12.04.2013 Views

Girândola de Amores - Universia Brasil

Girândola de Amores - Universia Brasil

Girândola de Amores - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

família, o marinheiro sentiu-se possuído <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s nostalgias: faltavam-lhe as melancólicas<br />

sestas que ele outrora <strong>de</strong>sfrutava à proa, cantando à guitarra ao lado dos companheiros, enquanto<br />

o sol, ao longe, <strong>de</strong>scambava no poente, atufando-se nos limbos afogueados do horizonte.<br />

E o marinheiro em terra, como a ave que arrancaram do seu bosque, entristeceu e principiou<br />

a <strong>de</strong>por a substância <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>dicação aos pés da esposa do comandante. Amava-a com um<br />

respeito religioso, uma quase adoração. Vivia preocupado a afastar <strong>de</strong> em redor <strong>de</strong>la tudo aquilo<br />

que <strong>de</strong> leve a pu<strong>de</strong>sse contrariar.<br />

Durante o tempo em que Cecília estava para dar à luz Gregório, só o <strong>de</strong>dicado marinheiro<br />

sabia correspon<strong>de</strong>r às exigências e aos caprichos da enferma. Procurava cercá-la <strong>de</strong> distrações,<br />

como se ela fosse uma criancinha doente; cantava-lhe as modas <strong>de</strong> sua terra, naquela toada<br />

monótona dos marujos e, muitas vezes, como estivessem no verão, iam espairecer um pouco para<br />

o terraço, e aí o marinheiro contava as lendas melancólicas do mar, on<strong>de</strong> fugiram louros príncipes<br />

encantados que vão prear sereias nas costas da Normandia. Falava-lhe das brancas miragens que,<br />

em noites <strong>de</strong> luar, flutuam pelas águas, e entre as quais o navegante apaixonado <strong>de</strong>scobre o vulto<br />

estremecido da mulher amada.<br />

Cecília, com os olhos presos no céu, os lábios mal cerrados, e toda ela ressentida da profunda<br />

ternura que a gravi<strong>de</strong>z traz consigo, ficava embevecida a ouvir as histórias do marujo. Um dia<br />

perguntou-lhe se ele nunca tivera também o seu amor.<br />

Tubarão não respon<strong>de</strong>u, coçou a cabeça, e <strong>de</strong>pois limpou com as costas da mão duas<br />

lágrimas, que lhe corriam pelas faces tostadas do sol.<br />

— Conte-me antes a sua história... pediu Cecília com a voz quebrada; teria prazer em ouvi-la.<br />

Vamos! Conte a história dos seus amores...<br />

— Não, patroazinha! Marinheiro não tem amores... Pobre <strong>de</strong> nós se nos fica o coração cá em<br />

terra, quando temos <strong>de</strong> embarcar. Às vezes, no dia em que saltamos em um porto estranho, sem<br />

conhecer ninguém, sem encontrar um rosto amigo, lá vemos entre a multidão os olhos formosos<br />

<strong>de</strong> alguma mulher que nos cativa, levamos a sauda<strong>de</strong> para bordo; são mágoas para toda a viagem!<br />

— Mas você comoveu-se ainda há pouco, Tubarão, quando lhe falei nos seus amores...<br />

— Lembrei-me <strong>de</strong> minha mãe! A pobrezinha chorava quando eu parti, e ninguém lhe tirava<br />

da cabeça que ela nunca mais me veria...<br />

— E <strong>de</strong>pois?<br />

— Quando voltei à minha al<strong>de</strong>ia, já ela estava no cemitério. O vigário mostrou-me a<br />

sepultura: era no chão, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> árvore, perto da capela...<br />

— E o que fez você?...<br />

— Eu ajoelhei-me e rezei as orações que ela me ensinara, quando eu era pequenino. Depois,<br />

como o serviço me esperava a bordo, às pressas colhi as flores que havia por ali, espalhei-as<br />

sobre a sepultura, e voltei para o trabalho. Fui muito triste; era tão boa aquela velhinha!...<br />

À proporção que corria o tempo, ia Tubarão mais e mais se afeiçoando a Cecília. Só os<br />

homens do mar, essas almas ingênuas e criadas longe da terra e ao correr franco dos ventos,<br />

conhecem os mistérios do amor <strong>de</strong>sinteressado e heróico. Para o marujo, a mulher aparece por<br />

um prisma muito melhor do que para os outros homens; pois só lhe conhece ele a influência<br />

feminil e doce por intermédio da sauda<strong>de</strong>: a mulher é sempre para o marujo um ente adorável,<br />

que se <strong>de</strong>ve amar <strong>de</strong> joelhos. Um sorriso <strong>de</strong> seus lábios cor-<strong>de</strong>-rosa é o bastante para prostrar o<br />

leão valente, que pouco antes afrontava a fúria dos vendavais e a sanhuda cólera dos mares.<br />

Tubarão estava nestas circunstâncias a respeito <strong>de</strong> Cecília, quando o capitão, ao partir para o<br />

<strong>Brasil</strong>, lhe segredada aquelas palavras que o fizeram estremecer.<br />

O marinheiro chegou à casa possuído <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> pesar. Seria possível que o seu comandante<br />

tivesse qualquer razão para dizer aquilo?... Não! não era possível!...<br />

Mas o pobre marujo, disposto a seguir os passos da patroa, como lhe or<strong>de</strong>nara o amo, tinha

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!