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Foto: Dede Fedrizzi
“Poucos gestos têm tanto impacto no mundo quanto
a escolha do seu almoço e do seu jantar. Ela gera um
impacto econômico, ambiental, social, familiar e até
religioso, dependendo da sua crença”
Mimo para entregadores
Além dos valores herdados dos pais, Rodrigo tem outra fonte
de inspiração dentro de casa. A esposa, Adriana Salay, é historiadora
e pesquisa a fome no Brasil. Em uma das primeiras
conversas, a pesquisadora ensinou ao chef seu verdadeiro
papel na sociedade. “Ela disse que o objetivo do restaurante é
fazer com que as pessoas saiam melhores do que entraram,
e aquilo foi um insight pra mim.” Rodrigo percebeu que, mais
que o baião de dois, o dadinho de tapioca ou a extensa carta
de cachaças, o carro-chefe do Mocotó é o relacionamento.
“Nossa função é acolher, promover uma restauração emocional
com boa comida, boa bebida e atendimento simpático”,
diz. E o investimento no bom relacionamento não fica restrito
à relação da equipe com os clientes que formam filas na porta
de seus estabelecimentos – que o digam os funcionários dos
fornecedores, recebidos com café, chá, água, biscoitos e bolinhos
nos dias de entrega.
Em suas palestras e entrevistas, Rodrigo salienta o papel do
cozinheiro na conscientização alimentar. “Poucos gestos têm
tanto impacto no mundo quanto a escolha do seu almoço e do
seu jantar. Ela gera um impacto econômico, ambiental, social,
familiar e até religioso, dependendo da sua crença. O modo
como a gente come acaba moldando o mundo”, resume. Pautada
por escolhas mais conscientes, a compra dos alimentos
preparados nas cozinhas de Rodrigo ganhou novos critérios
nos últimos anos. Ele privilegia produtores familiares e cooperativas
que vendem produtos orgânicos e aprendeu que
rastrear a origem de seus alimentos é um processo trabalhoso.
“Em um sistema convencional, basta uma única ligação
para encomendar tudo de que o restaurante precisa, de hortifrúti
a laticínios. Por outro lado, se optar por tomates orgânicos,
por exemplo, é preciso ligar para cinco, seis, até dez
fornecedores para garantir abastecimento regular porque
esses produtores familiares vendem pequenas quantidades.
E isso só para comprar tomates!”, explica. Na última reforma,
realizada há cinco anos, o Mocotó ganhou um pomar e
uma horta na laje. O espaço não é capaz de fornecer grandes
volumes, claro, mas dali saem direto para a cozinha alguns
ingredientes raros e usados em pequenas quantidades, como
ora-pro-nóbis, poejo e bertalha.
Sempre que fala de sua trajetória profissional, Rodrigo recorre
ao pronome ‘nós’ – “Restaurante é um esporte coletivo, não
individual; o chef pode até ser o protagonista, mas o projeto
envolve o trabalho de muitas pessoas”. Ele não abre mão de
oferecer remuneração acima da média e benefícios atraentes
como bolsas de estudo, mensalidade de academia e plano de
saúde de qualidade. E, para equilibrar os gastos sem sobretaxar
os pratos, Rodrigo faz manobras engenhosas que não
afetam a qualidade do cardápio. “Nós trabalhamos com carne
de Angus, certificada, de animais que foram bem cuidados,
mas, como não temos orçamento para comprar filé-mignon,
ancho ou picanha, usamos partes como coxão-mole, músculo
e coração, que não são piores, só têm características diferentes”,
revela. As escolhas inteligentes de um chef e equipe talentosos,
aliadas ao grande volume de vendas e um ambiente
despojado, sem ar-condicionado nem talheres de prata ou taças
de cristal, equilibram as contas no fim do mês.
O tempo ensinou Rodrigo a também buscar o equilíbrio entre
vida profissional e pessoal. Ele lamenta ter perdido momentos
importantes dos cinco filhos: Nina (11 anos), Flor (10), Pedro
(5), Cora (4) e Alice (3), frutos do primeiro casamento, com
a atriz Ligia Fonseca, e do atual, com Adriana Salay. “Perdi
alguns aniversários. Férias e fins de semana com eles eram
raros. Mas eu fiz o que era possível naquele momento, o que
os restaurantes exigiam de mim.” Agora, garante, consegue
balancear melhor essa relação casa-trabalho. Todos os dias, o
chef prepara o café da manhã da turma e, sempre que pode,
assume as panelas de casa depois que chega do trabalho.
EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 48