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Etcetera – primavera 2020

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Carreira de compositor

Em um depoimento para a revista

Época, Motta confessa que a profissão

de expert em cultura foi a maneira que

encontrou para dar vazão à sua paixão

não correspondida pela música.

Um desses recursos foi se tornar letrista.

Em 1966, a canção Saveiros, sua

parceria com Dori Caymmi, se tornou

vencedora do Festival Internacional da

Canção. Foi o ponto de partida de mais

de 300 parcerias, com compositores e

cantores como Lulu Santos, Rita Lee,

Ed Motta, Guilherme Arantes e João

Donato. Um dos poucos períodos em

que não desempenhou sua função com

tanto afinco foi de 1969 a 1977, tempos

em que havia uma repressão forte

do governo militar. “A ditadura me

deixou pouco à vontade para compor.

Felizmente outros seguiram escrevendo

naquele período”, declarou ao jornal

Correio Braziliense. O recesso lírico coincide

também com o período no qual foi

recrutado pela gravadora Philips (hoje

Universal) para trabalhar como produtor

de discos de artistas da categoria

de Elis Regina e Maria Bethânia. Mas o

retorno à pena se deu de maneira espetacular

– com Dancin’ Days, das Frenéticas,

canção que marcou o auge da era

disco no Brasil.

Ao longo de sua carreira como jornalista,

Motta optou por manter de lado

sua relação pessoal com os músicos,

embora soubesse que sua proximidade

com as fontes lhe renderia notícias exclusivas.

Em outras palavras, ele sempre

preferiu perder a notícia a perder

o amigo. “Se não tratasse bem minhas

fontes, quantas coisas eu não saberia?

O Vinicius de Moraes, por exemplo,

seus romances secretos, bebedeiras,

vexames. Imagina se eu contasse isso...

Sempre tive do Vinicius as melhores

notícias antes de todo mundo. E, assim

como ele, de muitos outros. Porque

eu respeitava a privacidade de coisas

que sabia serem sensíveis”, comentou

numa entrevista. O comportamento

rendeu um bom quinhão de notícias

exclusivas e uma sobrevivência fora

do comum dentro da imprensa musical

brasileira. Ele acompanhou, como

poucos, as principais movimentações

do showbiz das últimas décadas – bossa

nova, tropicália, soul e disco e rock

nacional... todos foram devidamente

registrados pelas colunas de Motta. Foi

um influencer de seu tempo, deu espaço

a Jards Macalé e Luiz Melodia, artistas

cujo epíteto de “maldito” os afastou

das multidões. “Meu objetivo como

EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 28

jornalista foi jogar luz sobre coisas bacanas

que estavam obscuras, trazê-las

ao público”, diz.

Mas Nelson Motta não é bonzinho:

quando acha necessário, sabe espinafrar

até mesmo os amigos. “Uma vez eu

o vi chamar um cantor de chato, ainda

que reconhecesse o talento desse artista”,

confessa Marcello Bôscoli. O próprio

Motta faz questão de dissipar essa

visão cândida que se possa ter dele.

“Não sou santo, não sou bom moço, não

ofereço a outra face, não sou nada disso.

Eu fico puto com as coisas”, explica.

E ele não esquece. Certa vez, Motta

se indignou com o tratamento dado ao

cantor Cazuza em uma matéria de capa

de uma conhecida revista semanal

brasileira. A desforra, que veio muitos

anos depois, foi batizar o personagem

de marido traído de um de seus romances

com o nome do diretor de redação

da revista: Mario Sergio. “Vingança é

um prato que se come frio” , diz um velho

ditado klingon (fãs de Quentin Tarantino

e Star Trek entenderão).

“Meu objetivo

como jornalista

foi jogar luz sobre

coisas bacanas que

estavam obscuras,

trazê-las ao público”

Foto: Daniel Pinheiro

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