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A
voz serena e o sorriso tímido de Rodrigo Oliveira contrastam com a rotina agitada de um chef de cozinha à frente de quatro
restaurantes na maior capital do país, entre eles o renomado Mocotó. E refletem traços marcantes de sua personalidade,
como humildade e gratidão, valores que o cozinheiro de 40 anos herdou dos pernambucanos Lourdes e José Almeida.
Quando uma pandemia fechou as portas dos restaurantes na capital paulista, Rodrigo passou a distribuir 200 marmitas por
dia a pessoas socialmente vulneráveis da Vila Medeiros, bairro da “quebrada” paulistana, como ele costuma dizer, onde fica o
Mocotó. Mas a história do responsável pelo restaurante de comida sertaneja reconhecido internacionalmente vem de longe e
merece ser saboreada sem pressa, como quem petisca os famosos dadinhos de tapioca acompanhados de uma boa cachaça no
número 1.100 da Avenida Nossa Senhora do Loreto.
José Almeida (ao lado, com o filho Rodrigo),
nasceu em Mulungu, um vilarejo
no sertão pernambucano a 200
quilômetros do Recife, em 1938. Na
década de 1960, a busca por uma vida
melhor impulsionou o corajoso rapaz
de 25 anos a pegar três peças de roupa
e um par de sapatos e a se enfiar
em um ônibus velho que demoraria
oito dias para chegar a São Paulo. Na
“cidade grande”, trabalhou em fábricas
e metalúrgicas até que, em 1973,
abriu um empório em sociedade com
dois irmãos. Foi na Vila Medeiros,
zona norte de São Paulo, que nasceu
a casa do norte Irmãos Almeida. Nesses
primeiros anos de trabalho duro,
durante uma visita aos parentes no
sertão pernambucano, José conheceu
a costureira Lourdes. O relacionamento
à moda antiga resistiu à distância e
às restrições de comunicação em um
tempo sem internet e de ligações interurbanas
raras e caríssimas. Foram 14
meses de namoro por troca de cartas
até o casamento, e logo vieram os dois
filhos: Patrícia e Rodrigo.
Quando o caçula, Rodrigo, nasceu, em
1980, o caldo de mocotó vendido na
casa do norte de seu Zé já havia ganhado
fama pelo bairro. O empório de
produtos nordestinos que servia o caldinho
em um pequeno balcão ganhou
dez mesas e virou um modesto botequim
com três funcionários. Foi nesse
ambiente que o garoto de 13 anos decidiu
que passaria seus fins de semana.
Contrariando o pai, que não via futuro
para o filho naquele local, Rodrigo passava
seus sábados e domingos a lavar
louça, picar legumes, servir mesas.
“Ele era meu herói e eu queria ficar ao
lado dele”, lembra Rodrigo.
Apesar da familiaridade com a rotina
na cozinha do botequim, seguir carreira
como chef estava fora de cogitação.
“Minha família não tinha o hábito de
frequentar restaurantes, e eu demorei
a ter contato com o universo da gastronomia”,
conta. Naquela época, o
amor pelos animais com os quais brincava
durante as férias na terra natal
Rodrigo Oliveira e seu Zé Almeida Foto: Lailson Santos
dos pais alimentava o sonho de ser veterinário. A ideia foi ganhando novos rumos
até que, “no fervor da luta pelo meio ambiente dos anos 1990”, como ele diz, Rodrigo
matriculou-se na faculdade de engenharia ambiental. “Eu queria ser o Indiana
Jones, mas com o tempo percebi que, em vez de ter uma vida aventureira, acabaria
trabalhando no escritório de uma das grandes corporações que queria derrubar”,
brinca. A segunda tentativa veio com o curso de gestão ambiental, “um lado mais
humano dessa carreira”, explica, mas o destino não deixaria Rodrigo se desviar da
cozinha. Uma amiga de faculdade lhe apresentou o irmão que estudava gastronomia,
então novidade nas universidades brasileiras, e Rodrigo ficou deslumbrado
com a descoberta do curso.
EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 46