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VERDADE TROPICAL

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para deixar por São Paulo. Emanuel Araújo, meu colega do ginásio que<br />

se tornaria renomado artista plástico, expressava sentimentos<br />

semelhantes aos de Roberto com ainda maior veemência - e fez o<br />

mesmo itinerário. Hercília, a menina que eu amava com o coração<br />

maior que o mundo, e que parecia uma moderna rainha do cinema<br />

europeu (ainda hoje, o chique de sua beleza e a delicada discrição de<br />

sua elegância impressionariam quem lhe visse uma fotografia de<br />

então), tinha desenvolvido uma retórica de desprezo arrogante pela<br />

nossa cidadezinha natal que chegava a ser ofensiva. Eu, no entanto,<br />

atava-me à convicção de que, se queria ver a vida mudada, era<br />

preciso vê-la mudada em Santo Amaro - na verdade, a partir de Santo<br />

Amaro. De todo modo, eu amava a cidade onde todos nascêramos e<br />

aprendêramos tudo o que sabíamos até ali - inclusive a sugestão de<br />

ousadia transformadora embutida no canto de João Gilberto. Mas o<br />

meu apego a Santo Amaro não era nada comparado à reação de<br />

Bethânia à nossa saída de lá: no extremo oposto dos nossos amigos que<br />

queriam fugir, ela simplesmente não aceitava a idéia da mudança.<br />

Eu não encarava com desagrado a possibilidade de ir viver em<br />

Salvador: a cidade de que eu mais gosto no mundo já era querida e<br />

conhecida desde a infância, e, se a questão era alargar os horizontes<br />

da vida, Santo Amaro podia parecer-me o lugar ideal para um<br />

santamarense tentar fazê-lo, mas mudar para Salvador não deveria<br />

significar um impedimento: Salvador era bem perto de Santo Amaro;<br />

tão perto que meu pai temia a anunciada construção da estrada de<br />

rodagem que, segundo ele, poderia fazer de Santo Amaro "um mero<br />

subúrbio da Bahia".<br />

Chamávamos Salvador de Bahia. Uma cantiga de roda tradicional<br />

de Santo Amaro tomou-se o tema oficial desse período de nossas vidas<br />

e, na época, compus uma canção utilizando-a como refrão; seus versos<br />

singelos ficam tocantes na melodia em tom menor sobre um ritmo de<br />

marcha lenta:<br />

Adeus, meu Santo Amaro<br />

Que desta terra vou me ausentar<br />

Eu vou para a Bahia<br />

Eu vou viver; eu vou morar<br />

Eu vou viver; eu vou morar.<br />

Era muito raro que alguém, em qualquer cidade do recôncavo<br />

baiano, se referisse à Cidade da Bahia como Salvador. Embora hoje isso<br />

seja a regra, eu mesmo dizer Salvador é como se fosse um aspecto a<br />

mais da natural (para mim, pois tenho morado com freqüência e<br />

demora no Rio) adesão ao sotaque carioca.<br />

Bethânia se recusava até mesmo a ver a "Bahia". Íamos para o<br />

Colégio Severino Vieira a pé ou de ônibus todos os dias e ela não

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