Mulher decoragemPor Angelica MariPrimeira curadora indígena do Museu deArte de São Paulo, Sandra Benites usa a artecomo forma de expressar o protagonismode seu povo, provocar questionamentos eestabelecer conexões com o mundoEDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 50
Nome: Sandra Benites,Ara Rete (guaraninhandeva)Idade: 45 anosProfissão: curadora,educadora e antropólogaCidade onde nasceu:Aldeia Porto Lindo,município de Japorã (MS)Foto: Marco BrailkoAresiliência e a habilidade de construirpontes formam a tônica datrajetória de Sandra Benites, primeiracuradora indígena de um museude arte no Brasil. Referência no movimentoem que museus se posicionamcomo ambiente para discussõesculturais e políticas, Sandra assumiua curadoria do Museu de Arte de SãoPaulo (MASP) em dezembro de 2019.Atualmente, a educadora e antropólogatrabalha na exposição Histórias Indígenas,planejada pelo museu paulista para2023, em que visa propor uma reflexãosobre o imaginário indígena, incorporandotemas como a crise ambientale o desaparecimento da identidade dessespovos nas zonas urbanas.Bagagem não falta para Sandra naconstrução dessa narrativa. Além daexperiência acadêmica, a filha maisvelha de 11 irmãos da etnia guaraninhandeva conta com suas vivênciaspessoais. Com o nome de batismo AraRete, Sandra nasceu pelas mãos daavó em Porto Lindo, aldeia em Japorã(MS), cidade próxima à fronteira como Paraguai. A matriarca era uma dasprincipais lideranças da aldeia: orientavaas gestantes e seus familiares deacordo com os costumes e crenças dopovo guarani, além de ser responsávelpela educação das muitas crianças que,assim como Sandra, a chamavam de xedjaryi (vovó). “Minha avó juntava muitagente em casa. Sempre havia ali muitascrianças, seus pais, e também genteda comunidade. Os encontros eramalgo muito forte do nosso costume. Erao momento de conversar sobre o queera importante, mas também de falarsobre o que não era importante. Todostinham voz”, recorda.Tendo começado a vida nesse contextode educação comunitária, Sandrainiciou o ensino formal aos 7 anos deidade, em uma escola mantida pelaFundação Nacional do Índio (Funai).O processo de alfabetização foi marcantepara a curadora de arte, que seemociona ao se lembrar daquela época.Sem compreender nem uma palavrasequer da língua portuguesa, fazia umesforço hercúleo para acompanhar asaulas e tinha muito medo de falhar, experiênciasque posteriormente fariamparte de sua tese de mestrado “Viverna língua guarani nhandeva (mulherfalando)”, em que aborda temas comoo processo de ensino-aprendizagem dacriança guarani nas escolas diferenciadase na comunidade guarani, bemcomo a perspectiva indígena feminina.“O que me dava forças para continuarindo à escola era o fato de conviver comas outras crianças, brincar, cantar. Masestar na sala de aula era aterrorizante,pois eu não entendia nada do que erafalado e os professores exigiam muitode nós”, conta Sandra, lembrando-sedo início da vida escolar. “Minha letraaté hoje é horrível por causa disso.”EDIÇÃO DE ESTREIA • PÁG. 51