Obra Completa - Universidade de Coimbra
Obra Completa - Universidade de Coimbra
Obra Completa - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Editor<br />
MANUEL D'OLIVEIRA AMARAL<br />
SIST<br />
PUBLICA-SE AOS DOMINGOS E QUINTAS FEIRAS<br />
Redacção e administração, ARCO D'ALMEDINA, 6, 2.° andar<br />
Offlcina typográphica<br />
12 —RUA DA MOEDA —14<br />
7 6 6 8.° ANNO<br />
14 DE JANEIRO DE 1893<br />
COIMBRA parece terra fadada para empresas gran<strong>de</strong>s.<br />
Não ha gloria nas Espanhas que não tenha um echo<br />
nesta terra pequenina, nesta cida<strong>de</strong> branca que se esboroa<br />
e <strong>de</strong>sfaz á caricia leve do vento, e se vae escon<strong>de</strong>ndo sob a<br />
areia loura ou <strong>de</strong>saparecendo ao longe na curva dos salgueiros<br />
levada pelo rio vagarosamente para o mar.<br />
O Cid, o mais cavalheirêsco heroe das Hespanhas, foi<br />
armado cavalleiro em <strong>Coimbra</strong>; o Almada e D. Pedro dAlfarrubeira<br />
aqui vieram consagrar a mais leal fraternida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> homens darmas e <strong>de</strong> heroes.<br />
Os homens <strong>de</strong> valor que fizeram a nossa patria e nos<br />
<strong>de</strong>ixaram a terra em que nascemos, aqui vinham apren<strong>de</strong>r<br />
em meninos a amar a guerra heróica e a vida forte, creados<br />
nos bellos campos <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong> em exercícios <strong>de</strong> guerra, na<br />
caça <strong>de</strong> altanaria.<br />
E quando, cançados da vida, abandonavam os campos<br />
<strong>de</strong> batalha, aqui vinham <strong>de</strong>pôr as armas, e ellas eram<br />
conservadas como relíquias, e mostradas aos mais novos,<br />
que sabiam <strong>de</strong> cór os milagres que haviam feito nos lugares<br />
distantes em que se tinham batido corações ar<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
portuguesês.<br />
Não ha canto em que se não encontre uma inscripção,<br />
uma pedra gasta pelo tempo, a cantar ainda o valor<br />
da antiga alma portuguesa.<br />
As ruas pequeninas e tortuosas não parecem <strong>de</strong> hoje<br />
e anda a gente por aqui alheado, como num sonho, a viver<br />
uma vida antiga, e por vêses sente-se passar em nós, num<br />
gesto ou num olhar, uma alma <strong>de</strong> trovador e cavalleiro, que<br />
foge logo, e nos parece ter sido já a nossa alma.<br />
E' aqui sempre nova a alma portuguêsa.<br />
E é tam gran<strong>de</strong> o encanto <strong>de</strong>sta terra <strong>de</strong> Portugal<br />
que se não per<strong>de</strong> aqui a mocida<strong>de</strong>, e os velhos vem para<br />
a rua no enthusiásmo irreflectido da gente moça a gritar ou<br />
a rir, nas gran<strong>de</strong>s dôres ou nas alegrias gran<strong>de</strong>s da nossa<br />
patria.<br />
Admira vêr a força dos mais fracos.<br />
Não ha, no mundo todo, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> mais nobres<br />
tradições do que a nossa, em que o amôr á terra portuguêsa<br />
se tem affirmado em todos os séculos da sua longa existencia.<br />
Sahiu daqui sempre o primeiro grito <strong>de</strong> revolta contra<br />
o domínio <strong>de</strong> extranhos.<br />
E' ler o que dizem as chronicas antigas do que<br />
fizeram os estudantes e os lentes, quando se proclamou a<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> Portugal.<br />
Foram elles que da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> trouxeram o Reitor<br />
e os mestres á igreja <strong>de</strong> Santa Cruz, nos ollhos o riso nas<br />
mãos palmas <strong>de</strong> victoria,<br />
A' casa da Camara foram buscar os representantes<br />
da cida<strong>de</strong>, e correram alegres ao templo <strong>de</strong> Santa Cruz, na<br />
esperança <strong>de</strong> ver, num milagre novo e annunciado, abrir-se a<br />
tampa da sepultura<br />
<strong>de</strong> D. Affonso Henriques<br />
, que sairia<br />
para vir combater<br />
ao lado <strong>de</strong>lles.<br />
Dizia-se entám<br />
que muitas vêses os<br />
officios divinos eram<br />
interrompidos por<br />
sons surdos vindos<br />
da sua campa, como<br />
se soffresse ainda a<br />
alma do velho luctador.<br />
E uma vês, que<br />
aiguem perguntava<br />
junto do seu tumulo<br />
como se po<strong>de</strong>ria salvar<br />
a patria portuguêsa<br />
da ruína para<br />
que a levava o domínio<br />
espanhol, viram<br />
todos com horror<br />
que a espada e<br />
o escudo <strong>de</strong>lle, que<br />
estavam <strong>de</strong>pendura-<br />
dos perto, caíram sobre o chão com um ruído <strong>de</strong> cólera surdo<br />
e medonho, que ficou muito tempo a soar na egreja e<br />
pelo convento fóra.<br />
Li isto num papel <strong>de</strong> letra antiga, escripto por um<br />
conego <strong>de</strong> Santa Cruz, que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> valor e<br />
heroicida<strong>de</strong> na índia, para alli fôra á espera da voz <strong>de</strong> Deus<br />
que tardava a chamal-o.<br />
Eu sei bem que isto se não passou assim; mas respeito<br />
muito o que escrevem aquelles, a quem a <strong>de</strong>sgraça da<br />
patria faz per<strong>de</strong>r a razão, e crêem do coração nas chimeras<br />
que lhe cria a illusão da sua fantasia.<br />
E' loucura santa, que eu gosto muito <strong>de</strong> ver e <strong>de</strong><br />
contar.<br />
Crãn<strong>de</strong> íiosikcni 2 Conio o sangue<br />
cm momento dc pânico refine <strong>de</strong> chofre<br />
ao coração» dir-we-liia que na hora<br />
suprema toda a alma da Patria naquella<br />
alma se ajuntara.<br />
CIERR.I JCXtUEIRO.<br />
Quando OS estudantes entraram em Santa Cruz com<br />
o Reitor, os lentes, e os vereadores, todos aos gritos <strong>de</strong><br />
triumpho, calou-se o orgão <strong>de</strong> repente, estacaram as vozes<br />
que cantavam os officios dos <strong>de</strong>functos sobre a eça que se<br />
armára <strong>de</strong> pannos pretos, com bordadura <strong>de</strong> dois altos, para<br />
commemoração fúnebre <strong>de</strong> D. Affonso Henriques.<br />
Rasgáram-se entám os pannos das janellas, a luz entrou<br />
a jorros, a eça <strong>de</strong>sappareceu sob um manto <strong>de</strong> palmas<br />
e flôres e ergueu-se <strong>de</strong> repente a voz triumphal do orgão e<br />
logo começáram todos a cantar alegremente o te-<strong>de</strong>um.<br />
D'alli saíram juntos velhos e rapazes para andárem<br />
todo o dia a correr lanças, e dizem os livros <strong>de</strong>ntão que ao<br />
lado dos rapazes, muito bem pareciam nêste exercício os<br />
lentes velhos.<br />
Quando os portuguêses correram ao Alemtejo a<br />
combater os hespanhoes, lá foram juntos o reitor, os lentes<br />
e 02 estudantes, e interromperam-se os estudos para pegar<br />
em armas.<br />
E sempre, a cada nova <strong>de</strong>sgraça, os estudantes da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> tem <strong>de</strong>fendido a pátria em perigo 39 lado dos<br />
professores.<br />
Falia bem alto a história da Invasão Francêsa.<br />
Na história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> ha apenas uma<br />
pagina em que se interrompe a fraternida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
estudantes e lentes nos campos <strong>de</strong> batalha.<br />
No começo das luctas liberaes, quando todo<br />
o sangue novo <strong>de</strong> Portugal fervia <strong>de</strong> ira contra o<br />
absolutismo, os estudantes assassináram, num arranco<br />
<strong>de</strong> paixão, os que tentavam oppôr-se ao<br />
advento das novas i<strong>de</strong>ias, os lentes que iam longe<br />
prestar fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a um rçi, que já não era o<br />
do povo português.<br />
Os estudantes <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong> representavam<br />
14 DE JANEIRO DE 1903<br />
o <strong>de</strong>sejo da pátria, não lhes cabe a responsabilida<strong>de</strong> do<br />
acto.<br />
O crime é dos que não souberàm acompanhal«os e<br />
dirigil-os.<br />
Nos últimos annos da vida triste da nossa nacionalida<strong>de</strong><br />
a aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong> tem-se levantado numa<br />
attitu<strong>de</strong> nobre <strong>de</strong> protesto, offerecendo o seu sangue e os<br />
seus braços por occasião do ultimatum, agitando o país por<br />
occasião do convénio.<br />
Téem-se apresentado sempre, respeitosos, ao lado<br />
dos professores que encarnam as aspirações generosas da<br />
pátria, elles eram o que mais amava a alma boa <strong>de</strong> José<br />
Falcão, que foi tám pouco tempo a esperança dum triumpho<br />
breve.<br />
Por isso elles o amavam também, e o ouviam com<br />
respeito, promptos a morrer ao lado <strong>de</strong>lle.<br />
José Falcão honrava as tradições cavalheirescas da<br />
velha <strong>Universida<strong>de</strong></strong> portuguêsa: naquelle corpo fraco, minado<br />
pela doença habitava a alma antiga dum heroe.<br />
Á volta <strong>de</strong>lle andou sempre, á espera duma or<strong>de</strong>m<br />
muito <strong>de</strong>sejada, a alma nobre da aca<strong>de</strong>mia portuguêsa.<br />
Em toda a história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, apenas uma<br />
vês se interrompeu a fraternida<strong>de</strong> das armas entre estudantes<br />
e professores.<br />
Os estudantes entám, como sempre, acompanhavam<br />
os mais nobres <strong>de</strong>sejos do povo português. .<br />
Acháram-se sós. Correu o sangue, contou-se mais<br />
um crime na história politica <strong>de</strong> Portugal.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> não foi <strong>de</strong>lles.<br />
Os verda<strong>de</strong>iros criminosos foram os que se não<br />
encontraram ao lado d'elles com o povo, os que os não souberam<br />
dirigir e levar pela estrada heróica do triumpho.<br />
CERRAR FILEIRAS<br />
T. C,<br />
Dez annos vo'vidos sobre a morte <strong>de</strong> José Falcão, o austero<br />
chefe da Democracia portuguêsa, e ainda é vivida e intensa a dôr<br />
que então subjugou todos aquelles que têm pela Patria um culto<br />
sagrado e da Republica confiam a salvação do País. As lagrimas<br />
<strong>de</strong>rramadas sobre o ataú<strong>de</strong> <strong>de</strong> José Falcão no implacavel segundo<br />
em que a noticia da sua morte brutalmente avassalou o nosso<br />
espirito, não foram as ultimas... Ainda hoje sentimos a mesma<br />
amargura pungente; ainda hoje a morte do gran<strong>de</strong> homem reveste<br />
as proporções phantasticas duma perda insubstituível: E' que ao<br />
<strong>de</strong>sapparecimento do gran<strong>de</strong> caudilho, que personificara todas as<br />
aspirações <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia do seu País, correspon<strong>de</strong>u<br />
na fileira republicana o <strong>de</strong>salento dos vencidos, o <strong>de</strong>sanimo,<br />
a dispersão, como se o glorioso Chefe levasse para o tumulo, a<br />
servir-lhe <strong>de</strong> mortalha, a ban<strong>de</strong>ira sagrada que todos nós juramos<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. E, todavia, se é certo que os princípios renovadores<br />
precisam <strong>de</strong> encontrar a sua personificação em homens <strong>de</strong> superior<br />
estatura, que os contemporâneos respeitem e as multidões, <strong>de</strong>sconfiadas<br />
e insatisfeitas, amem, o seu tumulo é sempre acanhado para<br />
conter o ecco estrepitoso das i<strong>de</strong>ias que apostolisaram.<br />
Neste <strong>de</strong>cisivo momento em que entre a Nação é a monarchia<br />
se trava uma lucta <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte, lucta em que ou__a<br />
monarchia succumbe por um movimento <strong>de</strong> heróica reacção<br />
popular, ou se aniquila a existencia da nossa autonomia, —é<br />
forçoso recordar a <strong>Obra</strong> impolluta do glorioso Mestre, chamando<br />
à vida activa do partido todas as consciências honestas.<br />
Recor<strong>de</strong>mo la nós, pois que a ^esistencia a sabe <strong>de</strong> cór, e,<br />
porque está bem gravada em nossos corações, ella é não só uma<br />
gloriosa relíquia a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, mas também, um Evangelho <strong>de</strong><br />
guerra a chamar nos á lucta, garantindo nos a victória.<br />
Unamos, pois, as nossas fileiras para não profanar o seu<br />
nome, <strong>de</strong>tendo nos no combate.<br />
Arthur Leitão.<br />
14 I-I9O3.<br />
MINHA GERAÇÃO<br />
Rapazes do meu tempo, que perdidos<br />
Trazeis pela existencia os corações<br />
Já não ergueis á voz das sedições<br />
Vossos pálidos rostos <strong>de</strong> vencidos;<br />
Levantae vossos braços abatidos<br />
fortes combatei como leões,<br />
Na <strong>de</strong> fez a das ruías multidões<br />
Cheias <strong>de</strong> dôr, <strong>de</strong> fome, <strong>de</strong> gemidos.<br />
Ungi-vos para a lucta heróica e ru<strong>de</strong><br />
Pelo Bem, peio Amor, pela Virtu<strong>de</strong>,<br />
Junto á campa do gran<strong>de</strong> Illuminado.<br />
Erguei bem alto as almas revoltadas<br />
—- E afiae as folhas das espadas<br />
No marmor' do seu tumulo sagrado.<br />
la lios Amaro.