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— Achas, Talha-certo?...<br />
— Não sou eu só quem acha, são todos!<br />
— Coisas!<br />
No dia seguinte, Portela envergava a sobrecasaca, metia-se no chapéu alto <strong>de</strong> castor, enfiava<br />
as luvas, tomava a bengala <strong>de</strong> castão <strong>de</strong> ouro e, quando ganhava a rua com o seu passo arrogante,<br />
a sua gran<strong>de</strong> figura aprumada e sobranceira, ninguém seria capaz <strong>de</strong> adivinhar que ia ali a mesma<br />
tola criatura, que adormecera na véspera a babar-se com os gabos <strong>de</strong> um criado inepto.<br />
Também era só o Talha-certo quem <strong>de</strong>sfrutava as privanças do comendador e quem lhe<br />
<strong>de</strong>vassava tais fraquezas <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>; para os mais era Portela o mesmo personagem cioso da<br />
sua “alta estimação” e da sua “irrecusável valia”.<br />
E quem precisasse obter qualquer coisa das mãos <strong>de</strong>le, nunca a alcançaria senão por<br />
intermédio do seu privado. Mas, em compensação, com esse tudo se obtinha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma simples<br />
carta <strong>de</strong> fiança até ao melhor empenho para qualquer ministro.<br />
Foi em uma daquelas conversas pueris que o comendador veio a saber que Pedro Ruivo<br />
estava no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
— Pedro Ruivo?! exclamou Portela, saltando da cama e <strong>de</strong>sfazendo o semblante piegas, com<br />
que costumava ouvir as confidências do criado. Pedro Ruivo?! Não estás enganado, Talha-certo?<br />
— Não estou, não senhor. Era ele em pessoa; apenas tinha as barbas mais crescidos e a<br />
cabeça mais calva. Quando o vi, reconheci-o logo, por aquele sestro antigo <strong>de</strong> sacudir a cabeça<br />
para a esquerda ...<br />
— Ora esta! rosnou o comendador.<br />
— Quando digo que vossemecê me <strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>ixado aviar com uma boa navalhada aquela<br />
peste!... Escusava agora <strong>de</strong> o ter <strong>de</strong> novo pela proa, porque o <strong>de</strong>mônio é muito capaz <strong>de</strong> lembrarse<br />
ainda do passado e...<br />
— Tens razão! interrompeu o Portela, muito preocupado; precisamos <strong>de</strong>sembaraçar-nos <strong>de</strong><br />
semelhante homem! Só a idéia <strong>de</strong> que o posso encontrar na rua e sofrer <strong>de</strong>le qualquer <strong>de</strong>sfeita,<br />
faz-me per<strong>de</strong>r a cabeça!... Olha cá!<br />
E chegando-se mais para o criado, passou-lhe o braço no ombro e perguntou-lhe<br />
brandamente, quase com ternura:<br />
— Tu és capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar uma comissãozinha <strong>de</strong> que te quero encarregar?...<br />
— Sempre fui. Adiante!<br />
— Trata-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>spachar o Ruivo, mas <strong>de</strong> modo que ninguém venha a suspeitar <strong>de</strong> ti, e muito<br />
menos <strong>de</strong> mim...<br />
— Já se vê!...<br />
— Mas on<strong>de</strong> o terás a jeito?!<br />
— Isso indaga-se! Sei que ele é empregado dos armazéns <strong>de</strong> rapé <strong>de</strong> Paulo Cor<strong>de</strong>iro.<br />
— Mas como se arranjará o negócio?... compreen<strong>de</strong>s que estas coisas não se po<strong>de</strong>m fazer no<br />
ar...<br />
— Deixe tudo por minha conta!<br />
— Que tencionas fazer?...<br />
— Não se importe com isso! Amanhã mesmo falo ao Tubarão.<br />
— Mau! Já queres tu meter mais um na história!... O melhor seria fazeres tudo por ti ...<br />
— Mas eu posso lá <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> falar ao Tubarão?!... Vossemecê bem sabe que nada fazemos<br />
sem combinarmos primeiro os dois. Foi o nosso trato! Nada! juramos sobre as Horas Marianas!<br />
Quando ele tem qualquer coisa, diz-me logo, e quando eu tenho, também lhe digo! Não! não sou<br />
homem <strong>de</strong> tratar uma coisa e fazer outra! O trato é trato!<br />
— É o diabo! É mais um que fica sabendo da coisa!...<br />
— Quem?! o Tubarão?! Ora, senhor! Então vossemecê não sabe o que está ali! Aquilo é