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VERDADE TROPICAL

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com musicas de Noel Rosa passou quase despercebido e, ao menos<br />

uma vez, eu mesmo ouvi de uma moça bem informada do Rio - a<br />

mulher de um produtor e diretor de cinema – o comentário (que já<br />

soava repetido) de que Bethânia não podia cantar Noel por ser baiana<br />

e ter uma sensibilidade de gente do sertão. Na verdade Bethânia veio<br />

a tornar-se - e é até hoje - uma rainha da canção brasileira, sobretudo<br />

pela densidade com que canta baladas de amor intenso, embora ela<br />

também cante, e com grande brilho, sambas "de escola" do Rio,<br />

sambas-de-roda da Bahia e eventualmente canções típicas do<br />

Nordeste.<br />

Não foi como uma especialista em música nordestina que Maria<br />

Bethânia revelou-se a Nara Leão uma cantora de talento de quem ela<br />

se lembrou quando foi preciso encontrar alguém para substituí-la. Ela<br />

estava na Bahia no fim de uma viagem de passeio que era também,<br />

em parte, uma expedição de pesquisa. Nara era uma adorável criatura<br />

do tipo que só a Zona Sul do Rio pode produzir. Mas era também<br />

alguém especial dentro desse mundo. Sentia-se nela o gosto da<br />

liberdade que tinha sido conquistada com dificuldade e decisão. Por<br />

isso todos os seus gestos e todas as suas palavras pareciam nascer de<br />

um realismo direto e sério, mas resultavam delicados e graciosos como<br />

os de uma menina tímida e passiva. Não se pode esquecer que ela, a<br />

essa altura, devia ter vinte anos.<br />

Seu nome estava ligado ao nascimento da bossa nova (dizia-se - e<br />

se diz até hoje - que o movimento nasceu em seu apartamento de<br />

Copacabana) e, embora a essa altura ela ainda não fosse um sucesso<br />

de massas, na Bahia nós conhecíamos sua lenda. E ela, por sua vez, fora<br />

informada da nossa existência, e marcou, através de Roberto Santana -<br />

que então produzia os nossos shows semi-amadores no Vila Velha e que<br />

parecia estar namorando com ela -, de vir assistir a um nosso ensaio.<br />

Ensaio não houve, que eu lembre, mas ela veio nos encontrar num<br />

local próximo ao teatro e nós conversamos e cantamos. Havia já algum<br />

tempo que Nara vinha tentando ultrapassar o horizonte temático da<br />

bossa nova e fazer a música entrar na discussão dos problemas sociais e<br />

políticos que o novo teatro brasileiro e o Cinema Novo abordavam com<br />

freqüência e paixão - e com isso realizar, para além de sua mitológica<br />

relação com a gênese da bossa nova, uma intervenção em nossa<br />

música popular de que ela fosse realmente a protagonista. E assim foi. O<br />

próprio espetáculo Opinião fora inspirado em seu gesto de voltar a<br />

atenção para o samba de morro e a musica do sertão nordestino - e<br />

para as novas canções de cunho social que ela, mais do que ninguém,<br />

instigava os compositores a fazer. Mais ainda, foi um disco seu intitulado<br />

Opinião (o nome de um samba de Zé Kéti) que sugeriu o nome e o<br />

formato do show. Entre nós, na Bahia, sua presença revelou-se<br />

encantadora e um tanto enigmática: ela fazia perguntas muito diretas<br />

em voz muito mansa e falava de seus interesses entusiasmantes num<br />

tom cético que nós interpretávamos creio que acertadamente como

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