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Carreira de compositor
Em um depoimento para a revista
Época, Motta confessa que a profissão
de expert em cultura foi a maneira que
encontrou para dar vazão à sua paixão
não correspondida pela música.
Um desses recursos foi se tornar letrista.
Em 1966, a canção Saveiros, sua
parceria com Dori Caymmi, se tornou
vencedora do Festival Internacional da
Canção. Foi o ponto de partida de mais
de 300 parcerias, com compositores e
cantores como Lulu Santos, Rita Lee,
Ed Motta, Guilherme Arantes e João
Donato. Um dos poucos períodos em
que não desempenhou sua função com
tanto afinco foi de 1969 a 1977, tempos
em que havia uma repressão forte
do governo militar. “A ditadura me
deixou pouco à vontade para compor.
Felizmente outros seguiram escrevendo
naquele período”, declarou ao jornal
Correio Braziliense. O recesso lírico coincide
também com o período no qual foi
recrutado pela gravadora Philips (hoje
Universal) para trabalhar como produtor
de discos de artistas da categoria
de Elis Regina e Maria Bethânia. Mas o
retorno à pena se deu de maneira espetacular
– com Dancin’ Days, das Frenéticas,
canção que marcou o auge da era
disco no Brasil.
Ao longo de sua carreira como jornalista,
Motta optou por manter de lado
sua relação pessoal com os músicos,
embora soubesse que sua proximidade
com as fontes lhe renderia notícias exclusivas.
Em outras palavras, ele sempre
preferiu perder a notícia a perder
o amigo. “Se não tratasse bem minhas
fontes, quantas coisas eu não saberia?
O Vinicius de Moraes, por exemplo,
seus romances secretos, bebedeiras,
vexames. Imagina se eu contasse isso...
Sempre tive do Vinicius as melhores
notícias antes de todo mundo. E, assim
como ele, de muitos outros. Porque
eu respeitava a privacidade de coisas
que sabia serem sensíveis”, comentou
numa entrevista. O comportamento
rendeu um bom quinhão de notícias
exclusivas e uma sobrevivência fora
do comum dentro da imprensa musical
brasileira. Ele acompanhou, como
poucos, as principais movimentações
do showbiz das últimas décadas – bossa
nova, tropicália, soul e disco e rock
nacional... todos foram devidamente
registrados pelas colunas de Motta. Foi
um influencer de seu tempo, deu espaço
a Jards Macalé e Luiz Melodia, artistas
cujo epíteto de “maldito” os afastou
das multidões. “Meu objetivo como
EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 28
jornalista foi jogar luz sobre coisas bacanas
que estavam obscuras, trazê-las
ao público”, diz.
Mas Nelson Motta não é bonzinho:
quando acha necessário, sabe espinafrar
até mesmo os amigos. “Uma vez eu
o vi chamar um cantor de chato, ainda
que reconhecesse o talento desse artista”,
confessa Marcello Bôscoli. O próprio
Motta faz questão de dissipar essa
visão cândida que se possa ter dele.
“Não sou santo, não sou bom moço, não
ofereço a outra face, não sou nada disso.
Eu fico puto com as coisas”, explica.
E ele não esquece. Certa vez, Motta
se indignou com o tratamento dado ao
cantor Cazuza em uma matéria de capa
de uma conhecida revista semanal
brasileira. A desforra, que veio muitos
anos depois, foi batizar o personagem
de marido traído de um de seus romances
com o nome do diretor de redação
da revista: Mario Sergio. “Vingança é
um prato que se come frio” , diz um velho
ditado klingon (fãs de Quentin Tarantino
e Star Trek entenderão).
“Meu objetivo
como jornalista
foi jogar luz sobre
coisas bacanas que
estavam obscuras,
trazê-las ao público”
Foto: Daniel Pinheiro