Euclides da Cunha, intérprete do Brasil: O diário de um povo ... - pucrs
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<strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Cunha</strong>, <strong>intérprete</strong> <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>: O <strong>diário</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>povo</strong> esqueci<strong>do</strong><br />
quase: <strong>um</strong> banco gran<strong>de</strong> e rosseiro (<strong>um</strong>a<br />
táboa sobre quatro pés não tornea<strong>do</strong>s<br />
); <strong>do</strong>is ou três banquinhos; re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
cruá; <strong>do</strong>is ou três baús <strong>de</strong> cedro <strong>de</strong> três<br />
palmos sobre <strong>do</strong>is. É to<strong>da</strong> a mobília. Não<br />
há camas; não há mesas, <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />
geral (CUNHA, 1897).<br />
E chega, então, o final, assim res<strong>um</strong>i<strong>do</strong> pelo repórter:<br />
A artilheria fez estragos incalculáveis<br />
nas pequenas casas, repletas to<strong>da</strong>s.<br />
Penetran<strong>do</strong> pelos tetos e pelas<br />
pare<strong>de</strong>s as grana<strong>da</strong>s explodiam nos<br />
quartos minúsculos <strong>de</strong>spe<strong>da</strong>çan<strong>do</strong><br />
homens, mulheres e crianças sobre os<br />
quais <strong>de</strong>scia, as vezes o pesa<strong>do</strong> teto<br />
<strong>de</strong> argila, pesa<strong>da</strong>mente, como a lagem<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> túmulo, completan<strong>do</strong> o estrago.<br />
Parece, porém, que os mal feri<strong>do</strong>s<br />
mesmo sofreiavam os bra<strong>do</strong>s <strong>da</strong> agonia<br />
e os próprios tími<strong>do</strong>s evitavam a fuga,<br />
tal o silêncio, tal a quietu<strong>de</strong> soberana<br />
e estranha, que pairavam sobre as<br />
ruínas f<strong>um</strong>egantes, quan<strong>do</strong>, às 6 e<br />
48 minutos, cessou o bombar<strong>de</strong>io (...)<br />
Nesse momento passou-se <strong>um</strong> fato<br />
extraordinário e inespera<strong>do</strong> em que<br />
pese aos números exemplos <strong>de</strong> heróica<br />
selvatiqueza revela<strong>da</strong> pelo jagunço.<br />
De to<strong>da</strong>s as casas, há poucos minutos<br />
fulmina<strong>da</strong>s, irrompen<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />
frinchas <strong>da</strong>s pare<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s tetos,<br />
sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os pontos explodiu <strong>um</strong>a<br />
fuzilaria imensa, ret<strong>um</strong>bante, mortífera<br />
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e formidável, <strong>de</strong> armas n<strong>um</strong>erosas<br />
rápi<strong>da</strong> e simultaneamente dispara<strong>da</strong>s -<br />
e sobre os batalhões assaltantes refluiu<br />
a réplica tremen<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a saraiva<strong>da</strong>,<br />
impenetrável, <strong>de</strong> balas! (...) Eu estava a<br />
cerca <strong>de</strong> 200 metros apenas <strong>da</strong> praça,<br />
no quartel general <strong>do</strong> general Barbosa.<br />
Desci rapi<strong>da</strong>mente a encosta e entrei<br />
na zona <strong>do</strong> combate. Não gastei <strong>do</strong>is<br />
minutos na travessia (CUNHA, 1897).<br />
<strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong> <strong>da</strong> <strong>Cunha</strong>, no último artigo envia<strong>do</strong>, a 25<br />
<strong>de</strong> outubro, e publica<strong>do</strong> no dia imediatamente após, afirma,<br />
com sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Isto é o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a testemunha<br />
pouco afeiçoa<strong>da</strong> à lisonja banal e inútil”.<br />
Do jornalismo para a literatura, mas sempre jornalismo<br />
E mais não diz, porque, segun<strong>do</strong> muitos <strong>de</strong> seus<br />
estudiosos, ao regressar, já imaginara escrever <strong>um</strong> livro a<br />
respeito <strong>do</strong> tema (RABELLO, 1983, p. 140). Mesmo antes<br />
<strong>de</strong> partir, reunira material forneci<strong>do</strong> por Teo<strong>do</strong>ro Sampaio.<br />
Também conversaria muito com Manuel Benício, que<br />
acabaria por publicar seu livro três anos antes <strong>de</strong> <strong>Eucli<strong>de</strong>s</strong>,<br />
pois que sua primeira edição é <strong>de</strong> 1899 (ARAÚJO apud<br />
BENICIO, 1997, p. IX). Por isso, foi-lhe importante, ao<br />
regressar, po<strong>de</strong>r ficar no interior <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />
on<strong>de</strong> podia se <strong>de</strong>dicar com maior afinco a seu projeto.<br />
Mas enfrentava, evi<strong>de</strong>ntemente, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> publicálo,<br />
diante <strong>da</strong>s dimensões que alcançaria o trabalho. Assim,<br />
termina por financiar a primeira edição, entregue a Editora