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VERDADE TROPICAL

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considerável. E, na verdade, muito boas razões.<br />

No início dos anos 80, Roberto Dávila, um jornalista de televisão que<br />

mais tarde veio a ser vice-prefeito do Rio, me pediu que fosse a Nova<br />

Iorque com ele para ajudá-lo a entrevistar Mick Jagger para uma nova<br />

série de programas de entrevistas longas chamado Conexão<br />

Internacional. Fui convidado, segundo me disse ele, porque eu sabia o<br />

que se passava no mundo do rock'n'roll e falava inglês: ele faria<br />

perguntas jornalísticas ao Mick Jagger em francês e eu entremearia<br />

uma conversa mole em inglês sobre o que quer que nos fosse (a mim e<br />

a Jagger) comum. Bem, dizer que eu entendia de rock'n'roll e falava<br />

inglês só era verdade relativa ao fato de meu amigo jornalista nada<br />

entender de rock e não falar inglês absolutamente. Mas - o que não foi<br />

dito - a minha presença no programa supostamente aumentaria a<br />

curiosidade a respeito do mesmo, uma vez que um tipo como eu é<br />

freqüentemente referido na imprensa como "o Bob Dylan brasileiro", "o<br />

John Lennon brasileiro" ou - o que no caso em pauta vinha bem a<br />

calhar - "o Mick Jagger brasileiro". De todo modo, como nunca encarei<br />

essas classificações imbecis com demasiada antipatia, aceitei o<br />

convite. Também por curiosidade e admiração por Mick Jagger.<br />

Admiração que só fez crescer com esse quase impessoal contato<br />

pessoal, embora a entrevista, como programa de televisão, não<br />

resultasse muito interessante (sobretudo porque as respostas de Mick<br />

Jagger foram cobertas por uma voz que lia em primeiro plano a<br />

tradução em português). O que é interessante contar aqui é que, ao lhe<br />

perguntar como foi que o rock o conquistou, eu lhe disse do meu inicial<br />

desprezo por Elvis e comentei que, sendo eu da mesma geração dele,<br />

Mick, e, como ele, tendo chegado à universidade, o rock primeiro me<br />

parecera primário e pouco estimulante, e que para mim e para muitos<br />

outros brasileiros a bossa nova tinha tido um apelo fortíssimo que nos<br />

orientara para outra direção. Ele me interrompeu para dizer: "Isso é<br />

bom. Seria muito chato se não houvesse estilos diferentes em lugares<br />

diferentes e a música fosse mundialmente uniformizada". Não o disse em<br />

tom de gentileza, antes quase como uma branda repreensão, pois ele<br />

aparentemente julgava que eu estava me penitenciando por não ter<br />

me interessado suficientemente cedo pelo rock'n'roll. No entanto, essa<br />

sua singela observação me soava natural e absolutamente correta. Vivi<br />

e vivo como um acontecimento auspicioso o fato de a bossa nova ter<br />

surgido entre nós justamente quando eu e meus companheiros de<br />

geração estávamos começando a aprender a pensar e a sentir.<br />

Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João<br />

Gilberto. Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio<br />

quem me mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por<br />

isso mesmo, ele julgara que me interessaria: "Caetano, você que gosta<br />

de coisas loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta<br />

totalmente desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai pro outro".<br />

Ele exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava,

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