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Etcetera – primavera 2020

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A

voz serena e o sorriso tímido de Rodrigo Oliveira contrastam com a rotina agitada de um chef de cozinha à frente de quatro

restaurantes na maior capital do país, entre eles o renomado Mocotó. E refletem traços marcantes de sua personalidade,

como humildade e gratidão, valores que o cozinheiro de 40 anos herdou dos pernambucanos Lourdes e José Almeida.

Quando uma pandemia fechou as portas dos restaurantes na capital paulista, Rodrigo passou a distribuir 200 marmitas por

dia a pessoas socialmente vulneráveis da Vila Medeiros, bairro da “quebrada” paulistana, como ele costuma dizer, onde fica o

Mocotó. Mas a história do responsável pelo restaurante de comida sertaneja reconhecido internacionalmente vem de longe e

merece ser saboreada sem pressa, como quem petisca os famosos dadinhos de tapioca acompanhados de uma boa cachaça no

número 1.100 da Avenida Nossa Senhora do Loreto.

José Almeida (ao lado, com o filho Rodrigo),

nasceu em Mulungu, um vilarejo

no sertão pernambucano a 200

quilômetros do Recife, em 1938. Na

década de 1960, a busca por uma vida

melhor impulsionou o corajoso rapaz

de 25 anos a pegar três peças de roupa

e um par de sapatos e a se enfiar

em um ônibus velho que demoraria

oito dias para chegar a São Paulo. Na

“cidade grande”, trabalhou em fábricas

e metalúrgicas até que, em 1973,

abriu um empório em sociedade com

dois irmãos. Foi na Vila Medeiros,

zona norte de São Paulo, que nasceu

a casa do norte Irmãos Almeida. Nesses

primeiros anos de trabalho duro,

durante uma visita aos parentes no

sertão pernambucano, José conheceu

a costureira Lourdes. O relacionamento

à moda antiga resistiu à distância e

às restrições de comunicação em um

tempo sem internet e de ligações interurbanas

raras e caríssimas. Foram 14

meses de namoro por troca de cartas

até o casamento, e logo vieram os dois

filhos: Patrícia e Rodrigo.

Quando o caçula, Rodrigo, nasceu, em

1980, o caldo de mocotó vendido na

casa do norte de seu Zé já havia ganhado

fama pelo bairro. O empório de

produtos nordestinos que servia o caldinho

em um pequeno balcão ganhou

dez mesas e virou um modesto botequim

com três funcionários. Foi nesse

ambiente que o garoto de 13 anos decidiu

que passaria seus fins de semana.

Contrariando o pai, que não via futuro

para o filho naquele local, Rodrigo passava

seus sábados e domingos a lavar

louça, picar legumes, servir mesas.

“Ele era meu herói e eu queria ficar ao

lado dele”, lembra Rodrigo.

Apesar da familiaridade com a rotina

na cozinha do botequim, seguir carreira

como chef estava fora de cogitação.

“Minha família não tinha o hábito de

frequentar restaurantes, e eu demorei

a ter contato com o universo da gastronomia”,

conta. Naquela época, o

amor pelos animais com os quais brincava

durante as férias na terra natal

Rodrigo Oliveira e seu Zé Almeida Foto: Lailson Santos

dos pais alimentava o sonho de ser veterinário. A ideia foi ganhando novos rumos

até que, “no fervor da luta pelo meio ambiente dos anos 1990”, como ele diz, Rodrigo

matriculou-se na faculdade de engenharia ambiental. “Eu queria ser o Indiana

Jones, mas com o tempo percebi que, em vez de ter uma vida aventureira, acabaria

trabalhando no escritório de uma das grandes corporações que queria derrubar”,

brinca. A segunda tentativa veio com o curso de gestão ambiental, “um lado mais

humano dessa carreira”, explica, mas o destino não deixaria Rodrigo se desviar da

cozinha. Uma amiga de faculdade lhe apresentou o irmão que estudava gastronomia,

então novidade nas universidades brasileiras, e Rodrigo ficou deslumbrado

com a descoberta do curso.

EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 46

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