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VERDADE TROPICAL

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ock, por causa da onda feita na imprensa, alguns espectadores<br />

fingiam estar irresistivelmente tomados pelo "novo ritmo" e dançavam<br />

de pé sobre as poltronas, provavelmente para ver se quebravam<br />

algumas, dando assim matéria para os jornais, numa identificação com<br />

aqueles que tinham quebrado cinemas no Rio e que, por sua vez,<br />

identificavam-se com os americanos, de quem se dizia que tinham feito<br />

o mesmo nos Estados Unidos.<br />

Um dos elementos que contribuíram para minha aliviada frieza<br />

diante do espetáculo de tela e platéia era a total ausência de<br />

novidade do rock'n'roll como dança - um enigma até hoje para mim<br />

indecifrável.<br />

Não que o rock'n'roll como música me soasse propriamente original:<br />

só o timbre estridente e a intenção (exibida, é certo, de modo um tanto<br />

canhestro) de ser mais selvagemente rítmico do que a música<br />

americana vinha sendo até ali (mas nem de longe como a brasileira ou<br />

a cubana já eram desde sempre), diferençavam, aos meus ouvidos, as<br />

canções de No balanço das horas de, por exemplo, "In the mood" ou<br />

de tantas outras estilizações de blues de doze compassos feitas antes.<br />

Mas a dança - aquela em que o rapaz pega uma das mãos da moça e<br />

a faz girar, depois eles se dão as quatro mãos e ele a puxa por entre as<br />

pernas etc. - é que era insuportavelmente igual a tudo o que se podia<br />

ver em filmes americanos dos anos 30 e 40. Mas a "força irracional", que<br />

levaria anos para me atingir, parecia dominar grande parte dos<br />

espectadores.<br />

O Cine Guarany, no entanto, nem mesmo estava cheio. Espremido<br />

entre o sentimentalismo de puteiro e a crescente sofisticação dos<br />

músicos que possibilitaram o surgimento (e das platéias que<br />

possibilitaram o sucesso) da bossa nova, o rock'n'roll não produziu no<br />

Brasil uma minoria de massa (para usar o termo de Décio Pignatari) que<br />

o transformasse num fenômeno comercial ou numa referência cultural<br />

irrecusável, a extração social dos seus seguidores de primeira hora<br />

sendo muito difícil de definir, uma vez que, para que se o fosse,<br />

requeria-se ao mesmo tempo um gosto suburbano e poder econômico<br />

que permitisse acesso imediato a informações sobre a cultura<br />

americana - discos, filmes e revistas -, de modo que muitas vezes um fã<br />

de rock'n'roll tinha aquelas características de gosto mas não tinha meios<br />

de seguir, por exemplo, um curso particular de inglês, e, outras vezes,<br />

sendo filho de família abastada, tinha acesso a produtos americanos<br />

mas mantinha uma atitude elitista a que o rock mal se adaptava como<br />

um mero sinal exterior de modernidade Raramente os dois requisitos<br />

coincidiam num mesmo indivíduo ou num mesmo grupo (ou um<br />

indivíduo ou grupo relacionava-se com tais questões de maneira<br />

suficientemente livre e forte) para formar uma personalidade ou um<br />

ambiente que pudesse se chamar de genuinamente roqueiro.<br />

Ainda hoje, no Brasil, alguns paradoxos se estabelecem e algumas

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