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Girândola de Amores - Universia Brasil

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Não esperou segundo convite para jantar todos os domingos com o amigo. Duas razões o<br />

levaram a isso: a primeira porque aquele costumava reunir em casa algumas pessoas, entre as<br />

quais D. Januária e sua adorável filha adotiva; a segunda razão saberá o leitor daqui a pouco. Por<br />

enquanto precisamos falar <strong>de</strong> outra coisa.<br />

As reuniões do Dr. Roberto eram muito limitadas; pouca gente aparecia além da que<br />

acabamos <strong>de</strong> citar.<br />

A mulher, D. Carolina, não dava muito para etiquetas, se bem que fosse <strong>de</strong> seu natural amiga<br />

<strong>de</strong> agradar e servir. Gostava, porém, que não a tirassem da sua liberda<strong>de</strong> e do seu cômodo.<br />

Isso mesmo dizia o ar <strong>de</strong>scansado e bondoso da sua figura gorda e linfática; contudo, era<br />

muito raro se lhe surpreen<strong>de</strong>r nos lábios o menor gesto <strong>de</strong> contrarieda<strong>de</strong>.<br />

Gregório, quando a visitou pela primeira vez, passou algumas horas assentado ao seu lado, e<br />

sentiu-se durante esse tempo ir pouco a pouco penetrando do ar morno, indiferentemente<br />

satisfeito, que respirava <strong>de</strong>la toda, como a própria temperatura do corpo.<br />

Carolina não se levantara sequer para o receber, mas <strong>de</strong>morara nas suas mãos algum tempo a<br />

do rapaz e indagara-lhe da saú<strong>de</strong> com um riso esparrinhado por todo o rosto. Às vezes parecia<br />

que ela se <strong>de</strong>ixava ficar assim a sorrir in<strong>de</strong>terminadamente, por esquecimento ou por preguiça <strong>de</strong><br />

suspen<strong>de</strong>r o sorriso.<br />

Suas feições estavam sempre abertas, como as gavetas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>smazelado; mas olhava-se<br />

para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las, com o <strong>de</strong>sinteresse com que se olha para o interior <strong>de</strong> gavetas vazias.<br />

Nada a sobressaltava, nada a afligia. Pela manhã, às <strong>de</strong>z horas, a criada ia ajudá-la a sair da<br />

cama para o banho morno; servia-lhe <strong>de</strong>pois uma papa <strong>de</strong> leite e farinha <strong>de</strong> mandioca, e passava a<br />

penteá-la, calçá-la e vesti-la. Durante esse tempo as duas, senhora e criada, conversavam,<br />

<strong>de</strong>vagar, molemente, assuntos bambos, sem interesse para ninguém e maçadoramente virgulados<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s pausas.<br />

Carolina gostava em extremo que lhe mexessem na cabeça, estimava que a criada <strong>de</strong>morasse<br />

bem o arranjo <strong>de</strong> seus cabelos, durante o qual se repoltreava ela na ca<strong>de</strong>ira, toscanejando uma<br />

voluptuosida<strong>de</strong> surda e espessa, <strong>de</strong> gata saciada.<br />

Às vezes adormecia nessas ocasiões e era preciso que a criada a chamasse <strong>de</strong>pois para o<br />

almoço.<br />

Comia muito compassadamente, aos bocadinhos, como uma criança gulosa. Era doida por<br />

doces e quitutes. Quando passava pelo açucareiro tirava em geral um pouco <strong>de</strong> açúcar, com que<br />

cobria a língua. Fazia muita questão na escolha dos pratos. Recomendava <strong>de</strong> véspera, durante o<br />

almoço ou o jantar, o que lhe apetecia comer no dia seguinte, e a algumas iguarias mais do seu<br />

gosto, como por exemplo a moqueca <strong>de</strong> peixe, ela só saboreava sem talher, à mão.<br />

O marido por muito tempo procurou reagir contra esses hábitos se<strong>de</strong>ntários; expôs à mulher<br />

os inconvenientes <strong>de</strong> uma existência sem exercício, sem preocupação <strong>de</strong> espécie alguma,<br />

ofereceu-lhe livros, lembrou-lhe a jardinagem, falou <strong>de</strong> tudo o que podia honestamente pren<strong>de</strong>r o<br />

espírito <strong>de</strong> uma senhora ou obrigá-la a qualquer esforço físico; mas nada conseguiu; Carolina não<br />

se abalara e, quando o marido insistia muito nas suas costumadas censuras, ela respondia com<br />

todo o <strong>de</strong>scanso:<br />

— Ora, seu Roberto, <strong>de</strong>ixe cada um com seu gênio!...<br />

E Carolina ficou no que era.<br />

Esteve grávida, e a gravi<strong>de</strong>z só lhe parecia antipática, porque a obrigava a sair um tanto dos<br />

seus hábitos se<strong>de</strong>ntários. O filho tomou a resolução <strong>de</strong> morrer antes do nascimento. E fez bem.<br />

Contrastava vivamente com o tipo da dona da casa, uma <strong>de</strong> suas visitas mais constantes e<br />

mais da sua intimida<strong>de</strong> — D. Josefina <strong>de</strong> Brito; a mesma que no primeiro capítulo, por ocasião do<br />

gorado casamento <strong>de</strong> Gregório, tão indignada se mostrou, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> madrinha, com o<br />

estranho procedimento do noivo.

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