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Entre o amor da mulher e o amor do homem há uma diferença capital: o amor do homem<br />
ten<strong>de</strong> a diminuir com o tempo; e o da mulher, quanto mais vive, mais avulta e mais espalha e<br />
aprofunda as suas raízes pelo coração. É que em geral o homem, à semelhança do fogoso corcel,<br />
que dispara na arena com todo o fogo da carreira, gasta logo no princípio do tiro a melhor parte<br />
da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que dispõe, e começa a minguar <strong>de</strong> forças; ao passo que a mulher, partindo<br />
vagarosamente, vai pouco e pouco se animando na luta, e <strong>de</strong>ixa-se afinal arrebatar pelo ardor e<br />
pelo entusiasmo.<br />
O homem, à proporção que <strong>de</strong>svenda os mistérios do coração da sua amante, à proporção<br />
que lhe vai <strong>de</strong>vassando a alma e penetrando familiarmente por todas as sutilezas e todos os<br />
escon<strong>de</strong>rijos do seu caráter, do seu gênio, do seu temperamento e da sua ternura, sente <strong>de</strong>sfalecerlhe<br />
no sangue o primitivo impulso, e só continua a amar por hábito ou por gratidão. Violada a<br />
última gaveta da alma <strong>de</strong> uma mulher, o homem cai prostrado pela indiferença.<br />
Doces e apaixonadas Margaridas! se quiser<strong>de</strong>s conservar a adoração <strong>de</strong> vossos inconsistentes sacerdotes, correi<br />
duas voltas à fechadura e guardai bem convosco as preciosas chaves!<br />
O homem gosta <strong>de</strong> ser iludido: meia verda<strong>de</strong> o pren<strong>de</strong>, a verda<strong>de</strong> inteira o repele. A mulher,<br />
ao contrário, só chega a amar <strong>de</strong>veras <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito conviver, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito se i<strong>de</strong>ntificar<br />
com o homem a quem se <strong>de</strong>u. E se alguma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça os torna solidários das mesmas dores<br />
e das mesmas lágrimas; se ela tem ocasião <strong>de</strong> pôr à disposição do amado a meiga substância da<br />
sua abnegação, do seu sacrifício e do seu heroísmo, então o que era amor se converte em<br />
fanatismo, e a mulher <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser amante para ser escrava submissa.<br />
O homem principia sempre por dar o seu amor e acaba, quando este se esgota, por oferecer a<br />
sua amiza<strong>de</strong>. A mulher, não! a mulher começa por estimar, e a sua estima vai se consolidando,<br />
vai se encarecendo, até que se transforma em amor veemente, fecundo e duradouro.<br />
Foi isso justamente o que suce<strong>de</strong>u com a viúva a respeito <strong>de</strong> Gregório — partiram do mesmo<br />
ponto, ela a passo, ele a galope; mas, quando a primeira se sentia arrebatada pelo ardor da<br />
carreira, já o outro jazia prostrado <strong>de</strong> cansaço, a suplicar, por amor <strong>de</strong> Deus, que o <strong>de</strong>ixassem em<br />
repouso. E daí as conseqüências — o ciúme, o <strong>de</strong>speito, a raiva, o <strong>de</strong>sespero, a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> vingança.<br />
Mas a mulher, coitada! parece que veio ao mundo pre<strong>de</strong>stinada para o sacrifício e para a<br />
<strong>de</strong>dicação. Uma vez presa pelo sentimento, ou pela sensualida<strong>de</strong>, quanto mais a fazem sofrer,<br />
quanto mais a pisam e maltratam, tanto mais ela estremece e adora o objeto do seu amor.<br />
Cimo certas plantas aromáticas, que mais recen<strong>de</strong>m quanto mais são trituradas, a mulher que<br />
ama, se logra uma folga no cativeiro com que se oprime o seu verdugo, não é para gemer, é para<br />
beijar-lhe os pés e repetir-lhe que o adora.<br />
Júlia, nestas condições, soube que Gregório ia casar. Seu ímpeto instantâneo foi correr ao<br />
primeiro homem e oferecer-se para ser amada aos olhos do ingrato que assim tão cruelmente a<br />
apunhalava. Esqueceu-se <strong>de</strong> tudo, posição, interesses, tranqüilida<strong>de</strong>, para só pensar nessa<br />
vingança absurda, que lhe parecia tão necessária à sua cólera como o vinho a um ébrio.<br />
E cega, <strong>de</strong>svairada, às tontas, queria <strong>de</strong>ixar bem patente que a traição <strong>de</strong> Gregório não a<br />
atormentava, e que ela se sentia, como nunca, feliz e indiferente.<br />
— Sofrer?... mas por quê?! monologava a infeliz, a rir forçadamente, com a voz entalada na<br />
garganta. Acaso não previa eu tudo isto?... não é ele moço, livre e cheio <strong>de</strong> esperanças? A mim<br />
que importa pois seu casamento? Que se case quantas vezes quiser! Que faça o que enten<strong>de</strong>r!<br />
Mas os soluços rebentavam com explosão, e a mísera <strong>de</strong>ixava-se cair sobre o divã, a chorar<br />
apaixonadamente, sacudida por um formidável <strong>de</strong>sespero.<br />
Depois, sem que ela as chamasse, vinham <strong>de</strong> enfiada as recordações dolorosas do seu amor.<br />
Os episódios felizes <strong>de</strong> outrora lhe enchiam agora o coração com uma argamassa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgostos.<br />
Via Gregório em todas as situações venturosas <strong>de</strong> outro tempo; sentia-lhe perfeitamente o cheiro<br />
dos cabelos, a luz dos olhos e a doçura embriagadora dos seus beijos. E perseguida, aguilhoada