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Gestão Hospitalar N.º 24 2021

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#gestão em saúde, por Vasco Reis
Homenagem
Vasco Reis:“A inoculação do bichinho da saúde teve como instrumento a administração”
Testemunhos de familiares e amigos
Saúde Global
Portugal na saúde global
A síndrome de fragilidade em idosos: revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação e escalas de classificação
Acesso a cuidados de saúde para além da Covid-19
Reaproximar os doentes não-Covid dos serviços de saúde no contexto da pandemia
Responsabilidade em saúde pública no mundo lusófono: fazendo justiça durante e além da emergência da Covid
Infeções associadas a cuidados de saúde e segurança do doente
Comunicação institucional: até quando o parente pobre na gestão dos hospitais?
SNS: e agora para algo completamente diferente
Projeto Oncommunities: acompanhamento online para mulheres com cancro de mama
Design Thinking como ferramenta para a eficiência no bloco operatório
A farmacogenética na prática clínica
Como podemos ter mais ensaios clínicos nos centros de investigação e tornar Portugal mais atrativo nesta matéria?
Liderança Digital: ENESIS 2020-22

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GH SAÚDE PÚBLICA<br />

INFEÇÕES ASSOCIADAS<br />

A CUIDADOS DE SAÚDE<br />

E SEGURANÇA DO DOENTE<br />

Rita Filipe<br />

Médica Assistente de Saúde Pública<br />

Este artigo pretende rever o impacto que<br />

as infeções associadas a cuidados de saúde<br />

(IACS) têm nos serviços de saúde e<br />

realçar que estas constituem uma componente<br />

crítica de qualquer programa de<br />

segurança do doente.<br />

A World Alliance for Patient Safety foi criada, em 2004, na<br />

57ª Assembleia Mundial de Saúde, para tornar a segurança<br />

dos doentes uma iniciativa global e a prevenção<br />

das IACS (clean care is safer care), foi uma das 6 áreas<br />

que foi considerada prioritária. 1<br />

As IACS constituem um problema de saúde pública devido<br />

à elevada morbimortalidade e custos associados. 2<br />

Considera-se IACS qualquer infeção adquirida pelos doentes<br />

em consequência dos cuidados e procedimentos<br />

de saúde prestados e que pode, também, afetar os profissionais<br />

de saúde durante o exercício da sua atividade.<br />

Por vezes, estas infeções são também denominadas de<br />

infeções nosocomiais, apesar desta designação não ser<br />

inteiramente abrangente por excluir o ambulatório. 3<br />

O conceito de IACS é, por isso, mais abrangente já que<br />

se refere a todas as unidades prestadoras de cuidados de<br />

saúde, pelo que é importante assegurar a comunicação<br />

e a articulação entre as diversas unidades de saúde, para<br />

a identificação destas infeções a fim de reduzir o risco de<br />

infeção cruzada. 3<br />

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as<br />

IACS constituem hoje uma epidemia silenciosa, sendo o<br />

evento adverso mais frequente ao nível da prestação de<br />

cuidados de saúde. 4 Estima-se que um em cada quatro<br />

doentes internados numa UCI tem um risco acrescido<br />

de adquirir uma IACS, sabendo-se ainda, que esta esti-<br />

mativa pode duplicar nos países menos desenvolvidos. 3<br />

Embora parte destas infeções possam ser o preço a pagar<br />

pelos avanços tecnológicos e terapêuticos, considera-se<br />

que pelo menos 20% de todas as IACS seriam<br />

provavelmente evitáveis. 2<br />

As infeções urinárias são as IACS mais frequentes, no<br />

entanto as infeções da corrente sanguínea e as pneumonias<br />

estão associadas a maior mortalidade e custos. 2<br />

A Pneumonia Associada ao Ventilador (PAV) corresponde<br />

à pneumonia que ocorre mais de 48 horas após<br />

a entubação endotraqueal e constitui a segunda infeção<br />

nosocomial mais frequente (a seguir à infeção urinária),<br />

e aquela que representa maior mortalidade (20-33 %). 4<br />

Das estratégias que visam a prevenção da PAV destaca-<br />

-se o conceito proposto, em 2007, pelo Institute for Healthcare<br />

Improvement (IHI) de Ventilator Bundle que não é<br />

mais do que um conjunto de cinco componentes de<br />

cuidados que refletem uma prática baseada na evidência.<br />

Estas cinco componentes são: a elevação da cabeceira<br />

da cama a 30-45°, a interrupção diária da sedação com<br />

avaliação da possibilidade de extubação, a profilaxia da<br />

úlcera péptica, a profilaxia da trombose venosa profunda<br />

e a descontaminação oral diária com clorohexidina. 5<br />

Estas componentes são consideradas o núcleo da estratégia<br />

e promovem uma abordagem do tipo “tudo ou<br />

nada” em que mais importante do que o valor individual<br />

de cada uma é o princípio subjacente a uma abordagem<br />

integrada e multifatorial. 2<br />

A Infeção Nosocomial da Corrente Sanguínea (INCS)<br />

é uma infeção sistémica que não estava presente nem<br />

em incubação no momento da admissão do doente na<br />

Unidade de Saúde. Encontra-se frequentemente associada<br />

ao uso de cateter, cuja utilização é uma prática<br />

quase indispensável em contexto de cuidados intensivos.<br />

A mortalidade atribuída é aproximadamente de<br />

4-20%. O IHI também desenvolveu um Central line bundle<br />

que compreende cinco componentes cuidados que<br />

refletem uma prática baseada na evidência, a saber: higiene<br />

das mãos, utilização de barreiras de proteção máximas<br />

aquando da colocação do cateter, utilização de<br />

clorohexidina na antissepsia da pele, escolha ideal do local<br />

de inserção do cateter e a revisão diária da necessidade<br />

de cateter com a sua remoção logo que possível. 6<br />

A infeção urinária constitui a infeção nosocomial mais<br />

frequente (<strong>24</strong> %) e estima-se que 80% destes episódios<br />

se relacione com a cateterização vesical. Estima-se que,<br />

aplicando as medidas de controlo de infeção adequadas,<br />

se possam evitar até 69% das infeções urinárias o que<br />

representa 380.000 infeções e 9.000 óbitos por ano. 7<br />

No “pacote” de intervenções estão contempladas: utilização<br />

de técnica asséptica na colocação e manuseamento<br />

do cateter urinário, utilização de dispositivo urinário<br />

não invasivo ou de cateterização intermitente sempre<br />

que possível, respeito estrito das indicações clínicas para<br />

colocação e promoção da remoção precoce do cateter. 2<br />

A infeção do local cirúrgico (ILC) são o segundo efeito<br />

adverso mais frequente que ocorre no doente hospitalizado<br />

levando a um aumento da mortalidade, prolongamento<br />

de internamento, reinternamentos e custos<br />

acrescidos. 10 De acordo com o IHI, 40 a 60 % por cento<br />

das ILC são evitáveis. As medidas de prevenção de eficácia<br />

comprovada envolvem o uso apropriado de antibióticos<br />

profiláticos, tricotomia só quando indicado e por<br />

métodos que não lesem a pele, controlo da glicémia na<br />

cirurgia cardíaca e manutenção da normotermia no pós-<br />

-operatório da cirurgia colorectal. 7<br />

O fenómeno da multirresistência foi descoberto nos<br />

anos 60 a 80. A resistência bacteriana aos antibióticos<br />

representa a evolução contínua na luta pela sobrevivência<br />

das espécies, manifestando-se quer pela capacidade<br />

de sofrer mutações, quer pela troca de material genético<br />

entre as espécies bacterianas. 2<br />

As manifestações clínicas das infeções por microrganismos<br />

multirresistentes podem não ser mais graves, mas<br />

complicam a sua abordagem estreitando o leque de opções<br />

terapêuticas. Consequentemente representam um<br />

aumento significativo de morbimortalidade e dos custos<br />

associados. 8<br />

Portugal possui uma Rede Nacional de Vigilância Epidemiológica<br />

de Resistências aos Antimicrobianos. Globalmente,<br />

Portugal tem apresentado taxas de resistência<br />

semelhantes às da maioria dos países europeus em termos<br />

de Klebsiella, Enterobacter e Pseudomonas e taxas<br />

mais elevadas que a média europeia em Staphylococcus<br />

aureus e Enterococcus. No que se refere à ocorrência de<br />

infeção por MRSA apesar de se ter verificado uma diminuição<br />

dos valores entre 2011 (53.4%) e 2013 (46.8%),<br />

Portugal continua a estar entre os países europeus com<br />

mais elevada taxa de MRSA, assim como de Enterococcus<br />

faecium resistente à vancomicina. 3,9<br />

A segurança do doente resulta da interação de diversos<br />

fatores relacionados, por um lado, com o doente e,<br />

por outro, com a prestação de cuidados que envolvem<br />

elementos de natureza individual e organizacional/estrutural.<br />

A eficácia das intervenções para a prevenção e controlo<br />

da infeção dependem da forma como são definidos<br />

e implementados os programas de controlo de infeção. 2<br />

A pandemia por Covid-19 evidenciou a importância da<br />

segurança dos profissionais de saúde e como a segurança<br />

dos doentes dependem desta, não havendo segurança<br />

dos doentes sem que exista segurança dos profissionais<br />

de saúde. Equipamentos de proteção individual<br />

(EPI) inadequados são um problema em vários settings,<br />

como por exemplo os hospitais ou as estruturas residenciais<br />

para idosos, havendo infelizmente vários exemplos<br />

de profissionais de saúde que ficaram infetados e morreram<br />

de Covid-19. 10<br />

Assim, à semelhança do verificado em surtos anteriores,<br />

como o Ébola ou a Síndrome Respiratória do Médio<br />

Oriente (MERS-CoV), apenas quando os profissionais<br />

de saúde estiverem em segurança é que os seus doentes<br />

estarão seguros, e só desta forma é que conseguirão<br />

manter o sistema de saúde seguro e resiliente. 10<br />

Em conclusão, as IACS constituem um desafio para o século<br />

XXI e o seu combate tem o potencial de salvar milhões<br />

de vidas, reduzir a morbilidade e incapacidades de<br />

longa duração e levar a grandes poupanças através da implementação<br />

de conjuntos básicos de medidas de controlo<br />

de infeção, contribuindo assim para a segurança<br />

do doente. Ã<br />

1. Campos, L., Saturno, P., Carneiro, A.V.. “Plano Nacional de Saúde 2011-2016:<br />

a qualidade dos cuidados e dos serviços”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2010.<br />

2. Pina, E., Ferreira, E., Marques, A., Matos, B.. “Infecções associadas aos cuidados de<br />

saúde e segurança do doente”. Revista Portuguesa de Saúde Pública; 2010.<br />

3. Direção-Geral da Saúde. “Programa nacional de prevenção e controlo da infecção<br />

associada aos cuidados de saúde”. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2007.<br />

4. Centers for Disease Control and Prevention. “Guidelines for preventing health-care-associated<br />

pneumonia”. Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther;<br />

2003.<br />

5. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide : Prevent Ventilator- Associated<br />

Pneumonia” Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement; 2012.<br />

6. Institute for Healthcare Improvement. “How-to Guide: Prevent Central Line-<br />

-Associated Bloodstream Infections”. Cambridge, MA: Institute for Healthcare Improvement;<br />

2012.<br />

7. Gould, C.V. et al.. “Guideline for Prevention of Catheter-Associated Urinary Tract<br />

Infections 2009”. Healthc Infect Control Pract Advis Comm; 2009.<br />

8. Siegel, J.D. et al.. “Management of Organisms In Healthcare Settings, 2006”. American<br />

Jounal of Infection Control; 2006.<br />

9. European Centre for Disease Prevention an-d Control. “Surveillance of antimicrobial<br />

resistance in Europe 2018”. Stockholm: ECDC; 2019.<br />

10. Shaw, A., Flott, K., Fotana, G., Durkin, M., Darzi. A..“No patient safety without<br />

health worker safety” Lancet 2020: 1–2. https://doi.org/10.1016/S0140-<br />

6736(20)31949-8.<br />

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