Revista UnicaPhoto - Ed.16
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ARTIGO
Mercadoria e fantasmagoria:
entre Walter Benjamin e
The Bling Ring
André Antônio Barbosa
“
Yes I’m a shopaholic, I’m a
Gucci addict
Can’t take my Visas from me,
gotta support my habbit
I spend a couple stacks, a
little here and there
They say I’m overshopping,
darling, I don’t really care
I’m a sucker for that Prada,
I’m a sucker for couture
I want it all baby just give me
give me more”
Reema Major
Em seus escritos sobre a Paris “capital do
século XIX”, Walter Benjamin (2009) estava
desenvolvendo uma maneira nova de enxergar a
experiência estética na modernidade capitalista.
Sua investigação foi interrompida. Nesses escritos,
Benjamin não enxergava o reino sensível da mercadoria
como uma contraposição radical ao reino utópico da
arte moderna, como parece ser a posição mais ampla do
discurso modernista. Pelo contrário, ele investiga e tateia
uma espantosa aliança entre esses reinos.
Benjamin, sobretudo a partir do pensamento de Auguste
Blanqui, sugere que o sujeito, no capitalismo avançado,
está dominado por uma fantasmagoria que o faz reificar
sua relação com a história, transformando todos os
elementos longínquos do passado em coisas pertencentes
a uma espécie de presente eterno, demoníaco e tedioso.
É o eterno retorno do mesmo da repetição serial e
mecânica da mercadoria, do valor de troca que equivale
quantitativamente coisas das mais diversas qualidades,
do fetichismo que enfeitiça os objetos e impede que
a “verdade” das relações e dos valores de uso sejam
transparentes ou acessíveis. Assim Benjamin descreve
essa fantasmagoria da qual os modernos são escravos e
que não permite, como uma maldição, que eles retomem
uma relação mais autêntica com o mundo:
Blanqui revelou, no seu último escrito, os
traços terríveis dessa fantasmagoria. Nesse
texto, a humanidade figura como condenada.
Tudo o que ela poderá esperar de novo revelarse-á
como uma realidade desde sempre
presente; e este novo será tão pouco capaz
de lhe proporcionar uma solução libertadora,
quanto uma nova moda é capaz de renovar a
sociedade. A especulação cósmica de Blanqui
comporta o ensinamento segundo o qual a
humanidade será tomada por uma angústia
mítica enquanto a fantasmagoria aí ocupar
um lugar (BENJAMIN, 2009, p. 54)
Conhecemos de perto, até hoje, a lógica dessa
fantasmagoria – que a certa altura Benjamin denomina
de “progresso” (Idem, p. 66) – quando percebemos,
perplexos, que continuamos insistindo em acreditar nas
vagas potencialidades de acumulação e enriquecimento e
nas promessas abstratas de progresso e felicidade que o
fetiche e a experiência da compra de mercadorias trazem
consigo. Depois de o círculo se repetir incontáveis vezes,
sem que haja de fato qualquer avanço, constatamos que
a sucessão de coisas “diferentes” com as quais tínhamos
construído frágeis narrativas pessoais não passou, como
uma peça publicitária muito óbvia, de uma impessoal e
entediante sucessão do mesmo. A inversão “globalizada”
da frase de Marx e Engels que escutamos no filme
Cosmópolis (2012), de David Cronenberg – “Um fantasma
ronda o mundo: o fantasma do capitalismo” – ecoa
completamente o pensamento de Benjamin: o a lógica
capitalista é a fantasmagoria última.
O que, porém, a investigação de Benjamin traz de
verdadeiramente novo é a apresentação de uma forma
de subjetividade que, ao invés de tentar “escapar” dessa
fantasmagoria para (re)encontrar uma “verdade” perdida,
opta, pelo contrário, por se perder tão radicalmente
nos labirintos artificiais da própria fantasmagoria que
ensejaria uma transfiguração do peso e da força dos
seus grilhões demoníacos. Benjamin tateou esse tipo de
sensibilidade em certos objetos de investigação: por um
lado, artistas como Baudelaire, Proust, os surrealistas,
Kafka e por outro, figuras como o flanêur, o boêmio,
o dândi e instituições da época como as exposições
universais, as passagens de Paris, as vitrines, a moda e os
interiores burgueses.
Para Benjamin, na coisificação – ou artificialização – de
tudo, é possível ou se escravizar por completo (e com as
mudanças da sociedade de controle e do biopoder atuais,
o capitalismo tem mostrado uma capacidade de se
renovar incansavelmente para conservar essa escravidão)
ou aproveitar a chance para, já que o passado virou uma
mera mercadoria brilhante na vitrine, juntar de maneira
inaudita – mesmo que lúdica e frívola – o longínquo e o
atual.
Assim, ao contrário do que muitos discursos que se
querem radicais pregam, ao condenarem de maneira
violenta, apressada e unilateral a artificialidade, a
frivolidade e a fantasmagoria fetichista em prol de uma
espécie de retorno a um valor de uso mais “natural” das
coisas e dos objetos – um retorno à “verdade” que seria
preciso revelar por baixo do ópio enganador que vitima
as massas – a hipótese de Benjamin é que a chave para o
problema da fantasmagoria está na própria fantasmagoria
incorpórea do capitalismo. Giorgio Agamben, sem dúvida
um dos principais continuadores do legado benjaminiano
na atualidade, volta ao próprio Marx para apontar a
fraqueza do primeiro tipo de posicionamento:
Marx opõe o gozo do valor de uso à
acumulação do valor de troca, como algo
natural a algo aberrante, e se pode afirmar
que toda a sua crítica do capitalismo é feita em
nome da concretude do objeto de uso contra
a abstração do valor de troca. (...) O limite
da crítica de Marx reside no fato de que ele
não consegue superar a ideologia utilitarista,
segundo a qual o gozo do valor de uso é a
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