01.03.2022 Views

MARCO - DIGITAL

Edição digital da revista do Centro Lusitano de Zurique

Edição digital da revista do Centro Lusitano de Zurique

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

CRÓNICA

Ucrânia

perguntas e respostas

disparadas por uma... guerra

Costa Guimarães (*)

Os europeus estão a financiar a

Rússia para agredir a Ucrânia.

Eh, pá. Não digam isso, muito

menos o escrevam. Mas é verdade.

A Europa não aprende com

os seus erros. Depois de se colocar

de cócoras perante a China,

para onde as suas maiores empresas

transferiram a sua produção

de bens essenciais, agora

fica de rastos porque consome

40% do seu gás oriundo da Federação

Russa e volta a ficar em

maus lençóis. Vai ser, mais uma

vez, vítima por sua única responsabilidade.

Nem a China nem a

Federação Russa têm qualquer

responsabilidade primeira. A

primeira responsabilidade é da

Europa e dos seus líderes: afinal,

são representantes de um gigante

com pés de barro. Sobre a

China, continuamos a não ter na

Europa produção de bens essenciais

(para a saúde, por exemplo,

sem falar de chips ou outras peças)

por causa da ganância das

suas grandes empresas que foram

à procura de lucros obscenos

à custa de trabalho selvagem.

O mundo poderá enfrentar a pior

guerra europeia em mais de 75 anos,

e os EUA não fizeram tudo o que era

possível para tentar encontrar uma

solução diplomática para o que poderia

ser um conflito enormemente

destrutivo.

Não podemos isentar Putin de responsabilidade

pela crise, mas Moscovo

tem preocupações legítimas com

a expansão da OTAN para o leste em

direcção à Rússia e que a rejeição das

preocupações russas por parte dos

EUA era “hipócrita”.

O reconhecimento das raízes complexas

das tensões na região é fundamental

para promover uma resolução

pacífica da crise e o Ocidente

revelou ignorância da História. É bom

conhecer alguma história… A invasão

pela Rússia não é uma resposta; nem

a intransigência da OTAN. Também

é importante reconhecer que a Finlândia,

um dos países mais desenvolvidos

e democráticos do mundo, faz

fronteira com a Rússia e escolheu não

ser membro da OTAN.

Putin pode ser um mentiroso e um

demagogo, mas é hipócrita para

os Estados Unidos insistir que não

aceitamos o princípio de ‘esferas de

influência’. A longa tradição da política

externa dos EUA ser baseada na

Doutrina Monroe diz que os EUA podem

essencialmente fazer o que quiserem,

especialmente no continente

americano e ela tem sido usada para

derrubar pelo menos uma dúzia de

governos.

Mesmo que a Rússia não fosse governada

por um líder autoritário corrupto

como Wladimir Putin, o governo

russo ainda teria interesse nas políticas

de segurança de seus vizinhos. Alguém

realmente acredita que os Estados

Unidos não teriam algo a dizer

se, por exemplo, o México formasse

uma aliança militar com um adversário

norte-americano?

Os países deveriam ser livres para fazer

suas próprias escolhas de política

externa, mas fazer essas escolhas sabiamente

requer uma séria consideração

dos custos e benefícios. O facto é

que os EUA e a Ucrânia, entrando em

uma relação de segurança mais profunda,

provavelmente terá alguns custos

muito sérios para ambos os países.

E o que é a Ucrânia? —

pergunta o leitor.

A Ucrânia é o “celeiro da Europa” devido

à fertilidade de suas terras. Em

2011, o país era o terceiro maior exportador

de grãos do mundo, com uma

safra muito acima da média. A Ucrânia

é uma das dez regiões mais atraentes

para a compra de terras agrícolas no

mundo.

O país é um Estado unitário composto

por 24 oblasts (províncias), uma república

autónoma (Crimeia) e duas cidades

com estatuto especial: Kiev, a capital

e maior cidade, e Sebastopol, que

abriga a Frota do Mar Negro da Rússia

sob um contrato de leasing. A Ucrânia

é uma república semipresidencial com

separação dos poderes legislativo, executivo

e judiciário. Desde a dissolução

da União Soviética, o país continua a

ter o segundo maior exército da Europa,

depois da Rússia. O país é o lar

de 42 milhões de pessoas, 77,8% dos

quais são ucranianos, com minorias de

russos (17%), bielorrussos e romenos.

O ucraniano é a língua oficial e o seu

alfabeto é cirílico. O russo também é

muito falado. A religião dominante é o

cristianismo ortodoxo, que influenciou

fortemente a arquitetura, a literatura e

a música do país.

No caso presente, da Federação Russa

(que o nosso Partido Comunista continua

a apoiar, sabe-se lá porquê) demos

a Wladimir Putin todos os trunfos. Ele

podia escolher: ou a negociação ou a

prova de força. Preferiu jogar e os russos

são muito bons no xadrez.

Ele, ao longo de duas semanas recebeu

e falou com toda a gente — Macron,

Scholz, Biden, Johnson, etc. — a

prometer a negociação e colocou a

sua torre (Labrov) a defender a primeira

hipótese. Quando se anunciava

uma cimeira entre Joe Biden e Wladimir,

ele faz o que fez, na noite de 24

de Fevereiro: um ato de agressão sem

precedentes contra um país soberano

e independente. O alvo dos russos não

é apenas Donbass, o alvo não é apenas

a Ucrânia, o alvo é a estabilidade na

Europa e toda a ordem internacional

de paz. A Europa assiste de braços cruzados

ao massacre de idosos, crianças

e mulheres e à destruição de um país

livre e soberano, limitando-se a anunciar

um pacote de sanções.

As sanções enfraquecem a base económica

da Rússia e atingem os russos,

em primeiro lugar sem culpa de serem

liderados por um oligarga que sonha

ser Czar.

O GÁS QUE ALIMENTA A

GUERRA

Putin está a tentar fazer o relógio voltar

aos tempos do Império Russo porque

os grandes da Europa, a começar

pela Alemanha, deixaram.

Nenhum país tem capacidade para

substituir o fornecimento de gás russo

à Europa por gás natural liquefeito

(GNL) em caso de interrupção devido à

guerra entre Rússia e Ucrânia. Com a

maioria da produção presa a contratos

de longo prazo, sobretudo para compradores

asiáticos, a quantidade que

pode ser desviada para a Europa é de

apenas 10 a 15%.

A Rússia é responsável entre 30 e 40%

do fornecimento para a Europa. O Catar

tem a maior parte de suas remessas

comprometidas sob contratos de

longo prazo, com compradores asiáticos,

e só pode redirecionar 10 a 15% de

suas exportações para a Europa.

As sanções podem afetar o fluxo de

gás natural russo à Europa.

Na terça-feira (22 de Fevereiro), a Alemanha

suspendeu o projeto de gasoduto

Nord Stream 2, na região do Mar

Báltico, projectado para duplicar o fluxo

de gás russo ao país. Com efeito, os

20 Lusitano de Zurique - MARÇO 2022 | www.cldz.eu

Lusitano de Zurique - MARÇO 2022 | www.cldz.eu

21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!