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livro - ALASRU - VI CONGRESSO_PARTE 3

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“Eu sou sócia da cooperativa, nós participamos das reuniões da cooperativa e também sou sócia do sindicato e faço parte não<br />

da diretoria, mas toda reunião que tem do sindicato eu gosto de participar. E trabalho na Pastoral da Criança, que é aquela coisa<br />

da gente pesar menino. É, é... e participo da igreja também, reunião da igreja, escola da fé, um bocado de coisa que a gente<br />

participa. A gente faz aquelas atividades, ensina pras mães, a gente pesa os meninos, aí, depois, o menino tá desnutrido, aí a<br />

gente vai e... – aqui tem muito, muito mesmo, muito problema mesmo, de desnutrição! – Aaí a gente ensina as mães fazerem<br />

aquelas mistura, né?, Eesse monte de mistura! (...) Eu gosto muito desse trabalho, gosto muito, ando muito (...). É bonito.<br />

Gosto muito do trabalho (...).” (M. R. M., camponesa, comunidade de Sangue/Uruçuí/PI)<br />

Nesse trânsito, a experiência das narradoras transcende, gradativamente, a esfera do privado, num movimento que acompanha sua<br />

própria trajetória, do interior 19 para a periferia da sede do município, e que corresponde a um outro trânsito: o que vai da menor à<br />

maior presença na esfera pública. De fato, essas camponesas vivem em um ambiente rurbano, cuja maioria dos habitantes é oriunda<br />

de áreas rurais, em decorrência de deslocamentos ocorridos nas últimas décadas, em função do processo de incorporação das chapadas<br />

da região pela agricultura moderna. Isto as leva a avaliar sua trajetória, no tempo e no espaço, e a traçar projetos para as filhas:<br />

“Agora, minhas filhas não sabem [tecer] não, porque logo botei pra estudar, queria que elas estudassem, né, que eu sempre<br />

dizia assim: “– Óó, minhas filhas, eu vou botar vocês pra estudar [por]que é tão ruim a gente não saber fazer as coisas... e eu<br />

não aprendi quase nada, aprendi só isso, né?, então eu não quero isso pra vocês não, eu quero que vocês estudem, pra vocês<br />

arrumarem um empreguinho quem sabe, pra não ficar como eu, na roça...”. E aí, não sabem não, não vou dizer que sabe, né?<br />

mas eu aprendi muito. Olha, eu aprendi a fazer tarrafa... sei fazer ainda, se eu for fazer eu faço” (M. R. M., camponesa,<br />

comuniddae de Sangue, Uruçuí/PI).<br />

Vale ressaltar que esses bairros habitados por essas camponesas, são locus de uma mistura de práticas culturais urbanas e rurais,<br />

presentes e passadas. Como dito por Elizabeth David Novaes:<br />

“Recria-se no presente o estoque simbólico adquirido nas experiências passadas, resgatadas em meio às necessidades e<br />

desejos vividos. O saber tradicional, adquirido por meio da transmissão de experiências (...), permite a manutenção e a<br />

recriação de práticas culturais que favorecem os laços de convivência e união, bem como as alternativas de sobrevivência”<br />

(Novaes, 2001:197).<br />

De fato, como trabalhado por esta autora, e como se aplica à situação investigada, redes femininas de solidariedade recriam, sem<br />

dúvida, o espaço de vida e de convivência nos bairros. Dessas redes participam as narradoras, através de trabalho voluntário que lhes<br />

proporciona novas experiências e até mesmo autoconfiança para se perceberem como sujeito da esfera pública e para assumirem<br />

consciência do protagonismo nas ações, como por exemplo, quando uma das narradoras se refere à sua atuação na Pastoral da Criança.<br />

Agora não se trata mais de ajuda; é trabalho. A narradora, é que se diz, hoje, ajudada pela filha, cujas habilidades de escrita e leitura<br />

são aproveitadas nas tarefas de organização do trabalho na Pastoral:<br />

“(...) Agora o meu trabalho é o seguinte... - (...) Aí, agora, só que eu gosto do trabalho... Assim, eu coordeno, eu tenho minha<br />

moça [filha] que é ela quem pesa os meninos, ela entende de tudo, do [preenchimento do] cartão... ela fez cursinho fora, mas<br />

eu é que fico ali no bairro convidando o povo, fazendo reunião. [Funciona] por bairro. Aqui na Água Branca tem cinco líderes...<br />

Eu ando muito. Esse bairro cresceu. Cresceu. (...) É todo de gente que veio expulso do campo, do interior, que é uma pena, né?<br />

Aqui na Água [Branca] tem muita gente mas só que Água Branca é mais pequeno do que o bairro Aeroporto. É mais antigo,<br />

tem muita gente assim pobre, todos nós somo pobres mesmo... que tá vindo aí do interior, né?” (M. R. M., camponesa,<br />

comuniddae de Sangue, Uruçuí/PI).<br />

Quem outrora cuidou de irmãos, filhos, filhas e marido agencia também, agora, em outro nível, necessidades coletivas de filhos e filhas<br />

alheios e, assim, atualiza a experiência maternal que protagonizou com os seus, transitando entre tempos e espaços, ressignificando<br />

experiências e identidades. Essas mulheres são “sujeitos históricos que rearticulam público e privado, desfazendo rupturas. (...) [Elas]<br />

transitam por esses dois mundos mostrando seu entrelaçar, através de ações informais sempre presentes em seu cotidiano” (Novaes,<br />

2001: 203).<br />

De fato, são várias as frentes de atuação dessas camponesas, incluindo-se, aí, além das redes de solidariedade, movimentos de luta pela<br />

terra e de inclusão no negócio do cerrado, temas sobre os quais não apenas os homens falam, e espaços nos quais não apenas os<br />

homens atuam:<br />

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