos foram devastadores. Essa crise não<br />

explodiu do nada em 2008. Suas causas foram plantadas<br />

e desenvolvidas durante pelo menos os 20 anos anteriores.<br />

Porém, praticamente ninguém não a previu. Uns<br />

poucos especialistas tentaram alertar sobre a formação<br />

da onda que estava vindo em nossa direção. Mas não<br />

foram ouvidos.<br />

Atualmente, há uma onda em formação que pode<br />

terminar em uma crise financeira de grandes proporções.<br />

Trata-se das operações de derivativos (contratos<br />

futuros mercantis e financeiros, derivativos de commodities,<br />

ações, títulos de crédito, juros, câmbio, moedas<br />

etc.). Segundo algumas estimativas, o total de operações<br />

com derivativos chega a ser igual ao valor do produto<br />

bruto mundial, que é de US$ 135 trilhões, multiplicado<br />

por seis.<br />

Derivativos são instrumentos financeiros de proteção<br />

e especulação que ajudam a incentivar a economia mundial<br />

e dar liquidez a ativos representados por bens, direitos<br />

ou obrigações. Não são operações maléficas nem<br />

ilegais. O problema dos derivativos é que são soluções<br />

novas, cujas regras ainda não foram testadas suficientemente.<br />

Isso pode representar a maior bolha financeira<br />

da história.<br />

Se essas crises vão ocorrer ou não, é difícil saber.<br />

Mas há sinais que merecem ser observados e estudados,<br />

pois eles podem representar elos de uma rede que vai<br />

estourar lá na frente, com todos seus efeitos danosos.<br />

Foto: divulgação<br />

58 referenciaindustrial.com.br JUNHO <strong>2020</strong>

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