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VERDADE TROPICAL

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idade dos espectadores, não havendo representantes do juizado de<br />

menores em Santo Amaro.) Mas o cinema italiano, à medida que o<br />

tempo passava e nós crescíamos, nos interessava cada vez mais pelo<br />

que considerávamos ser sua "seriedade": o neo-realismo e seus<br />

desdobramentos nos foram oferecidos comercialmente e nós reagimos<br />

com a emoção de quem reconhece os traços do cotidiano nas<br />

imagens gigantescas e brilhantes das salas de projeção.<br />

Um dos acontecimentos mais marcantes de toda a minha formação<br />

pessoal foi a exibição de La strada de Fellini num domingo de manhã no<br />

Cine Subaé (havia sessões matinais aos domingos nesse que era o<br />

melhor - o único que chegou a ter cinemascope - dos três cinemas de<br />

Santo Amaro). Chorei o resto do dia e não consegui almoçar - e nós<br />

passamos a chamar Minha Daia de Giulietta Masina. Seu Agnelo Rato<br />

Grosso, um mulato atarracado e ignorante que era açougueiro e<br />

tocava trombone na Lira dos Artistas (uma das duas bandas de música<br />

da cidade - a outra se chamava Filhos de Apolo), foi surpreendido por<br />

mim, Chico Motta e Dasinho, chorando à saída de I vitelloni, também<br />

de Fellini, e, um pouco embaraçado. justificou-se. limpando o nariz na<br />

gola da camisa: Esse filme é a vida da gente! Lembro de Nicinha, minha<br />

irmã mais velha, comentando que, enquanto nos filmes americanos os<br />

atores trocavam algumas palavras à beira dos pratos de refeição e o<br />

corte sempre vinha antes que eles fossem vistos pondo a comida na<br />

boca e mastigando, nos filmes italianos as pessoas comiam - e às vezes<br />

falavam enquanto comiam.<br />

Assim, beldades que mais tarde Hollywood chegou a contratar e<br />

fazer conhecidas do público americano, como Sophia Loren e Gina<br />

Lollobrigida, chegaram até nós em primeira mão e - ao lado de outras<br />

que mal foram notadas nos Estados Unidos, como Silvana Pampanini,<br />

Silvana Mangano, Rossana Podestà - foram por nós cultuadas como<br />

deusas. Na verdade, vimos antes motivos para deplorar do que festejar<br />

a ida das italianas para Hollywood: as deslumbrantes moças simples que<br />

pareciam ter sido encontradas nas ruas de Nápoles, tinham agora se<br />

tornado provincianas que, uma vez na cidade grande, tomaram um<br />

banho de loja que não lhes caiu bem (na província, quando se faz<br />

alguma, faz-se uma crítica mais severa do provincianismo do que a que<br />

se pode fazer na metrópole). De todo modo, nada nos indicava que<br />

Brigitte Bardot fosse ainda que minimamente inferior a Marilyn em<br />

número de admiradores, em valor de cachê ou em representatividade<br />

do espírito do tempo. Não só nas canções que vim a fazer já nos anos<br />

60 - e que, bem ao gosto da estética pop, ostentavam nomes de<br />

celebridades - os nomes escolhidos foram de estrelas européias<br />

(Claudia Cardinale, Brigitte Bardot, Alain Delon, Jean-Paul Belmondo):<br />

no final dIa década de 50, por um instante interrompi os borrões<br />

abstracionistas e pintei um retrato de Sophia Loren a partir da fotografia<br />

de uma cena do filme A mulher do rio (La donna del Pó), um<br />

subproduto do neo-realismo.

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