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Clorinda contou as circunstâncias que prece<strong>de</strong>ram àquela crise.<br />
— Compreendo! disse o facultativo, não resistiu à provação! Pobre criatura!...<br />
E, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> examiná-la por algum tempo, <strong>de</strong>clarou que só um tratamento muito sério a<br />
podia salvar.<br />
Clorinda não respon<strong>de</strong>u, e as lágrimas correram-lhe dos olhos.<br />
— E se fossem lá para minha casa?... lembrou a viúva com muito interesse.<br />
— Iríamos incomodá-la, respon<strong>de</strong>u Clorinda no auge da aflição.<br />
— Aqui é que ela não se po<strong>de</strong>rá curar, observou o Dr. Trovão, se não vier alguém ao seu<br />
auxílio.<br />
— Eu ficarei com ela... disse Clorinda.<br />
— Mas V. Exa. não precisa menos <strong>de</strong> tratamento. Se não tomar cuidado não lhe dou muito<br />
tempo para cair <strong>de</strong> cama.<br />
— Nesse caso aceito, pelo menos até que mãezinha se restabeleça, concordou afinal a<br />
menina, com o ar acanhado <strong>de</strong> quem se vê na <strong>de</strong>pendência dos obséquios <strong>de</strong> um estranho.<br />
— Pois a mudança se fará hoje mesmo, e o doutor irá visitá-la com regularida<strong>de</strong>.<br />
O Dr. Trovão receitou, tomou nota do número da casa da viúva e saiu, prometendo mandar<br />
imediatamente alguém que se encarregasse <strong>de</strong> transferir para lá a doente e cuidar do mais que<br />
fosse necessário.<br />
Nesse mesmo dia D. Januária e a filha ficaram aboletadas no pitoresco chalezinho da Tijuca<br />
em que morava Júlia.<br />
Clorinda comunicou o ocorrido ao Dr. Roberto e pediu-lhe que aparecesse para ver a<br />
enferma. D. Januária só no dia seguinte voltou a si, mas ainda com muita febre e fraqueza <strong>de</strong><br />
razão. Uma semana <strong>de</strong>pois apareceu João Rosa; Clorinda o recebeu com frieza. Falaram<br />
vagamente sobre vários assuntos, mas, logo que a conversa se encaminhava para o casamento, ela<br />
a <strong>de</strong>sviava como por instinto. João Rosa, porém, não <strong>de</strong>sistia e continuava <strong>de</strong> pé firme no seu<br />
propósito.<br />
Júlia, consi<strong>de</strong>rando o estado <strong>de</strong>svantajoso <strong>de</strong> Clorinda, achava aquela insistência<br />
extraordinária em um homem que não parecia talhado para os sacrifícios e para a <strong>de</strong>dicação. O<br />
ar aventureiro <strong>de</strong> João Rosa, o seu olhar cobiçoso e móbil, a sua boca apertada e quase sem<br />
lábios, o seu todo furão, seco, inquieto, não podiam escon<strong>de</strong>r um coração terno e generoso.<br />
A viúva <strong>de</strong>sconfiou <strong>de</strong>le, foi talvez a primeira que se atreveu a suspeitar das intenções <strong>de</strong><br />
João Rosa. Até aí, à exceção do Dr. Roberto, todos os mais censuravam a rapariga por não aceitar<br />
o novo partido que se lhe oferecia.<br />
— Mas, que levará este homem a <strong>de</strong>sejar com tanto interesse a mão <strong>de</strong> Clorinda?... pensava a<br />
viúva. Por que a ama?... não é possível; aquele tipo não ama senão o dinheiro! Será por capricho?<br />
Não! porque os entes tacanhos não têm caprichos!...<br />
E Júlia, por mais tratos que <strong>de</strong>sse ao espírito, não conseguia <strong>de</strong>scobrir coisa alguma.<br />
Uma vez, sem querer, ouviu na própria casa, o seguinte diálogo, travado entre ele e Clorinda:<br />
— Posso então ter ao menos uma esperança? perguntava João Rosa.<br />
— Mu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> conversa... respon<strong>de</strong>u ela.<br />
— Não! A senhora hoje vai dar-me uma resposta. Já esperei por muito tempo.<br />
— Pois a resposta é que não. Não o aceito para marido!<br />
— Mas reflita um pouco, D. Clorinda... Lembre-se da posição falsa em que se acha... Não<br />
seria melhor que, em vez <strong>de</strong> chegarem as coisas a este extremo, tivesse a senhora resolvido a<br />
casar comigo e assim evitado vir morar aqui nesta casa por obséquio?... Não lhe parece que eu<br />
lhe po<strong>de</strong>ria proporcionar uma existência mais segura e mais <strong>de</strong>finida?...<br />
— Mas é que eu não quero casar com o senhor!<br />
— E por quê? Por que me não ama?!