RICHARLES SOUZA DE CARVALHO LÍNGUA INGLESA ... - Unesc
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<strong>RICHARLES</strong> <strong>SOUZA</strong> <strong>DE</strong> <strong>CARVALHO</strong><br />
<strong>LÍNGUA</strong> <strong>INGLESA</strong>: UMA ANÁLISE DA PRESENÇA E DA AUSÊNCIA <strong>DE</strong> TEXTOS<br />
LITERÁRIOS EM MATERIAIS DIDÁTICOS EMPREGADOS NA PRÁTICA<br />
PEDAGÓGICA EM OITAVAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL<br />
Criciúma, 2004.
<strong>RICHARLES</strong> <strong>SOUZA</strong> <strong>DE</strong> <strong>CARVALHO</strong><br />
<strong>LÍNGUA</strong> <strong>INGLESA</strong>: UMA ANÁLISE DA PRESENÇA E DA AUSÊNCIA <strong>DE</strong> TEXTOS<br />
LITERÁRIOS EM MATERIAIS DIDÁTICOS EMPREGADOS NA PRÁTICA<br />
PEDAGÓGICA EM OITAVAS SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL<br />
Monografia apresentada à Diretoria de<br />
Pós-Graduação da Universidade do<br />
Extremo Sul Catarinense – UNESC, para<br />
a obtenção do título de especialista em<br />
Didática e Metodologia do Ensino<br />
Superior.<br />
Orientador: Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral<br />
Criciúma, 2004.<br />
1
A Deus;<br />
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
Ao Professor Dr. Gladir da Silva Cabral, por toda a ajuda, paciência e exemplo de<br />
mestre;<br />
À Professora Dra. Fábia Liliã Luciano, pela ajuda na idéias iniciais do trabalho;<br />
Aos colégios mencionados no trabalho, nas pessoas dos coordenadores e<br />
secretárias, pelas informações acerca dos materiais utilizados nos respectivos<br />
estabelecimentos;<br />
À Coordenação da Secretaria Municipal de Educação, pelas informações cedidas no<br />
decorrer da pesquisa;<br />
A Terezinha Maria de Souza, pela paciência e oração;<br />
A Soênia Maria Fernandes, pelos colóquios formativos infindáveis;<br />
Aos professores e colegas do curso de Especialização em Didática e Metodologia do<br />
Ensino Superior que de uma forma ou de outra contribuíram em minha formação<br />
humana e intelectual.<br />
2
RESUMO<br />
O livro didático e as apostilas estão entre as várias ferramentas didáticas que podem<br />
ser usadas por um professor de LE. Dentre os textos inseridos nesses materiais<br />
estão textos literários, biografias, quadrinhos, diálogos, reportagens de jornais e<br />
revistas, etc. Percebe-se, porém, que há uma primazia por certos tipos de textos e<br />
uma escassez de outros. Como professor de língua inglesa, tenho percebido, em<br />
todos os níveis escolares, a ausência de textos literários ou até mesmo de<br />
adaptações dos mesmos no aprendizado do idioma. A literatura existente sobre o<br />
livro didático é satisfatória. É pequena, porém, a produção no que diz respeito ao<br />
livro didático de língua estrangeira. Sobre literatura em língua inglesa é grande o<br />
número de obras. No entanto, é também pequena a produção de trabalhos sobre<br />
textos literários em materiais didáticos especificamente. Foram analisados cinco<br />
livros didáticos de língua inglesa utilizados em oitavas séries do Ensino Fundamental<br />
de escolas particulares de Criciúma (SC). O trabalho apresentará uma série de<br />
questionamentos e ponderações acerca da metodologia e temática desses materiais<br />
didáticos.<br />
Palavras-chave: livro didático, literatura, ensino de língua inglesa.<br />
3
SUMÁRIO<br />
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................5<br />
2. O QUE É LITERATURA.........................................................................................9<br />
2.1. Textos literários e não-literários.....................................................................13<br />
2.1.1. Textos não-literários.............................................................................13<br />
2.1.2. Textos literários....................................................................................15<br />
3. O LIVRO DIDÁTICO ............................................................................................17<br />
3.1. Livros didáticos de Língua Inglesa - Um pequeno panorama histórico..........22<br />
4. LIVROS DIDÁTICOS <strong>DE</strong> <strong>LÍNGUA</strong> <strong>INGLESA</strong> E A LITERATURA.........................26<br />
4.1. Cultura e literatura .........................................................................................26<br />
4.2. Língua, literatura e ensino .............................................................................30<br />
4.3. Análise dos livros didáticos............................................................................32<br />
4.3.1. Apostila Positivo ..................................................................................35<br />
4.3.2. Great ...................................................................................................36<br />
4.3.3. Hello ....................................................................................................38<br />
4.3.4. New Our Way ......................................................................................40<br />
4.3.5. Take your time ....................................................................................41<br />
4.4. Perspectivas....................................................................................................42<br />
5. CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS .................................................................................43<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................45<br />
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ..........................................................................47<br />
ANEXOS....................................................................................................................48<br />
4
1. INTRODUÇÃO<br />
O livro didático e as apostilas estão entre as várias ferramentas didáticas<br />
que podem ser usadas por um professor de LE 1 . Esses compêndios são conjuntos<br />
de exercícios, textos, atividades (lúdicas ou não) e canções na LE em estudo. Dentre<br />
os textos inseridos nesses materiais estão biografias, quadrinhos, diálogos, artigos<br />
de jornais e revistas, textos literários, etc. Percebe-se, porém, que há uma primazia<br />
por certos tipos de textos e uma escassez de outros.<br />
Como professor de língua inglesa, tenho percebido, em livros e materiais<br />
didáticos de todos os níveis, a ausência de textos literários, adaptações dos<br />
mesmos, ou qualquer presença de gêneros textuais que possam se aproximar de<br />
literatura ou que representem de alguma forma a cultura – entendida como fator<br />
relevante no ensino de LE – de forma subjetiva.<br />
Na Proposta Curricular de Santa Catarina para LE o tópico cultura é<br />
abordado para esclarecer os porquês de se estudar uma língua estrangeira.<br />
[...] o aprendizado de uma LE possibilitará um melhor nível do<br />
conhecimento de si e da própria cultura, na medida em que esta é<br />
confrontada com a cultura do outro. Ou ainda, é a partir dos outros que nós<br />
nos identificamos. Quem aprende uma língua estrangeira não será o<br />
mesmo de antes de aprendê-la, pois esse processo exige o confronto das<br />
formações discursivas da língua materna com as da língua que se está<br />
aprendendo. (PROPOSTA CURRICULAR <strong>DE</strong> SANTA CATARINA, 1998, p.<br />
96)<br />
Entendendo a literatura como manifestação cultural de um povo, percebe-<br />
se nas entrelinhas que o texto da Proposta num todo defende o estudo também de<br />
manifestações literárias no ensino de um outro idioma.<br />
1 LE = Língua Estrangeira<br />
5
É claro que os extremos são negativos, portanto essa busca pelo literário<br />
e o cultural de outros povos não pode ser um ato impensado e alienável, em<br />
detrimento da própria cultura.<br />
objetivos:<br />
Convém observar, outrossim, a importância de o professor cuidar para<br />
resguardar o aluno de uma alienação que poderia conduzi-lo a atitudes de<br />
submissão cultural. [...] é imprescindível que o professor saiba que não é<br />
representante de uma cultura estrangeira [...] deve ter como referência a<br />
produção sócio-histórico-cultural de nosso País. Partindo do referencial<br />
sócio-histórico de nossa realidade, estabelecendo comparações com a<br />
cultura estrangeira, permitirá ao aluno uma leitura crítica mais significativa<br />
para a sua vida. (Ibidem)<br />
O presente trabalho, fruto de uma pesquisa bibliográfica, tem como<br />
• Reconhecer, descrever e analisar a presença e a ausência de<br />
textos literários em materiais didáticos de Língua Inglesa<br />
utilizados em escolas da rede particular de ensino de Criciúma<br />
(SC) no ano de 2004;<br />
• Analisar a relevância de se estudar literatura em aulas de LE;<br />
• Descrever os desdobramentos metodológicos utilizados no<br />
estudo de determinados textos literários presentes em materiais<br />
didáticos;<br />
• Reconhecer a temática presente em textos literários inseridos<br />
nesse materiais.<br />
No primeiro capítulo procuraremos conceituar literatura de um modo geral.<br />
Sem pretensões de escrever um tratado de teoria literária, tentaremos apresentar<br />
algumas características do texto literário, delimitando assim a possibilidade da<br />
presença e da ausência dos mesmos em livros didáticos.<br />
No segundo capítulo faremos um breve histórico do panorama do livro<br />
didático no Brasil, analisando por meio de revisão de literatura algumas obras e<br />
6
pensadores do assunto, com uma parte específica sobre o livro didático de LE. As<br />
referências bibliográficas existentes sobre o livro didático e a relação da literatura<br />
com o ensino são satisfatórias. É pequena, porém, a produção no que diz respeito<br />
ao livro didático de LE.<br />
No terceiro capítulo será feita a análise propriamente dita dos livros<br />
didáticos de algumas escolas particulares de Criciúma (SC) e a relação dos textos<br />
supostamente literários encontrados nessas obras com os pressupostos teóricos<br />
expostos nos capítulos anteriores.<br />
A pesquisa será do tipo qualitativa, quantitativa, descritiva e bibliográfica.<br />
Serão analisados quantitativa e qualitativamente os livros e apostilas de língua<br />
inglesa utilizados nas oitavas séries do Ensino Fundamental.<br />
Algumas questões norteadoras fazem parte do início desse trabalho:<br />
a) É importante o uso de textos literários no ensino de língua<br />
estrangeira?<br />
b) De que maneira são abordados e qual a relevância dos temas<br />
presentes nos textos literários?<br />
c) O uso de textos literários pode vir a dificultar o aprendizado de uma<br />
língua estrangeira (no caso o Inglês) ou por outro lado pode<br />
ampliar o universo cultural do estudante?<br />
d) Quais são os desdobramentos metodológicos após a exposição de<br />
textos literários em materiais didáticos de LE?<br />
As hipóteses para os questionamentos acima são as seguintes:<br />
a) É possível o ensino de Língua Inglesa sem o uso de textos<br />
literários, mas o uso da literatura pode contribuir para o aprendizado<br />
7
da língua e favorecer um contato mais profundo com a cultura em<br />
questão;<br />
b) Os exercícios de interpretação de texto nem sempre levam em<br />
consideração o momento histórico e a relevância do texto literário,<br />
ficando tão somente nos aspectos semântico-lexical, sintático e de<br />
interpretação direta onde o texto literário aparece como pretexto;<br />
c) Se os textos literários não forem bem escolhidos e trabalhados com<br />
faixas etárias adequadas, o seu uso pode dificultar a construção de<br />
conhecimento em LE. Contudo, se for bem indicada e conduzida, a<br />
utilização de literatura na aula de LE pode ser uma ferramenta<br />
preciosa para o docente;<br />
d) A metodologia adotada para a interpretação do texto literário é a<br />
mesma usada para a interpretação de qualquer texto: perguntas<br />
sobre o enredo, questões lexicais, etc. A subjetividade não é<br />
colocada em pauta.<br />
8
2. O QUE É LITERATURA<br />
9<br />
Lutar com palavras<br />
é a luta mais vã.<br />
Entanto lutamos<br />
mal rompe a manhã.<br />
São muitas, eu pouco.<br />
(...)<br />
Palavra, palavra<br />
(digo exasperado),<br />
se me desafias,<br />
aceito o combate.<br />
(Carlos Drummond de Andrade, “O lutador”)<br />
Procuraremos neste capítulo conceituar literatura e textos literários<br />
segundo alguns autores. Faz-se necessário tal entendimento, pois se a proposta do<br />
presente trabalho é analisar a presença e a ausência da literatura em livros<br />
didáticos, deve-se compreender primeiramente, pelo menos de uma forma<br />
superficial, tais conceitos. Ou seja, devemos entender o que é literatura, para<br />
podermos determinar se os textos presentes nos livros didáticos em estudo são ou<br />
não literários.<br />
O conceito de literatura é tão complexo quanto seu uso. A literatura está<br />
presente em tantas áreas, de maneiras tão diferentes, que uma definição genérica<br />
pode comprometer a compreensão de determinado contexto. É difícil conceituar<br />
(será impossível?) tal termo, pois sua aplicabilidade varia circunstancialmente de<br />
texto para texto, de obra para obra, em manifestações culturais diversas. Segundo<br />
alguns estudiosos, tal complexidade sugere – ironicamente – que é mais fácil para<br />
um leigo conceituar literatura do que para um intelectual ou crítico literário. Se
perguntarmos para qualquer pessoa o que é literatura, ela vai primeiramente achar<br />
que essa é uma pergunta imbecil, e logo após vai dar uma lista de nomes de autores<br />
nacionais e internacionais de prosa e poesia pertencentes ao que poderíamos<br />
chamar de literatura clássica (<strong>SOUZA</strong>, 2003). Por que existe esse senso comum?<br />
Por que Machado de Assis e Shakespeare são sempre considerados como fazendo<br />
parte da literatura brasileira e universal respectivamente?<br />
Entretanto, se fizermos a mesma pergunta: “O que é literatura?” para<br />
pessoas que façam “parte daquele círculo mais estreito dos que se ocupam<br />
profissionalmente com ela, escritores, jornalistas, professores e estudantes de<br />
Letras”, a resposta seria uma teorização sobre assunto e haveria um<br />
reconhecimento do<br />
caráter complexo da questão proposta, cujos desdobramentos extrapolam<br />
muitíssimo o espaço incontroverso de uma definição conclusiva. [...] os<br />
termos com que venha a definir literatura, ficam sujeitos,por sua vez, às<br />
competentes definições respectivas, o que engendra ampla e complexa<br />
rede de conceitos, definições e termos técnicos. (<strong>SOUZA</strong>, 2003, p. 6)<br />
Apesar dos perigos de cairmos num abismo teórico e ficarmos tão<br />
somente numa elaboração intelectual inútil, assumiremos o risco de chegar ao fim do<br />
capítulo e novamente concordar que Shakespeare, Machado de Assis, Homero e<br />
outros são grandes poetas e escritores de literatura.<br />
Analisemos agora alguns conceitos de literatura (todos estão<br />
apresentados por NICOLA, 1988, p. 25):<br />
“A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do<br />
homem” (Louis de Bonald, pensador e crítico do Romantismo francês, início<br />
do século XIX).<br />
“O poeta sente as palavras ou frases como coisas e não como sinais, e a<br />
sua obra como um fim e não como um meio; como uma arma de combate”<br />
(Jean-Paul Sartre, filósofo francês, século XX).<br />
“É com bons sentimentos que se faz literatura ruim” (André Gide, escritor<br />
francês, século XX).<br />
10
Os conceitos de literatura acima citados são diversificados, abrindo uma<br />
gama de interpretações sobre o que de fato é literatura, porém Nicola nos dá<br />
algumas pistas um pouco mais concisas sobre o que é literatura. Dessa forma,<br />
apenas como ponto de partida para nosso trabalho com a literatura, podemos<br />
constatar alguns fatos inegáveis:<br />
• a literatura é uma manifestação artística; 2<br />
• a palavra é o material da literatura, isto é, o artista literário<br />
explora a palavra em sua totalidade (significado, som,<br />
forma);<br />
• em toda obra literária percebe-se uma ideologia, uma<br />
postura do artista diante da realidade e das aspirações<br />
humanas.<br />
A literatura por si própria é interdisciplinar, pois faz uso de outras áreas do<br />
conhecimento para uma auto-expressão e expressão da realidade. Embora se possa<br />
usá-la com significados mais amplos, devemos distinguir seu emprego genérico de<br />
seu sentido artístico, criativo, subjetivo.<br />
questão:<br />
O autor Anthony Burgess em seu livro English Literature, elucida a<br />
Now there are two ways of using words, one artistic, one non-artistic. This<br />
means that words themselves can be viewed in two different ways. There is,<br />
in fact, the meaning that a word has in the dictionary (what is called the<br />
lexical meaning or the denotation) and the associations that the word has<br />
gained through constant use (the connotations of the word). […] The writer<br />
of a science book, the creators of a new constitution for a country – these do<br />
not want to appeal to the emotions of the reader, only to his brain, his<br />
2 Essa concepção remete a outro conceito: o que é arte? Não pretendo fazer aqui um tratado<br />
filosófico sobre arte e manifestações artísticas, contudo, em algumas palavras, segundo o poeta e<br />
crítico Ferreira Gullar (apud NICOLA, 1998, p. 11), “[a] arte é muitas coisas. Uma das coisas que a<br />
arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro –<br />
mais bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais ordenado – por cima da realidade imediata.<br />
Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua<br />
experiência de vida, das idéias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo.”<br />
11
understanding. They are not writing literature. The writer of literature is much<br />
more concerned with the connotations, the ways in which he can make his<br />
words move or excite you, the ways in which he can suggest colour or<br />
movement or character. The poet, whose work is said to represent the<br />
highest form of literature, is most of all concerned with the connotations of<br />
words. 3 (BURGESS, 1980, p. 6)<br />
Pode-se dizer, então, que literatura se refere aos textos que possuem<br />
uma preocupação estética, provocando prazer e conhecimento por sua forma,<br />
conteúdo e organização. É uma expressão do homem e é também um recurso<br />
aprimorado de comunicação, pois explora todas as potencialidades da linguagem.<br />
Literatura é a palavra, e a palavra é a representação lingüística do mundo.<br />
A literatura busca o essencial, o universal, corroborando para a formação<br />
dos homens, apontando-lhes modelos de agir, retratando-os em seus desejos,<br />
angústias e prazeres. Desse modo, faz com que o homem se conheça cada vez<br />
melhor.<br />
Segundo Fernando Paixão (1987), a poesia utilizada em textos literários<br />
se caracteriza essencialmente pelo uso criativo e inovador que se faz das palavras,<br />
expressando a subjetividade. Roberto A. de Souza concorda com Paixão, dizendo<br />
que “a literatura, conforme experimentada pelo leitor comum, dá margem à<br />
formulação de julgamentos abertamente subjetivos, podendo ser menos ou mais<br />
cotada” (<strong>SOUZA</strong>, 2003, p. 15).<br />
3 Há duas maneiras de usar palavras: uma artística, uma não-artística. Isso significa que as palavras<br />
podem ser vistas de duas diferentes maneiras. Há, de fato, o significado que uma palavra tem no<br />
dicionário (que é chamado de significado lexical ou denotação) e as associações que a palavra ganha<br />
por meio do uso constante (as conotações da palavra). [...] O escritor de um livro científico, os<br />
criadores de uma nova constituição para um país – não desejam dirigir-se às emoções do leitor, mas<br />
somente a seu cérebro, à sua compreensão. Eles não estão escrevendo literatura. O escritor de<br />
literatura está muito mais preocupado com as conotações, com a maneira pela qual ele pode fazer<br />
suas palavras comoverem ou excitarem você, a maneira pela qual ele pode sugerir cor ou movimento<br />
ou personalidade. O poeta, cujo trabalho é tido como aquele que representa a mais alta forma de<br />
literatura, é entre todos o que mais está preocupado com as conotações das palavras.<br />
12
O crítico literário Lauro Junkes expõe a temática da seguinte forma: 4<br />
2.1. Textos literários e não-literários<br />
Primeiramente, literatura é uma arte. Portanto, a obra literária é um objeto<br />
estético. Uma realização formal que atualiza em discursos as virtualidades<br />
dos códigos lingüístico, retórico, estilístico, simbólico, ideológico, etc.<br />
Linguagem literária não consiste em combinação de palavras. Se ela é<br />
criativa, se busca originalidade expressiva, o fato de escrever errado ou a<br />
simples ruptura, por ignorância, da norma não garantem por si mesmos,<br />
criatividade e literariedade. Inova-se uma expressão estética, recria-se a<br />
linguagem poética a partir de um trabalho inteligente sobre a língua,<br />
dominada na sua manifestação correta. Conclua-se, pois, que poesia e arte<br />
literária em geral se fazem com palavras. Mas palavras inteligentes<br />
combinadas. E combinadas criativamente, a partir de um domínio sólido<br />
sobre o sistema lingüístico. Essa posição não constitui resistência a<br />
experimentalismos inovadores, mas advertência a aventureiros que não tem<br />
noção de onde pretendem chegar nem por que caminhos passar. [...]<br />
Finalmente, arte literária implica experiência humana. Arte não é<br />
elucubração sobre o vazio, mas ela se fundamenta no homem. (JUNKES,<br />
1987, p. 11-12)<br />
Partindo de tais pressupostos, podemos de antemão fazer algumas<br />
considerações sobre alguns gêneros de discurso que podem aparecer em livros<br />
didáticos.<br />
2.1.1 Textos não-literários<br />
• Diálogos que reproduzem situações “reais” 5 do uso da língua – não são<br />
literatura, pois não são uma manifestação artística da palavra. Esses textos podem<br />
4 Essas definições de literatura estão na introdução do livro O Mito e o Rito, obra na qual Junkes faz<br />
ensaios críticos sobre obras de autores catarinenses. Uso essa obra como referência, pois nesse<br />
texto introdutório, apesar de ter sido escrito por um crítico literário, muitas impressões pessoais estão<br />
presentes.<br />
5 Tentam imitar o real, porém com uma linguagem muito mais próxima da linguagem culta do que de<br />
uma linguagem coloquial, que seria a mais usada no cotidiano, logo a dita “real”.<br />
13
até vir carregados de ideologia, mas essa não é manifestada de uma forma<br />
intencional. Se determinados diálogos estiverem dentro de uma obra que tenha<br />
características literárias como, por exemplo, um conto ou uma peça teatral, pode-se<br />
até considerá-los como literários (o que na verdade já é questionável, porque o<br />
gênero que será considerado literatura será o próprio conto ou a peça). Por outro<br />
lado, se um diálogo for criado especificamente para o aprendizado de LE – como se<br />
perceberá no terceiro capítulo – esse não poderá ser considerado como<br />
manifestação literária;<br />
• Entrevistas – não são literatura, pois não constituem “uma forma de<br />
representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a<br />
intenção estética” (BRASIL apud COSTA, 2003, p. 31);<br />
• Cartas – não são textos literários. Mesmo uma carta, cheia de subjetividade e<br />
sentimentos íntimos, é individual e não foi criada como manifestação artística<br />
(BURGESS, op. cit.);<br />
• Textos informativos, artigos de jornal, revista ou Internet -- não são textos<br />
literários, pois buscam retratar a realidade tal como ela é, de forma descritiva;<br />
• Entradas de enciclopédia, almanaque ou dicionário – são comuns esses<br />
textos em livros didáticos, porém sua apresentação é objetiva e não têm<br />
intencionalidade estética e artística (JUNKES, op. cit.);<br />
• Folders, rótulos e propagandas – mesmo que carregados de subjetividade e<br />
metáforas, não podem ser considerados como textos literários. Primeiro, porque são<br />
um tipo de texto que tem um caráter intersemiótico, há elementos verbais junto a<br />
não-verbais: cor, desenhos, fotos, imagens. Segundo, porque seu propósito não é o<br />
fazer artístico como deleite ou a representação da cultura de um povo ou grupo, mas<br />
14
ser um artifício para a venda de algum produto, serviço, etc. Por trás da<br />
subjetividade do texto há uma razão financeira e mercadológica.<br />
2.1.2 Textos literários<br />
• Contos, trechos de livros de ficção, e trechos de peças de teatro -- são<br />
textos literários, pois vão ao encontro da conceituação de literatura segundo Nicola,<br />
a qual tomamos como pressuposto teórico: literatura é uma manifestação artística<br />
que tem como matéria-prima a palavra;<br />
• Poemas – são textos literários, pois evidenciam, por meio das metáforas e da<br />
sonoridade, que “[o] ser humano sente necessidade de criar arte e usufruir dela, pois<br />
essa comunicação aos níveis da sensibilidade e do intelecto proporciona-lhe a<br />
sensação de uma existência mais abrangente, rica e plenificante” (JUNKES, op. cit.,<br />
p. 12);<br />
• Letras de música – podem ser consideradas como textos literários. O gênero<br />
canção é composto da música (melodia) e do poema (palavras escritas), que estão<br />
ligados por um caráter intersemiótico, resultado da materialidade musical e da<br />
materialidade verbal (COSTA, op. cit). Logo, a letra de uma música presente em um<br />
livro didático é, antes de ser uma canção, um poema;<br />
• Quadrinhos, cartoons (tiras) e charges – podem ser considerados como textos<br />
literários, pois revelam uma visão subjetiva do mundo. Contudo, não se deve<br />
esquecer que tais gêneros textuais são híbridos, ou seja, há um apelo visual (signos<br />
não-verbais) muito grande. Isso os caracteriza como textos intersemióticos, e a<br />
palavra (material da literatura) não consegue sozinha manter um diálogo com o<br />
leitor;<br />
15
• Piadas e crônicas – podem ser considerados como textos literários, pois<br />
segundo Junkes: “A obra literária deverá, pois, comunicar algo dessa experiência<br />
humana enriquecedora [...] pela qual o individuo participa e se insere no social.<br />
Literatura é participação da vida, conduz à interação do indivíduo com o social” (op.<br />
cit., p. 12).<br />
Pode ocorrer que determinado gênero de discurso possa vir a se tornar<br />
literário se fizer parte de um momento histórico e transcender a particularidade e<br />
individualidade de uma relação para o coletivo, como um pronunciamento de uma<br />
grande personalidade política de um país (Martin Luther King Jr.) ou cartas pessoais<br />
que após algum tempo quando reunidas tornam-se livro (Virginia Woolf). Contudo,<br />
em primeira instância, um texto é literário quando tem um valor em si mesmo.<br />
Ironicamente, pode se dizer que o texto literário “não serve para nada” e serve para<br />
muitas coisas ao mesmo tempo, pois o valor estético do texto está intrínseco a ele<br />
mesmo.<br />
No entanto, a literatura tem como “funções”: (1) ser instrumento de<br />
conhecimento do mundo (do passado, presente, da mentalidade de uma época, de<br />
outros povos); (2) ajudar na formação e desenvolvimento intelectual, moral,<br />
ideológico e estético do ser humano; (3) produzir modificações nas mentalidades,<br />
contribuindo para a transformação coletiva e individual.<br />
16
3. O LIVRO DIDÁTICO<br />
Muito se tem escrito sobre o livro didático (FREITAG, 1989; CORACINI,<br />
1995; ECO; BONAZZI, 1980; FARIA, 1986 e muitos outros), seu uso nas escolas, as<br />
implicações ideológicas subjacentes no conteúdo dos livros (FRITZEN et al., 2002) e<br />
sua utilização em sala de aula (PIRES; BEZERRA, 1999). Como o presente trabalho<br />
se propõe a analisar determinados aspectos do livro de língua inglesa, faz-se<br />
necessária uma pequena referência teórica sobre os estudos em livros didáticos em<br />
geral.<br />
Muitas questões que dizem respeito ao livro didático de Língua<br />
Portuguesa, de Matemática, ou seja, qual for a disciplina, também dizem respeito ao<br />
livro utilizado pelo professor de Língua Inglesa.<br />
A cada ano coleções e mais coleções de livros são criadas e lançadas no<br />
mercado editorial bibliográfico. É um mercado promissor, e provavelmente as cifras<br />
são altas, pois as escolas particulares recebem muitas coleções para análise e<br />
possível adoção do material antes do término do ano letivo. As escolas públicas, por<br />
meio do governo federal, também adquirem um grande número de livros didáticos<br />
que serão disponibilizados aos alunos das escolas públicas. As editoras concorrem<br />
entre si para garantir um lugar no mercado bibliográfico.<br />
Os números 6 estudados mostram que a produção do livro didático assume<br />
proporções gigantescas no Brasil [...]. Os editores reclamam, mas fazem<br />
excelentes negócios, sem correr os riscos de mercado, já que o estado<br />
compra mais da metade da produção do livro didático. A economia do livro<br />
didático é, nas condições brasileiras de produção, o grande negócio de<br />
editoras e livrarias. (FREITAG, 1989, p. 64)<br />
Logo, algumas indagações surgem:<br />
6 Esses números e valores se referem a dados estatísticos de 1971 a 1984, presentes em tabela e<br />
gráfico (p. 56 e 57) no livro O livro didático em questão, da autora citada.<br />
17
• O uso do livro didático é totalmente indispensável?<br />
• Não existem outros recursos que poderiam ser usados pelos<br />
professores até mesmo com menos custo para os alunos?<br />
• O colorido, o material de ótima qualidade e os estudos feitos<br />
para a produção de livros didáticos têm como pano de fundo<br />
uma verdadeira preocupação com o processo ensino<br />
aprendizagem ou esses pontos são levados em conta para<br />
uma maior venda de materiais?<br />
No livro Ideologia no livro didático, Ana Lúcia G. de Faria aborda um<br />
tema, o trabalho, e o estuda em 35 livros didáticos utilizados em séries iniciais do<br />
Ensino Fundamental em escolas públicas e particulares. Entrevistas com alunos<br />
também foram feitas. Chega a conclusões que colocam em cheque o uso do livro<br />
didático, pois ele reproduz uma ideologia burguesa e preconceituosa em relação a<br />
camadas menos favorecidas da sociedade.<br />
É conveniente a comparação de obras como essa com o presente<br />
trabalho, pois percebem-se dados peculiares de determinados segmentos e<br />
disciplinas escolares, claro que levando em conta a posição diacrônica da<br />
comparação. Faria, em 1977, percebeu que as primeiras séries do Ensino<br />
Fundamental das escolas particulares não usavam livro didático. Tanto que sua<br />
pesquisa limitou-se a 2ª, 3ª e 4ª série do Ensino Fundamental.<br />
Primeira peculiaridade, na escola onde o pesquisador deste trabalho atua,<br />
a qual é particular, as séries iniciais do EF não utilizam livro didático; na Rede<br />
Municipal de Ensino de Criciúma, apesar dos esforços e estudos para mudanças<br />
pedagógicas, a maioria dos professores das séries iniciais ainda utiliza o livro<br />
didático.<br />
18
Outro fato curioso, motivo pelo qual as escolas particulares foram<br />
escolhidas para esta pesquisa: Dentre os livros disponibilizados pelo PNLD, não está<br />
incluso um livro de LE. Isso acontece por uma série de fatores que não serão<br />
discutidos aqui, o fato é que fica delegada ao aluno a incumbência de adquirir o livro<br />
de LE. Logo, os professores de língua acabam por não adotar um material comum a<br />
todos os alunos pela impossibilidade da compra por razões financeiras.<br />
Isso não acontece com escolas particulares. Na lista de materiais é<br />
solicitado, junto a outros, livros didáticos de Língua Inglesa e freqüentemente<br />
também de Língua Espanhola.<br />
Umberto Eco e Marisa Bonazzi, no livro Mentiras que parecem<br />
verdades, fazem um estudo de coleções de livros didáticos italianos. É claro que o<br />
momento histórico e geográfico é diferente do que vivemos atualmente no Brasil,<br />
porém, algumas idéias que aparecem no decorrer do livro vão ao encontro do que se<br />
pode perceber em alguns livros didáticos ainda em uso no Brasil.<br />
Na introdução do livro, Eco reflete sobre a falta de criatividade dos<br />
autores, dizendo que “para satisfazer a maioria, para não causar discórdias, [...],<br />
para agradar a todos, procuram tais autores manter o livro didático ao nível do óbvio<br />
ululante, do corriqueiro, do acrítico, da imbecilidade respeitável” (ECO; BONAZZI,<br />
1980, p. 18).<br />
As questões acerca do uso do livro didático são paradoxais. Por um lado,<br />
ele pode ser uma ferramenta utilizada para a simples reprodução de um sistema<br />
excludente, principalmente se em seu conteúdo a ideologia presente for aquela que<br />
evidencia uma sociedade “dividida em castas”. Por outro lado, o livro didático pode<br />
ser um objeto (e o é em algumas ocasiões) que pode ajudar para a emancipação do<br />
professor e por conseguinte do aluno.<br />
19
É óbvio que se o conteúdo, as atividades propostas e a ideologia<br />
presentes no livro didático forem totalmente contrárias a práticas que<br />
proporcionariam a construção de um conhecimento emancipador 7 do aluno<br />
(FRITZEN et al., 2002), sua utilização como instrumento auxiliador na construção do<br />
conhecimento fica dificultada. Mas se, por outro lado, o livro didático proporcionar de<br />
alguma forma um contato com conhecimentos historicamente produzidos que<br />
ajudem na construção de um cidadão crítico e se as práticas pedagógicas do<br />
professor corroborarem para tal construção, a ferramenta livro didático terá então<br />
seu uso legitimado.<br />
Alguns alunos conseguem executar as atividades propostas pelo livro<br />
didático de uma maneira muito mais rápida que outros. Uma prática pedagógica<br />
acrítica que não leva em conta essa diversidade dos grupos de alunos e que<br />
simplesmente reproduz as idéias e propostas que estão no livro didático pode<br />
colocar em cheque e atrapalhar um processo que poderia ser rico e ajudar na<br />
construção de conhecimento.<br />
Segundo Grillo (2002, p. 87): “Sobre a relação professor-aluno, é<br />
destacada a riqueza da interação, a necessidade do respeito a diferenças no que<br />
tange a conhecimentos prévios, tempo de cada aluno, oportunidade para o exercício<br />
da crítica.”<br />
Várias são as editoras, inúmeros são os livros didáticos. Cores, tamanhos,<br />
diagramações diferenciadas ou não. A questão principal é o como utilizar esse<br />
material. O que fazer com o livro didático? Deixar que ele reine e que a expressão<br />
7 “Por conhecimento reprodutivo entendemos o saber adquirido por meio do ensino regulado por<br />
atividades de aprendizagem do tipo simples, que oferecem um determinado modelo (seja uma flexão<br />
de gênero, seja uma equação matemática, por exemplo) para ser imitado ou seguido. [...] Por<br />
conhecimento criativo-reprodutor entendemos a apropriação resultante de recursos que priorizam<br />
habilidades cognitivas para além da memorização. [...] Por conhecimento criativo-emancipador<br />
entendemos o saber decorrente daquelas propostas de atividade que, além de promover o<br />
desenvolvimento das capacidades cognitivas complexas, não negligenciam a análise das<br />
contradições constituintes do / no ambiente sóciopolítico do educando” (FRITZEN et al., 2002)<br />
20
professor “piloto de livro didático” seja evidenciada na prática? Ou pode-se<br />
redimensionar a relação professor x livro didático, para que esse seja mais uma<br />
ferramenta na construção de um conhecimento verdadeiro por parte do aluno?<br />
O contexto escolar não conseguiu, ainda, abrir mão do paradigma<br />
‘transmissão de conhecimento via livro didático’ e a questão, talvez, não<br />
esteja em ‘abandoná-lo’ simplesmente, mas, sim, em questionar essa<br />
ordem paradigmática que coloca o livro didático enquanto fonte única,<br />
universal de referência para a sala de aula. (<strong>SOUZA</strong> apud CORACINI, 1995,<br />
p. 117)<br />
Pode-se aludir nessa altura da discussão a um dilema enfrentado por<br />
milhares de professores do Brasil inteiro, e possivelmente do mundo: Usar ou não<br />
usar um livro didático?<br />
[...] ele (o livro didático) deixa muito a desejar, mas é indispensável em sala<br />
de aula. Se com o livro didático o ensino no Brasil é sofrível, sem ele será<br />
incontestavelmente pior. Poderíamos ir mais longe, afirmando que sem ele<br />
o ensino brasileiro desmoronaria. Tudo se calca no livro didático. Ele<br />
estabelece o roteiro de trabalhos para o ano letivo, dosa as atividades de<br />
cada professor no dia-a-adia [...]. (FREITAG et al., 1989, p. 128) 8<br />
Para muitos professores o livro didático é a única ferramenta, não há<br />
tempo para pesquisa, a remuneração é baixa, etc. Moacir Gadotti desabafa:<br />
A situação vem se arrastando há anos. Tenho 41 anos de magistério e não<br />
tenho visto grandes melhorias. Ao contrário, tenho ouvido muitas<br />
promessas. As melhorias existem aqui e acolá, mas são pontuais e<br />
localizadas, são conjunturais e não estruturais, são provisórias, passageiras<br />
e não permanentes. (GADOTTI, 2003, p. 13)<br />
Não obstante, há uma luz no fim do túnel. Sabe-se que a pesquisa, o<br />
questionamento e a criticidade devem fazer parte do trabalho do professor. E<br />
existem muitos deles preocupados com essas características presentes em suas<br />
práticas pedagógicas.<br />
8 Grifo da autora.<br />
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o<br />
que de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser<br />
ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da<br />
prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. (FREIRE, 1996, p. 32)<br />
21
Admitindo e incorporando essas qualidades, o professor deve assumir o<br />
papel de questionador e problematizador em relação ao livro didático. Abandoná-lo<br />
não parece adequado. Contudo, faz-se necessário um redimensionamento do uso<br />
do livro didático (e de outras materiais didáticos) por parte dos docentes.<br />
3.1. Livros didáticos de Língua Inglesa - Um pequeno panorama histórico<br />
Nos livros didáticos de LI 9 na década de 40 há uma preponderância de<br />
textos literários de literatura inglesa e norte-americana. Textos em prosa e verso de<br />
Robert Frost, William Shakespeare, Charles Dickens, Emile Brontë são encontrados.<br />
A presença desses textos tem uma característica primordial: eles aparecem como<br />
pretexto para análise sintática e gramatical, bem como são sugeridas traduções de<br />
trechos desses textos (Grammar-Translation Method e Reading Method 10 ). Questões<br />
envolvendo interpretação sobre o verdadeiro teor dos textos, sua história, a<br />
formação e análise das personagens quase inexistem. “A leitura de textos clássicos<br />
difíceis é feita em estágios iniciais; pouca atenção é dada ao conteúdo dos textos,<br />
que são tratados como exercícios de análise gramatical” (TOTIS, 1991, p. 25-26).<br />
Com o fortalecimento da abordagem comunicativa na década de 80, o<br />
efeito “pêndulo” (assumir uma teoria em detrimento de outra, ou vai para um lado ou<br />
para outro) apareceu.<br />
Na década de 80 é que se consolidou no Brasil a abordagem<br />
comunicativa 11 , forma eclética de ensino-aprendizagem em que se foge da<br />
prática mecânica para simular as situações do dia-a-dia, encorajando-se<br />
também situações de comunicação real. Nesse caso, a gramática se põe a<br />
serviço dos objetivos de comunicação. (PROPOSTA CURRICULAR <strong>DE</strong><br />
SANTA CATARINA, 1998, p. 97-98)<br />
9 LI = Língua Inglesa<br />
10 Método de Tradução e Gramática e Método de Leitura. Métodos pedagógicos presentes nos livros<br />
didáticos.<br />
11 Communicative approach (nota minha).<br />
22
Os livros didáticos de LI que eram pautados em textos literários, oriundos<br />
principalmente da literatura clássica inglesa e estadunidense, começaram a ter seu<br />
conteúdo modificado para gêneros textuais da abordagem comunicativa: diálogos,<br />
expressões que se aproximam do cotidiano de um falante de LI, textos que imitam a<br />
“vida real”. Como já foi dito no primeiro capítulo, essa imitação, na verdade, é uma<br />
pseudo-imitação, pois uma linguagem que imita a “vida real”, o cotidiano, é na<br />
maioria das vezes a linguagem coloquial. Mas o que pode ser notado nos materiais<br />
didáticos a partir da década de 80 até os dias atuais são textos que dizem imitar a<br />
“vida real”, mas têm em sua elaboração expressões da língua padrão. É claro que a<br />
“vida real” também pressupõe o uso de linguagem culta – o que no ensino de LE<br />
também deve ser levado em consideração –, porém não pode haver ênfase de uma<br />
em uma em detrimento da outra. Por último, esses textos são supostamente (digo<br />
supostamente porque não cumprem seu papel, por uma série de fatores) criados<br />
para preparar o estudante para falar Inglês e não para ler.<br />
Essa perspectiva (vertente comunicacional) também favorece uma<br />
redefinição dos conteúdos gramaticais e de sua abordagem. Sem<br />
abandonar a gramática oracional, um currículo organizado a partir da<br />
tipologia de textos, que contém uma grande variedade de discursos, deve<br />
propor uma reflexão acerca da lingüística textual, constituindo uma nova<br />
gramática: a gramática do texto. (BRUNIERA, 2003. Disponível em:<br />
http://novaescola.abril.com.br/ed/148_dez01/html/ling_estr_art.doc )<br />
A autora demonstra a importância de se trabalhar a partir de textos<br />
(literários ou não, mas originais da língua) ao contrário da gramatiquice, 12 que pode<br />
ser percebida em alguns currículos e práticas didáticas de Língua Inglesa.<br />
Ainda de acordo com Bruniera,<br />
[...] deve-se zelar para que o aluno não seja exposto apenas a textos de<br />
trama informativa, mas sim a textos em que a linguagem exerça outras<br />
funções – expressiva, literária, apelativa, fática e metalingüística. Deve-se<br />
cuidar para não fazer uso indiscriminado de situações prático-comunicativas<br />
12 Neologismo que define a ênfase no ensino da gramática em detrimento de funções comunicativas e<br />
do uso efetivo da língua.<br />
23
em que haja a prevalência de uma linguagem mais instrumental, que pode<br />
contribuir para a perda das referências históricas e simbólicas da linguagem<br />
e para o declínio do papel formador da escola. (Ibidem)<br />
A literatura, entendida como instrumento transmissor e construtor de<br />
cultura, precisa ser então utilizada para que essas referências histórico-culturais<br />
sejam garantidas, como veremos no terceiro capítulo.<br />
Chama a atenção na constituição do livro didático a pouca variação de<br />
conteúdo, temas utilizados e gêneros textuais. Segundo Bárbara Freitag (op. cit.)<br />
“[...] as editoras se atêm o mais próximo possível aos guias curriculares, [...]. As<br />
variações ocorrem meramente na forma de apresentação e diagramação do livro”.<br />
Nos livros didáticos de Língua Inglesa não é diferente, os exercícios e as<br />
atividades propostas parecem ser as mesmas de um livro para outro e há uma<br />
preeminência de certos gêneros textuais em detrimento de outros. Em livros de<br />
Ensino Médio, onde parece haver uma presença maior de textos literários, grandes<br />
autores da literatura inglesa e norte-americana nunca são citados, porém certos<br />
autores e poetas são sempre lembrados. É claro que Shakespeare é um dos<br />
maiores escritores de todos os tempos, não só de LI, contudo o que não parece<br />
adequado é uma primazia de determinados textos e autores sem oferecer ao<br />
estudante a oportunidade de contato com um universo literário vasto. Algumas<br />
dessas questões serão detalhadas no próximo capítulo, no qual analisaremos livros<br />
didáticos de LI e os gêneros e tipos textuais que neles aparecem.<br />
Atualmente percebe-se que os autores e as editoras começam a se<br />
preocupar verdadeiramente com o conteúdo de algumas coleções. Questões mais<br />
contextualizadas aparecem nos materiais didáticos. Projetos de trabalho e projetos<br />
cooperativos são propostos, atividades um pouco mais desafiadoras e não somente<br />
reprodutoras começam a surgir. Por outro lado, algumas preocupações das editoras<br />
não são as mesmas dos professores e professoras, tampouco colaboram para a<br />
24
construção de conhecimento na escola. Inúmeras obras apresentam-se como “de<br />
acordo com os PCNs 13 ”, com os temas transversais e uma série de documentos que<br />
menos da metade dos docentes brasileiros leram. Pode-se pensar então: essas<br />
alusões a documentos da educação são reflexo de uma verdadeira preocupação<br />
com a educação num todo ou são mais um “serviço agregado” à mercadoria que se<br />
compra?<br />
13 Foram encontradas nas referências usadas nesse trabalho as expressões PCN e PCNs. Preferimos<br />
usar a última opção.<br />
25
4. LIVROS DIDÁTICOS <strong>DE</strong> <strong>LÍNGUA</strong> <strong>INGLESA</strong> E A LITERATURA<br />
Este capítulo tem como objetivo relatar a análise feita em alguns livros<br />
didáticos e apostilas de LI utilizados em escolas privadas de ensino fundamental em<br />
Criciúma (SC) no ano de 2004, bem como mostrar que a literatura, mesmo de forma<br />
simples, pode se integrar ao ensino de língua estrangeira sem muita perda de tempo<br />
e sem retorno aos antigos métodos de ensino.<br />
4.1. Cultura e literatura<br />
A Proposta Curricular de Santa Catarina para o ensino de LE diz que<br />
O domínio de uma LE se constitui em mais uma possibilidade de ampliação<br />
do universo cultural do aluno, possibilitando-lhe o acesso e a apropriação de<br />
conhecimentos de outras culturas. [...] a aprendizagem de uma LE não limita<br />
o conhecimento ao que a língua materna pode oferecer. (PROPOSTA<br />
CURRICULAR <strong>DE</strong> SANTA CATARINA, 1998, p. 95)<br />
Se o objetivo do ensino de LE é a ampliação do universo cultural do<br />
estudante, e a literatura de um povo traz consigo elementos culturais fortes, logo o<br />
ensino de LE deve também estar alicerçado em textos literários oriundos dos países<br />
que falam o idioma estudado.<br />
Sendo a proposta do ensino de LE a de ampliar o leque cultural de um<br />
estudante para que ele, então, respeite outras culturas, valorizando a sua, trabalhar<br />
com literatura em uma perspectiva didática é salutar, pois aproxima o aluno do outro<br />
e faz com que ele reconheça a diversidade cultural existente.<br />
Primeiramente, não esqueçamos das atribuições inerentes a um texto<br />
literário como mostrou o Capítulo 1. Partindo desses pressupostos, concordamos<br />
26
com Holden e Rogers (2001, p. 91) quando dizem que “pensar em literatura é o<br />
mesmo que pensar em canções adequadas para o uso em aula”. É obvio que não<br />
propomos uma limitação do ensino de língua somente ao uso de canções. Contudo,<br />
a canção é um gênero literário (que antes de ser cantada é um poema) privilegiado.<br />
Faz parte do cotidiano da criança/adolescente, permite o contato com traços<br />
paralingüísticos 14 , e quem não gosta de cantar?<br />
Não é necessário que o estudante se aproprie de estruturas gramaticais<br />
complexas para que ele entenda uma canção ou um poema em LI. Pelo contrário,<br />
esses gêneros literários contribuem para o aprendizado de novo léxico e novas<br />
estruturas morfossintáticas da LE em questão.<br />
Por contar com uma estrutura em versos (na maioria das vezes),<br />
permitindo assim uma sistematização da leitura, por ser breve, por ter em sua<br />
composição uma eminente possibilidade de paráfrase (e outras atividades que<br />
garantam a participação do estudante como sujeito), “aos alunos de ensino<br />
fundamental o gênero literário que provavelmente garantirá uma aula motivadora é o<br />
poema, principalmente se for contemporâneo, pois pode-se fazer assim relações<br />
com o cotidiano” (ibidem, p. 92).<br />
Tomamos como exemplo o poema de Eve Merriam (ibidem):<br />
Teevee<br />
In the house<br />
Of Mr. and Mrs. Spouse<br />
He and she<br />
Would watch TV,<br />
And never a word<br />
Between them spoken<br />
Until the day the set<br />
Was broken.<br />
14 Entonação, sotaque, os sons do idioma propriamente ditos.<br />
27
Then<br />
“How do you do”<br />
Said he to she,<br />
“do you suppose that we<br />
Could be…?<br />
But suddenly the set<br />
Came right about,<br />
And so they never did find out!<br />
Sua linguagem é acessível para uma oitava série do ensino fundamental,<br />
por exemplo. O professor, por meio desse recurso, poderia trabalhar muitas<br />
questões de interpretação, musicalidade, e instigar a discussão de assuntos que se<br />
deseja explorar. Por exemplo: parentescos, vida moderna, comunicação, e muitos<br />
outros que resgatariam valores e ao mesmo tempo abririam caminhos para o<br />
aprendizado de uma língua estrangeira.<br />
Analisando superficialmente essa obra de Eve Merriam, vemos o vasto<br />
campo de atuação e possibilidades que a literatura oferece ao professor, por isso a<br />
importância de se ter textos literários em livros didáticos. O professor utiliza o livro,<br />
pois a falta de tempo o inviabiliza de procurar em outras fontes e preparar seu<br />
próprio material (Capítulo 2). A presença de bons textos literários nos livros<br />
provocaria um enriquecimento no processo ensino aprendizagem visto que muitos<br />
educadores, infelizmente, têm o livro didático como a principal senão a única<br />
ferramenta de trabalho. A omissão desses textos pode proporcionar a perda da<br />
oportunidade de um aprendizado dinâmico e acima de tudo contextualizado de uma<br />
nova língua.<br />
Outro gênero literário que poderia ser utilizado nas aulas de língua – e<br />
poderiam estar presentes em livros didáticos – são os textos teatrais. Mesmo que<br />
algumas peças tragam diálogos complexos e linguagens arcaicas (Shakespeare, por<br />
exemplo) o professor pode adaptá-los e provocar a leitura dessas peças por meio de<br />
28
adaptações. Os próprios alunos poderiam interpretá-las, caberia ao professor<br />
adequá-las às respectivas faixas etárias. Se a experiência fosse bem sucedida, um<br />
desejo pela leitura de determinada obra na íntegra poderia brotar.<br />
Outra razão importante para a exploração de obras literárias, no caso<br />
inglesas ou estadunidenses, é conhecer a história de outros povos e de outras<br />
culturas e, conseqüentemente, relacioná-las com a sua história, seus costumes,<br />
valores e tradições, pois as obras literárias geralmente são um reflexo de um<br />
contexto histórico e social.<br />
A aprendizagem passa a ser vista, então, como fonte de ampliação dos<br />
horizontes culturais. Ao conhecer outra(s) cultura(s), outra(s) forma(s) de<br />
encarar a realidade, os alunos passam a refletir, também, muito mais sobre<br />
a sua própria cultura e ampliam a sua capacidade de analisar o seu entorno<br />
social com maior profundidade, tendo melhores condições de estabelecer<br />
vínculos, semelhanças e contrastes entre a sua forma de ser, agir, pensar e<br />
sentir e a de outros povos, enriquecendo a sua formação. (BRASIL, 1999)<br />
Além de aprender uma língua estrangeira, o educando pode relacionar<br />
costumes e a cultura do povo falante dessa língua.<br />
A educação do futuro deverá ser o ensaio primeiro e universal, centrado na<br />
condição humana. [...] Estes (seres humanos) devem reconhecer-se em sua<br />
humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural<br />
inerente a tudo que é humano. (MORIN, 2003, p. 47).<br />
Infelizmente a literatura está sendo deixada para traz. Com a inversão de<br />
valores da sociedade na qual estamos inseridos, as palavras não têm quase<br />
nenhum valor poético. Isso também, de certa forma, está refletido nas composições<br />
dos livros didáticos.<br />
Instigar um educando a conhecer literatura é instigá-lo a se posicionar e<br />
tornar-se um indivíduo crítico e atuante, além de motivá-lo à leitura, habilidade<br />
primordial para aquisição de (nova) linguagem.<br />
A ausência de textos literários nos livros didáticos e, por conseguinte, nas<br />
aulas de Língua Inglesa faz pensar que seus autores, ou os próprios professores,<br />
29
subestimam os educandos, achando que alunos de ensino fundamental não seriam<br />
capazes de compreender tais textos. Outro fator que talvez justificaria essa ausência<br />
é que mesmo que os alunos tenham interesse pela leitura desses textos, seria<br />
impossível, com a carga horária destinada às aulas de LE e com as grades<br />
curriculares de nosso sistema educacional “eunuco”, desenvolver atividades dessa<br />
natureza. Essa é outra realidade que dificulta, mas não impossibilita, o uso de<br />
literatura no ensino aprendizagem de língua inglesa.<br />
Levando em conta as diversas funções e possibilidades da literatura, é<br />
uma pena o aprendizado de LE limitar-se exclusivamente ao mundano e ao direto<br />
comunicacional. Onde ficam as ligações entre linguagem e criatividade, língua e<br />
cultura, língua e expressão pessoal? Será mesmo tão difícil criar um espaço para<br />
esses assuntos em nossas tão modernas e eficientes aulas? “O professor é parte<br />
fundamental do processo como mediador, o que faz a ponte entre o aluno e a<br />
cultura, o conhecimento e as formas de apropriação desse conhecimento.”<br />
(PROPOSTA CURRICULAR <strong>DE</strong> SANTA CATARINA, 1998, p. 99)<br />
4.2. Língua, literatura e ensino<br />
Outro ponto que não pode ser deixado de lado é a preparação dos alunos<br />
de ensino fundamental e médio para a vida acadêmica. Dentro dessa perspectiva<br />
“saber ler em inglês ajuda a aprofundar conhecimentos anteriores e permite a<br />
aquisição de informações novas que, na maioria das vezes, não são veiculadas em<br />
português.” (TOTIS, 1991, p. 23)<br />
“Ler um ‘verdadeiro’ texto de filosofia, de preferência na íntegra e na<br />
língua original, [...] transforma-se para o universitário brasileiro em uma barreira<br />
30
quase intransponível no começo de seu curso universitário”. (FREITAG, 1989, p.<br />
129) Isso poderia ser evitado se desde o Ensino Fundamental, gradativamente,<br />
partindo do fácil para o difícil, do simples para o complexo (BACK, 2000, p.13),<br />
frases, diálogos e textos fossem apresentados para os alunos, para que ao chegar<br />
no ensino superior não acontecesse um espanto literário e bibliográfico.<br />
No que diz respeito à adequação de textos conforme a faixa etária, o<br />
professor deve preocupar-se com uma literatura adequada para cada idade (gêneros<br />
textuais diferenciados, níveis de complexidade lexical, quantidade de palavras,<br />
textos adaptados ou não, etc.). Se o professor pensar desta forma, descobrirá<br />
existirem textos literários que podem ser usados com os alunos de formas muito<br />
interessantes. Uma questão importante é que a metodologia tenha uma abordagem<br />
diferente de uma abordagem pautada somente em conversação. A ênfase na leitura<br />
e em uma tipologia textual é de suma importância nas atuais circunstâncias<br />
educacionais brasileiras. (BRUNIERA, 2004; TOTIS, 1991; FREITAG, 1989 e muitos<br />
outros)<br />
Jovens universitários e estudantes da Educação Básica gostam de ler, e<br />
gostam de ler por prazer.<br />
[...] o ato de ler, via de acesso para a apropriação dos bens culturais<br />
registrados pela escrita [...] é importante na medida em que revela o poder<br />
peculiar do homem ‘ler’ os dados da realidade, analisá-los, transformá-los e<br />
registrá-los em seu próprio benefício cultural e histórico.<br />
(PIRES, BEZERRA, 1999. Disponível em:<br />
http://www.eca.usp.br/prof/motilia/dyniy/didatico/analises/literatura.rtf)<br />
A leitura de textos literários cumpriria seu papel de colaboradora na<br />
formação de leitores/cidadãos críticos se, desde cedo eles fossem apresentados ao<br />
universo literário mundial que existe. (FREITAG, 1989, p. 129)<br />
31
4.3. Análise dos livros didáticos<br />
Foram coletados dados referentes aos livros didáticos usados nas escolas<br />
particulares de Criciúma (SC) no ano de 2004.<br />
particulares?<br />
Por que escolhemos oitavas séries do Ensino Fundamental de escolas<br />
1. o foco de nossa discussão são livros didáticos de língua inglesa.<br />
Primeiramente optamos por coletar dados de livros de quinta a oitava<br />
série porque no ensino médio são usadas apostilas na maioria das<br />
vezes;<br />
2. a oitava série do EF é a série onde uma maior complexidade lingüística<br />
já foi atingida, o que favorece a análise de textos literários em língua<br />
estrangeira em razão da linguagem muitas vezes subjetiva e abstrata.<br />
Conseqüentemente, há uma maior chance de presença de textos<br />
literários nos livros dessa série;<br />
3. como já foi comentado no capítulo anterior, as escolas públicas não<br />
recebem livros didáticos de LE do governo federal. Poderíamos ter<br />
pesquisado os materiais que são utilizados pelo professor, mas<br />
optamos por analisar livros com os quais os estudantes têm um<br />
contato direto. Logo, as escolas particulares foram escolhidas, porque<br />
são o lugar onde atualmente isso ocorre.<br />
As coleções de livros que foram usadas no ano de 2004 pelas escolas<br />
particulares de Criciúma foram as seguintes:<br />
Escolas Livros<br />
Colégio de Aplicação da UNESC Great<br />
32
e 21 são literários.<br />
Colégio Energia apostila própria<br />
Colégio Madre Teresa Michel Take your time<br />
Colégio Marista New Our Way (5ª. a 7ª. Série<br />
apostila Positivo (8a. série)<br />
Colégio Objetivo apostila própria<br />
Colégio Rogacionista New Our Way<br />
Colégio São Bento Hello<br />
Dimensão New Our Way<br />
SATC apostila Positivo<br />
Dos 185 textos encontrados nos cinco títulos, 164 são textos não literários<br />
No primeiro capítulo foram definidos como textos literários, segundo<br />
alguns autores, alguns gêneros textuais: trecho de livro 15 , trecho de peça teatral,<br />
história em quadrinhos, cartoon, charge, letra de música, poema, conto, fábulas,<br />
lendas, piada, crônica. Nos livros didáticos analisados não aparecem os seguintes<br />
gêneros textuais: trecho de livro, trecho de peça teatral, charge, conto, lendas, piada<br />
e crônica.<br />
Dentre os gêneros textuais com literariedade que foram encontrados<br />
estão: cartoon, fábula, história em quadrinhos, letra de música e poema.<br />
Em anexo estão os gráficos que mostram o número e a porcentagem de<br />
textos literários e não literários encont rados nos livros.<br />
15 Entendemos como trecho de romance, de uma história, ficção. Um trecho de um livro científico ou<br />
não ficção não será considerado como literatura nessa classificação.<br />
33
Alguns desses textos literários parecem na verdade estar mais próximos<br />
do que poderíamos chamar de “quase-literários” do que propriamente literários.<br />
Segundo Anthony Burgess:<br />
There are other branches of literatures and “near-literature” […], particularly<br />
the essay, which is what a man writes when he has no gift for poetry or the<br />
novel. But I should like you to keep those three main forms in mind – novel,<br />
the drama, the poem […] 16 (1980, p. 8)<br />
Entre esses textos podemos citar os textos híbridos, com elementos<br />
verbais e não-verbais, como por exemplo os quadrinhos e os cartoons.<br />
Também podemos considerar a freqüência cada vez maior de gêneros não<br />
propriamente literários: as histórias em quadrinhos, os cartoons e<br />
propagandas. (FRITZEN, 2002)<br />
Um fato ao qual deve se chamar a atenção é falta de referências em<br />
diversos textos presentes nos livros analisados, principalmente nos textos<br />
informativos. A maioria não tem referência e parece que foram criados pelos próprios<br />
autores do livro didático. No mínimo, uma análise rápida num dicionário ou<br />
enciclopédia deve ter sido feita. Não se descarta a possibilidade de terem sido<br />
criados pelos próprios autores dos livros, porém, como veremos a seguir numa<br />
análise mais detalhada dos textos literários presentes, se percebe que a maioria dos<br />
textos não referenciados tem um autor, mas esse não foi citado.<br />
Outra questão relevante é a poluição visual presente nos atuais livros<br />
didáticos de Língua Inglesa. Sabe-se que as cores, a variação de formas e<br />
elementos extralingüísticos contribuem para a construção de conhecimento da<br />
criança e do adolescente. Todavia, quando há uma exacerbação desses fatores,<br />
eles podem vir até mesmo a atrapalhar o aprendizado.<br />
16 Existem outras ramificações da literatura e “quase-literatura” [...], particularmente o ensaio, que é<br />
aquilo que um homem escreve quando não tem o dom para a poesia ou romance. Mas eu gostaria de<br />
manter essas três formas em mente – o romance, o drama, o poema [...] (tradução minha)<br />
34
O que se evidencia nas edições mais recentes, é um apelo intenso às<br />
figuras e à cor, por vezes gerando, pelo exagero, poluição visual. Ora, num<br />
mundo como o nosso em que os apelos visuais são tão insistentes, será<br />
que o livro-texto, organizado feito um desfile carnavalesco, não é mais um<br />
elemento que põe em segundo plano o exercício da leitura tradicional,<br />
desvencilhada de ilustrações e amparada somente no poder engendrador<br />
da imaginação do leitor? (FRITZEN et al, 2002)<br />
Conforme visto na introdução do trabalho, a análise dos textos literários<br />
nos livros didáticos pesquisados será feita a partir dos seguintes questionamentos:<br />
a) De que maneira são abordados e qual a relevância dos temas<br />
presentes nos textos literários?<br />
b) O uso de textos literários pode vir a dificultar o aprendizado ou por<br />
outro lado pode ampliar o universo cultural do estudante?<br />
c) Quais são os desdobramentos metodológicos após a exposição de<br />
textos literários no livro?<br />
4.3.1. Apostila Positivo (Sociedade Educacional Positivo)<br />
Textos literários encontrados: cartoon e letra de música.<br />
O cartoon que está na p. 14 não tem encaminhamento metodológico<br />
algum. Nem antes nem depois do texto. Também não há menção sobre o autor. O<br />
conteúdo em tom jocoso é uma piada sobre homens da caverna.<br />
Dois homens da caverna conversam e um deles diz que é desajeitado<br />
porque tem dez dedos nos pés, o outro diz que todos são assim, mas o primeiro<br />
retoma, explicando que são três em um pé e sete no outro.<br />
A única explicação que parece haver para a presença desse texto é a<br />
presença de pronomes no texto dos balões, tópico gramatical que foi abordado<br />
algumas páginas antes do cartoon.<br />
35
As músicas presentes nessa apostila têm quase as mesmas<br />
características de abordagem metodológica do cartoon citado acima. Somente em<br />
três delas há menção ao autor da letra.<br />
Com uma das músicas são sugeridos exercícios de preenchimento de<br />
lacunas (listening) e três perguntas em relação ao texto (letra da canção enquanto<br />
poema). As perguntas estão em língua portuguesa e são as seguintes:<br />
• Para quem o cantor está cantando esta música, na sua opinião, ou<br />
seja, quem é “you”?<br />
• O que deve ter acontecido entre o cantor e “you”?<br />
• Como você acredita estar o cantor se sentindo?<br />
Apesar da falta de citação sobre a autoria das canções e de nenhum<br />
encaminhamento de exercícios com a grande maioria delas, as atividades acima<br />
sugeridas (com apenas uma das músicas) proporcionam uma leitura subjetiva do<br />
texto e não ficam somente em cima de questões gramaticais e lexicais.<br />
4.3.2. Great (Editora Macmillan)<br />
Textos literários encontrados: poema e letra de música.<br />
O poema “Where the rainbow ends”, de Richard Rive (HOL<strong>DE</strong>N e<br />
CARDOSO, 2002, p. 22) tem como tema a pluralidade cultural e racial. O autor e<br />
livro onde o texto se encontra estão devidamente citados.<br />
Perguntas subjetivas e objetivas sobre o poema são feitas. A introdução<br />
do poema nessa seção do livro está concatenada com os temas e assuntos que<br />
estão sendo tratados na unidade. Após essa seção, uma outra que vai tratar de<br />
36
questões semânticas e lexicais é apresentada onde são abordados assuntos sobre<br />
linguagem figurada e literal. Tendo o poema como exemplo, exercícios que fazem<br />
relação com esses temas literários são propostos. Por último é sugerido um projeto<br />
de trabalho em grupo no qual vão ser usados versos do poema com figuras,<br />
desenhos e outros elementos para a elaboração de cartazes alusivos ao tema.<br />
Além disso, um CD que acompanha o livro tem a narração do poema com<br />
um fundo musical de blues que proporciona uma recepção do texto de uma forma<br />
diferenciada.<br />
Essa seqüência de atividades nesse livro didático evidencia que a<br />
subjetividade, uma marcante característica da literatura, é uma forte aliada na<br />
construção do conhecimento, visto que faz o educando pensar, refletir, supor,<br />
analisar e descobrir uma gama variada de significados que uma palavra utilizada<br />
metaforicamente em um texto pode ter.<br />
A literatura recria o mundo exterior e também o modo de lê-lo, pois sua<br />
estrutura é marcada por ‘vazios’, por situações inacabadas que exigem a<br />
participação do leitor para preenchê-las, e desse modo, dar forma ao<br />
mundo criado pelo autor. Assim, à tarefa de decodificação se junta a de<br />
interpretação, executada por cada indivíduo particularmente, de acordo com<br />
suas vivências e imaginação próprias.(PIRES, BEZERRA, op. cit.)<br />
Da mesma forma na p. 62 é apresentado o poema “What has happened<br />
to Lulu?”, de Charles Causley. As abordagens metodológicas e os encaminhamentos<br />
são semelhantes aos do poema anterior. As atividades estão contextualizadas com o<br />
conteúdo temático e gramatical do livro, em especial dessa unidade, questões<br />
subjetivas são feitas, etc. Como fechamento da seção é proposta uma discussão e<br />
comparação do poema com uma canção dos Beatles.<br />
As letras de música apresentadas no livro Great (p. 44 e 79) são<br />
fragmentos de canções. Da mesma forma que com os poemas encontrados nesse<br />
37
livro, os autores são devidamente mencionados, as atividades encadeadas com as<br />
páginas que precedem e sucedem o texto. Os temas são exílio e intercâmbios<br />
culturais com a canção “London, London” (Caetano Veloso) e educação e conflito<br />
entre gerações com a canção “Another brick in the wall” (Pink Floyd).<br />
4.3.3. Hello (Editora Ática)<br />
música.<br />
Textos literários encontrados: cartoon, história em quadrinhos e letra de<br />
Na página 81 encontra-se um cartoon do Garfield (Jim Davis). O comando<br />
anterior ao texto é “ver a figura e responder as questões”. São duas questões<br />
diretamente relacionadas ao conteúdo que está abordado na unidade, o “Present<br />
Perfect”:<br />
a. What has Garfield been trying to do?<br />
b. How long has he been lying awake? 17<br />
Vale registrar aqui um ponto de vista de pesquisadores de gêneros<br />
textuais e livros didáticos:<br />
17 a. O que Garfield tentou fazer?<br />
b. Por quanto tempo ele ficou acordado?<br />
[a] maioria absoluta dos exercícios de compreensão dos manuais escolares<br />
resume-se a perguntas e respostas. Raramente são sugeridas atividades de<br />
reflexão. Em geral são perguntas padronizadas e repetitivas, de exercício<br />
para exercício, feitas na mesma seqüência do texto. Quase sempre se<br />
restringem às conhecidas indagações objetivas: O quê? Quem? Quando?<br />
Onde? Qual? Como? Para quê? ou então contém ordens do tipo: copie,<br />
ligue, retire, complete, cite, transcreva, escreva, identifique, reescreva,<br />
assinale... partes do texto. Às vezes, são questões meramente formais.<br />
Raramente apresentam algum desafio ou estimulam a reflexão crítica sobre<br />
o texto. (Marcuschi, 1996 apud FRITZEN et al.)<br />
38
A tira é engraçada, há um jogo de palavras interessante, existe no texto o<br />
desvio que caracteriza a literariedade (<strong>SOUZA</strong>, 2003), entretanto o texto parece ser<br />
um pretexto para um reforço do tópico gramatical em questão, o que diminui seu<br />
valor literário.<br />
Nas páginas 40, 72, 108 e 140 há uma história em quadrinhos dividida em<br />
quatro partes que poderiam também ser chamados de capítulos. Os exercícios<br />
escolhidos são de preenchimento de lacunas com indicação de léxico, relação de<br />
antônimos entre palavras dos quadrinhos, relação de expressões sinônimas e um<br />
exercício um pouco mais subjetivo sobre características das personagens. Tudo<br />
indica que a história em quadrinhos foi criada pelos próprios autores do livro, pois<br />
não há referência bibliográfica.<br />
As quatro letras de música que aparecem no livro Hello estão no final do<br />
livro como atividades anexas em uma seção chamada “Songs”. Os procedimentos<br />
metodológicos com essas músicas vão desde o famoso “Fill in the blanks” 18 até<br />
relação de palavras por rimas, passando por colocar palavras de expressões na<br />
ordem correta.<br />
cantadas.<br />
Sublinhe-se que tanto a imitação quanto à memorização são componentes<br />
do processo de aprendizagem. Contudo, a eleição exclusiva delas pode<br />
inibir o trabalho intelectual do aluno, tendo em vista que o seu raciocínio se<br />
fixará na repetição automática de uma dada estrutura apontada pelo<br />
modelo. Todavia, nada impede que um mesmo livro apresente, em<br />
diferentes momentos, aspectos que contemplem mais de uma das<br />
categorias propostas 19 . (FRITZEN et al, 2002)<br />
O material didático acompanha um CD com as músicas tocadas e<br />
18 Preencha as lacunas.<br />
19 Conhecimento reprodutivo, conhecimento criativo-reprodutor e conhecimento criativo-emancipador.<br />
Cf. nota no capítulo anterior.<br />
39
4.3.4. New Our Way (Editora Moderna)<br />
Textos literários encontrados: fábula e história em quadrinhos.<br />
Nas páginas 38 e 39 há uma fábula cujo título é “The hidden treasure” 20 .<br />
Como em toda fábula há uma moral no final do texto. Essa conta a história de um<br />
pastor que após um sonho sai pelo mundo a procurar um tesouro. O clímax é a<br />
descoberta que esse tesouro escondido está em sua própria casa.<br />
Há uma coerência com o tópico gramatical que está sendo estudado<br />
(Simple Past), mas os encaminhamentos pós-texto são todos relacionados com a<br />
estrutura gramatical e lexical do texto. Os exercícios são:<br />
• Verdadeiro ou falso;<br />
• Responda as questões (onde, o que, etc.);<br />
• Coloque as frases na seqüência correta;<br />
• Complete as frases com palavras do texto.<br />
Na página 80 e 81 há uma história em quadrinhos: “The three wishes”. O<br />
enredo trata de três jovens perdidos em uma ilha distante e encontram uma lâmpada<br />
mágica. A história trabalha com arquétipos, comicidade, usando elementos verbais e<br />
não verbais. Até aí tudo bem. O problema são os exercícios após o texto.<br />
Novamente questões descritivas sobre o enredo do texto, quase uma “comprovação<br />
de leitura”. Relacione as colunas, responda as questões: o que, por que (a resposta<br />
para esse por que não é subjetiva, basta transcrever a frase do texto), etc.<br />
20 O tesouro escondido<br />
[...] convém também lembrar que, quando se trabalhar com gêneros como<br />
canções, receitas, documentários, informes turísticos regionais, lendas ou<br />
outros textos típicos do país da língua estrangeira em estudo, reconhecer<br />
neles a natureza do texto em questão, perceber sua estrutura, seus<br />
elementos coesivos e fazer exercícios de análise lingüística sim, mas não<br />
40
perder de vista o caráter histórico-cultural desses escritos, buscando "ler"<br />
neles toda a gama de informações que permitem falar dos costumes,<br />
peculiaridades locais, modos de agir, pensar e relacionar de cada povo. Por<br />
sua vez, torna-se interessante traçar paralelos entre esta cultura e a da<br />
língua materna, o que permitirá um saber verdadeiro e não hipotético.<br />
(PROPOSTA CURRICULAR <strong>DE</strong> SANTA CATARINA, 1998, p. 101)<br />
Tivemos dificuldade em classificar esse texto como fábula ou história em<br />
quadrinhos. Preferimos a segunda classificação, pois o texto não atende a algumas<br />
características da fábula. Há o arquétipo do gênio e da lâmpada mágica, elementos<br />
esses que fazem parte de outras fábulas, porém não há referência ao autor da<br />
história que se apresenta no livro (provavelmente foi criada pelos autores do livro<br />
didático). Não existe da mesma forma uma moral intrínseca ao enredo. Além da<br />
necessidade de elementos gráficos para a interpretação do texto o que não<br />
acontece com as fábulas.<br />
4.3.5. Take your time (Moderna / Richmond)<br />
Não foram encontrados textos com características literárias nesse livro.<br />
Alguns textos, porém, fazem menção a estilos literários, autores ou a<br />
outras manifestações artísticas.<br />
O diálogo que abre a unidade 3 tem o título “A detective story”. Apesar de<br />
a história não ter características literárias propriamente ditas, nem ser de algum<br />
autor consagrado, o texto trabalha com o arquétipo do detetive e o pano de fundo é<br />
um enredo de morte, a qual foi possivelmente um crime.<br />
Da mesma forma, o texto da p. 113 cujo título é “Halloween”. O tema do<br />
texto trata de dados culturais de outros povos que têm o Inglês como língua oficial.<br />
41
Contudo, a estrutura do texto não apresente literariedade. Não há subjetividade nem<br />
desvios no texto.<br />
A p. 50 apresenta sinopses de filmes. Há uma alusão, portanto, há<br />
manifestações artísticas (mesmo que não sejam propriamente literárias), mas o texto<br />
em si apresentado no livro não tem características literárias.<br />
Na p. 55 está a biografia de uma escritora internacionalmente conhecida,<br />
Agatha Christie. No texto nomes de livros e peças de teatro escritas pela escritora<br />
são citados.<br />
4.4. Perspectivas<br />
Cabe ainda esclarecer que texto está sendo entendido como toda produção<br />
lingüística significativa falada ou escrita, ou seja, amostras vivas das mais<br />
diversas situações de comunicação (anúncios, cartões, cartas, pequenas<br />
reportagens, receitas, bulas de medicamentos importados, manual de uso<br />
de cosméticos, folhetos de instrução, manuais técnicos, charges, histórias<br />
em quadrinhos, tiras, panfletos, anedotas, poemas, textos literários,<br />
músicas, videoclipes, cinema,...).(PROPOSTA CURRICULAR <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA, 1998, p. 102)<br />
Haver ou não haver um espaço para a literatura na aula é uma decisão do<br />
professor. Pode-se entender então que, se determinado material didático não traz<br />
consigo todos os gêneros e tipos textuais que seriam adequados e importantes para<br />
o aprendizado do idioma, o professor deveria (junto com os alunos) pesquisar fontes<br />
onde esses textos poderiam ser encontrados e, com ajuda de diagnóstico<br />
(questionário, entrevista), tentar perceber o gosto dos alunos por determinado texto<br />
literário.<br />
42
5. CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Os dados analisados e os referenciais teóricos adotados pela presente<br />
pesquisa mostraram que o uso de textos literários no ensino de língua estrangeira,<br />
respeitando as faixas etárias e o nível de aprendizagem dos grupos, é tão<br />
importante quanto o uso de outros gêneros textuais. Os encaminhamentos<br />
metodológicos para com os textos literários presentes nos livros estudados, salvo<br />
algumas exceções, não diferem de uma visão tradicional e estruturalista do ensino<br />
de línguas. Exercícios de análise gramatical e lexical, falta de referências<br />
bibliográficas, e até mesmo ausência de explicação do porquê os textos estarem no<br />
livro, fazem parte das circunstâncias em que se apresentam textos literários nesses<br />
livros.<br />
As hipóteses feitas no início do trabalho quanto ao uso da literatura no<br />
aprendizado de LI (para um contato mais profundo com outras cultura), às faixas<br />
etárias adequadas, à metodologia adotada para a interpretação do texto literário, e à<br />
questão da subjetividade foram confirmadas por meio do confronto dos dados com a<br />
revisão de bibliografia.<br />
As pesquisas sobre o livro didático estão avançadas. Muitas obras foram<br />
escritas e existem muitos grupos de estudo sobre o assunto. Há uma carência,<br />
porém, de obras específicas sobre o livro didático de língua estrangeira e língua<br />
inglesa. Da mesma forma, estudos sobre os gêneros textuais (particularmente os<br />
literários) presentes em livros didáticos de LE são insuficientes.<br />
Ao término desse trabalho de pesquisa fica o desejo de continuidade de<br />
tais estudos para que sejam produzidos mais subsídios que venham a ajudar o<br />
43
docente de LE em sua prática pedagógica. Também temos a consciência de que a<br />
ampliação da presente pesquisa pode e deve acontecer para que apareçam dados<br />
mais aprimorados, o lado subjetivo dos professores que utilizam os materiais seja<br />
levado em apreço, e um “direito de resposta” por parte das editoras e autores seja<br />
apreciado – talvez por meio de questionários e entrevistas com os autores dos livros<br />
didáticos estudados.<br />
44
REFERÊNCIAS<br />
BACK, Eurico. Como Ensinar Português: domínio de língua. Criciúma: UNESC,<br />
2000.<br />
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.<br />
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Fundamental; Língua Estrangeira<br />
MEC. Brasília: MEC/SEF, 1999.<br />
BRUNIERA, Celina (socióloga e consultora em língua estrangeira). Disponível em:<br />
http://novaescola.abril.com.br/ed/148_dez01/html/ling_estr_art.doc. Acessado em: 11<br />
out. 2004.<br />
BURGESS, Anthony. English Literature. 2. ed. Hong Kong: Dai Nippon Printing Co<br />
(H.K) Ltd, 1980.<br />
CORACINI, Maria José (org.). O jogo discursivo na aula de leitura. Campinas:<br />
Pontes, 1995.<br />
COSTA, Nelson Barros da. Canção popular e ensino da língua materna: o gênero<br />
canção nos parâmetros curriculares de língua portuguesa. Linguagem em<br />
(Dis)curso, Tubarão, p. 9-36, v. 4, n.1 / jul./dez. , 2003.<br />
ECO, Umberto; BONAZZI, Marisa. Mentiras que parecem verdades. São Paulo:<br />
Summus, 1980.<br />
FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no livro didático. São Paulo: Cortez, 1986.<br />
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática<br />
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.<br />
FREITAG, Bárbara et al. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez / Autores<br />
associados, 1989.<br />
FRITZEN, Celdon et al. A produção e a socialização do conhecimento: uma<br />
compreensão dos livros-texto nos anos de 1964-1996. IV ANPED – SUL, Anais...<br />
Florianópolis, 2002. Cd-rom.<br />
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Novo<br />
Hamburgo: Feevale, 2003.<br />
GOTTSCHALK, Marion. The role of literature in Brazilian high school contexts.<br />
Florianópolis, 2003. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Pós-<br />
Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente, Centro de Comunicação e<br />
Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004. Disponível em:<br />
http://150.162.90.250/teses/PLLE0282.pdf. Acessado em: 10 out. 2004.<br />
45
GRILLO, Marlene. O professor e a docência: o encontro com o aluno. In:<br />
ENRICONE, Délcia (org.). Ser professor. Porto alegre: EDIPUCRS, 2002.<br />
HOL<strong>DE</strong>N, Susan; ROGERS, Mickey. O ensino da Língua Inglesa. 1. ed. São<br />
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JUNKES, Lauro. O mito e o rito: uma leitura de autores catarinenses. Florianópolis:<br />
Universidade Federal de Santa Catarina, 1987.<br />
LUCIANO, Fábia Liliã. Metodologia Científica e da Pesquisa. Criciúma: Ed. do<br />
autor, 2001. (Série Interdisciplinar)<br />
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8. ed. São<br />
Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003.<br />
NICOLA, José de. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo:<br />
Scipione, 1998.<br />
PAIXAO, Fernando. O que é poesia. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.<br />
PIRES, Fernando M. da S.; BEZERRA Maria Isabel F. Leitura e literatura na sala<br />
de aula. Universidade de São Paulo, ECA – Escola de Comunicação e Artes, 1999.<br />
Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/motilia/dyniy/didatico/analises/literatura.rtf.<br />
Acessado em: 12 out. 2004.<br />
SANTA CATARINA. Secretaria do Estado da Educação e do Desporto. Proposta<br />
Curricular de Santa Catarina. Florianópolis: COGEN, 1998.<br />
<strong>SOUZA</strong>, Roberto Acízelo de. Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 2003.<br />
TOTIS, Verônica Pakrauskas. Língua Inglesa: leitura. São Paulo: Cortez, 1991<br />
(Col. Magistério 2º. grau. Série Formação Geral)<br />
46
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR - Livros didáticos de Língua Inglesa<br />
utilizados na pesquisa<br />
AMOS, Eduardo et al. (New) Our Way. v. 4. São Paulo: Moderna, 2001.<br />
HOL<strong>DE</strong>N, Susan; CARDOSO, Renata Lúcia. Great! : teacher’s book: v. 4. São<br />
Paulo: Macmillan, 2002.<br />
MORINO, Eliete Canesi; FARIA, Rita Brugin de. Hello! stage 8. 3. ed. São Paulo:<br />
Ática, 2003.<br />
POSITIVO, Apostila . Ensino Fundamental. 8ª. Série. Língua Inglesa. Curitiba:<br />
Sociedade Educacional Positivo, 2000.<br />
ROCHA, Analuiza Machado; FERRARI, Zuleica Águeda. Take your time. v. 4. 3. ed.<br />
Reform. São Paulo: Moderna, 2004.<br />
47
ANEXOS<br />
Tabela 1: Tipos e Gêneros textuais presentes nos livros didáticos das oitavas<br />
séries do EF pertencentes às coleções adotadas pelas escolas privadas 21 de<br />
Criciúma (SC) em 2004<br />
Hello Great New Our Apostila Take your<br />
Way Positivo time<br />
anedota 22 4 1<br />
anotações 1<br />
artigo da Internet 4<br />
artigo de jornal 4<br />
artigo de revista 1 2<br />
bilhete de passagem 1<br />
biografia 4 1<br />
capa de revista 4<br />
carta / cartão postal 1 2 1 4<br />
carta codificada 1<br />
cartoon 1 1<br />
charada 1<br />
diagrama 1 4<br />
diálogo 25 5 13 10 8<br />
diário 1 5<br />
entrada de almanaque 1 2<br />
entrada de dicionário 3<br />
entrada de<br />
1<br />
enciclopédia<br />
entrevista 4 1<br />
fábula 1<br />
gráfico / tabela 4 1<br />
história em quadrinhos 4 1<br />
letra de música 4 2 5<br />
mapa 1 3 1<br />
menu 1<br />
poema 2<br />
propaganda / anúncio 3 1<br />
receita 1<br />
sinopse de filme 1<br />
sumário 1<br />
texto informativo<br />
(científico)<br />
4 4 8 3 6<br />
21 Não foram analisadas as apostilas próprias usadas pelos Colégios Energia e Objetivo.<br />
22 Pequena história particular, normalmente com efeito cômico. Diferencia-se da piada pelo caráter<br />
intimista e por não trabalhar com arquétipos.<br />
48
Tabela 2: Total de Tipos e Gêneros textuais nos livros estudados<br />
anedota 5<br />
anotações 1<br />
artigo da Internet 4<br />
artigo de jornal 4<br />
artigo de revista 3<br />
bilhete de passagem 1<br />
biografia 5<br />
capa de revista 4<br />
carta / cartão postal 8<br />
carta codificada 1<br />
cartoon 2<br />
charada 1<br />
diagrama 5<br />
diálogo 61<br />
diário 6<br />
entrada de almanaque 3<br />
entrada de dicionário 3<br />
entrada de enciclopédia 1<br />
entrevista 5<br />
fábula 1<br />
gráfico / tabela 5<br />
história em quadrinhos 5<br />
letra de música 11<br />
mapa 5<br />
menu 1<br />
poema 2<br />
propaganda / anúncio 4<br />
receita 1<br />
sinopse de filme 1<br />
sumário 1<br />
texto informativo (científico) 25<br />
TOTAL 185<br />
49
Tabela 3: Total de textos literários e não literários<br />
textos literários 21<br />
textos não literários 164<br />
total de textos 185<br />
Figura 1: Percentual de textos literários e não literários<br />
89%<br />
TOTAL <strong>DE</strong> TEXTOS<br />
11%<br />
textos literários<br />
textos não<br />
literários<br />
50
Figura 2: Gêneros e tipos textuais não literários<br />
8<br />
TEXTOS NÃO LITERÁRIOS<br />
25<br />
0 10 20 30 40 50 60 70<br />
anedota anotações artigo da internet<br />
artigo de jornal artigo de revista bilhete de passagem<br />
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61<br />
51
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Figura 3: Textos literários encontrados no livros<br />
4<br />
2<br />
2<br />
1<br />
5<br />
11<br />
2<br />
cartoon<br />
fábula<br />
história em<br />
quadrinhos<br />
letra de música<br />
poema<br />
Figura 4: Textos literários no livro Hello<br />
1<br />
Hello<br />
4<br />
cartoon<br />
história em<br />
quadrinhos<br />
letra de música<br />
Figura 5: Textos literários no livro Great<br />
Great<br />
2<br />
letra de música<br />
poema<br />
52
Figura 6: Textos literários no livro New Our Way<br />
1<br />
New Our Way<br />
1<br />
fábula<br />
história em<br />
quadrinhos<br />
Figura 7: Textos literários na apostila Positivo<br />
5<br />
Apostila Positivo<br />
1<br />
cartoon<br />
letra de música<br />
53