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Revista Dr Plinio 243

Junho de 2018

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sado. Passei os dias em casa fazendo<br />

todo o possível para que ela não<br />

percebesse a gravidade de meu estado<br />

de saúde.<br />

Certa ocasião mamãe estava sentadinha<br />

junto à mesa da sala de jantar,<br />

eu passei pelo hall e tive um<br />

tombo sem que ela visse. A empregada<br />

me disse num tom meio atrevido<br />

e revoltado:<br />

– Mas o que é que tem? O senhor<br />

informe a ela de uma vez sobre o estado<br />

em que o senhor se encontra!<br />

Eu manifestei desagrado com ela<br />

e afirmei:<br />

– A senhora não está vendo que<br />

eu não quero aborrecê-la?<br />

– Mas assim, até esse ponto?<br />

– Até esse ponto. Quem gradua<br />

isso sou eu.<br />

Entrei na sala pensando: “O que<br />

eu tinha previsto está se realizando...<br />

Esse negócio que tenho aqui é<br />

uma gangrena.” Mandei chamar os<br />

médicos e afundei num túnel. Cogitei:<br />

“Um vendaval vai me tomar e<br />

ela ainda morrerá por esses dias...”<br />

Ficava transido de pena de mamãe<br />

ao pensar o que poderia<br />

acontecer se eu morresse antes<br />

dela. E me punha o seguinte<br />

problema: Recomendo que<br />

não digam a ela que eu faleci?<br />

Porque o problema<br />

se punha. Quer dizer, para<br />

não lhe comunicarem que<br />

eu morri, tinha que entrar<br />

pelo caminho das mentiras.<br />

Mas ela, no estado em<br />

que se encontrava, tinha o<br />

direito à verdade?<br />

Mas, de outro lado, se<br />

Deus a queria provar, possuía<br />

eu o direito de poupá-<br />

-la dessa prova? Quer dizer…<br />

uma coisa tremenda!<br />

A cadeira de rodas<br />

de Dona Lucilia<br />

mar o café da manhã e de ler o jornal.<br />

Dirigi-me ao quarto dela tão rápido<br />

quanto minhas condições físicas<br />

permitiam e, ao chegar, ela já<br />

estava morta. Chorei muito e, afinal<br />

de contas, fui para o meu quarto.<br />

Inexplicavelmente – creio que foi<br />

uma graça obtida por ela – invadiu-<br />

-me uma paz, uma tranquilidade que<br />

era quase uma alegria.<br />

Fui ao cemitério para o enterro,<br />

mas não ousei ir até a sepultura.<br />

No dia seguinte parti para nossa<br />

sede, em Amparo, voltando de lá para<br />

a Missa de sétimo dia durante a<br />

qual se deu aquele fenômeno do raio<br />

de sol sobre as orquídeas, que tomei<br />

como sendo o sinal pedido por mim<br />

a Nossa Senhora de que mamãe não<br />

estava mais no Purgatório 2 .<br />

Lembro-me, por exemplo, de<br />

uma bagatela. Eu me desagradava<br />

Quando me vieram avisar que ela<br />

estava morrendo, eu acabara de tomuito<br />

da cadeira de rodas dela. Eu<br />

gostaria que mamãe caminhasse. O<br />

passinho dela era uma das muitas<br />

coisas que me encantavam. Como<br />

ela conseguia andar com gravidade e<br />

com um passinho rápido! Dona Lucilia<br />

era muito grave no que ela fazia,<br />

mas rápida no andar. Não sei como<br />

ela conciliava isso.<br />

Apesar de antiga e de já não se<br />

usar mais cadeiras de rodas daquele<br />

tipo, por ser mais alta tinha mais<br />

dignidade do que os modelos recentes.<br />

E eu não queria vê-la metida<br />

nessas cadeiras muito melhores,<br />

porém menos dignas. Então arranjei<br />

aquela mesma. Ela, então, vinha altinha<br />

sobre aquilo.<br />

Quando ela morreu, mandei devolver<br />

a cadeira de rodas à Santa<br />

Casa e pagar o preço de um aluguelzinho.<br />

Uns cinco dias depois, comecei<br />

a sentir saudades da cadeira de<br />

rodas e ordenei perguntar à Santa<br />

Casa se podiam me vender.<br />

São recordações que me dizem<br />

muito. Embora o recuo do tempo,<br />

neste caso, não melhore a perspectiva,<br />

nem me leve a querê-la<br />

mais bem por causa disso, por<br />

alguns lados convida a uma<br />

atitude mais admirativa em<br />

relação a mamãe. v<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

(Extraída de<br />

conferência de<br />

20/4/1991)<br />

1) Em dezembro de 1967, em<br />

consequência de uma grave crise<br />

de diabetes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> teve<br />

gangrena no seu pé direito, sendo<br />

submetido a uma cirurgia no Hospital<br />

Sírio-Libanês, em São Paulo, para<br />

debelar a infecção. (Cf. <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> n. 117, pp. 4-5).<br />

2) Cf. <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 121, p. 19.<br />

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