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Revista UnicaPhoto - Ed.16

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COLUNA

CATÁLOGO

A formação de um

coisógrafo

Sidney Rocha

Olha o

passarinho!

Betânia Corrêa de Araújo

Nas festas de família do século XX, além de louças e talheres, toalhas e doces, uma nova

ferramenta entrou em cena. A câmera fotográfica.

Muitas leicas foram adquiridas por fotógrafos amadores para registrar batizados, festas religiosas e almoços

de família. São fotografias que permanecem no nosso convívio em paredes e porta retratos e nos conectam

com o passado por meio de imagens que esbanjam poesia.

O sabor do tempo, revelado na oxidação dos papéis fotográficos muitas vezes abandonados em brechós e feiras de

antiguidades, emociona pelo afeto ou por mera curiosidade.

São imagens de um tempo em que a fotografia tinha o valor da modernidade.

Ser moderno era revelar-se.

1“Num meio-dia de fim de primavera”, o poeta Alberto Caeiro teve

“um sonho como uma fotografia.” Sonhou com figuras sagradas e

coisas banais – onde geralmente a verdadeira poesia mora. Talvez

pudesse se dizer: um sonho “de formação”, “bildungsroman”, como

a expressão aparece no métier literário. O termo deve ser a base para este

texto. Espero.

Deixemos o poeta ali, no seu meio-dia que nada tem a ver com o Demônio

do Meio-dia de Solomon. Mas, de alguma forma, com seu (e meu) daimon.

Vejamos onde chego.

Uma leitura das mais marcantes da minha garotice, depois do Quixote de

Cervantes, foi um desses “bildungsromans”: Anos de aprendizado de Wilhelm

Meister, de Goethe. A cada edição que compro, vou lá e marco a mesma oração

ou reza: “Instruir-me a mim mesmo, tal como sou, tem sido obscuramente meu

desejo, desde a infância. Ainda conservo essa disposição.”

A essa altura do romance, Wilhelm, o protagonista, está vivendo seu inferno

na Terra. Naquela época, tínhamos isso em comum. Verões os mais duros,

outonos injustos, grandes invernos foram bem marcados e eram mais fins

que primaveras, na vida. Ah, não culpo o Sol nem os planetas. A vida para mim

sempre foi sobre minhas escolhas e de ninguém ou nada mais. Ali estava à

prova minha formação, a ferro&fogo. Esse fogo&ferro se chama literatura. Ela

me levou por essas estações, sonhando o sonho de outro poeta, Rimbaud, de

sentar a Beleza em meus joelhos. Sem tantas forças para injuriá-la.

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