SETEMBRO - edição nº 268
Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique
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RECANTOS HELVÉTICOS
SUBIDA AO TRIFHÜTTE
Branco, azul, branco
MARIA DOS SANTOS
Desde os anos noventa, que me inspiro na
natureza, para renovar energias, manter o
corpo equilibrado e sobretudo encontrar
paz. Com o tempo foi aprendendo a ler os
sinais para ter uma melhor orientação, já
que as montanhas, apesar de serem um verdadeiro
paraíso, são um perigo constante.
Os sinais são, amarelo, para caminhadas
normais e possíveis para todos. Branco,
vermelho, branco, já requerem uma boa
preparação física e ausente de vertigens.
Branco, azul, branco, são considerados
caminhos alpinos. Requerem uma excelente
preparação física, psicológica e sem
medos. Foi sempre um sonho realizar o
percurso, branco, azul, branco.
Agosto foi o mês que escolhi, para esta
realização pessoal. Foi sem dúvida o desfio
da minha vida. Nessa manhã do 1 Agosto
2020 dia Nacional da Suíça, olhei-me ao
espelho; o reflexo dos meus olhos, apenas
me diziam… vai, e vence essa barreira.
Equipada a rigor, parto ansiosa, para a experiência,
direcção da nossa capital.
No confim da província de Berne e na zona
de Gadmertal, numa tangente com o Valais,
encontra-se o meu ponto de partida.
A grande aventura começa.
Deixei o meu carro no parque de estacionamento
de Scwendeli, onde para os menos
atrevidos, dispõem de um teleférico, que os
transporta até 1/3 do caminho, chegando
em vinte e cinco minutos a Trift. Como o
tempo está bom, decidi fazer o percurso
todo a pé. O meu destino era passar pela
ponte e pernoitar na cabana situada a dois
mil quinhentos e vinte metros. A história
destas cabanas construídas nos picos das
montanhas, têm a suas razões. Quase todas
elas pertencem ao clube alpino Suisse
(C.L.S.) A primeira cabana foi construída em
1864, um ano depois da fundação do clube.
No projecto, estava um guia de montanha
chamado Johann Von Weissenfluh.
A segunda cabana “Seis Lugares“ foi a
primeira a ser construída na província de
Berne, também ela com o apoio do Clube
Alpino Suisse.
Subia tranquilamente, admirando e respirando
cada recanto, quando fui surpreendida
por um “ataque de fome” que me apanhou
totalmente de surpresa… mas normal,
pois levava já duas horas e meia de marcha
e sempre a subir. Excelente pensei eu. Comendo,
teria menos peso na mochila o que
me facilitaria a resto da subia. Olho para as
indicações, e num respiro profundo, verifico
e ainda teria para mais duas horas, até
chegar a Windegghütte e poder conhecer
a famosa ponte suspensa, que liga as duas
montanhas e onde se eleva um maravilho
glaciar e um lago de cores indescritíveis.
Esta ponte mede cento e setenta metros
comprimento e está a cem metros de altitude
do lago glaciar. Foi construída em Junho
2009, inspirada no modelo da ponte Nepal.
É neste ponto que os meus olhos se cruzam
com a placa, branca, azul, branca. Indicação
de três horas. Tinha chegado a hora da
verdade e testar a minha estrutura física.
Após uma hora de subida, sinto como que
uma esponja a absorver-me energia. Inúmeras
escadas para se passar de um pico para
outro, muitas correntes que nos ajudam no
percurso, pontes de ferro, para não nos
molharmos nas belas cascatas e as minhas
mãos que começam a ficar dolorosas, do
contacto com o metal. Esqueci-me das luvas.
Nenhuma viagem é perfeita.
O glaciar ali está. Brilhante maciço e anunciando
um sumptuoso pôr do sol, pelas
cores que descubro pela primeira vez.
Caminho há cerca de três horas, as forças
estão a chegar ao limite e não avisto ainda
a Trifhütte, onde me espera um suculento
e merecido jantar.
Relento a marcha involuntariamente. As
pernas, recusam-se a subir! Temo pela
primeira vez não chegar ao destino, mas
voltar para trás seria a pior solução, por
isso tenho de continuar.
Deixo por momentos de desfrutar da natureza
e vagueio mentalmente por outros
destinos à procura de força. A passo de
caracol, com o corpo a dizer pára, avisto a
cabana. A distância era pouca, mas chegar
lá levou-me ao limite físico e psicológico.
Completamente exausta, a família que explora
a cabana, Nicole, Artur e dois filhos
de tenra idade, que correm sobre as pedras
e terra a pés nus, sorriem ao verem-me
chegar. Chá á disposição, para compensar
a perda de água. Que bem me soube!
Sento-me e dou comigo a explorar cada
montanha, cada nuvem, cada cor e a conhecer
o grupo que me faria companhia naquele
serão. Pouco a pouco vou recuperando.
A um momento os meus olhos cruzam-se
com o olhar azul de Artur e a única coisa
que penso, é que por um triz, ele não me
foi buscar com as cordas de salvamento.
Não foi preciso. Consegui e fiquei a conhecer
o meus limites. Um percurso branco,
azul, branco, nunca mais.
Um majestático pôr-do-sol veio fazer-me
esquecer as oito horas de dura caminhada.
Conclusão: se não tivesse feito esta experiência,
nunca conheceria os meus limites
e sobretudo que cheguei, porque a técnica
que tenho assim o permitiu.
O poder da mente foi meu cúmplice e nada
melhor que guardar os momentos de plena
felicidade vividos, com quer que seja e
onde seja, para os poder resgatar quando
precisamos.
A paisagem é indiscutível. É preciso ver para
acreditar e de tão irrefutável aos meus olhos,
fiquei com uma visão desta montanha, que
arranha o sagrado.
Setembro 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU