Revista UnicaPhoto - Ed.16
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ÁUDIODESCRIÇÃO
o registro das cores amplia
a experiência estética
Liliana Tavares
no brilho... No dia a dia, essa instabilidade pode ser mais
claramente experimentada na hora do lusco-fusco, do
alvorecer, quando as silhuetas se acentuam, e, logo em
seguida, aos poucos, as cores vão ganhando definição,
a paisagem fica iluminada, e se mostra em cores. O
oposto acontece durante o crepúsculo. Essa volatilidade
da cor fica ainda mais evidente quando usamos os
diversos dispositivos digitais imagéticos para produzir ou
reproduzir cores. Por exemplo, o uso de um programa de
design que fixa e define uma paleta de cores, não garante
que determinada cor será vista igualmente em outras
telas, menos ainda na impressão do papel.
Na audiodescrição de fotografias, detalhes simples,
como o de mencionar o céu azul ou cinza já dá o
indicativo do tempo; falar a cor da pele de uma pessoa
fornece informação étnico-social. “Ver” por meio da
audiodescrição é uma experiência cognitiva-sensorial
que sempre questiona o entendimento de ver apenas em
função do sistema ótico.
Nestes dois exemplos de audiodescrição das fotografias
de Renata Victor, uma em preto e branco e outra colorida,
é possível observar o quanto de informação está contida
nas cores.
Foto em preto e branco na horizontal do rosto de um
caboclo de lança de meia-idade. Ele tem feições que
evidenciam sua ancestralidade afro-indígena. Tem o
nariz largo e bigode fino, rente ao lábio. Olha para a
esquerda e ao longe. Tem um cravo branco no canto
esquerdo da boca, preso pelos dentes, de onde sai
um trancelim fino. Usa um lenço estampado ao redor
da cabeça, amarrado no queixo; e, por cima, o chapéu,
de aba larga, densamente coberto por fitas finas e
leves. Sobre os ombros, vê-se parte da gola bordada de
lantejoulas.
Ainda existe o mito de que as pessoas com deficiência visual não conseguem “ver” as cores.
Grosso modo, as pessoas com deficiência visual podem ser divididas em três grupos: 1 -
pessoas que nasceram sem a visão, as cegas congênitas; 2- pessoas que perderam a visão,
as cegas adventícias; e, 3- pessoas que têm baixa visão, sendo este grupo muito diverso
em graus de acurácia da percepção visual. Assim, a experiência com as cores vai depender, não
apenas da condição física, biológica, mas também de vivência psicossociocultural de cada indivíduo.
Sabe-se que, tradicionalmente, a cor predominante do
chapéu de um caboclo de lança é a cor do “guia”. Nesse
caso, o chapéu é amarelo dourado, a cor de Oxum.
As cores carregam aspectos subjetivos, muitas vezes
significados arquetípicos que podem e devem fazer parte
do universo da pessoa com deficiência visual por meio da
audiodescrição.
Portanto, mesmo quando um cego me diz que “as cores não têm nenhum significado” para ele, que
“dizer ou não dizer uma cor dá no mesmo”, e que ele só quer saber das cores das roupas na hora da
compra, para poder marcá-las e saber como escolher as peças na hora de vestir, eu percebo aí, nesse
ato da escolha da cor da roupa, já uma forma de significação da cor. Nesse momento, ele se contradiz
e revela a necessidade de participar do significado cultural do uso da cor adequada da roupa para
cada ocasião (horário, local, propósito), e busca replicar a referência estética para uso de uma de cor
de roupa (moda, estilo, representação de personalidade, status).
Ao contrário do exemplo acima, a maioria das pessoas com deficiência visual valoriza e se interessa
pelas cores. Elas entendem que as cores podem estimular a construção de significados, de sensações
e de estados emocionais que ganham corpo na relação com diversos estímulos imagéticos. Flavia
Mayer (2018) propõe uma perspectiva de auto-organização criativa do processo de conceitualização
das cores, tendo em vista as especificidades do público com deficiência visual. Essa auto-organização
é a forma como cada um faz sua cadeia de associação e imaginação.
Além de todo o aspecto cultural e simbólico que envolve as cores, trabalhar com elas, e também com a
ausência delas, é lidar com algo que é mutável e que varia de acordo com a incidência de luz. Algo que
possui nuances e que podem se revelar em diferentes intensidades, na opacidade, na transparência,
REFERÊNCIAS
MAYER, Flávia Affonso. A importância das coisas que não existem.
Construção e referenciação de conceitos de cor por pessoas com
cegueira congênita. BH: Editora PUC -Minas, 2018.
DOMINGUES, Celma dos Anjos. A Educação Especial na Perspectiva
da Inclusão Escolar: os alunos com deficiência visual: baixa visão e
cegueira / Celma dos Anjos Domingues ... [et.al.]. - Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza] : Universidade
Federal do Ceará, 2010.
Audiodescrição:
Roteiro e narração: Liliana Tavares
Consultoria: Michelle Alheiros
Edição de som: Júlio Reis
Foto: Renata Victor
Colorido
P&B
Foto colorida na horizontal do rosto de um caboclo de
lança de meia-idade. Ele tem feições que evidenciam
sua ancestralidade afro-indígena. Tem nariz largo, pele
queimada do sol, e bigode fino, rente ao lábio. Olha
para a esquerda e ao longe. Tem um cravo branco no
canto esquerdo da boca, preso pelos dentes, de onde sai
um trancelim prateado fino. Usa um lenço estampado
azul, vermelho, amarelo e roxo, ao redor da cabeça,
amarrado no queixo; e, por cima, o chapéu, de aba
larga, densamente coberto por fitas douradas, finas
e leves. Sobre os ombros, vê-se parte da gola bodada
de lantejoulas coloridas, cada linha de uma cor: branca,
vermelha e azul. O dourado brilhante do chapéu reflete
sobre rosto suado. O canto inferior direito, com fitas e
parte da gola, está desfocado.
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