ESPAÇO ABERTO A HIPÓTESE DAS TRÊS CRISES Ao colocar as pessoas em isolamento social, a pandemia do coronavírus gerou uma crise múltipla: parou parte do sistema produtivo, fábricas e lojas fecharam, estabelecimentos de serviços pessoais deixaram de atender, o desemprego aumentou, e milhões de profissionais autônomos perderam sua renda. O estrago econômico nacional foi grande, a perda financeira das famílias foi expressiva e os efeitos psicológicos do isolamento e do empobrecimento econômico está aí, visível para todos. Esta crise, porque ela ainda não acabou, acendeu um debate novo sobre a previsão de crises futuras. A pergunta principal é: há alguma crise em formação que não estamos vendo e que pode explodir em algum momento do futuro? A pergunta pode parecer um pouco ingênua, pois crises fazem parte da vida econômica, social e política, logo, outras crises virão certamente. Mas, a questão não é essa, e sim tentar ler a realidade mundial e, por meio de informações e estudos, captar sinais que ajudem a prever determinada crise de uma ou outra natureza. Para entrar no debate, penso em três crises possíveis. A primeira, por óbvio, é a crise econômica pós-coronavírus. Que o produto mundial vai cair é algo que todos sabemos. Se o produto cai e a população aumenta, o produto por habitante – que é a versão real da renda per capita – declina, em uns países mais e em outros, menos. Nem a taxa de redução da renda por habitante será igual em todos os lugares nem o empobrecimento terá o mesmo significado. Uma coisa é a queda de 20% na renda per capita da Dinamarca, que hoje está em US$ 61 mil por ano, outra coisa é essa mesma queda no Brasil, cuja renda anual por habitante não chegou aos US$ 11 mil. A segunda crise, e essa é mais estrutural, é o aumento do número de pessoas desocupadas. É a crise do desemprego, que pode criar aquilo que o escritor Yuval Harari (1976-) chamou de uma “enorme classe sem utilidade”. Além do desemprego causado pelos efeitos da pandemia do coronavírus, o mundo caminha para outro tipo de desemprego com o qual ainda não sabe como lidar. Trata-se do seguinte: nas revoluções tecnológicas do passado, as máquinas competiam com o ser humano em habilidades físicas, mas agora, na quarta revolução POR JOSÉ PIO MARTINS ECONOMISTA, E REITOR DA UNIVERSIDADE POSITIVO tecnológica, as máquinas e os robôs vão competir com o ser humano em habilidades cognitivas, e milhões de pessoas perderão seu emprego. A terceira crise, se houver, fará parte das grandes catástrofes financeiras. Será a crise dos derivativos. Em 2008-2009 o mundo viu explodir uma grave crise financeira, cujos efeitos foram devastadores. Essa crise não explodiu do nada em 2008. Suas causas foram plantadas e desenvolvidas durante pelo menos os 20 anos anteriores. Porém, praticamente ninguém não a previu. Uns poucos especialistas tentaram alertar sobre a formação da onda que estava vindo em nossa direção. Mas não foram ouvidos. Atualmente, há uma onda em formação que pode terminar em uma crise financeira de grandes proporções. Trata-se das operações de derivativos (contratos futuros mercantis e financeiros, derivativos de commodities, ações, títulos de crédito, juros, câmbio, moedas etc.). Segundo algumas estimativas, o total de operações com derivativos chega a ser igual ao valor do produto bruto mundial, que é de US$ 135 trilhões, multiplicado por seis. Derivativos são instrumentos financeiros de proteção e especulação que ajudam a incentivar a economia mundial e dar liquidez a ativos representados por bens, direitos ou obrigações. Não são operações maléficas nem ilegais. O problema dos derivativos é que são soluções novas, cujas regras ainda não foram testadas suficientemente. Isso pode representar a maior bolha financeira da história. Se essas crises vão ocorrer ou não, é difícil saber. Mas há sinais que merecem ser observados e estudados, pois eles podem representar elos de uma rede que vai estourar lá na frente, com todos seus efeitos danosos. Foto: divulgação 58 referenciaindustrial.com.br JUNHO <strong>2020</strong>
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