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Sapeca 29

Misto de sapo e perereca Nº 29 – Junho/202l – Editor: Tonico Soares

Misto de sapo e perereca
Nº 29 – Junho/202l – Editor: Tonico Soares

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pressão. Depois, incentivado por sua companheira Sônia Nolasco, voltou à carga

e os livros saíram, massacrados pela crítica. Não que sejam descartáveis, mas

muito aquém do que pretendia o autor: ser o Scott Fitzgerald de sua época.

O negócio de Ivan não era esmiuçar a mente humana, mas se ater às “miudezas”

que ela produz: a era do rádio, gírias e propagandas antigas, personagens

pitorescos como Sabu, gibis do tempo do onça, estampas Eucalol, por aí, com a

pena da galhofa e ironizando a melancolia. A propósito, dizia para os escritores

tupiniquins lerem, entre outros, menos Hemingway e mais Machado de Assis.

Lirismo, pouco, como sacar que olho de passarinho parece semente de mamão

papaia. Para Rubem Fonseca, o maior escritor brasileiro que não escreveu livro.

Sobre cantores nacionais, cultuava Sílvio Caldas e Lúcio Alves, e a este

convidava para cantar só para si, quando morava no Rio. Rio que amava, o dos

anos 1940 e 50 e que deixou de amar, cada vez mais violento e desfigurado pela

especulação imobiliária, dando uma banana (a propósito, chamava o Brasil de

bananão e os Estados Unidos, bananão do norte) praquilo tudo, fixando-se em

Londres, pra não mais voltar, nem mesmo pro enterro de seu pai, o escritor Orígenes

Lessa, mais conhecido por O feijão e o sonho, que virou novela de TV.

Ivan era também bisneto de Júlio Ribeiro, autor do romance “obsceno” A carne,

mas disso, não sei se falou; era muito discreto em assuntos de família. Gozava

fora de casa, por exemplo, a Senhora Leandro Dupré, autora de Éramos seis.

Quando menino, morou com o pai e a mãe (a escritora Elsie Lessa) no

bananão do norte e juro que vi, mas não achei no Google, foto dele na piscina de

Carmen Miranda, em Hollywood, o que não é pra qualquer um. Já homem feito,

conheceu Nova Iorque, preferindo Londres, onde morou por dois períodos. No

segundo e mais longo, só voltou ao bananão por duas semanas, numa revisita ao

Rio, a convite da revista Piauí. E, diga-se, não gostou do que viu trinta anos depois,

podendo ter repetido o que disse quando partiu: tudo feio, chato e burro.

Em Londres, também morou sua mãe, correspondente d’O Globo e vale

lembrar uma crônica em que fala que um dia a rainha convidou as jornalistas estrangeiras

para um chá nos jardins do palácio de Buckingham. Foi com a filha

única de seu único filho e na hora dos cumprimentos, falou para sua majestade

que amava a Inglaterra, todavia, com o peso da idade, estava de partida para Portugal,

um clima mais ameno e deu o endereço, caso a nobre senhora lhe concedesse

a honra de uma visita. E a menina, ansiosa: “Vó, e se ela for?”. Resposta:

“Muito simples: eu prendo a gata, pra não arranhar as meias dela, ofereço chá,

que ela gosta, e vamos falar da vida alheia, que eu sei que ela também gosta”.

No Pasquim, Ivan divertia os leitores (e os colegas) tanto quanto os humoristas

profissionais, Millôr, Jaguar, Ziraldo etc. Observações agudas, nível menino

que vê a calçola da professora, sem querer ser profundo, mas sendo. Eu o vi

uma vez no Leme, onde morava sua mãe, outra, numa livraria pro lançamento de

livro publicado pela Codecri (Comitê de Defesa do Crioléu), sigla inventada por

Henfil e que deu nome à editora daquele jornal, no qual estive com o crítico Roberto

M. Moura. Ivan estava encantado com uma fita que recebera contendo a

gravação do último show de Chico Alves, o deus maior do Olimpo da era do rádio,

em São Paulo, antes do acidente que o matou. Para Ivan, equivalia a um

achado arqueológico, não que vivesse no passado, ao contrário, sempre antenado

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