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Etcetera – primavera 2020

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Foto: Dede Fedrizzi

“Poucos gestos têm tanto impacto no mundo quanto

a escolha do seu almoço e do seu jantar. Ela gera um

impacto econômico, ambiental, social, familiar e até

religioso, dependendo da sua crença”

Mimo para entregadores

Além dos valores herdados dos pais, Rodrigo tem outra fonte

de inspiração dentro de casa. A esposa, Adriana Salay, é historiadora

e pesquisa a fome no Brasil. Em uma das primeiras

conversas, a pesquisadora ensinou ao chef seu verdadeiro

papel na sociedade. “Ela disse que o objetivo do restaurante é

fazer com que as pessoas saiam melhores do que entraram,

e aquilo foi um insight pra mim.” Rodrigo percebeu que, mais

que o baião de dois, o dadinho de tapioca ou a extensa carta

de cachaças, o carro-chefe do Mocotó é o relacionamento.

“Nossa função é acolher, promover uma restauração emocional

com boa comida, boa bebida e atendimento simpático”,

diz. E o investimento no bom relacionamento não fica restrito

à relação da equipe com os clientes que formam filas na porta

de seus estabelecimentos – que o digam os funcionários dos

fornecedores, recebidos com café, chá, água, biscoitos e bolinhos

nos dias de entrega.

Em suas palestras e entrevistas, Rodrigo salienta o papel do

cozinheiro na conscientização alimentar. “Poucos gestos têm

tanto impacto no mundo quanto a escolha do seu almoço e do

seu jantar. Ela gera um impacto econômico, ambiental, social,

familiar e até religioso, dependendo da sua crença. O modo

como a gente come acaba moldando o mundo”, resume. Pautada

por escolhas mais conscientes, a compra dos alimentos

preparados nas cozinhas de Rodrigo ganhou novos critérios

nos últimos anos. Ele privilegia produtores familiares e cooperativas

que vendem produtos orgânicos e aprendeu que

rastrear a origem de seus alimentos é um processo trabalhoso.

“Em um sistema convencional, basta uma única ligação

para encomendar tudo de que o restaurante precisa, de hortifrúti

a laticínios. Por outro lado, se optar por tomates orgânicos,

por exemplo, é preciso ligar para cinco, seis, até dez

fornecedores para garantir abastecimento regular porque

esses produtores familiares vendem pequenas quantidades.

E isso só para comprar tomates!”, explica. Na última reforma,

realizada há cinco anos, o Mocotó ganhou um pomar e

uma horta na laje. O espaço não é capaz de fornecer grandes

volumes, claro, mas dali saem direto para a cozinha alguns

ingredientes raros e usados em pequenas quantidades, como

ora-pro-nóbis, poejo e bertalha.

Sempre que fala de sua trajetória profissional, Rodrigo recorre

ao pronome ‘nós’ – “Restaurante é um esporte coletivo, não

individual; o chef pode até ser o protagonista, mas o projeto

envolve o trabalho de muitas pessoas”. Ele não abre mão de

oferecer remuneração acima da média e benefícios atraentes

como bolsas de estudo, mensalidade de academia e plano de

saúde de qualidade. E, para equilibrar os gastos sem sobretaxar

os pratos, Rodrigo faz manobras engenhosas que não

afetam a qualidade do cardápio. “Nós trabalhamos com carne

de Angus, certificada, de animais que foram bem cuidados,

mas, como não temos orçamento para comprar filé-mignon,

ancho ou picanha, usamos partes como coxão-mole, músculo

e coração, que não são piores, só têm características diferentes”,

revela. As escolhas inteligentes de um chef e equipe talentosos,

aliadas ao grande volume de vendas e um ambiente

despojado, sem ar-condicionado nem talheres de prata ou taças

de cristal, equilibram as contas no fim do mês.

O tempo ensinou Rodrigo a também buscar o equilíbrio entre

vida profissional e pessoal. Ele lamenta ter perdido momentos

importantes dos cinco filhos: Nina (11 anos), Flor (10), Pedro

(5), Cora (4) e Alice (3), frutos do primeiro casamento, com

a atriz Ligia Fonseca, e do atual, com Adriana Salay. “Perdi

alguns aniversários. Férias e fins de semana com eles eram

raros. Mas eu fiz o que era possível naquele momento, o que

os restaurantes exigiam de mim.” Agora, garante, consegue

balancear melhor essa relação casa-trabalho. Todos os dias, o

chef prepara o café da manhã da turma e, sempre que pode,

assume as panelas de casa depois que chega do trabalho.

EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 48

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