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VERDADE TROPICAL

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Ouro, de Nelson Rodrigues, e, para abrir o espetáculo, teve uma idéia<br />

absolutamente maravilhosa: ao se apagarem todas as luzes, antes que<br />

se visse qualquer ator em cena, ouvia-se, no escuro, a voz única de<br />

Bethânia, então uma total desconhecida, cantando, sem<br />

acompanhamento e sem amplificação, "Na cadência do samba", de<br />

Ataulfo Alves. Infelizmente o resto do espetáculo não estava à altura<br />

desse início (mas quantos, neste mundo, o estariam?) e pouca gente<br />

chegou a presenciar essa estréia inusitada. O culto à voz de Bethânia,<br />

no entanto, cresceu entre os artistas e boêmios de Salvador.<br />

Ao freqüentar exposições no MAMB, peças na Escola de Teatro, o<br />

clube de cinema e a Casa da França para ver filmes de arte, Bethânia<br />

e eu começamos a notar a presença quase certa de um rapaz moreno,<br />

magro, de óculos, a quem já nos referíamos com divertida intimidade e<br />

que estávamos curiosos para conhecer. Imaginávamos que ele gostava<br />

das coisas que nós gostávamos e achávamos sua cara muito boa. Ele<br />

estava sempre sozinho e evidentemente não fazia idéia de que o<br />

observávamos. Um dia Alvinho Guimarães me disse que queria fazer um<br />

filme para o qual, naturalmente, eu faria a trilha sonora. Queria também<br />

que eu participasse com ele da feitura do roteiro .<br />

Seria um filme sobre meninos de rua de Salvador (foi feito, chamouse<br />

Moleques de rua e eu fiz a trilha em que usei a voz de Bethânia).<br />

Alvinho marcou um encontro à tarde na Escola de Teatro (uma emoção<br />

estar ali de dia, fora da hora de espetáculo) e lá me apresentou ao<br />

amigo com quem queria que ambos trabalhássemos: era o rapaz que<br />

Bethânia e eu víamos em todos os eventos. Eu fiquei muito feliz. Ele já<br />

era amigo de Alvinho fazia um bom tempo. E os dois se entendiam<br />

muito bem. Duda - era assim que Alvinho o chamava - sorria o tempo<br />

todo, tinha os olhos larguissimamente amendoados por trás dos óculos e<br />

dizia coisas muito sérias a respeito de qualquer assunto. Fiquei<br />

impressionado com a elevação do grau de exigência da conversa de<br />

Alvinho em sua presença. Os dois tinham muito mais cultura do que eu e<br />

seus diálogos, cheios de responsabilidade intelectual e<br />

comprometimento existencial, logo se tornaram verdadeiros<br />

ensinamentos para mim. Eu falava com humilde irresponsabilidade.<br />

Passamos a andar juntos os três. Eu saia muito também com meu<br />

irmão Rodrigo, que estimulava meu interesse por cinema. Havia um<br />

grupo de aspirantes a cineastas ou críticos de cinema que estavam<br />

freqüentando um curso ministrado não sei por quem sobre teoria e<br />

critica cinematográfica. Rodrigo nos inscreveu, a mim e a ele próprio,<br />

nesse curso, e ali encontramos alguns jovens críticos (Geraldo Portela,<br />

Carlos Alberto Silva, Alberto Silva) com quem eu gostava muito de<br />

conversar. Mas as conversas com Duda e Alvinho (sobretudo Duda)<br />

faziam todas as outras parecerem tolas. Falávamos de literatura,<br />

cinema música popular; falávamos de Salvador, da vida na província,<br />

da vida das pessoas que conhecíamos; falávamos de política.

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