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livro - ALASRU - VI CONGRESSO_PARTE 3

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Isto significa que “as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias, no âmbito do pensamento e de seus<br />

procedimentos (...) Elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como<br />

normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores (...)” (Thompson, 1981: 189). Nesse sentido, o trabalho<br />

das mulheres camponesas, cujo significado circula pelos pólos livre/pesado, produtivo/reprodutivo, visível/invisível, trabalho/ajuda,<br />

é um momento da vida e da experiência humana dessas pessoas e de suas famílias e grupos sociais.<br />

Isto faz supor, de acordo com Silva, Lima e Martins (1991), a construção de uma visão não-fragmentada do trabalho, no<br />

tempo e no espaço. O trabalho é um momento da vida e da experiência humana e, portanto, um elemento da história, tanto da social,<br />

mais ampla, quanto das histórias individuais. Importa, pois, compreender o trabalho dessas camponesas como parte de sua condição,<br />

de sua história, ou seja, pela ótica das experiências e da condição dessas mulheres. Não faz sentido, aqui, portanto, permanecer na<br />

superfície das dicotomias referidas (pelas idéias de trabalho leve ou pesado; no espaço produtivo ou reprodutivo; visível ou invisível) 13 .<br />

Esta superfície é um ponto de partida para a apreensão do trabalho tal como existe e é percebido pelas mulheres e homens, numa<br />

simbiose indivíduo/família. De fato, em suas próprias histórias, as narradoras inserem as trajetórias dos irmãos, das irmãs, do pai e da<br />

mãe, dos filhos, das filhas e do marido, e percebe-se que a história do trabalho mescla-se com a da vida da família: migrações, relações<br />

com a terra, casamentos, mortes, etc.<br />

Essa perspectiva de avanço para além da superfície aponta para dois enfoques sobre trabalho feminino, importantes na reflexão sobre<br />

trabalho de mulheres camponesas. Um deles encontra-se na análise de Elizabeth Souza Lobo que, utilizando-se do conceito de<br />

experiência de Thompson (1981), analisa a trajetória de mulheres operárias, cujo resgate das histórias de vida, permitiu-lhe trabalhar<br />

a idéia de um destino de gênero: “E o destino sob a forma da necessidade que está envolvido no trabalho doméstico como no trabalho<br />

assalariado. O trabalho, o casamento, a maternidade, se sucedem neutralizadas como ciclos da natureza” (Lobo, 1989: 177).<br />

Outro enfoque é o de ajuda atribuído ao trabalho feminino, tratado pela literatura antropológica na análise dos papéis e funções<br />

relativos à divisão sexual do trabalho e ao domínio dos espaços, por gênero, nas famílias camponesas. A propósito, lembro, com<br />

Maria José Carneiro, que<br />

“(...) é na relação de oposição e complementaridade entre casa e roça que esse tipo de agricultor constrói sua identidade social.<br />

É também por meio dessa relação que se organizam as relações entre os sexos, a definição dos gêneros e a hierarquia no interior<br />

do grupo doméstico. A roça é o espaço socialmente visto como masculino. As tarefas aí realizadas são genericamente<br />

reconhecidas como trabalho e conferem ao homem a condição social de lavrador. A casa, por outro lado, é o espaço da mulher,<br />

onde ela pode exercer suas funções de mãe e dona-de-casa. Ao contrário do homem, a mulher não trabalha – sua ocupação é<br />

vista como serviço de mulher ou como ajuda. As tarefas femininas mesmo que fundamentais à reprodução do grupo, são<br />

consideradas complementares e subordinadas, o que explica o predomínio da roça sobre a casa no que se refere à distribuição<br />

da força de trabalho disponível em cada família. Enquanto a posição social do homem é dada pelo trabalho, o que define a<br />

mulher é sua condição de reprodutora, cujo espaço ´natural´ é a casa” (Carneiro, 1986: 24).<br />

A associação desses dois aspectos, destino de gênero e trabalho como ajuda, constitui-se num forte elemento do imaginário entre<br />

populações camponesas, a ponto de manter-se como representação, mesmo apesar de, como lembra Silva (1999), a mulher rural<br />

exercer atividades tanto no âmbito doméstico quanto no trabalho na roça, de forma intensa e, a maioria até mesmo quando se encontra<br />

em adiantado estado de gravidez. Em geral, torna-se até mesmo difícil precisar a idade com que começaram a trabalhar, pois de acordo<br />

com suas lembranças, o trabalho sempre fez parte de suas vidas, numa história simbólica entre indivíduo e grupo familiar. De fato, as<br />

narradoras exerceram, desde crianças, o trabalho na roça e o extrativismo compartilhados com o trabalho doméstico, desempenhando<br />

várias tarefas desde o cuidado com os irmãos menores, passando pelas de limpeza e cozinha, até cuidados de animais de pequeno porte<br />

e trabalho na horta, como evidenciam esses excertos:<br />

“Maria Ribeiro de Moraes, cinqüenta e um anos. Minha sogra, o povo, me chamava de Mariinha, mas pode me chamar de<br />

Maria (...). a gente (...) trabalhava muito assim de lavoura, sabe, a gente brocava roça, coisa que eu mais adorava, aí, depois a<br />

gente plantava o milho, feijão, mandioca e arroz, depois, quando era tempo de colheita, a gente entrava na colheita, isso era<br />

muito animado, com muita gente, isso era bom demais! Desde criança, fui criada na roça. Quando [me] entendi, já foi na roça,<br />

meus pais já trabalhavam de roça e, ainda hoje, trabalha. Eu vou lhe contar (...) É, [tenho] essa experiência [viver e trabalhar na<br />

roça] bem de perto e não vou desistir não, porque pra mim foi donde eu nasci e me criei naquela região de lavoura. E ave Maria,<br />

Deus nos livre de passar um ano sem plantar! P, porque na hora em que começa, que a gente vê aquelas primeiras chuvas,<br />

aqueles trovãozinhos, sabe o que a gente lembra? Ddaqueles feijãozinho de primeiras águas. Aí, a gente não consegue deixar,<br />

não”. (M. R. M., camponesa, comunidade de Sangue/Uruçuí/PI).<br />

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