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VERDADE TROPICAL

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sentíamos, de longe, uma espécie de identificação poética.<br />

Desse modo, tínhamos, por assim dizer, assumido o horror da<br />

ditadura como um gesto nosso, um gesto revelador do país, que nós,<br />

agora tomados como agentes semiconscientes, deveríamos transformar<br />

em suprema violência regeneradora. Uma violência desagregadora<br />

que não apenas encontrava no ambiente contracultural do rock'n'roll<br />

armas para se efetivar, mas também reconhecia nesse ambiente<br />

motivações básicas semelhantes. Por isso, quando Raul Seixas alternava<br />

americanização com regionalismo esotérico, eu não podia deixar de<br />

lembrar que tinha sido eu mesmo a dizer a um jornalista, em 67, na<br />

primeira hora do tropicalismo, a frase que, pouco depois, Tom Zé citaria<br />

numa canção típica daquele movimento: "Sou baiano e estrangeiro".<br />

Mas a nossa Bahia era, afinal de contas, e se tomada a questão em<br />

profundidade, a Bahia fundadora, a Bahia mãe do Brasil. Lembro do<br />

meu primeiro encontro pessoal com a grande artista plástica mineira<br />

Lygia Clark, e de como gostei de ouvir dela que a Bahia está para o Rio<br />

como o Velho Testamento está para o Novo. Na verdade queríamos ver<br />

o Brasil numa mirada em que ele surgisse a um tempo super-Rio<br />

internacional-paulistizado, pré-Bahia arcaica e pós-Brasília futurista.<br />

Essa ambição nos afastava de fato de Raul Seixas na mesma<br />

medida em que eu já me sentia afastado dos amantes do rock nos<br />

anos 50: o deslumbramento com a coisa americana me parecia tolo e<br />

a marca distintiva de baianidade folclórica, superficial.<br />

Eu, que cresci dançando samba-de-roda e amando a música que<br />

se desenvolveu no Brasil pelo rádio e pelo disco, sempre tive a nítida<br />

impressão de que Elvis foi um fenômeno cultural importante para toda<br />

uma geração de americanos porque teve seu destino individual ligado<br />

a forças no interior da sua sociedade que a levariam a gestos<br />

irreversíveis - sendo um garoto branco que, num país de racismo<br />

institucionalizado, traduziu para a vasta platéia branca jovem o jargão<br />

rítmico e gestual dos negros, exatamente às vésperas da queda das<br />

restrições raciais e da ascensão de uma postura crítica das novas<br />

gerações em relação ao já conquistado pelas velhas. Mas que isso só se<br />

tornou possível pela atuação da sua figura, do seu timbre e do seu<br />

clima pessoal sobre a mente americana tal como esta se encontrava<br />

no meio da década de 50. Assim como a imagem de Marilyn tocou<br />

num ponto da sensibilidade das massas americanas para o qual<br />

convergiam suas aspirações estéticas e suas fantasias sexuais. Na<br />

medida mesma em que o que é importante para os Estados Unidos<br />

resulta relevante para o resto do mundo, a figura de Elvis, seu som e sua<br />

lenda marcaram fundamente o imaginário internacional. Constatar isso<br />

não é considerar sequer possível uma adesão automática e sem<br />

mediações, por parte de seus contemporâneos de outros países que<br />

não os Estados Unidos, ao complexo de sentimentos que ele<br />

desencadeou entre os americanos. Quando, nos anos 60, Juracy

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