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Girândola de Amores - Universia Brasil

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morto <strong>de</strong> fisionomia, que lembrava os próprios <strong>de</strong>funtos que lhe cabia vigiar.<br />

O ofício comera-lhe o pavor natural que todo o homem sente à vista da morte, e<br />

familiarizara-o com as <strong>de</strong>gradações pavorosas da carne sem vida. Dava-se perfeitamente bem no<br />

meio <strong>de</strong> tudo aquilo: ali comia, ali dormia e ali amava. Quando pilhava algum dinheiro para<br />

comprar luz, corria à venda a bebê-lo <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte, e à noite <strong>de</strong>ixava-se ficar no escuro com os<br />

inalteráveis companheiros <strong>de</strong> casa, que seguro não o incomodariam durante o sono.<br />

O Ludgero disse-lhe alguma coisa; e o guarda, sem nada respon<strong>de</strong>r, conduziu-o para <strong>de</strong>fronte<br />

da mesa em que estava o cadáver.<br />

Então o chefe <strong>de</strong> polícia armou as suas lunetas <strong>de</strong> vidro graduado, e ficou a observar o morto<br />

por algum tempo.<br />

Era um <strong>de</strong>funto comprido, magro, com barbas empastadas <strong>de</strong> sangue pelo lado inferior.<br />

Estava <strong>de</strong>scalço e tinha o corpo nu, ligeiramente esver<strong>de</strong>ado. O assassino rasgara-lhe a garganta à<br />

faca e puxara o golpe até às regiões dérmicas do tórax.<br />

O chefe mandou chamar o escrivão e o médico, proce<strong>de</strong>u ao corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

apo<strong>de</strong>rar-se <strong>de</strong> um farrapo <strong>de</strong> casimira cinzenta, encontrado na mão direita do morto, meteu-se <strong>de</strong><br />

novo no carro, e tomou o caminho da Secretaria <strong>de</strong> Polícia, que nesse tempo era ainda na rua do<br />

Sabão.<br />

Aí procurou logo o <strong>de</strong>legado, com quem conversou algum tempo, terminando por entregarlhe<br />

o farrapo <strong>de</strong> casimira e recomendar-lhe que proce<strong>de</strong>sse às preliminares do inquérito no local<br />

do crime, e <strong>de</strong>sse as providências para as competentes pesquisas.<br />

Nessa ocasião acabava <strong>de</strong> chegar o Caixa da Casa Paulo Cor<strong>de</strong>iro, sobre quem recaía o<br />

prejuízo causado pelo roubo que <strong>de</strong>ra lugar ao crime. O <strong>de</strong>legado tomou-o <strong>de</strong> parte, e os dois<br />

ficaram a falar a meia voz.<br />

O chefe entretanto passara à sala <strong>de</strong> audiência, on<strong>de</strong>, entre outras pessoas, foi introduzida<br />

uma senhora ainda moça, <strong>de</strong> boa aparência, que dizia querer soltar um escravo seu, preso na<br />

véspera.<br />

O chefe ouviu-a com toda a atenção, chamou um empregado e mandou lavrar o alvará <strong>de</strong><br />

soltura. A senhora levantou-se, e agra<strong>de</strong>ceu, mas, na ocasião em que transpunha a porta para sair,<br />

foi <strong>de</strong>tida por uma frase que ouvira <strong>de</strong>stacada da conversa do <strong>de</strong>legado.<br />

Parou, e protegida por um reposteiro, prestou toda a atenção.<br />

— É o que lhe digo, Sr. <strong>de</strong>legado, repisava o queixoso. Nada po<strong>de</strong>mos fazer sem primeiro<br />

ouvirmos o rapaz.<br />

— Mas on<strong>de</strong> mora esse Gregório?<br />

— Mora nas Laranjeiras.<br />

— Em que se ocupa?<br />

— É zangão da praça.<br />

— O senhor viu-o hoje?<br />

— Nem hoje, nem ontem.<br />

— E ele então sabia que o senhor recebeu ontem à tar<strong>de</strong> os vinte contos <strong>de</strong> réis?<br />

— Foi a única pessoa estranha ao negócio, que soube disso.<br />

— Bem, disse o <strong>de</strong>legado; escreva o nome e a moradia <strong>de</strong>sse rapaz, e <strong>de</strong>ixe tudo mais por<br />

minha conta.<br />

A mulher que os escutava, aproveitou o momento em que os dois se afastaram, para sair do<br />

seu escon<strong>de</strong>rijo e <strong>de</strong>scer precipitadamente a escada.<br />

À rua tomou um carro e seguiu para a casa <strong>de</strong> Clorinda. Pelo sobressalto em que ia e pelo ar<br />

<strong>de</strong> dolorosa ansieda<strong>de</strong> espalhado em todo o seu rosto, pálido e simpático, conhecia-se facilmente<br />

que a pobre mulher estava sob a influência <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> emoção.<br />

Antes porém <strong>de</strong> voltarmos com ela à casa da noiva, que em tão triste situação <strong>de</strong>ixamos no

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