Euclides da Cunha, intérprete do Brasil: O diário de um povo ... - pucrs
Euclides da Cunha, intérprete do Brasil: O diário de um povo ... - pucrs
Euclides da Cunha, intérprete do Brasil: O diário de um povo ... - pucrs
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
MBETTIOL, M. R. e HOHLFELDT, A. – Introdução<br />
basea<strong>da</strong>s em conceitos raciais europeus, presentes nos<br />
textos <strong>do</strong> autor. Conforme Gilberto Freyre 4 :<br />
Tais preconceitos (arianizantes) foram<br />
gerais no <strong>Brasil</strong> intelectual <strong>de</strong> 1900:<br />
envolveram às vezes o próprio Silvio<br />
Romero, cuja vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> guerrilheiro <strong>de</strong><br />
idéias está cheia <strong>de</strong> contradições.<br />
Só <strong>um</strong>a exceção se impõe <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
absoluto: a <strong>de</strong> Alberto Torres, o primeiro,<br />
entre nós, a citar o Professor Franz<br />
Boas e suas pesquisas sobre raças<br />
transplanta<strong>da</strong>s. Outra exceção: a <strong>de</strong><br />
Manuel Bonfim, turvan<strong>do</strong>, entretanto,<br />
nos seus vários estu<strong>do</strong>s, por <strong>um</strong>a<br />
como mística indianista ou indianófila<br />
semelhante à <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Vasconcellos,<br />
no México (FREYRE, 1944, p.41).<br />
Essas teorias arianizantes, que à época <strong>de</strong><br />
<strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Cunha</strong> se pretendiam científicas, foram <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>sacreditas pela própria ciência. Como bem expôs<br />
Gilberto Freyre, representam <strong>um</strong> fenômeno <strong>de</strong> época.<br />
Certamente, não po<strong>de</strong>mos pensar a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional<br />
como a pensava <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Cunha</strong>, ou seja, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />
perspectiva <strong>de</strong> <strong>um</strong> padrão racial e cultural que exclui<br />
a maioria <strong>do</strong>s brasileiros que nascem e vivem no <strong>Brasil</strong><br />
e sem a contribuição <strong>do</strong> estrangeiro, em especial <strong>do</strong>s<br />
imigrantes. Isto seria reforçar a tese, ou, melhor dizen<strong>do</strong>,<br />
recriar o famoso mito <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> única. Hoje, no <strong>Brasil</strong>,<br />
fazemos elogio à miscigenação, à diferença, proclamamos<br />
4 FREYRE, Gilberto. Em perfil <strong>de</strong> <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> e outros perfis. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
José Olímpio, 1944.<br />
com orgulho a nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> mestiça, a nossa<br />
diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural. Neste senti<strong>do</strong>, a obra <strong>de</strong> <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>Cunha</strong> constitui-se como <strong>um</strong> marco para refletirmos como<br />
se constroem estereótipos e preconceitos, como esses<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> representação se disseminaram em nosso<br />
imaginário nacional.<br />
Pensan<strong>do</strong> o <strong>Brasil</strong> pela perspectiva oficial, ou seja,<br />
pelo viés <strong>do</strong> oficialato, não esqueçamos que <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>Cunha</strong> fazia parte <strong>do</strong> establishment, a fisionomia<br />
<strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> e miserável <strong>povo</strong> brasileiro começa a se<br />
configurar nas páginas <strong>de</strong> nossa literatura, a partir <strong>de</strong>le.<br />
Ao produzir Contrastes e confrontos, o escritor<br />
re<strong>de</strong>senha a cartografia nacional, sublinhan<strong>do</strong> as<br />
especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s e as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s locais <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> região <strong>do</strong><br />
nosso território. Essa mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> foco em sua análise<br />
terá incidência em nossa produção cultural. Tornar-se-á<br />
visível no movimento <strong>do</strong> Romance <strong>de</strong> 30 e terá ain<strong>da</strong><br />
consequências diretas nos estu<strong>do</strong>s literários como, por<br />
exemplo, na obra Uma interpretação <strong>da</strong> Literatura<br />
<strong>Brasil</strong>eira: Um arquipélago cultural, <strong>de</strong> Vianna Moog 5 ,<br />
momento em que a historiografia literária começa a analisar<br />
a Literatura <strong>Brasil</strong>eira, a partir <strong>da</strong> sua diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural.<br />
Contu<strong>do</strong>, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s maiores traços <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> obra euclidiana, e que vale a pena ser retoma<strong>do</strong>, é o<br />
aspecto ecológico, os seus estu<strong>do</strong>s sobre a Amazônia. Entre<br />
outros méritos, <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> foi <strong>um</strong> <strong>do</strong>s primeiros brasileiros a<br />
pisar na região amazônica e a <strong>de</strong>stacar a sua importância em<br />
relação ao restante <strong>do</strong> território brasileiro. Para os partidários<br />
<strong>da</strong> ecocrítica, que estu<strong>da</strong> as relações entre literatura e meio<br />
5 MOOG, Vianna. Uma interpretação <strong>da</strong> Literatura <strong>Brasil</strong>eira: Um arquipélago<br />
cultural. POA: Instituto Estadual <strong>do</strong> Livro: CORAG,2006.<br />
14