15.04.2013 Views

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

Monografia - Faculdade de Comunicação da UFBA - Universidade ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia<br />

<strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Comunicação</strong><br />

<strong>Comunicação</strong> Social - Jornalismo<br />

Matheus Gomes Antunes dos Santos Magenta<br />

Michele Louvores dos Santos<br />

Reconstrução narrativa do escân<strong>da</strong>lo do mensalão<br />

a partir <strong>de</strong> Carta Capital e Veja<br />

Salvador<br />

2008<br />

1


Matheus Gomes Antunes dos Santos Magenta<br />

Michele Louvores dos Santos<br />

Reconstrução narrativa do escân<strong>da</strong>lo do mensalão<br />

a partir <strong>de</strong> Carta Capital e Veja<br />

<strong>Monografia</strong> apresenta<strong>da</strong> ao Curso <strong>de</strong> Graduação em<br />

<strong>Comunicação</strong> Social – Jornalismo, <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Comunicação</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia.<br />

Orientadora: Maria Lucinei<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Fontes<br />

Salvador<br />

2008<br />

2


SUMÁRIO<br />

APRESENTAÇÃO 5<br />

Capítulo I INTRODUÇÃO 7<br />

1.1 Carta Capital 10<br />

1.2 Veja 12<br />

1.3 Mensalão como Escân<strong>da</strong>lo Político 14<br />

Capítulo II CONTEXTO SOCIAL E O CAMPO JORNALÍSTICO 19<br />

2.1 Contexto histórico 19<br />

2.1.1 Campo Jornalístico 22<br />

2.1.1.1 Jornalismo político-investigativo 26<br />

Capítulo III ANÁLISE 30<br />

3.1 Reconstrução Narrativa 34<br />

3.2 I<strong>de</strong>ntificação dos conflitos e funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos episódios 40<br />

3.3. Construção dos personagens 43<br />

3.3.1 Presi<strong>de</strong>nte Lula 46<br />

3.3.2. Oposição 53<br />

3.3.3 Roberto Jefferson 60<br />

3.4. Estratégias Comunicativas 60<br />

3.4.1 Efeitos <strong>de</strong> Real<br />

3.4.2 Efeitos Poéticos 68<br />

3.5. Metanarrativas 72<br />

Capítulo V CONSIDERAÇÕES FINAIS 83<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87<br />

Anexo I GRÁFICO 1 – Carta Capital 91<br />

Anexo II GRÁFICO 2 – Veja 92<br />

3


Anexo III TABELA 1 – Lula 93<br />

Anexo IV TABELA 2 – Oposição 97<br />

Anexo V TABELA 3 – Roberto Jefferson 99<br />

Anexo VI Linha temporal 101<br />

Anexo VII Narrativa dos fatos. 102<br />

4


Apresentação<br />

Todo aprendizado é uma jorna<strong>da</strong> imprevisível e com o jornalismo não<br />

po<strong>de</strong>ria ter sido diferente. Foram vários os trajetos percorridos <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e, mesmo no caminho que nos separava <strong>de</strong>la, encontramos pessoas e questões<br />

interessantes. Foi assim, ao longo <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> dia na facul<strong>da</strong><strong>de</strong> que (nos) conhecemos<br />

e <strong>de</strong>cidimos ler juntos uma história que já parecia encerra<strong>da</strong>, ou pelo menos<br />

esqueci<strong>da</strong>: o escân<strong>da</strong>lo do mensalão.<br />

Acontece que ca<strong>da</strong> leitura é uma, entre várias possíveis. Por isso, fizemos<br />

uma escolha na qual convergissem nossas afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Em comum, o gosto por<br />

narrativas nos uniu na tentativa <strong>de</strong> reconstruir o escân<strong>da</strong>lo do mensalão, uma<br />

seqüência <strong>de</strong> episódios em que tantas variáveis se apresentavam.<br />

Não nos interessa apontar para o que foi dito sobre o assunto, mas para<br />

as formas como isso foi feito pela imprensa. Para além do óbvio, não cabe, ao final<br />

<strong>de</strong> algumas páginas, <strong>de</strong>clarar o posicionamento político <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> veículo analisado,<br />

mas compreen<strong>de</strong>r os meios dos quais eles se utilizaram para retratar o escân<strong>da</strong>lo<br />

em questão. Por isso, pouco importaram, talvez apenas para contextualização, as<br />

opiniões explícitas que ocupam editoriais, cartas ao leitor e colunas <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s a<br />

esse fim.<br />

Descobrimos que, embora muitas coisas pareçam óbvias, as formas como<br />

os caminhos são percorridos fazem to<strong>da</strong> a diferença para que a compreensão do<br />

lugar aon<strong>de</strong> chegamos. Depois <strong>de</strong> mergulhar em pilhas <strong>de</strong> revistas, livros e textos,<br />

aquele quebra-cabeça <strong>de</strong> notícias, que parecem se equilibrar numa cor<strong>da</strong> bamba <strong>de</strong><br />

valores como a imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong>, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> social e o respeito à informação,<br />

formou, ain<strong>da</strong> que faltem peças, um retrato do processo <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> um episódio<br />

recente na política brasileira.<br />

O narrador em questão <strong>de</strong>ssa pesquisa passa longe do clichê do<br />

historiador solitário, em um arquivo cheio <strong>de</strong> poeira e documentos antigos, em busca<br />

<strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história distante do calor dos acontecimentos e ampara<strong>da</strong> por análises<br />

<strong>de</strong> outros campos sobre o mesmo objeto <strong>de</strong> pesquisa. No jornalismo, o narrador<br />

escreve sobre episódios e fatos que acontecem ao mesmo tempo em que as<br />

palavras são publica<strong>da</strong>s nas revistas. A rotina produtiva do jornalismo, mesmo o<br />

jornalismo praticado <strong>de</strong> revista - que dispõe <strong>de</strong> um tempo maior na apuração e<br />

5


possibilita um olhar mais cui<strong>da</strong>doso sobre o que realmente está acontecendo -, é<br />

fun<strong>da</strong>mental para enten<strong>de</strong>rmos essa narrativa processual.<br />

6


Introdução<br />

7<br />

Capítulo 1<br />

Embora não seja o objetivo <strong>de</strong>sta pesquisa comparar o jornal A Última<br />

Hora com Carta Capital, as relações com o po<strong>de</strong>r e os ataques dos críticos originam<br />

um ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> interessante para a discussão que virá em segui<strong>da</strong>.<br />

Enquanto Getúlio Vargas era atacado por todos os flancos, o que incluía<br />

os jornais <strong>de</strong> Assis Chateaubriand e o “corvo” Carlos Lacer<strong>da</strong>, seja com reportagens<br />

e editoriais <strong>de</strong>vastadores, seja apenas com o silêncio, Wainer, amigo pessoal <strong>de</strong><br />

Getúlio, consegue abrir seu jornal 1 (p. 140).<br />

Quando a Última Hora nasceu, Carlos Lacer<strong>da</strong> foi assaltado por um ódio<br />

ferocíssimo, permanente. Era preciso <strong>de</strong>struir meu jornal, sob o pretexto <strong>de</strong><br />

que a Última Hora recebera irregularmente dinheiro do governo, para<br />

liqui<strong>da</strong>r o jornal e, em segui<strong>da</strong>, <strong>de</strong>struir Getúlio Vargas. Ele não me faria mal<br />

algum, entretanto, se contasse exclusivamente com seu próprio jornal – a<br />

Tribuna <strong>da</strong> Imprensa não encontrava ressonância, era uma ficção<br />

jornalística. O problema é que Lacer<strong>da</strong> logo seria auxiliado por Assis<br />

Chateaubriand, que lhe franquearia o acesso à TV Tupi, e por Roberto<br />

Marinho, que pôs a rádio Globo à sua disposição. No seu livro <strong>de</strong> memórias,<br />

por sinal, Lacer<strong>da</strong> afirma que, ao receber esse tipo <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>, sentiu-se<br />

invencível”.<br />

Wainer recebeu todo tipo <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> do governo fe<strong>de</strong>ral, o que permitia a<br />

ele até mesmo entrar sem bater na sala do presi<strong>de</strong>nte do Banco do Brasil, Ricardo<br />

Jafet, e sair com os bolsos cheios <strong>de</strong> dinheiro. Hoje, Mino Carta se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

acusações <strong>de</strong> que recebe dinheiro do governo. Há diversos paralelos que po<strong>de</strong>m se<br />

estabelecidos.<br />

Quais eram as principais missões d’A Última Hora? Pautar o restante <strong>da</strong><br />

mídia e estabelecer outra visão dos fatos. O silêncio sobre a ascensão <strong>de</strong> Vargas <strong>de</strong><br />

volta ao po<strong>de</strong>r era combatido com, por exemplo, uma coluna diária que<br />

acompanhava o dia-a-dia do presi<strong>de</strong>nte. Falando <strong>de</strong> fatos e versões, Dimenstein 2 (p.<br />

51) conta uma anedota política diverti<strong>da</strong> sobre o assunto. “Os políticos costumam<br />

repetir um velho ditado: ‘em política, o que vale é a versão e não os fatos’. A autoria<br />

1<br />

WAINER, Samuel. Minha razão <strong>de</strong> viver. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Record, 1988.<br />

2<br />

DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do po<strong>de</strong>r – Bastidores <strong>da</strong> Imprensa. São Paulo, Summus<br />

Editorial, 1990.


<strong>de</strong>sta frase é atribuí<strong>da</strong> a um dos principais lí<strong>de</strong>res políticos mineiros, já falecido,<br />

José Maria Alckmin. Comenta-se que, certa vez, ele teria se encontrado com o exministro<br />

<strong>da</strong> Educação <strong>de</strong> Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, que o acusou <strong>de</strong><br />

plágio: ‘Eu inventei a frase e todos dizem que é sua’ – reclamaria Capanema. Veio a<br />

resposta genial: ‘Você tinha mesmo razão. O importante é a versão e não os fatos”.<br />

Este paralelismo é interessante porque torna possível uma interpretação<br />

comparativa, histórica, ao tomar como ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> a perspectiva <strong>da</strong> reedição<br />

dos embates jornalístico-políticos entre Samuel Wainer e Carlos Lacer<strong>da</strong> durante o<br />

Getulismo.<br />

Esta pesquisa vai trabalhar a dimensão pragmática do jornalismo<br />

investigativo impresso <strong>de</strong> revista na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira. O objetivo <strong>de</strong> estudo são<br />

as narrativas estabeleci<strong>da</strong>s por Carta Capital e Veja acerca do escân<strong>da</strong>lo do<br />

mensalão nas matérias que tratam do assunto<br />

E por que esses dois veículos? O primeiro motivo se baseia no fato <strong>de</strong><br />

ambos serem revistas com periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> semanal. Assim, é necessário enten<strong>de</strong>r em<br />

que lugar se situa a diferenciação para os outros tipos <strong>de</strong> veículos (televisão, jornais<br />

impressos diários, internet etc.). Segundo Nascimento 3 (p. 18),<br />

<strong>de</strong>fine-se revista como uma publicação periódica <strong>de</strong> formato e temática<br />

varia<strong>da</strong>s que se difere do jornal pelo tratamento visual (melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

papel e <strong>de</strong> impressão, além <strong>de</strong> maior liber<strong>da</strong><strong>de</strong> na diagramação e utilização<br />

<strong>de</strong> cores) e pelo tratamento textual (sem o imediatismo imposto aos jornais<br />

diários, as revistas li<strong>da</strong>riam com os fatos já publicados pelos jornais diários<br />

ou já veiculados pela televisão <strong>de</strong> maneira mais analítica, fornecendo um<br />

maior número <strong>de</strong> informações sobre <strong>de</strong>terminado assunto.<br />

A partir <strong>da</strong>í, surge outro ponto importante para essa conceituação, o qual<br />

resi<strong>de</strong> na interferência <strong>da</strong> veiculação sobre a recepção e a conseqüente influência<br />

disso na produção <strong>da</strong> mesma. Como afirma Goulart 4 , “se a recepção mu<strong>da</strong>, também<br />

existem peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s na produção e emissão dos conteúdos: isso inclui a pauta,<br />

linguagem, apresentação visual, inclui todo o processo <strong>de</strong> circulação <strong>da</strong> informação<br />

até chegar ao <strong>de</strong>stinatário”.<br />

A partir disso, o processo produtivo <strong>de</strong>ve ser pensado como diferenciado<br />

não apenas no <strong>de</strong>adline mais flexível (em relação ao jornalismo diário, por exemplo)<br />

3 NASCIMENTO, Patrícia Ceolin. Jornalismo em revistas no Brasil – um estudo <strong>da</strong>s construções<br />

discursivas em veja e manchete. São Paulo, Anablume, 2002.<br />

4 GOULART, Alexan<strong>de</strong>r. Uma lupa sobre o jornalismo <strong>de</strong> revista. Disponível em:<br />

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=388DAC001 . Acesso em 20 nov. 2007.<br />

8


ou na circulação, mas na produção dos textos. O texto do jornalismo diário se<br />

aproxima mais do registro factual, sem muita margem para arrojos criativos,<br />

próximos ao literário, por exemplo. A escrita na revista, por outro lado, como elabora<br />

Goulart, tem características não tão rígi<strong>da</strong>s como as dos jornais diários, e po<strong>de</strong> ser<br />

mais “conotativa, opinativa, literária, sensacionalista”. Além disso, a produção<br />

obe<strong>de</strong>ceria a alguns critérios diferentes <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, como o interesse do<br />

público 5 , no qual resi<strong>de</strong> o principal foco: o leitor/assinante.<br />

O mercado editorial <strong>da</strong>s revistas é fortemente segmentado. Culinária,<br />

corte-e-costura, quadrinhos, business, sexo, armas, política, imprensa. A referência<br />

é o interesse do público, e não o interesse público. É como se as seções <strong>da</strong>s<br />

revistas fossem <strong>da</strong>ndo origem a outras revistas. Um exemplo é a revista People, que<br />

surgiu <strong>de</strong> uma seção <strong>da</strong> Time. De forma similar, a revista Mundo Estranho, <strong>da</strong><br />

editora Abril, parece uma seção infanto-juvenil <strong>da</strong> revista Superinteressante.<br />

Os ca<strong>de</strong>rnos semanais dos jornais diários, que tratam <strong>de</strong> assuntos como<br />

Informática, Turismo, Automobilismo, Infanto-Juvenil, <strong>de</strong>ntre outros, po<strong>de</strong>m ser<br />

caracterizados como “primos-pobres” <strong>da</strong>s revistas que tratam dos mesmos assuntos,<br />

já que tentam fazer uma segmentação sem os mesmos aparatos. Como foi dito<br />

acima, a diferença já começa pelo tratamento visual.<br />

De maneira festiva, o livro A Revista no Brasil 6 , publicado pela editora<br />

Abril, conta a história do surgimento <strong>da</strong>s primeiras revistas no país e to<strong>da</strong> a trajetória<br />

<strong>da</strong> segmentação <strong>de</strong>sse mercado editorial. Na introdução, há a afirmação <strong>de</strong> que “é<br />

difícil resistir ao espetáculo multicolorido <strong>de</strong> uma banca <strong>de</strong> revistas. E mais difícil<br />

ain<strong>da</strong> é imaginar que no Brasil to<strong>da</strong> essa festa <strong>de</strong> informação, cultura e<br />

entretenimento nasceu <strong>de</strong> tão pouco – <strong>de</strong> um maço mal enca<strong>de</strong>rnado <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong><br />

papel, trinta páginas monotonamente recobertas <strong>de</strong> textos, sem uma ilustração que<br />

fosse”.<br />

A segun<strong>da</strong> razão que baseia a escolha por Carta Capital e Veja é, antes o<br />

que as distancia do que aquilo que as faz semelhantes. Enquanto Carta Capital<br />

<strong>de</strong>clarou apoio formal à candi<strong>da</strong>tura <strong>de</strong> Lula em 2002 e 2006, atitu<strong>de</strong> quase extinta<br />

no jornalismo contemporâneo, Veja assume a posição diametralmente oposta no<br />

5 Analisado por outro ponto <strong>de</strong> vista, segundo MORAES (2007, p. 19), isso po<strong>de</strong> gerar um <strong>de</strong>svio do<br />

que seria interesse do público, visto que a imprensa, no intuito <strong>de</strong> conquistar corações e mentes,<br />

apresenta/confun<strong>de</strong> os interesses <strong>da</strong> própria empresa com os dos leitores, se apresentando como<br />

uma espécie <strong>de</strong> “porta-voz dos interesses e inquietações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>”<br />

6 CAMARGO, Susana (coord). A Revista no Brasil. SP: Abril, 2000.<br />

9


quesito parciali<strong>da</strong><strong>de</strong> e se coloca “a favor do Brasil”. Por seus posicionamentos<br />

claros, as duas se <strong>de</strong>stacam na cobertura <strong>de</strong> fatos e escân<strong>da</strong>los <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política<br />

brasileira 7 .<br />

Assim, ao se pensar a produção <strong>da</strong> reportagem investigativa no período<br />

do mensalão, e todo o contexto <strong>de</strong> interesses, é necessário enten<strong>de</strong>r as<br />

características <strong>de</strong> Veja e Carta Capital e, antes disso, enten<strong>de</strong>r quem é o fun<strong>da</strong>dor<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> revista.<br />

1.1. Carta Capital<br />

Mino Carta era filho <strong>de</strong> Gianinno Carta, que na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40 começou a<br />

trabalhar no jornal O Estado <strong>de</strong> Sâo Paulo. CONTI (p.366-68), <strong>de</strong>screve Carta como<br />

“diferente do jornalista brasileiro típico. Tinha apuro estético, vestia-se com<br />

elegância, falava com clareza e humor. Seu controle <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção era absoluto. Os<br />

jornalistas <strong>de</strong> quem ficava amigo confiavam nele cegamente. Era o mais velho e o<br />

mais culto.” Carta, atualmente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> esses seus editoriais semanais, que o<br />

posicionamento político dos veículos <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>clarado e público.<br />

Segundo ele, o pior que se faz para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira é posar <strong>de</strong> isento quando<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> interesses privados.<br />

Mino Carta conheceu Lula em janeiro <strong>de</strong> 1978 em São Bernardo, quando<br />

o primeiro era diretor <strong>de</strong> re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> revista Istoé e o segundo era presi<strong>de</strong>nte do<br />

Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> São Bernardo e Dia<strong>de</strong>ma. Ele <strong>de</strong>screve (2005, p.16)<br />

que “ao encontrar Lula, percebi a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> marcante. Pouco importante se<br />

cometia erros <strong>de</strong> sintaxe. Muito elevados, assim me pareceu, o QI, a rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong><br />

reflexos, o carisma”.<br />

Na “Carta ao povo brasileiro”, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2002, o então<br />

candi<strong>da</strong>to Lula “tranqüiliza” o - muitas vezes personificado como alguém tenso,<br />

nervoso, atento – mercado financeiro e anuncia que, se eleito, manterá o equilíbrio<br />

fiscal, controle <strong>da</strong> inflação e <strong>da</strong>s contas públicas, manutenção do superávit primário.<br />

7 O posicionamento político dos jornais remete aos tempos <strong>da</strong>s lutas pela Abolição <strong>da</strong> Escravatura e<br />

<strong>da</strong> Proclamação <strong>da</strong> República, quando a veiculação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais era a essência <strong>da</strong> publicação. SODRÉ<br />

(1966, p.380) lembra que, no início do século XX, auge <strong>da</strong> República Velha, “a linguagem <strong>da</strong><br />

imprensa política era violentíssima”. Os jornais eram como espelhos <strong>da</strong>s visões políticas “pequeno<br />

burguesas” dos proprietários. Eles <strong>de</strong>fendiam o regime, mas atacavam as pessoas públicas. Se<br />

houvesse a substituição <strong>de</strong>las, o regime político estaria a salvo. Por isso, os ataques se tornavam<br />

pessoais com fins políticos.<br />

10


Nessa mesma campanha, que levaria Lula à vitória, Mino Carta discordou <strong>da</strong><br />

presença <strong>de</strong> Du<strong>da</strong> Mendonça, mas não hesitou em escrever um editorial em outubro<br />

<strong>de</strong> 2002 com o título “Carta Capital escolhe Lula”. Des<strong>de</strong> então se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

acusações <strong>de</strong> que a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> para a revista aumentou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então e <strong>de</strong> que isso<br />

interferiria nas reportagens <strong>da</strong> revista.<br />

No editorial <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2005 (p. 22), Mino Carta critica,<br />

com ironia, referências históricas à Santa Inquisição e persuasão, o restante <strong>da</strong><br />

imprensa:<br />

Volta e meia, há quem recor<strong>de</strong> que Carta Capital apoiou a candi<strong>da</strong>tura <strong>de</strong><br />

Lula à Presidência <strong>da</strong> República em 2002, qual tivesse sido traição à prática<br />

do jornalismo, quando não pecado a ser punido com o inferno. Os<br />

torquema<strong>da</strong>s <strong>de</strong> plantão esquecem que a mídia nativa, praticamente em<br />

peso, apoiou Collor em 1989 e Fernando Henrique em 1994 e 98. (...) A<br />

diferença talvez esteja na escolha, insólita, <strong>de</strong> um candi<strong>da</strong>to <strong>da</strong> oposição, e<br />

tanto mais <strong>de</strong> origem pobre, na<strong>da</strong> além <strong>de</strong> metalúrgico. (...) A mídia ver<strong>de</strong>amarela<br />

serve ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre porque é rosto do próprio. (...)<br />

Gran<strong>de</strong>s órgãos <strong>de</strong> imprensa <strong>da</strong> Europa e <strong>da</strong> América do Norte,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes no sentido <strong>de</strong> não partidários, <strong>de</strong>finem sua preferência na<br />

hora dos embates eleitorais, e nem por isso negam sua vocação. Partidária<br />

em várias ocasiões, provou ser, e prova hoje, a mídia brasileira. Ela é do<br />

partido do po<strong>de</strong>r, <strong>da</strong> minoria afluente e influente. (...). Posturas políticas e<br />

i<strong>de</strong>ológicas po<strong>de</strong>m ser critica<strong>da</strong>s, mas ca<strong>da</strong> um tem direito às suas. Falo<br />

aqui é <strong>de</strong> quem man<strong>da</strong> às favas a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> profissão.<br />

Na edição do dia 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006 <strong>de</strong> Veja - que traz na capa uma foto<br />

<strong>de</strong> Lula <strong>de</strong> costas com uma marca <strong>de</strong> pé na bun<strong>da</strong> – o colunista Diogo Mainardi 8 ,<br />

<strong>de</strong>safeto e um dos principais críticos <strong>de</strong> Mino Carta, acusa a Carta Capital <strong>de</strong> ter<br />

quase 70% dos seus anúncios financiados por cofres públicos.<br />

No editorial <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2006, Mino Carta afirma que<br />

não há qualquer espera por compensações pelo apoio <strong>da</strong>do pela revista à<br />

candi<strong>da</strong>tura <strong>de</strong> Lula. Segundo ele, o que a revista gostaria é <strong>de</strong> isonomia na<br />

distribuição <strong>da</strong>s verbas <strong>de</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> 9 do governo fe<strong>de</strong>ral, já que quase não houve<br />

anúncio fe<strong>de</strong>ral na revista durante os oito anos <strong>de</strong> governo FHC. Durante o primeiro<br />

man<strong>da</strong>to <strong>de</strong> Lula, Mino Carta compara o faturamento <strong>da</strong> revista Carta Capital com a<br />

8 Em entrevista à Caros Amigos <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008, Luís Nassif caracteriza Diogo Mainardi como<br />

“inseguro, filho <strong>de</strong> um pai dominador, um rapazinho que <strong>de</strong> repente tem a sorte <strong>de</strong> ocupar um espaço.<br />

Daí ele começa a radicalizar e a veja dá esse espaço. Chegou uma hora que ele queria chocar tanto,<br />

que eu digo: aon<strong>de</strong> isso vai parar? Com a continuação, <strong>da</strong>qui a pouco vai ter acusação <strong>de</strong> pedofilia e<br />

tudo. Mas isso é armadilha do cão. Porque quando se começa a fornecer a catarse, a ca<strong>da</strong> edição o<br />

leitor quer mais, você não consegue acompanhar. A sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir escân<strong>da</strong>lo cresce<br />

aritmeticamente e a ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> do leitor geometricamente”.<br />

9 A questão <strong>da</strong>s primeiras preocupações com a influência <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> no amadurecimento <strong>da</strong><br />

imprensa norte-americana é trata<strong>da</strong> por SODRÉ (1966, p.4-6).<br />

11


Exame, publicação <strong>da</strong> editora Abril, que seria apenas <strong>de</strong> business e quinzenal -<br />

enquanto que a Carta Capital abor<strong>da</strong> política, economia e cultura e é semanal - e<br />

teria um maior número <strong>de</strong> anúncios fe<strong>de</strong>rais 10 .<br />

A revista parece pagar o preço <strong>de</strong> não caminhar <strong>de</strong> acordo com as<br />

“regras” do jornalismo comercial e <strong>de</strong> se aproximar do jornalismo historicamente<br />

i<strong>de</strong>ológico, e acaba por afastar <strong>de</strong> imediato o leitor que não compactua com as<br />

idéias promovi<strong>da</strong>s pela revista, A tiragem <strong>da</strong> revista, registra<strong>da</strong> na edição 373, <strong>de</strong><br />

21/12/2005, é <strong>de</strong> 65.160 exemplares em média no mês <strong>de</strong> setembro e 72.975 em<br />

média no mês <strong>de</strong> novembro. Um número distante <strong>da</strong> tiragem do outro objeto <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa, a revista Veja, que registra em suas páginas a tiragem <strong>de</strong><br />

aproxima<strong>da</strong>mente 1 milhão e 200 mil exemplares.<br />

1.2 Veja<br />

Antes, muito antes <strong>de</strong> escrever esses editoriais em Carta Capital, Mino<br />

Carta ocupava outro lugar não menos importante no jornalismo brasileiro. Ao lado <strong>de</strong><br />

Victor Civita, o jornalista foi um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>de</strong> Veja. Há exatos 40 anos, as duas<br />

cabeças que <strong>de</strong>ram origem a modos tão distintos <strong>de</strong> se fazer jornalismo sentavam<br />

na mesma re<strong>da</strong>ção para discutir, juntos, como colocar nas bancas uma revista<br />

semanal em tempos <strong>de</strong> AI-5, censura e inflação.<br />

O nova-iorquino Victor Civita era ju<strong>de</strong>u e filho <strong>de</strong> italianos, tendo chegado<br />

ao Brasil no pós-guerra com a esposa e os filhos Roberto e Richard. Em 1950<br />

publicou o primeiro número <strong>de</strong> O Pato Donald e um ano <strong>de</strong>pois inaugurou a primeira<br />

gráfica. Toledo 11 lhe atribui algumas falas:<br />

"Diziam-me que no Brasil as pessoas não liam", escreveu uma vez no Latin<br />

American Daily Post. "Talvez fosse ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas havia muito pouco para<br />

ler, e eu me disse: 'O potencial é tremendo'.", teria dito.<br />

Em 1968, Civita fundou Veja. Em 1976, a revista enfrentava graves<br />

problemas financeiros. O Grupo Abril tinha uma gran<strong>de</strong> dívi<strong>da</strong> no exterior e o<br />

10 Os <strong>da</strong>dos foram publicados na Folha <strong>de</strong> São Paulo do dia 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005. No ano <strong>de</strong> 2004,<br />

CartaCapital recebeu R$ 2,9 milhões, enquanto que a Exame recebeu R$ 5,7 milhões e a Veja<br />

R$16,2 milhões.<br />

11 TOLEDO, Roberto Pompeu <strong>de</strong>. Victor Civita: a história <strong>de</strong> um empreen<strong>de</strong>dor. Disponível em<br />

http://www.abril.com.br/br/conhecendo/conteudo_43901.shtml.<br />

12


governo fe<strong>de</strong>ral se recusava a emprestar dinheiro para uma revista cujo diretor <strong>de</strong><br />

re<strong>da</strong>ção, Mino Carta, falava <strong>da</strong>s mazelas <strong>da</strong> ditadura. O ambiente era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

pressão política e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 8 anos na casa, ele se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>u com Civita e pediu<br />

<strong>de</strong>missão.<br />

De acordo com o graduando em Jornalismo <strong>da</strong> ECA-USP e editor do<br />

Núcleo José Reis <strong>de</strong> Divulgação Científica, Ricardo Régener 12 ,<br />

o fato <strong>da</strong> publicação ser claramente <strong>de</strong> direita é o motivo secundário do<br />

repúdio ao seu discurso. Antes, o que gera mais controvérsias à revista é a<br />

maneira condicionante com a qual o discurso se organiza.<br />

Para Régerner, a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> Veja não é a sua clara postura <strong>de</strong><br />

direita e afirmar isso seria quase um cerceamento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e<br />

posicionamento. O fato é que o veículo toma para si uma posição <strong>de</strong> imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

partidária justifica<strong>da</strong> pelo patriotismo, como no trecho do editorial a seguir (VEJA,<br />

Carta ao leitor, 03/08/2005):<br />

Veja não é inimiga <strong>de</strong> certos partidos, nem amiga <strong>de</strong> outros. A revista<br />

é, simplesmente, a favor do Brasil. Contra os que lhe mal fazem, os<br />

que lhe roubam. A vista <strong>da</strong> nação.<br />

É lastrea<strong>da</strong> por este discurso que, em setembro <strong>de</strong> 2004, a revista Veja<br />

publica uma matéria sobre os R$10 milhões que o PT teria negociado com o PTB.<br />

No mesmo mês, o Jornal do Brasil publica uma notícia na qual Miro Teixeira, exministro<br />

<strong>da</strong>s Comunicações, <strong>de</strong>nuncia um esquema <strong>de</strong> propina no Congresso<br />

Nacional. Era o princípio <strong>de</strong> um escân<strong>da</strong>lo sobre o pagamento <strong>de</strong> propinas mensais<br />

a <strong>de</strong>putados que formavam a base alia<strong>da</strong> do governo petista.<br />

Alguns veículos reivindicam - ou lhes são atribuí<strong>da</strong>s - a pedra<br />

fun<strong>da</strong>mental do escân<strong>da</strong>lo do mensalão, que estourou em 2005. É o caso <strong>da</strong> Folha<br />

<strong>de</strong> São Paulo, a qual afirma que, ao publicar uma matéria no seu site com o título<br />

“Caso do ‘mensalão’ 13 teve início com a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Roberto Jefferson”.<br />

Em maio <strong>de</strong> 2005, Veja traz na capa o funcionário dos Correios, Maurício<br />

Marinho, recebendo propina. Por se tratar do primeiro momento em que o fenômeno<br />

surge <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um dos veículos escolhidos para a análise a ser realiza<strong>da</strong>, este será<br />

12 RÉGENER, Ricardo. Roman Jakobson e o Discurso <strong>da</strong> Revista Veja em Xeque. Disponível em<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:lID<strong>da</strong>cAtwy0J:www.eca.usp.br/nucleos/njr/espiral/<br />

papiro33b.htm+revista+veja+acad%C3%AAmico+linha+editorial&hl=pt-R&ct=clnk&cd=1&gl=br;<br />

13 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u70018.shtm.<br />

13


consi<strong>de</strong>rado o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> do presente trabalho. O ato corrupto <strong>de</strong> Maurício<br />

Marinho seria o início <strong>de</strong> algo muito maior que se esten<strong>de</strong>ria pelos próximos 13<br />

meses. Sobre aquela “pedra <strong>de</strong> roseta” (VEJA, 28/12/2005), seria construí<strong>da</strong> uma<br />

torre <strong>de</strong> Babel, mas, até que isso acontecesse ain<strong>da</strong> não se tratava <strong>de</strong> um<br />

escân<strong>da</strong>lo.<br />

1.3 Mensalão como escân<strong>da</strong>lo político<br />

Segundo Thompson 14 (p. 103-104), o escân<strong>da</strong>lo não tem seu início<br />

marcado no <strong>de</strong>lito em si, mas no momento-chave <strong>da</strong> exposição pública do<br />

acontecimento. Ou seja, o início do escân<strong>da</strong>lo se dá “com o ato <strong>da</strong> revelação e/ou<br />

com a alegação que torna a transgressão original objeto <strong>de</strong> conhecimento público”.<br />

Assim, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou não <strong>da</strong> informação <strong>de</strong> que Delúbio Soares,<br />

como tesoureiro do PT, utilizava dinheiro <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong> para abastecer o<br />

próprio partido e outros <strong>da</strong> base alia<strong>da</strong>, a corrupção existe mesmo que os nãoparticipantes<br />

<strong>de</strong>sconheçam sua existência.<br />

O escân<strong>da</strong>lo não funciona <strong>de</strong>ssa maneira. Thompson <strong>de</strong>fine o escân<strong>da</strong>lo<br />

como “sempre, até certo ponto, um caso ‘público”. A publicização <strong>da</strong> transgressão<br />

<strong>de</strong> valores morais se torna a essência do escân<strong>da</strong>lo midiático. Assim, o escân<strong>da</strong>lo<br />

se torna um importante objeto <strong>de</strong> estudo por diversos motivos, como a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> parlamentares envolvidos, o tempo e o espaço <strong>da</strong>do pelos veículos <strong>de</strong><br />

comunicação ao assunto, a quase que total paralisia dos trabalhos do Congresso, os<br />

intensos ataques <strong>da</strong> oposição 15 e as diferentes abor<strong>da</strong>gens do tema.<br />

O enredo do escân<strong>da</strong>lo é extremamente complexo. Envolve diversos<br />

parlamentares, empresas e governos <strong>de</strong> diferentes períodos e instâncias.<br />

Entretanto, po<strong>de</strong>r-se-ia falar “apenas” em crise, vocábulo utilizado largamente pela<br />

imprensa brasileira em relação ao escân<strong>da</strong>lo do mensalão, em vez <strong>de</strong> utilizar o<br />

14<br />

THOMPSON, John B.. O escân<strong>da</strong>lo político: po<strong>de</strong>r e visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na era <strong>da</strong> mídia. Petrópolis,<br />

Vozes, 2002.<br />

15<br />

“É constitucionalmente reconheci<strong>da</strong> à Oposição a função <strong>da</strong> limitação e do controle crítico do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>da</strong> maioria, controle e limitação que se exercem, no plano formal, mediante o exame <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> legislativa <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pela maioria, e, no plano essencial, mediante a <strong>de</strong>fesa dos<br />

direitos <strong>da</strong>s minorias dissi<strong>de</strong>ntes e a alternativa política <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. Dicionário <strong>de</strong> Política, pág. 848,<br />

VOL. 2 GIampaollo Zucchini. Em um sistema pluripartidário como o brasileiro, ela po<strong>de</strong> ser<br />

composta <strong>de</strong> partidos com as mais díspares plataformas políticas, como o antigo PFL – hoje<br />

chamado <strong>de</strong> Democratas - ou o esquerdista PSOL.<br />

14


termo escân<strong>da</strong>lo. A escolha por um termo em <strong>de</strong>trimento do outro tem suas razões<br />

<strong>de</strong> ser.<br />

Segundo Gianfranco Pasquino 16 (p. 303), uma crise po<strong>de</strong> ser<br />

caracteriza<strong>da</strong> como tal a partir <strong>de</strong> três fases. A primeira, que seria o momento<br />

prece<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> crise, algo como uma tempesta<strong>de</strong> anuncia<strong>da</strong>, um contexto político<br />

que ten<strong>de</strong>ria à crise. A segun<strong>da</strong> seria a crise em si. A terceira, que parece otimista<br />

<strong>de</strong>mais para a recente experiência <strong>de</strong>mocrática brasileira, <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> duas<br />

déca<strong>da</strong>s, seria a concepção <strong>de</strong> um elemento novo ao sistema, que não havia<br />

anteriormente. Algo como uma conscientização, como uma <strong>de</strong>fesa, como um<br />

pensamento <strong>de</strong> que “algo assim não ocorre mais”. Parece, pois, mais acertado, o<br />

conceito <strong>de</strong> escân<strong>da</strong>lo.<br />

Thompson estabelece cinco características que <strong>de</strong>finem um escân<strong>da</strong>lo. A<br />

primeira é que ação, acontecimento ou circunstância transgri<strong>de</strong> uma norma ou<br />

código moral. A segun<strong>da</strong> envolve a ocultação, a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fora os nãoparticipantes,<br />

que não estariam envolvidos na transgressão. A terceira é a<br />

<strong>de</strong>saprovação <strong>da</strong> transgressão moral por parte <strong>de</strong> alguns não-participantes. A quarta<br />

é tornar a terceira característica pública. A quinta e última é que a publicização <strong>da</strong><br />

transgressão <strong>de</strong>ve, em tese, trazer prejuízos aos indivíduos responsáveis.<br />

O caso do mensalão po<strong>de</strong> ser visto sob essa ótica sem muito esforço, se<br />

consi<strong>de</strong>rados os seguintes momentos 17 :<br />

1. Ação, acontecimento ou circunstância transgri<strong>de</strong> uma norma ou código<br />

moral – o PT paga o mensalão;<br />

2. Ocultação, a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fora os não-participantes – PT <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> pagar o mensalão;<br />

3. Desaprovação <strong>da</strong> transgressão moral por parte <strong>de</strong> alguns nãoparticipantes<br />

– Roberto Jefferson ameaça contar que o mensalão existe e <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

ser pago;<br />

4. Tornar a terceira característica pública – Roberto Jeferson <strong>de</strong>põe à<br />

Folha;<br />

16 BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., PASQUINO, G. (orgs.). Dicionário <strong>de</strong> Política. Brasília, UnB, 2000.<br />

17 A expressão “momentos” foi escolhi<strong>da</strong> em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “fatos” porque não cabe a esta pesquisa<br />

investigar valores, mas pontuar eventos que foram publicados.<br />

15


5. Publicização <strong>da</strong> transgressão <strong>de</strong>ve, em tese, trazer prejuízos aos<br />

indivíduos responsáveis – Instauração <strong>de</strong> CPI.<br />

A segun<strong>da</strong> razão que justifica a escolha do mensalão resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong><br />

que, além <strong>de</strong> ser um escân<strong>da</strong>lo político, este fenômeno consiste em uma narrativa.<br />

Tanto as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s jornalísticas quanto as publicitárias são feitas <strong>de</strong> forma narrativa<br />

porque as pessoas são, historicamente, consumidoras <strong>de</strong> narrativas. Des<strong>de</strong> sempre,<br />

ouvem e contam histórias e, como formas <strong>de</strong> produzi-las, é que surge a poética. Por<br />

isso, hoje, quando tem um espaço para aparecer, a política o faz <strong>de</strong> modo que<br />

estejam presentes os meios <strong>de</strong> comunicação capazes <strong>de</strong> torná-la palatável porque<br />

ela precisa estar sempre na esfera <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública 18 . As máquinas básicas <strong>de</strong><br />

acesso a essa esfera passam pelo consumo <strong>de</strong> entretenimento e, para a política,<br />

resta a<strong>da</strong>ptar-se a eles.<br />

Fatos no formato narrativo precisam passar pelos bloqueadores <strong>da</strong> esfera<br />

<strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública, para só então se tornarem notícias. Ciente disso, a política<br />

produz, se articula e se enquadra para contar uma história. Quanto mais dramático e<br />

conflituoso, mais irresistível é o escân<strong>da</strong>lo para os jornalistas.<br />

Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser este, novamente, o caso do mensalão. Antes <strong>de</strong> ser um<br />

escân<strong>da</strong>lo político (leitura que se faz sobre um fato), trata-se <strong>de</strong> um fenômeno (fato<br />

em si mesmo passível <strong>de</strong> observação) em que todos os elementos <strong>de</strong> uma<br />

representação, tais como personagens, expressões, pensamentos, texto e estrutura<br />

visual, se fazem presentes 19 .<br />

Para efeitos <strong>de</strong>ste trabalho, será consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> Brasília como cenário e<br />

como personagens principais Lula, Roberto Jefferson e a oposição. Essas escolhas<br />

se justificam na medi<strong>da</strong> em que:<br />

18 “Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> esfera política, a esfera <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública é a forma com que um agente<br />

político ou uma matéria <strong>da</strong> pauta política, por exemplo, po<strong>de</strong>m assegurar o reconhecimento público<br />

<strong>da</strong> sua existência.” (GOMES, 2004, p. 115).<br />

19 São cinco os elementos que compõem a representação ou imitação (mimeses), <strong>de</strong> acordo com<br />

Aristóteles (apud Maria Helena Serôdio in<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:6WhxusSt0nkJ:www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/D/drama.htm+5+<br />

elementos+narrativa+mimesis+Arist%C3%B3teles&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=10&gl=br): a fábula<br />

(mythos), os caracteres (ethos) e o pensamento (dianoia) como constituindo a sua matéria; a<br />

elocução (lexis) e o canto (melos) configurando o seu meio <strong>de</strong> imitação.<br />

16


1. A forma como Veja e Carta Capital conduziram o escân<strong>da</strong>lo foi <strong>de</strong><br />

fun<strong>da</strong>mental importância para compreen<strong>de</strong>r a sucessão presi<strong>de</strong>ncial em<br />

que Lula foi reeleito;<br />

2. Roberto Jefferson foi o fator que <strong>de</strong>u combustão à história, conforme<br />

<strong>de</strong>monstrado na i<strong>de</strong>ntificação dos momentos do escân<strong>da</strong>lo <strong>de</strong> acordo com<br />

os critérios adotados por Thompson;<br />

3. A postura <strong>da</strong> unifica<strong>da</strong> oposição diante dos fenômenos aju<strong>da</strong> a pintar um<br />

quadro dos valores envolvidos no escân<strong>da</strong>lo.<br />

Po<strong>de</strong>r-se-ia ter escolhido o PT ou os petistas enquanto personagem ou<br />

personagens. Contudo, trata-se <strong>de</strong> um bloco difuso que, ao longo dos<br />

acontecimentos foi se dissolvendo em indivíduos 20 . Além disso, é possível perceber<br />

a construção que as revistas fazem <strong>de</strong>sses indivíduos a partir <strong>da</strong>s representações<br />

feitas por elas no que se refere a relação entre o PT e os petistas e o presi<strong>de</strong>nte<br />

Lula, conforme se verá em segui<strong>da</strong>.<br />

A caracterização do mensalão enquanto narrativa po<strong>de</strong>ria ser feita <strong>de</strong><br />

várias formas. Entretanto, o fato em questão se esten<strong>de</strong>u por tanto tempo, teve e<br />

tem tantos <strong>de</strong>sdobramentos que apenas uma análise não esgotaria outros aspectos,<br />

oportunamente tratados pela reconstrução narrativa a qual será feita <strong>de</strong> acordo com<br />

os critérios estabelecidos por Propp 21 no capítulo 3.1. Por ora, basta compreen<strong>de</strong>r o<br />

mensalão enquanto representação.<br />

O escân<strong>da</strong>lo político se constrói <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> política midiática, a qual “se<br />

realiza na cena pública política ou a ela se <strong>de</strong>stina” (GOMES, 2004, p. 141). A<br />

política midiática, ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> acordo com Gomes, é um sistema em que os interesses<br />

se articulam sistematicamente fora <strong>de</strong> cena para funcionar, então, como condição <strong>de</strong><br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> prática política em cena e para a cena. Nesse sistema convergem<br />

relações entre o mundo político, o universo <strong>da</strong> comunicação e o domínio dos<br />

negócios privados. Conseqüentemente, nesse locus convergem também os<br />

respectivos interesses, moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> trocas e sujeitos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses domínios.<br />

20 A capa <strong>de</strong> Veja em 25/05/2005 trata os petistas como Corruptos, mas a partir <strong>da</strong>í vai<br />

<strong>de</strong>smoronando o castelo <strong>de</strong> cartas (15/06/2005): surgem indivíduos como Delúbio Soares, Sílvio<br />

Pereira, caracterizados isola<strong>da</strong>mente por seus atos, sequência que culmina com a que<strong>da</strong> <strong>de</strong> José<br />

Dirceu.<br />

21 PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Forense Universitária, 2006.<br />

17


Observa<strong>da</strong> essa perspectiva, um escân<strong>da</strong>lo, enquanto narrativa, é uma<br />

construção coletiva em que não só políticos e jornalistas, mas também articuladores,<br />

mobilizadores, tesoureiros, intelectuais, oradores, assessores e marqueteiros<br />

colaboram com o <strong>de</strong>senvolvimento do enredo. Assim, a política que aparece em<br />

cena é resultado dos interesses fora <strong>de</strong> cena.<br />

O espaço, por excelência, em que um fato po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver com<br />

tamanha varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> discursos e personagens e por um período mais longo é<br />

aquele em que ambos têm direito a um lugar <strong>de</strong> fala maior porque interessa aos três<br />

domínios que eles falem. Nesse espaço, <strong>de</strong>clarações e <strong>de</strong>poimentos têm um peso<br />

equivalente àquele dos inquéritos policiais porque, semelhante ao que acontece<br />

nesses procedimentos, trabalha-se com a noção <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> construir ou<br />

arruinar reputações e imagens. Como se prolonga por um tempo consi<strong>de</strong>rável, para<br />

se <strong>de</strong>senvolver, o escân<strong>da</strong>lo exige um local em que a regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> garanta não só<br />

sua permanência na esfera <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública, mas em que seja sua meia-vi<strong>da</strong><br />

tenha potencial para durar mais. Ou seja, é preciso que o escân<strong>da</strong>lo esteja em voga<br />

pelo maior período possível sem, contudo, que a periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> diária canse o leitor e<br />

estando assegura<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> eventuais flashbacks, opiniões e entrevistas,<br />

recursos que, isolados, exigem um espaço exclusivo, mas que permitem tratar várias<br />

vezes do assunto em uma mesma edição. Este espaço é, pois, o jornalismo<br />

investigativo impresso <strong>de</strong> revista.<br />

18


Contexto social e o campo jornalístico<br />

19<br />

Capítulo 2<br />

Ao se perguntar sobre qual é o papel social <strong>de</strong>sempenhado pela<br />

dimensão pragmática do jornalismo investigativo impresso <strong>de</strong> revista na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

brasileira, é preciso primeiro enten<strong>de</strong>r sobre que esfera social se está falando. Um<br />

enfoque no contexto brasileiro visa selecionar apenas os elementos que parecem<br />

essenciais para o entendimento do problema.<br />

2.1. Contexto Histórico<br />

A proposta <strong>de</strong> emen<strong>da</strong> constitucional Dante <strong>de</strong> Oliveira, que modificaria o<br />

processo eleitoral para presidência <strong>da</strong> República <strong>de</strong> voto indireto (eleição por um<br />

colégio eleitoral no Congresso) para voto direto (o próprio ci<strong>da</strong>dão-eleitor vota em<br />

seu candi<strong>da</strong>to), foi <strong>de</strong>rrota<strong>da</strong> no dia 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1984. Coinci<strong>de</strong>ntemente, o<br />

mesmo ano previsto por George Orwell, quando a memória pública estaria sob<br />

perigo graças a um ministério do Big Brother que frau<strong>da</strong>va informações, fazia<br />

esquecer acontecimentos, apagava pessoas <strong>de</strong> fotos, inventava guerras.<br />

Nesse mesmo ano, a Re<strong>de</strong> Globo, <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Roberto Marinho,<br />

empresário ligado ao regime militar, tentou ignorar um acontecimento, tentou “trocar<br />

a legen<strong>da</strong> <strong>da</strong> foto”. A proposta Dante <strong>de</strong> Oliveira havia <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado o movimento<br />

<strong>da</strong>s Diretas Já, que levava a população às ruas para protestar e chegou a reuniu<br />

mais <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> pessoas no Vale do Anhangabaú, no centro <strong>de</strong> São Paulo. A<br />

emissora <strong>de</strong> televisão tentou ignorar as passeatas, chegou até a dizer que uma<br />

<strong>de</strong>les era para comemorar o aniversário <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. A emen<strong>da</strong> foi<br />

<strong>de</strong>rrota<strong>da</strong>, quando faltaram apenas 22 votos para a aprovação, mas a participação<br />

popular e o papel <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo ficariam marcados na história do país, conforme<br />

relata Superinteressante (Edição 214, junho <strong>de</strong> 2005, p. 53):<br />

Mesmo após 1976, com o fim <strong>da</strong> censura prévia, o noticiário <strong>da</strong> Globo<br />

continuou sem farpas contra os militares. “Quando o país começou a se<br />

<strong>de</strong>mocratizar, a resistência <strong>da</strong> Globo ás mu<strong>da</strong>nças ficou clara”, diz Valério<br />

Brittos, professor <strong>da</strong> pós-graduação em ciências <strong>da</strong> comunicação <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Foi assim<br />

durante as greves do ABC, entre 1978 e 1980, que mal foram menciona<strong>da</strong>s


pela emissora, e na campanha pelas eleições diretas em 1984. Esse<br />

comportamento fez surgir nos muros e passeatas o lema “O povo não é<br />

bobo, abaixo a Re<strong>de</strong> Globo”<br />

A eleição para Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República permaneceria indireta até maio <strong>de</strong><br />

1985, quando Tancredo Neves, o primeiro civil em 21 anos, foi eleito para ocupar o<br />

cargo.<br />

As trajetórias <strong>da</strong> imprensa e <strong>da</strong> política no pós-re<strong>de</strong>mocratização<br />

estiveram muito próximas. O inimigo <strong>da</strong> censura e <strong>da</strong> perseguição política não<br />

existia mais para o jornalismo, que passou a fiscalizar as esferas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em busca<br />

do accountability 22 , ou seja, entre outras coisas, <strong>da</strong> transparência e prestação <strong>de</strong><br />

contas à esfera civil.<br />

Quase um ano <strong>de</strong>pois, o editorial <strong>da</strong> Folha <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>screve o dia<br />

16 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1985 como o fim <strong>de</strong> um ciclo na vi<strong>da</strong> política brasileira. A vitória<br />

eleitoral para a Presidência <strong>da</strong> República do mineiro Tancredo Neves, candi<strong>da</strong>to do<br />

MDB, contra o paulista Paulo Salim Maluf, candi<strong>da</strong>to <strong>da</strong> Arena, “<strong>de</strong>satou a primeira<br />

festa política que se realiza simultaneamente em todo o País, do plenário do<br />

Congresso Nacional às ruas <strong>de</strong> Brasília e <strong>de</strong> Norte a Sul do Brasil - espetáculo só<br />

visto antes em Copas do Mundo.” (1985, p.2). A comemoração marcava o retorno do<br />

país à <strong>de</strong>mocracia 23 como forma <strong>de</strong> governo.<br />

O mesmo Tancredo acabaria por falecer, aos 75 anos, um pouco mais <strong>de</strong><br />

três meses <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> eleição histórica e 38 dias após ser internado no Hospital <strong>de</strong><br />

Base <strong>de</strong> Brasília. A classe política brasileiro tratou <strong>de</strong> assegurar que o processo <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>mocratização não sofresse nenhum retrocesso e apoiou em peso a posse <strong>de</strong><br />

José Sarney, vice na chapa <strong>de</strong> Tancredo, que governou pelos próximos cinco anos e<br />

22 A accountability é, para Frie<strong>de</strong>rich Mosher, sinônimo <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva ou obrigação <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r por algo. No artigo “Accountability: quando po<strong>de</strong>remos traduzi-la para o português?”, Anna<br />

Maria Campos <strong>de</strong>siste <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> tradução do termo. Para a doutora em Administração Pública,<br />

trata=se <strong>de</strong> um conceito-chave no estudo <strong>de</strong> administração e na prática <strong>de</strong> serviço público e a<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tradução consiste no fato <strong>de</strong> que o que falta é o próprio conceito. Trata-se <strong>de</strong> uma<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> subjetiva, pois é uma “responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa ou organização perante<br />

uma outra pessoa, fora <strong>de</strong> si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho”.<br />

(CAMPOS, p. 5)<br />

23 No que consiste essa tão espera<strong>da</strong> <strong>de</strong>mocracia? Para efeitos teóricos, será tomado como<br />

referência o Dicionário <strong>de</strong> Política escrito por Noberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco<br />

Pasquino. Segundo o verbete “<strong>de</strong>mocracia” escrito por Bobbio (2000, p.327), “as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong><br />

Democracia aten<strong>de</strong>m a resolver-se e a esgotar-se num elenco mais ou menos amplo (...) <strong>de</strong> regra <strong>de</strong><br />

jogo, ou, como também se diz, <strong>de</strong> 'procedimentos universais'.”. Bobbio trata <strong>de</strong> nove elementos que<br />

<strong>de</strong>finiriam o “significado formal <strong>da</strong> <strong>de</strong>mocracia”, entre eles a universali<strong>da</strong><strong>de</strong> do voto para os ci<strong>da</strong>dãos<br />

que atingiram a maiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha no voto e o respeito à minoria.<br />

20


teve seu man<strong>da</strong>to marcado pelos sucessivos planos econômicos, e seus respectivos<br />

fracassos, hiperinflação, gatilho salarial, ágio, corrupção e congelamento <strong>de</strong> preços.<br />

No ano <strong>de</strong> 1985, a população economicamente ativa era <strong>de</strong> 37.347.660 e<br />

quase 68% <strong>da</strong> população vivia no meio urbano. A imprensa investigava, visto as<br />

<strong>de</strong>núncias veiculas na Folha <strong>de</strong> São Paulo em 1987, <strong>de</strong> falcatruas no processo <strong>de</strong><br />

licitação (na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong>le) <strong>da</strong> ferrovia Norte-Sul (DIMENSTEIN, 1990,<br />

p.131), mas atuava ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma tími<strong>da</strong> (uma conseqüência do longo período<br />

distante do campo político).<br />

Mas que mu<strong>da</strong>nças o futuro reservava ao Brasil? O próximo presi<strong>de</strong>nte, o<br />

alagoano Fernando Collor <strong>de</strong> Melo, conhecido como “caçador <strong>de</strong> marajás”, ganhou<br />

do lí<strong>de</strong>r sindical Luís Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, candi<strong>da</strong>to do PT (partido que reunia<br />

trabalhadores e intelectuais <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, como Florestan Fernan<strong>de</strong>s). A disputa<br />

eleitoral foi venci<strong>da</strong> no segundo turno por uma pequena margem <strong>de</strong> votos. A Re<strong>de</strong><br />

Globo marcou presença novamente na famosa edição televisiva do último <strong>de</strong>bate na<br />

emissora, no qual apenas os melhores momentos <strong>de</strong> Collor e os piores <strong>de</strong> Lula<br />

foram preservados.<br />

De acordo com Cremil<strong>da</strong> Medina 24 (p. 31), durante o governo <strong>de</strong> Collor,<br />

Ao <strong>de</strong>saparecer a alta tensão do regime autoritário, inimigo comum a todos<br />

os tribunos liberais, o jornalismo afrouxou a pauta investigativa, se encantou<br />

pela mo<strong>de</strong>rnização dos equipamentos e só retomou o ímpeto <strong>de</strong> Quarto<br />

Po<strong>de</strong>r quando o povo foi às ruas nas manifestações anti-Collor.<br />

Após o governo Collor, que sofreu um processo <strong>de</strong> impeachment, e a<br />

posse do vice Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso assume o po<strong>de</strong>r. O<br />

candi<strong>da</strong>to do PSDB foi eleito graças, entre outros fatores, à forte vinculação entre<br />

sua candi<strong>da</strong>tura e o Plano Real, que fora concebido durante o período em que o<br />

mesmo era ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> do ex-presi<strong>de</strong>nte Itamar Franco. O plano econômico<br />

conseguiu, finalmente, estabilizar a economia brasileira.<br />

Em 2002, após disputar sua quinta eleição, o ex-metalúrgico, exsindicalista<br />

e fun<strong>da</strong>dor do Partido dos Trabalhadores Luís Inácio Lula <strong>da</strong> Silva é<br />

eleito presi<strong>de</strong>nte do Brasil.<br />

De início, foi lançado o programa Fome Zero, principal plataforma durante<br />

a campanha eleitoral, em que o então candi<strong>da</strong>to pregava a eliminação <strong>da</strong> fome no<br />

24<br />

MEDINA, Cremil<strong>da</strong>. Noticia, um produto à ven<strong>da</strong>: jornalismo na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> urbana e industrial,<br />

São Paulo: Summus, 1988.<br />

21


país. Durante seu primeiro man<strong>da</strong>to, a política econômica seguiu os mesmos<br />

caminhos do governo anterior, com Antônio Palocci como Ministro <strong>da</strong> Economia e<br />

Henrique Meirelles como Presi<strong>de</strong>nte do Banco Central.<br />

Em 2003, aprovou-se parcialmente no Congresso Nacional a reforma <strong>da</strong><br />

previdência social, o que levou vários setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> a protestarem contra<br />

uma possível per<strong>da</strong> <strong>de</strong> benefícios e direitos adquiridos. No ano seguinte, foi<br />

aprova<strong>da</strong> outra reforma importante: a Emen<strong>da</strong> Constitucional 45, <strong>de</strong> 2004, mais<br />

conheci<strong>da</strong> como a Reforma do Judiciário. Com isso, foi incluído o princípio <strong>da</strong><br />

celeri<strong>da</strong><strong>de</strong> processual como direito fun<strong>da</strong>mental (art. 5º, LXXVIII); foi criado o<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça (art. 103-B), órgão <strong>de</strong> controle administrativo,<br />

financeiro e disciplinar <strong>de</strong> todo o Judiciário do país e foram publica<strong>da</strong>s outras<br />

normas que objetivam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um processo judicial mais célere até a moralização e a<br />

transparência do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Entretanto, apesar <strong>de</strong> prometi<strong>da</strong>s, as reformas<br />

trabalhista, tributária, fiscal e política não saíram do papel.<br />

Em 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2004, foi publicado o Decreto Nº 5.209: estava<br />

lançado oficialmente o Bolsa Família. A finali<strong>da</strong><strong>de</strong> do programa era a transferência<br />

direta <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, do governo, para famílias pobres (ren<strong>da</strong> mensal por pessoa entre<br />

R$60,01 e R$120,00) e em extrema miséria (ren<strong>da</strong> mensal por pessoa <strong>de</strong> até R$<br />

60,00). Também como iniciativa do governo fe<strong>de</strong>ral, o PROUNI (Programa<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> para Todos) é criado com o objetivo <strong>de</strong> possibilitar o acesso <strong>de</strong><br />

milhares <strong>de</strong> jovens à educação e estimular o processo <strong>de</strong> inclusão social.<br />

As políticas compensatórias e ações compensatórias 25 tornam o governo<br />

Lula uma administração com altos índices <strong>de</strong> populari<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que só viria a ser<br />

posto à prova a partir do terceiro ano <strong>de</strong> seu man<strong>da</strong>to, mas especificamente em<br />

maio <strong>de</strong> 2005, quando explodiu o escân<strong>da</strong>lo do mensalão.<br />

2.1.1 Campo Jornalístico<br />

Segundo Wainer, em sua autobiografia, o Brasil, por não ter em sua<br />

história política a formação <strong>de</strong> partidos fortes, carece <strong>de</strong> um jornalismo como o dos<br />

EUA ou <strong>da</strong> Inglaterra, por exemplo, no qual o leitor sabe qual o ponto <strong>de</strong> vista e o<br />

25 Políticas compensatórias têm um cunho econômico porque são tentativas <strong>de</strong> diminuir<br />

<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a exemplo do já citado Bolsa Família. Ações compensatórias são tentativas <strong>de</strong> regular<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s posições sociais e, portanto, têm um cunho social, político, i<strong>de</strong>ológico, como é caso do<br />

PROUNI.<br />

22


alinhamento político <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> veículo <strong>de</strong> comunicação. Um exemplo que ele cita é a<br />

aproximação entre o New York Times e o partido Democrata 26 .<br />

O jornalismo 27 não será tratado como um objeto à parte do contexto<br />

social, mas sim como parte integrante e com a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>, nos conflitos <strong>de</strong><br />

forças <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, transformar e ser transformado, ou mesmo conservar,<br />

tal como um campo 28 num contexto social. Tendo, portanto, o contexto brasileiro<br />

como locus, é necessário pontuar que a “notícia é um negócio” (KOVACH;<br />

ROSENSTIEL, 2004, p.31-34). O mais importante, porém, não é o caráter<br />

econômico fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> notícia, mas a não-exclusão contextualiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> valores e<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais do jornalismo para com o ci<strong>da</strong>dão.<br />

Existe a idéia <strong>de</strong> que o campo jornalístico tem como capital (meio)<br />

principal a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e como fim (no sentido <strong>de</strong> finali<strong>da</strong><strong>de</strong>) fun<strong>da</strong>mental o lucro ou<br />

a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica, como Bucci 29 (2006, p.65) sustenta, quando afirma que<br />

não é a publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> a principal fonte <strong>de</strong> sustento do jornalismo.<br />

Isso precisa ser pon<strong>de</strong>rado porque essa visão liberal 30 po<strong>de</strong> se tornar uma armadilha<br />

num país com alta concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r midiático 31 na mão <strong>de</strong> tão poucos grupos<br />

econômicos e políticos.<br />

De acordo com Gomes (2004, p. 172), a partir do momento em que as<br />

instituições que produzem comunicação <strong>de</strong> massa passam ter o mesmo<br />

funcionamento <strong>de</strong> uma empresa, obe<strong>de</strong>cendo, portanto, à lógica do mercado, elas<br />

<strong>de</strong>scobrem que po<strong>de</strong>m produzir capital econômico, e não apenas capital político.<br />

26<br />

“Segundo Wainer, em sua autobiografia, o Brasil, por não ter em sua história política a formação <strong>de</strong><br />

partidos fortes, carece <strong>de</strong> um jornalismo como o dos EUA ou <strong>da</strong> Inglaterra, por exemplo, no qual o<br />

leitor sabe qual o ponto <strong>de</strong> vista e o alinhamento político <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> veículo <strong>de</strong> comunicação. Um<br />

exemplo que ele cita é a aproximação entre o The New York Times e o partido Democrata”.<br />

27<br />

KOVACH, B. ; ROSENSTIEL, T. Os elementos do jornalismo. São Paulo: Geração Editorial,<br />

2004.<br />

28<br />

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar, 1997.<br />

29<br />

BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo, Cia <strong>da</strong>s Letras, 2000.<br />

30<br />

O Liberalismo para Nicola Matteucci (2000, p.704-705) seria fiel à sua vocação antiutilitarista,<br />

segundo a qual não se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>struir o espírito livre do homem para alimentar o corpo, fiel à sua velha<br />

aversão aristocrática por tudo o que vem do ato, po<strong>de</strong> optar pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil, <strong>de</strong> modo que a<br />

resposta aos problemas <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> segurança social seja <strong>da</strong><strong>da</strong> ao nível <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil, e não<br />

ao nível institucional-estatal, mediante subsistemas autônomos do sistema político, mediante<br />

iniciativas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e convergentes, realiza<strong>da</strong>s por forças sociais espontâneas, e não<br />

mediantes ações burocrático-administrativas. [...] [Uma <strong>da</strong>s características do Liberalismo é] a<br />

afirmação sempre renova<strong>da</strong> <strong>da</strong> primazia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil, buscando formas novas para que esta<br />

primazia possa se exprimir, <strong>de</strong>ixando com o Estado apenas a tarefa <strong>de</strong> garantir para todos a lei<br />

comum, bem como a função <strong>de</strong> órgão equilibrador e incentivador <strong>de</strong> iniciativas autônomas <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil.<br />

31 LIMA, V. Mídia – Crise política e po<strong>de</strong>r no Brasil. São Paulo, Perseu Abramo, p. 112-18<br />

23


os campos sociais são sistemas imanentes <strong>de</strong> tensões voltados para a<br />

produção <strong>de</strong> prestígio e para a distribuição <strong>de</strong> reconhecimentos ou<br />

punições, on<strong>de</strong> se geram, sempre em tensão permanente, os princípios<br />

estruturadores <strong>de</strong> um setor social, as suas escalas <strong>de</strong> valores, as <strong>de</strong>finições<br />

fun<strong>da</strong>mentais que orientam as suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e operações e os padrões <strong>de</strong><br />

comportamento e ação (GOMES, 2004, p. 173)<br />

Este conceito <strong>de</strong> campo adotado por Gomes tem origem em Bourdieu, o<br />

qual também é adotado por Ferreira 32 (p. 249):<br />

O efeito do campo jornalístico se reproduz em outros campos, porque ele<br />

também pertence ao campo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, como ele po<strong>de</strong> também ser marcado<br />

pela lógica <strong>de</strong> outros campos, que ocupam este espaço <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (dos quais<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar o campo econômico).<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> acordo com Gomes (2004, p. 174) <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa perspectiva,<br />

são três os aspectos que formam um padrão social contemporâneo nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticas: (a) a afirmação <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> opinião e expressão,<br />

(b) formação <strong>de</strong> indústrias <strong>da</strong> comunicação e <strong>da</strong> cultura e (c) o estabelecimento <strong>de</strong><br />

campos sociais internos aos ambientes <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ssas indústrias.<br />

Por ser uma generalização – em vez <strong>de</strong> uma universalização – esse<br />

quadro admite exceções, sendo louvável <strong>de</strong>stacar um fenômeno em especial, em se<br />

tratando do contexto brasileiro: o controle político <strong>da</strong> comunicação. Caracterizado<br />

pela ausência dos três aspectos supracitados, o controle político <strong>da</strong> comunicação<br />

difere bastante do controle público <strong>da</strong> comunicação. O primeiro diz respeito a uma<br />

força política (partidária, empresarial ou governista), ao passo em que o segundo<br />

consiste em uma tentativa, por parte do Estado, <strong>de</strong> disciplinar a posse e os<br />

conteúdos <strong>da</strong> comunicação <strong>de</strong> massa.<br />

Em um país com tão recente experiência <strong>de</strong>mocrática como o Brasil, notase<br />

que o controle político <strong>da</strong> comunicação se faz mais presente que o controle<br />

público <strong>da</strong> comunicação. Nesse contexto, a visão <strong>de</strong> um jornalismo capaz <strong>de</strong> se<br />

auto-regular po<strong>de</strong> parecer ingênua à primeira vista, romântica até, mas o que talvez<br />

a inviabilize seja, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a falta <strong>de</strong> condições reais para que ela seja coloca<strong>da</strong><br />

em prática, sem qualquer interferência do Estado, tanto no ponto <strong>de</strong> vista do controle<br />

<strong>de</strong> conteúdo quanto nas aju<strong>da</strong>s financeiras e favorecimentos legais. Como essa<br />

32<br />

FERREIRA, Giovandro Marcus. Apontamentos sobre as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do campo <strong>de</strong> produção<br />

jornalístico, Pauta Geral, 4, 2002.<br />

24


discussão só po<strong>de</strong> acontecer no âmbito <strong>da</strong> suposição, é preciso buscar um<br />

contraponto para essa visão.<br />

É possível afirmar que o mercado ten<strong>de</strong> à concentração e<br />

homogeneização, graças às fórmulas que garantem audiência e ao interesse<br />

econômico e político dos proprietários dos meios. Assim, a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia brasileira seria estrangula<strong>da</strong> pela disseminação em massa dos mesmos<br />

pontos <strong>de</strong> vista e posições políticas.<br />

A base <strong>de</strong> uma alternativa viável para o autor seria uma fórmula <strong>de</strong><br />

Thompson que trata <strong>de</strong> “um ‘pluralismo regulado’, significando que ‘um referencial<br />

institucional <strong>de</strong>veria ser criado e satisfazer – e, ao mesmo tempo, garantir – a<br />

existência <strong>de</strong> uma plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> mídia in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes nas diferentes<br />

esferas <strong>da</strong> comunicação <strong>de</strong> massa’”.<br />

Os argumentos <strong>de</strong> livre concorrência e <strong>de</strong> pouca interferência do Estado<br />

seriam, portanto, tentativas <strong>de</strong> manter a hegemonia, já que excluem alternativas no<br />

jogo político e <strong>de</strong> visões <strong>de</strong> mundo. A homogeneização não permanece apenas no<br />

plano, diriam os críticos <strong>de</strong>ssa visão, <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> conspiração, mas na prática<br />

econômica. Exemplos práticos po<strong>de</strong>m ser vistos na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> do grupo Folha <strong>da</strong><br />

Manhã, que publica o jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, com a editora Abril no portal <strong>de</strong><br />

internet Universo Online (UOL). A mesma Folha <strong>da</strong> Manhã é sócia <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Globo<br />

no jornal Valor Econômico. A Re<strong>de</strong> Globo, por sua vez e através <strong>de</strong> seu veículo<br />

impresso diário, o jornal O Globo, é sócia do Grupo Estado, que publica o jornal O<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo, no portal <strong>de</strong> classificados Zap.<br />

Assim, a relação entre o capital e o fim do campo jornalístico seria simples<br />

e i<strong>de</strong>al, tendo em vista os valores <strong>de</strong>mocráticos e o interesse público, se estivesse<br />

<strong>de</strong>sloca<strong>da</strong> do contexto social. Ao contextualizar com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira<br />

contemporânea, é possível ver por outro lado que o mercado <strong>de</strong>svirtua valores<br />

jornalísticos e critérios <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> 33 , cria dilemas (o interesse público e a<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> social ou o interesse <strong>da</strong> empresa e o lucro?) e faz exigências que<br />

modificam o campo <strong>de</strong> tal forma que a própria afirmação <strong>de</strong> que o mercado regula a<br />

33 Nelson Werneck Sodré reconta uma diverti<strong>da</strong> e pouco rigorosa receita do que merece se tornar<br />

notícia: “Se alguém morreu, fugiu, casou, divorciou-se, partiu <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>u um <strong>de</strong>sfalque, foi vítima<br />

<strong>de</strong> um incêndio, teve uma criança, quebrou uma perna, <strong>de</strong>u uma festa, ven<strong>de</strong>u uma fazen<strong>da</strong>, <strong>de</strong>u à<br />

luz gêmeos, teve reumatismo, ficou rico, foi preso, veio à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, comprou uma casa, roubou uma<br />

vaca, roubou a mulher do vizinho, suicidou-se, caiu <strong>de</strong> um aeroplano, comprou um automóvel, fugiu<br />

com um belo homem – isso é notícia. E, então, telefone para a re<strong>da</strong>ção”. (1966, p. 453).<br />

25


ética parece insensata. É neste espaço que se <strong>de</strong>staca o Jornalismo Investigativo<br />

enquanto prática.<br />

2.1.1.1 Jornalismo Político-Investigativo<br />

Ao estabelecer que “falar em jornalismo é falar em vigilância do po<strong>de</strong>r e,<br />

ao mesmo tempo, prestação <strong>de</strong> informações relevantes para o público, segundo os<br />

direitos e as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do público 34 ” (p.18), o jornalismo impresso tem,<br />

diferentemente dos outros segmentos do jornalismo, por diversas questões (espaço,<br />

diagramação, tradição, tempo, preservação do publicado etc.), a mais favorável<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer o que há <strong>de</strong> mais essencial no papel do jornalista e somar a<br />

isso a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ética e as conseqüências financeiras cita<strong>da</strong>s anteriormente.<br />

A esse exercício se dá o nome <strong>de</strong> jornalismo investigativo.<br />

Alguns autores acham essa <strong>de</strong>finição redun<strong>da</strong>nte, perniciosa, elitista, mas<br />

ela se faz essencial porque aten<strong>de</strong> à uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>: diferenciar as práticas do<br />

jornalismo investigativo <strong>da</strong>quelas empreendi<strong>da</strong>s pela ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> diária basea<strong>da</strong> no<br />

factual.<br />

Noblat 35 (p. 80) acredita que sem investigação não há jornalismo e que<br />

todo jornalismo pressupõe uma investigação. Entretanto, essa perspectiva se abre<br />

para outra reflexão: afinal, o que se publica a partir <strong>de</strong> um material produzido por<br />

uma fonte que não partilha dos mesmos valores <strong>de</strong>ontológicos 36 do jornalista po<strong>de</strong><br />

ser consi<strong>de</strong>rado notícia? A busca por essas respostas não cabem a esta pesquisa,<br />

mas a provocação é fun<strong>da</strong>mental para o início <strong>da</strong> construção do conceito <strong>de</strong><br />

jornalismo investigativo com a diferenciação que Lobato (p.8) realiza ao tratar <strong>da</strong><br />

investigação jornalística a partir <strong>de</strong> sua<br />

visão pragmática <strong>de</strong> repórter, o que diferencia a apuração rotineira <strong>da</strong><br />

investigação jornalística é o fato <strong>de</strong> que a segun<strong>da</strong> pressupõe, <strong>de</strong> além <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> esforço <strong>de</strong> apuração, o furo <strong>de</strong> reportagem e a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> fatos<br />

<strong>de</strong> interesse público que estavam ocultos. Não há nessa diferenciação<br />

nenhum juízo <strong>de</strong> valor quanto à quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do trabalho jornalístico. Existem<br />

reportagens com apurações brilhantes que não são investigativas. [...] O<br />

que o distingue é a obsessão em <strong>de</strong>scobrir o que os outros não estão<br />

34 ALCÂNTARA, N. A imprensa na berlin<strong>da</strong>, São Paulo: Celebris, 2005, p. 183. Depoimento <strong>de</strong><br />

Fernando Mitre sobre a diferenciação entre o “interesse público” e o “mero interesse popular”.<br />

35 NOBLAT, Ricardo. A arte <strong>de</strong> fazer um jornal diário. Contexto, 2005.<br />

36 LOBATO, Elvira. Instinto <strong>de</strong> Repórter. São Paulo, Publifolha, 2005.<br />

26


vendo e a <strong>de</strong>sconfiança permanente <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> haver algo errado por<br />

trás <strong>da</strong> aparente normali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Mesmo que investigar, averiguar, checar e apurar <strong>de</strong>vam ser obrigatórios<br />

para todos os repórteres e que “todo tipo <strong>de</strong> reportagens envolva algum tipo <strong>de</strong><br />

investigação, o que viemos a enten<strong>de</strong>r como jornalismo investigativo acrescenta<br />

uma dimensão moral ao tema” 37 . Kovach e Rosenstiel (2004) continuam a <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> jornalismo investigativo com a divisão do conceito em três: a investigação<br />

original, a investigação interpretativa e a investigação sobre investigações.<br />

De acordo com os críticos <strong>da</strong> aproximação do jornalista com o papel <strong>de</strong><br />

polícia, o jornalismo investigativo se <strong>de</strong>veria se resumir ao terceiro tipo. A<br />

investigação seria feita por instituições constitucionalmente <strong>de</strong>signa<strong>da</strong>s (no Brasil<br />

pensaríamos na Polícia Fe<strong>de</strong>ral, nas Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito, no<br />

Ministério Público etc.).<br />

O jornalismo atuaria como um vigilante <strong>da</strong> investigação <strong>de</strong> um terceiro.<br />

Isso vai <strong>de</strong> encontro à conceituação <strong>de</strong> Fortes (2005, p.19), segundo o qual “uma<br />

<strong>da</strong>s maiores dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> investigação jornalística resi<strong>de</strong>, justamente, nas bases<br />

éticas <strong>de</strong> uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que ten<strong>de</strong> a se misturar com uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> muito mais<br />

próxima do trabalho policial do que, propriamente, do jornalismo”.<br />

Em se tratando <strong>de</strong> informações governamentais, como se po<strong>de</strong> confiar<br />

em uma fonte com interesses em jogo, mesmo que não necessariamente <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> intenções pró-<strong>de</strong>mocráticas? Até on<strong>de</strong> vai a função do jornalista? Se um ci<strong>da</strong>dão<br />

estiver em dúvi<strong>da</strong>s quanto à atuação <strong>de</strong> um promotor <strong>de</strong> justiça ou <strong>de</strong> um <strong>de</strong>legado<br />

<strong>de</strong> polícia, é só ele buscar as atribuições legais nos códigos brasileiros. O que o<br />

ci<strong>da</strong>dão não vai encontrar, disso é preciso ter plena certeza, é alguma atribuição do<br />

jornalista. Não há em lugar algum, seja inciso, parágrafo ou artigo, um<br />

estabelecimento <strong>de</strong> limites para os jornalistas. Ou pelo menos não diretamente.<br />

No que diz respeito ao Estado (aqui entendido como a máquina<br />

administrativa), a lei não só prevê o que não <strong>de</strong>ve ser feito, mas <strong>de</strong>termina o que<br />

<strong>de</strong>ve ser feito e impõe formas <strong>de</strong> limites para sua atuação. Entretanto, em um<br />

Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, como o nosso, somente a lei po<strong>de</strong> impor ao<br />

indivíduo o fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa (art. 5º, II, <strong>da</strong> Constituição). Ou<br />

seja, as leis prevêem condutas que não <strong>de</strong>vem ser adota<strong>da</strong>s e, caso isso ocorra,<br />

37 FORTES, Leandro. Jornalismo Investigativo. São Paulo, Contexto, 2005.<br />

27


prevê as conseqüências para os indivíduos que as praticar. O mesmo vale para as<br />

categorias profissionais, as quais possuem estatutos próprios e, em alguns casos,<br />

leis específicas que norteiam suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Com os profissionais <strong>de</strong> imprensa não<br />

po<strong>de</strong>ria ser diferente.<br />

A liminar concedi<strong>da</strong> pelo ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral Carlos<br />

Ayres Britto no dia 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008 suspen<strong>de</strong> os artigos <strong>da</strong> anacrônica Lei<br />

<strong>de</strong> Imprensa que regulavam as punições para os <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> calúnia, injúria e<br />

difamação, assim como as penas aplicáveis aos jornalistas que os cometessem,<br />

ain<strong>da</strong> mais severas que as do Código Penal, além dos agravantes quando os crimes<br />

fossem cometidos contra o Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, <strong>da</strong> Câmara, Ministros do<br />

Supremo, Chefes <strong>de</strong> Estado e diplomatas. Edita<strong>da</strong> pelo governo militar, a Lei n.<br />

5.250, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1967 previa penas <strong>de</strong> multa para notícias falsas,<br />

<strong>de</strong>turpa<strong>da</strong>s ou que ofen<strong>de</strong>ssem a digni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém, a apreensão <strong>de</strong> jornais e<br />

revistas que ofen<strong>de</strong>ssem a moral e os bons costumes e a punição para quem<br />

ven<strong>de</strong>sse ou produzisse esses materiais e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> censura a espetáculos<br />

e diversões públicas.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa revogação parcial, em tese, o dispositivo legal ain<strong>da</strong><br />

estabelece os limites para o exercício do jornalismo. O que se vê, na prática, é que,<br />

embora to<strong>da</strong> norma tenha um embasamento moral, até mesmo por suas origens<br />

históricas, o jornalismo sempre foi uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> muito mais guia<strong>da</strong> por valores<br />

éticos do que normativos. Não é preciso ir longe para lembrar que o jornalismo surge<br />

como componente fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> esfera pública tal qual o diário e a<br />

correspondência na esfera priva<strong>da</strong>. Interessados no livre trânsito <strong>de</strong> idéias, os<br />

burgueses encontraram nos jornais um meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate <strong>da</strong>s questões públicas. Com<br />

o passar do tempo, o jornalismo foi se especializando e, ca<strong>da</strong> vez mais, tendo sido<br />

reservados espaços específicos para opiniões, investigações, <strong>de</strong>clarações.<br />

28


Análise<br />

30<br />

Capítulo 3<br />

A metodologia escolhi<strong>da</strong> para essa pesquisa é o que Motta 38 chama <strong>de</strong><br />

“análise pragmática <strong>da</strong> narrativa jornalística”. O método tem como base a idéia <strong>de</strong><br />

que as narrativas em questão não são apenas textos que remeteriam ao real, mas<br />

modos não-aleatórios <strong>de</strong> organizar representações em discurso, através <strong>de</strong> opções<br />

e operações lingüísticas situa<strong>da</strong>s em um contexto comunicativo. A partir disso, seria<br />

possível compreen<strong>de</strong>r<br />

as estratégias e intenções textuais do narrador. (...) A ênfase está no ato <strong>de</strong><br />

fala, na dinâmica <strong>de</strong> reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>, na pragmática comunicativa, não na<br />

narrativa em si mesma. Preten<strong>de</strong>-se observar as narrativas jornalísticas<br />

como jogos <strong>de</strong> linguagem, como ações estratégicas <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong><br />

significações em contexto, como uma relação entre sujeitos atores do ato <strong>de</strong><br />

comunicação jornalística.<br />

A expressão “jogos <strong>de</strong> linguagem”, utiliza<strong>da</strong> por Motta, foi cria<strong>da</strong> por<br />

Ludwig Wittgenstein, e carrega a visão pragmática <strong>de</strong> que o estudo <strong>de</strong>ve ser<br />

realizado não apenas no objeto (texto, fala, discurso etc.) em si, mas sim num<br />

contexto <strong>de</strong> uso como prática social. O significado, então, do objeto não seria o<br />

correspon<strong>de</strong>nte léxico, por exemplo, situado num dicionário, ou o correspon<strong>de</strong>nte no<br />

real, mas o uso que se dá a ele num contexto lingüístico - a partir do qual nós<br />

interagimos - compartilhado socialmente. Isso só é possível se obe<strong>de</strong>cer a critérios<br />

que viabilizem a comunicação humana.<br />

Essa conceituação remete a Gomes 39 , que discute a questão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e sua relação com o fato jornalístico. Em um <strong>da</strong>do momento do texto, o autor<br />

estabelece que <strong>de</strong>ve haver uma espécie <strong>de</strong> base para sustentar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, senão a<br />

comunicação seria inviabiliza<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>sconfiança. Após discorrer criticamente<br />

sobre as teorias construtivistas e perspectivistas, o autor chega à conclusão <strong>de</strong> que<br />

as coisas existem <strong>de</strong> dois modos: em si e para nós.<br />

Assim, não cabe opor as visões <strong>de</strong> que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> tem o correspon<strong>de</strong>nte<br />

em si e a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> só existe a partir <strong>da</strong> visão do sujeito. O raciocínio <strong>de</strong>ve se ater à<br />

38 MOTTA, Luiz Gonzaga. In: BENETTI, Márcia; LAGO, Claudia. Metodologia <strong>de</strong> pesquisa em<br />

Jornalismo. Petrópolis, Vozes, 2007, p.147-47.<br />

39 GOMES, Wilson. Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e Perspectiva – A Questão <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e O Fato Jornalístico. Textos<br />

<strong>de</strong> Cultura e <strong>Comunicação</strong>, Salvador, Ba, v. 29, 1993, p. 63-83.


idéia <strong>de</strong> que o objeto existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> interpretação, o que seria existir “em<br />

si”, mas a interação só se dá sob o manto <strong>da</strong> interpretação, e <strong>da</strong>s conseqüentes<br />

alterações, organizações, classificações etc.<br />

O que isso adiciona à conceituação? Bem, se há a base <strong>de</strong> que o objeto<br />

existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> nossa interpretação, isso gera uma espécie <strong>de</strong><br />

limitação interpretativa do objeto. Ou seja, não há uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações<br />

possíveis apenas porque os objetos existem para nós. Uma metáfora utiliza<strong>da</strong> pelo<br />

autor <strong>de</strong>screve bem o processo <strong>de</strong> busca pela significação sem um ponto fixo <strong>de</strong><br />

referência (GOMES, 1993, p.75):<br />

Como o real nunca é evi<strong>de</strong>nte, é mais pru<strong>de</strong>nte, então, partir do<br />

pressuposto que tudo po<strong>de</strong> ter sentido, mesmo aquilo que aparentemente é<br />

pausa, gratui<strong>da</strong><strong>de</strong> e casuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. To<strong>da</strong> e qualquer coisa po<strong>de</strong> fazer sentido.<br />

Uma hermenêutica <strong>de</strong>ssa natureza é uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> tão tensa e enervante<br />

quanto a situação <strong>de</strong> um caçador encurralado à noite por um animal<br />

selvagem que, <strong>de</strong> arma em punho e não sabendo on<strong>de</strong> está a fera e nem<br />

<strong>de</strong> que fera se trata, atira em tudo que se move na esperança <strong>de</strong> que o alvo<br />

seja atingido. Os caçadores <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>sperdiçam munição interpretativa<br />

com os seus jogos abdutivos on<strong>de</strong> os sentidos textuais na<strong>da</strong> significam.<br />

O que balizaria, portanto, a significação? Como seriam analisados os<br />

jogos <strong>de</strong> linguagem, os interesses, as metáforas, os efeitos <strong>de</strong> real, as escolhas<br />

léxicas num discurso jornalístico? Com base em quê? Gomes questiona sobre o que<br />

viria a ser uma notícia ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. A resposta está numa espécie <strong>de</strong> “acordo<br />

universal realizado por uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> ilimita<strong>da</strong> <strong>da</strong> comunicação. Dito <strong>de</strong> outra<br />

forma: aquela que <strong>de</strong> algum modo alcança o sentido próprio <strong>de</strong> um fato, portanto<br />

conformando-se nos limites dos percursos interpretativos dogmaticamente<br />

instituídos por uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido”.<br />

Estabelecido, portanto, que a análise <strong>da</strong> narrativa jornalística <strong>de</strong>ve ser<br />

feita tendo como base os elementos lingüísticos compartilhados socialmente e o<br />

contexto que os ro<strong>de</strong>ia, resta saber os passos <strong>da</strong> pesquisa. A análise <strong>da</strong> narrativa,<br />

segundo Motta, seria composta <strong>de</strong> seis movimentos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a reconstituição <strong>da</strong><br />

história até os significados morais <strong>da</strong> narrativa sobre a mesma.<br />

No caos <strong>da</strong>s informações jornalísticas, a pesquisa se <strong>de</strong>dicará ao produto,<br />

com a influência do contexto. Motta, apoiado na antropologia literária e na teoria <strong>da</strong><br />

recepção estética, esten<strong>de</strong> sua pesquisa à interação do leitor com a construção<br />

narrativa, quando, por exemplo, metaforicamente ele passa a juntar as peças do<br />

quebra-cabeça narrativo criado no discurso jornalístico. Essa pesquisa, porém, se<br />

31


aterá somente ao quebra-cabeças em si, para permanecer no exemplo e na<br />

metáfora.<br />

Há <strong>de</strong> se pensar na tecnologia reversa, muito utiliza<strong>da</strong>, por exemplo, na<br />

indústria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> autopeças, que encontra uma peça pronta <strong>de</strong> uma<br />

montadora com a Volkswagen e precisa <strong>de</strong>scobrir como ela foi feita. A partir <strong>de</strong> um<br />

objeto pronto, <strong>de</strong> um produto, é preciso pensar como o produtor, com a tecnologia e<br />

as técnicas disponíveis.<br />

Trazendo a metáfora para a pesquisa do objeto jornalístico, a tecnologia<br />

que terá mais atenção será a do enquadramento narrativo. Motta 40 justifica o uso<br />

dos enquadramentos, ou frames (já que é um conceito importado os EUA), na<br />

facili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> organização <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informações e, em sintonia com<br />

Gomes (1993), nas expectativas comunicacionais socialmente compartilha<strong>da</strong>s. Esse<br />

último caso baseado especialmente nas narrativas.<br />

Os enquadramentos citados pelo autor são chamados <strong>de</strong> “dramáticos<br />

lúdicos” - porque se assemelhariam a jogos como xadrez, quebra-cabeças, dominó,<br />

<strong>de</strong> tabuleiro, além <strong>da</strong>s guerras, batalhas e o ciclo do herói – e o mais utilizado pela<br />

mídia seria o enquadramento dramático (narrativo), que seria mais compreensível e<br />

prático para acompanhar os acontecimentos <strong>da</strong> política. Segundo Motta,<br />

a teoria do enquadramento dramático que <strong>de</strong>fendo sugere uma análise do<br />

acontecimento político enquanto uni<strong>da</strong><strong>de</strong> narrativa co-construi<strong>da</strong> na relação<br />

<strong>de</strong> comunicação. Po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve utilizar as categorias <strong>da</strong> narratologia literária<br />

(personagens, seqüências-tipo, enredo, analepses, etc.). Deve-se preferir,<br />

porém, a análise dos atos <strong>de</strong> fala, <strong>da</strong> retórica, <strong>da</strong> relação pragmática entre<br />

os interlocutores <strong>da</strong> comunicação jornalística. Essa atitu<strong>de</strong> epistemológica<br />

orienta necessariamente a observação para a co-construção <strong>de</strong> sentidos e<br />

põe a análise no campo <strong>da</strong> cultura. Proce<strong>de</strong>r simultaneamente nas interrelações<br />

entre os planos <strong>da</strong> expressão e dos conteúdos, (do discurso e <strong>da</strong><br />

história), para chegar ao plano <strong>da</strong> estrutura profun<strong>da</strong> ou metanarrativas<br />

político-i<strong>de</strong>ológicas.<br />

Em um artigo <strong>de</strong> 1997, a abor<strong>da</strong>gem feita por Motta, porém, restringia a<br />

aplicação do conceito <strong>de</strong> narrativa às notícias <strong>de</strong> interesse humano (faits-divers),<br />

que seriam o oposto <strong>da</strong>s hard news, que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do interesse jornalístico <strong>de</strong><br />

noticiar o fato, já que os fatos correspon<strong>de</strong>m aos valores <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Afonso<br />

<strong>de</strong> Albuquerque 41 contesta essa restrição. Segundo o autor, a característica<br />

narrativa pertence a to<strong>da</strong> sorte <strong>de</strong> notícias porque é um facilitador <strong>da</strong> compreensão<br />

40<br />

MOTTA, Luiz G. Enquadramentos Lúdico-dramáticos no Jornalismo: Mapas culturais para<br />

organizar conflitos políticos. 1997. Disponível em http://www.intexto.ufrgs.br/n17/texto11.html.<br />

41<br />

ALBUQUERQUE, Afonso <strong>de</strong>. A narrativa jornalística para além dos faits-divers. Lumina -<br />

Facom/UFJF - v.3, n.2, p.69-91, jul./<strong>de</strong>z. 2000.<br />

32


<strong>da</strong>s notícias, além <strong>de</strong> ser um instrumento para sedimentar a autori<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />

veraci<strong>da</strong><strong>de</strong>, do jornalista numa confiável <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A narrativa,<br />

portanto, serve também como legitimação do papel jornalístico perante a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Albuquerque também questiona a importância <strong>da</strong><strong>da</strong> por Motta à<br />

individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do jornalista no processo <strong>de</strong> escrita <strong>da</strong> narrativa. A narrativa, por<br />

outro lado, seria muito mais influencia<strong>da</strong> por elementos compartilhados como<br />

artefato cultural. Essas questões não aparecem no texto usado como base nessa<br />

pesquisa, mas é importante registrar as contestações e agregar as idéias <strong>de</strong><br />

Albuquerque, visto que esses pontos não são abor<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> maneira clara no texto<br />

usado como base metodológica para essa pesquisa.<br />

Sendo assim, Motta estabelece seis movimentos que vêm a compor a<br />

análise pragmática <strong>da</strong> narrativa jornalística. O primeiro estabelece que é necessário<br />

fazer a “recomposição <strong>da</strong> intriga ou do acontecimento jornalístico”, ou seja, segundo<br />

o autor, é necessário reescrever to<strong>da</strong> a narrativa a partir <strong>da</strong> visão do próprio<br />

pesquisador. O objetivo é ter uma versão <strong>da</strong> narrativa que funcione como referência<br />

para a análise <strong>da</strong>s narrativas a serem estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Esse primeiro movimento sofrerá<br />

uma modificação, mas isso será melhor explicado no próximo capítulo.<br />

O segundo movimento é a “i<strong>de</strong>ntificação dos conflitos e <strong>da</strong> funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

dos episódios”. Aqui, é preciso estabelecer o núcleo em torno do qual gravita tudo o<br />

mais na narrativa, <strong>de</strong>limitar o espaço <strong>de</strong> ação do escân<strong>da</strong>lo, o embate político entre<br />

oposição e governo e, por fim, o conflito central <strong>da</strong> narrativa: a disputa pelo po<strong>de</strong>r.<br />

O terceiro movimento fixa-se nos personagens. Para o autor, não importa<br />

para o pesquisador <strong>de</strong>limitar quem é a pessoa real para uma análise precisa <strong>de</strong> um<br />

personagem baseado na mesma. O mais importante nesse capítulo, tendo em vista<br />

a versão narrativa, é ir a fundo na construção do personagem. Para isso, as<br />

características lista<strong>da</strong>s por Gancho 42 foram usa<strong>da</strong>s como referência para a análise.<br />

O quarto movimento é sobre “as estratégias comunicativas”, que<br />

envolvem a utilização <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> objetivação, que geram efeitos <strong>de</strong> real, como<br />

as <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> lugares e <strong>de</strong> tempo. e <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> subjetivação, que geram<br />

no leitor emoções e sentimentos, como a raiva e a compaixão.<br />

O quinto movimento envolve a “relação comunicativa e o ‘contrato<br />

cognitivo’”. Seriam estu<strong>da</strong>dos tanto a relação dos leitores com os veículos estu<strong>da</strong>dos<br />

42 GANCHO, Cândi<strong>da</strong> Vilares. Como analisar narrativas . São Paulo: Ática, 2002.<br />

33


quanto a legitimação do papel do jornalista que se origina <strong>de</strong>sse contrato. Esse<br />

movimento, porém, não será realizado porque envolve o estudo do campo <strong>da</strong><br />

recepção. Isso já foi justificado acima, a partir <strong>de</strong> uma metáfora com um quebracabeça,<br />

e a participação do leitor na construção <strong>da</strong> narrativa não faz parte <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa.<br />

Por fim, o sexto e último movimento estu<strong>da</strong> as metanarrativas, ou seja, os<br />

significados <strong>de</strong> fundo moral ou fábula <strong>da</strong> história. Segundo Motta (2007m p. 165),<br />

esse fundo moral ficará claro após a pesquisa realizar os outros cinco movimentos.<br />

O que se busca aqui é o que realmente está por trás <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a narrativa construí<strong>da</strong><br />

por um veículo <strong>de</strong> comunicação, ou seja, “é o pano <strong>de</strong> fundo sobre o qual se<br />

<strong>de</strong>senvolve a seqüência <strong>de</strong> notícias sobre um <strong>de</strong>terminado assunto”. Esse fundo, <strong>de</strong><br />

natureza moral, ética, política, filosófica ou religiosa, po<strong>de</strong> ser, por exemplo, a busca<br />

por se estabelecer que o crime compensa, ou que a esquer<strong>da</strong> é a mais justa, ou que<br />

um projeto <strong>de</strong> país <strong>de</strong>ve partir <strong>da</strong> elite.<br />

3.1. Reconstrução Narrativa<br />

O que realmente aconteceu durante o escân<strong>da</strong>lo do mensalão? Quem<br />

<strong>de</strong>pôs, quem investigou, quem renunciou? De on<strong>de</strong> partiram as acusações, as<br />

<strong>de</strong>núncias, as calúnias e as difamações? A narrativa sobre um fato <strong>de</strong>ssa magnitu<strong>de</strong><br />

político-midiática possui várias perspectivas possíveis e aceitáveis. Assim dizendo,<br />

qual será, portanto, a referência real para analisarmos se <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> revista fugiu à<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e criou um personagem à sua maneira, como bem quis?<br />

A questão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> já foi discuti<strong>da</strong> no capítulo anterior, por isso não<br />

cabe mais entrar nessa seara. O que Motta (2007, p. 148) propõe como primeiro<br />

movimento na análise pragmática <strong>da</strong> narrativa jornalística é a reconstrução <strong>da</strong><br />

história. Segundo ele,<br />

o analista precisará recompor retrospectivamente o enredo completo <strong>da</strong><br />

história. Essa recomposição constituirá uma nova síntese, uma nova história<br />

diferente e mais completa que as notícias isola<strong>da</strong>s. Chamamos essa síntese<br />

recomposta pelo analista <strong>de</strong> acontecimento jornalístico, que irá reorientar<br />

to<strong>da</strong> a análise a partir <strong>de</strong> então.<br />

A metodologia escolhi<strong>da</strong>, porém, não po<strong>de</strong> se tornar, ao mesmo tempo,<br />

uma camisa <strong>de</strong> força e um elemento que acabe por <strong>de</strong>sviar a atenção do objeto<br />

34


principal <strong>da</strong> pesquisa. A inviabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reescrever um escân<strong>da</strong>lo <strong>de</strong>sse porte é o<br />

primeiro argumento que incentiva uma revisão do 1º movimento proposto por Motta.<br />

A quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> personagens, empresas e documentos envolvidos, além <strong>da</strong> ampla<br />

cobertura <strong>da</strong> imprensa e do acompanhamento diário por parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, já<br />

justificaria a confecção <strong>de</strong> um produto, algo como um livro-reportagem. Aliás, isso<br />

até já foi feito. 43 .Assim, parece mais a<strong>de</strong>quado traçar um resumo <strong>da</strong> cobertura<br />

midiática do escân<strong>da</strong>lo e dos fatos políticos que aconteceram para esses holofotes.<br />

Essa síntese será orienta<strong>da</strong> por uma linha temporal (Anexo VI), por dois<br />

gráficos sobre o grau <strong>de</strong> noticiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do escân<strong>da</strong>lo nas capas dos dois<br />

semanários escolhidos (Anexos I e Ii) e, por fim, uma breve narrativa dos fatos<br />

(Anexo VII).<br />

A referência para a reescrita é Vladimir Propp 44 , em seu estudo sobre a<br />

construção narrativa <strong>de</strong> contos russos. Antes <strong>de</strong> tudo, para efeitos <strong>de</strong> análise, é<br />

preciso estabelecer que essa reconstrução não será feita buscando uma<br />

correspondência absoluta entre os pontos estabelecidos por Propp e as várias<br />

etapas pelas quais passou o escân<strong>da</strong>lo do mensalão. O que se tentará fazer aqui é<br />

uma associação que aju<strong>de</strong> não só a caracterizar, mas também a compreen<strong>de</strong>r o<br />

fenômeno em questão como uma narrativa complexa, ágil e autônoma <strong>de</strong>ntro do<br />

campo <strong>da</strong> comunicação política.<br />

É importante <strong>de</strong>ixar claro também que não há uma lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> temporal<br />

entre as funções <strong>de</strong> Propp e os eventos do escân<strong>da</strong>lo político do mensalão. Assim,<br />

serão utilizados artifícios narrativos que vão e voltam no tempo, como os flashbacks<br />

e os flashforwards.<br />

O ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> do escân<strong>da</strong>lo, mesmo que no momento <strong>da</strong> publicação<br />

<strong>da</strong> matéria isso não fosse possível <strong>de</strong> ser precisado, foi a matéria <strong>de</strong> Veja, veicula<strong>da</strong><br />

no dia 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005 com o título “O homem-chave do PTB”. A imagem do<br />

chefe do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> contratação e administração <strong>de</strong> materiais dos Correios,<br />

Maurício Marinho, recebendo propina <strong>de</strong> R$ 3 mil foi o antece<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> crise. A<br />

gravação oculta, feita por agentes <strong>da</strong> ABIN, relaciona a corrupção a Roberto<br />

Jefferson, já que o presi<strong>de</strong>nte do PTB, graças ao fisiologismo praticado normalmente<br />

43<br />

O jornalista Ivo Patarra narrou os 403 dias durante os quais transcorreu o escân<strong>da</strong>lo do mensalão.<br />

Ao longo <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 370 páginas, Patarra nomeia o presi<strong>de</strong>nte Lula como o “chefe” do esquema <strong>de</strong><br />

corrupção e cita to<strong>da</strong> a cobertura feita pela imprensa durante o período.<br />

http://www.escan<strong>da</strong>lodomensalao.com.br.<br />

44<br />

PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Forense Universitária,<br />

2006.<br />

35


no Brasil, dispôs <strong>de</strong> inúmeros cargos para distribuir <strong>de</strong> acordos com interesses<br />

pessoais e políticos.<br />

Em 23 <strong>de</strong> março, três semanas antes <strong>da</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Veja, Roberto<br />

Jefferson conversou com o presi<strong>de</strong>nte Lula, José Dirceu, José Múcio e Aldo Rebelo.<br />

Tal como a segun<strong>da</strong> função <strong>de</strong> Propp, chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Proibição, quando é interdito ao<br />

herói que não vá a certo lugar, Jefferson <strong>de</strong>nuncia ao presi<strong>de</strong>nte o pagamento <strong>de</strong><br />

mesa<strong>da</strong>s a parlamentares na Câmara dos Deputados, tendo como fonte o caixa 2 <strong>de</strong><br />

campanhas eleitorais. O diálogo entre Roberto Jefferson e Lula correspon<strong>de</strong> à nona<br />

função <strong>de</strong> Propp, chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Mediação, quando a falta <strong>de</strong> um objeto (no caso a<br />

ética) é comunica<strong>da</strong> ao herói.<br />

O que se fala nos bastidores é que a gravação oculta <strong>da</strong> corrupção do<br />

apadrinhado do petebista Roberto Jefferson, Maurício Marinho, foi feita por José<br />

Dirceu para chantageá-lo e garantir que a história do mensalão não se espalhasse.<br />

Nesse momento, Dirceu parece agir como o vilão <strong>da</strong> história, e assim é retratado em<br />

uma dos veículos estu<strong>da</strong>dos, ao se disfarçar traiçoeiramente, por intermédio dos<br />

agentes <strong>da</strong> ABIN, como alguém interessado em participar <strong>da</strong> corrupção dos<br />

Correios. Esse episódio correspon<strong>de</strong> à sexta função <strong>de</strong> Propp, chama<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Armadilha.<br />

De volta à corrupção nos Correios, no dia 25 <strong>de</strong> maio é cria<strong>da</strong> a CPMI<br />

(Comissão Parlamentar Mista <strong>de</strong> Inquérito) dos Correios, tendo o senador petista<br />

Delcídio Amaral como presi<strong>de</strong>nte e o <strong>de</strong>putado peeme<strong>de</strong>bista Osmar Serraglio como<br />

relator. A comissão tinha o objetivo inicial <strong>de</strong> investigar as irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s na<br />

empresa estatal, mas essa finali<strong>da</strong><strong>de</strong> foi <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong> para a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> pagamento<br />

<strong>de</strong> “mensalão” aos <strong>de</strong>putados <strong>da</strong> base alia<strong>da</strong>.<br />

Assim, a quarta função <strong>de</strong> Propp, a Investigação, ganha corpo. Composta<br />

por 16 <strong>de</strong>putados e 16 senadores, a CPI é porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> para a aproximação <strong>da</strong><br />

oposição, que no próximo capítulo será caracteriza<strong>da</strong> como antagonista, para os<br />

segredos do herói e <strong>de</strong> seus aju<strong>da</strong>ntes.<br />

No dia 6 <strong>de</strong> junho, Renata Lo Prete, a editora <strong>da</strong> coluna Painel, do jornal<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo, que traz os bastidores <strong>da</strong> política brasileira, entrevista Roberto<br />

Jefferson. O petebista dá origem ao termo “mensalão” e aponta o <strong>de</strong>do acusador<br />

para o PT. Segundo ele, o partido do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República <strong>da</strong>va mesa<strong>da</strong>, cerca<br />

<strong>de</strong> R$30 mil, a <strong>de</strong>putados para que votassem favoráveis ao governo.<br />

36


Nesse momento se dão, ao mesmo tempo, a primeira e a quinta funções<br />

estabeleci<strong>da</strong>s por Propp, chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Distanciamento e Delação. Roberto<br />

Jefferson, presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um partido que compunha a base alia<strong>da</strong> do governo Lula,<br />

tal como um membro <strong>da</strong> família que <strong>de</strong>ixa o lar, acusa o governo <strong>de</strong> corrupção e<br />

interfere no equilíbrio estabelecido enquanto coalizão política. O homem a quem<br />

Lula disse que <strong>da</strong>ria um cheque em branco empurra o PT e o governo, assim como<br />

o herói <strong>da</strong> narrativa, o presi<strong>de</strong>nte Lula, para uma crise que iria durar até meados do<br />

início <strong>da</strong>s eleições no ano seguinte.<br />

No dia 14 <strong>de</strong> junho, Roberto Jefferson <strong>de</strong>põe no Conselho <strong>de</strong> Ética <strong>da</strong><br />

Câmara dos Deputados durante cerca <strong>de</strong> 7 horas. Dono <strong>de</strong> uma retórica primorosa,<br />

Jefferson avisa a José Dirceu, então ministro <strong>da</strong> Casa Civil, que se afaste do<br />

governo para não fazer mal a um homem honesto, que é o herói Lula. O presi<strong>de</strong>nte<br />

do PTB ficou marcado na memória popular pelos gestos exagerados, pelas pausas<br />

premedita<strong>da</strong>s na fala e pela gravata roxa. O mesmo roxo iria colorir seu olho dias<br />

<strong>de</strong>pois. A justificativa, segundo Jefferson, foi um aci<strong>de</strong>nte ao tentar pegar um disco<br />

<strong>de</strong> Lupicínio Rodrigues em sua estante.<br />

José Dirceu, Silvio Pereira, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, Professor<br />

Luizinho, José Genoíno, Luis Gushiken. Na oitava função <strong>de</strong> Propp, chama<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Culpa, o vilão - no caso, a oposição - ocupa essa função em um dos veículos<br />

estu<strong>da</strong>dos, causa algum mal a membros <strong>da</strong> família do herói. No escân<strong>da</strong>lo do<br />

mensalão, integrantes <strong>da</strong> executiva nacional do PT e alguns ministros do governo<br />

fe<strong>de</strong>ral são os alvos e se tornam réus na ação penal aberta pelo procurador-geral <strong>da</strong><br />

República, Antonio Fernando <strong>de</strong> Souza, em agosto <strong>de</strong> 2007<br />

A punição direta ao herói, prevista na décima função <strong>de</strong> Propp <strong>de</strong> nome<br />

Castigo, se dá na populari<strong>da</strong><strong>de</strong>. Segundo a pesquisa CNT/Sensus, a populari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Lula alcançava 83,6% no início do primeiro man<strong>da</strong>to, em 2003. Após sete meses<br />

do início do escân<strong>da</strong>lo, em novembro <strong>de</strong> 2005, o índice estava em 46,7%. Esse<br />

valor é essencial no jogo político brasileiro. Nas disputas entre as figuras políticas<br />

que anseiam a candi<strong>da</strong>turas mais expressivas, os cargos <strong>de</strong> maior importância, a<br />

populari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre o eleitorado pauta alianças, indicações e po<strong>de</strong> até mesmo<br />

enterrar carreiras políticas.<br />

Na edição <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, Carta Capital trouxe à tona uma<br />

<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> um empresário catarinense sobre a corrupção nos Correios ain<strong>da</strong> no<br />

governo <strong>de</strong> FHC. A <strong>de</strong>núncia não tem provas materiais, e é basea<strong>da</strong> essencialmente<br />

37


na fala do <strong>de</strong>nunciante. É o primeiro passo, porém, <strong>da</strong>s <strong>de</strong>núncias contra o PSDB e<br />

a participação do partido no esquema <strong>de</strong> Marcos Valério.<br />

A capa <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005 <strong>de</strong> Carta Capital já traz a<br />

<strong>de</strong>núncia do envolvimento <strong>da</strong>s empresas do publicitário com o financiamento <strong>da</strong><br />

campanha <strong>de</strong> Eduardo Azeredo ao governo <strong>de</strong> Minas Gerais em 1998. Não há muita<br />

repercussão sobre o caso no restante <strong>da</strong> mídia, e a revista segue sozinha nas<br />

<strong>de</strong>núncias. O assunto ain<strong>da</strong> é abor<strong>da</strong>do em mais duas capas, mas está no PT o<br />

centro do escân<strong>da</strong>lo para os outros veículos <strong>de</strong> comunicação. É bom lembrar que,<br />

no caso <strong>da</strong> corrupção tucana em Minas, a revista afirma que tudo está <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente<br />

comprovado.<br />

Os veículos <strong>de</strong> comunicação só viriam <strong>da</strong>r o <strong>de</strong>vido valor à <strong>de</strong>núncia<br />

<strong>de</strong>pois que o procurador-geral <strong>da</strong> República, Antonio Fernando <strong>de</strong> Souza, o<br />

<strong>de</strong>nunciou por crimes <strong>de</strong> peculato e lavagem <strong>de</strong> dinheiro dois anos <strong>de</strong>pois, em<br />

novembro <strong>de</strong> 2007.<br />

No <strong>de</strong>correr do escân<strong>da</strong>lo, as renúncias <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados para escapar dos<br />

julgamentos políticos se suce<strong>de</strong>ram, novas informações sobre o <strong>de</strong>svio do dinheiro<br />

público para abastecer partidos <strong>da</strong> base alia<strong>da</strong> inun<strong>da</strong>ram a imprensa, todos os<br />

<strong>de</strong>putados julgados na Câmara, exceto Roberto Jefferson e José Dirceu, foram<br />

absolvidos. Em 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005, Du<strong>da</strong> Mendonça revelou na CPI dos Correios<br />

que recebeu dinheiro <strong>de</strong> caixa 2.<br />

No dia 28 <strong>de</strong> setembro, o governo fe<strong>de</strong>ral começa a reverter o jogo<br />

político e consegue eleger Aldo Rebelo, que antes ocupava o cargo <strong>de</strong> ministro <strong>da</strong><br />

Articulação Política, como presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Câmara dos Deputados. Depois <strong>de</strong> uma<br />

disputa intensa com o pefelista José Thomas Nono, o candi<strong>da</strong>to governista venceu<br />

por uma diferença <strong>de</strong> 15 votos no segundo turno e enterrou <strong>de</strong> vez o sonho <strong>de</strong><br />

alguns membros <strong>da</strong> oposição <strong>de</strong> abrir um processo <strong>de</strong> impeachment contra Lula.<br />

Em 31 <strong>de</strong> outubro e 1º <strong>de</strong> novembro, o clima <strong>de</strong> embate político passou<br />

do discurso para a ameaça do uso <strong>da</strong> força física. O <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral ACM Neto<br />

(PFL-BA) e o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) ameaçaram bater no presi<strong>de</strong>nte<br />

Lula por causa dos supostos grampos ilegais.<br />

Dezembro <strong>de</strong> 2005 foi marcado pela cassação <strong>da</strong> principal figura política<br />

do PT <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Lula. José Dirceu, que foi lí<strong>de</strong>r estu<strong>da</strong>ntil, exilado político, fun<strong>da</strong>dor<br />

do PT e um provável sucessor <strong>de</strong> Lula em uma eventual campanha presi<strong>de</strong>ncial em<br />

2010, foi cassado na Câmara dos Deputados com 293 votos.<br />

38


Com o passar do tempo, a falta <strong>de</strong> novas informações e provas sobre a<br />

origem e o <strong>de</strong>stino do dinheiro público <strong>de</strong>sviado, além dos <strong>de</strong>poimentos repetitivos e<br />

redun<strong>da</strong>ntes, não colaborou com o prosseguimento narrativo. O interesse <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e dos veículos <strong>de</strong> comunicação diminuiu gradualmente, até o fim <strong>da</strong> CPI<br />

dos Correios, com a apresentação do relatório final em Abril <strong>de</strong> 2006. O relatório<br />

pediu o indiciamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cem pessoas e reconheceu a existência do<br />

pagamento <strong>de</strong> mensalão, além <strong>de</strong> diferenciar esse tipo <strong>de</strong> corrupção do caixa 2,<br />

argumento-base <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa do PT.<br />

Des<strong>de</strong> a re<strong>de</strong>mocratização política, quando o Partido dos Trabalhadores<br />

foi formado, a tão famosa e cita<strong>da</strong> "ban<strong>de</strong>ira ética" do PT era o que baseava todos<br />

os discursos e campanhas. O partido tentava <strong>de</strong>marcar, no campo político que<br />

habita o imaginário popular, o lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor <strong>da</strong> ética, diferentemente dos outros<br />

partidos que compunham a cena política brasileira. Após o escân<strong>da</strong>lo do mensalão,<br />

essa visão já não tem o mesmo impacto, e é possível que até tentar levantá-la seja<br />

prejudicial eleitoralmente falando, <strong>da</strong><strong>da</strong> a possível reação popular. Por isso, o herói<br />

Lula mu<strong>da</strong> o foco do embate político. Com o ferimento ético que insiste em não<br />

cicatrizar, visto os ataques constantes <strong>da</strong> oposição, o herói <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> que agora a<br />

disputa se <strong>da</strong>rá num ambiente <strong>de</strong> comparação entre os feitos dos oito anos <strong>de</strong><br />

governo FHC e o seu primeiro man<strong>da</strong>to. Esta é a décima - sétima função <strong>de</strong> Propp,<br />

chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Herói Assinalado, na qual o herói ganha uma marca, um ferimento ou<br />

uma cicatriz.<br />

A décima - oitava e décima - nona funções tratam <strong>da</strong> vitória do herói<br />

sobre o vilão e <strong>da</strong> remoção <strong>da</strong> marca. Lula reverte, no final <strong>da</strong> narrativa, a que<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

sua populari<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou aumento <strong>da</strong> rejeição popular. Segundo pesquisa do Datafolha,<br />

realiza<strong>da</strong> em 23 e 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006, cerca <strong>de</strong> 27% do eleitorado afirma que<br />

nunca votaria em Lula. Mesmo assim, Lula se mostrava como um provável ganhador<br />

já no primeiro turno <strong>da</strong>s eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2006.<br />

A vigésima e última função <strong>de</strong> Propp, O Retorno do Herói, é marca<strong>da</strong> com<br />

a candi<strong>da</strong>tura <strong>de</strong> Lula à reeleição. Há outras funções, mas a maioria <strong>de</strong>las na<br />

história, segundo Propp, acaba por aqui. Há outras funções, que correspon<strong>de</strong>riam<br />

ao período <strong>da</strong> eleição <strong>de</strong> 2006, mas esse período se situa fora do objeto <strong>de</strong><br />

pesquisa. Só a título <strong>de</strong> ilustração, a última função, chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Núpcias do Herói, é<br />

quando o herói ascen<strong>de</strong> ao trono, ou seja, a mais quatro anos no Palácio do<br />

Planalto.<br />

39


3.2. I<strong>de</strong>ntificação dos conflitos e funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos episódios<br />

O escân<strong>da</strong>lo do mensalão po<strong>de</strong> ser caracterizado como uma narrativa <strong>de</strong><br />

ruptura. Os conflitos que suce<strong>de</strong>ram situação inicial - divulgação <strong>da</strong> fita em que<br />

Maurício Marinho recebe propina - são marcados pela <strong>de</strong>sestabilização <strong>de</strong> um<br />

panorama estabilizado artificialmente. Este episódio 45 é fun<strong>da</strong>mental para que se<br />

i<strong>de</strong>ntifique a iminência dos embates que viriam a ser travados e, mais do que isso, a<br />

sua função <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> narrativa.<br />

Na edição 1937, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, Veja analisa<br />

minuciosamente como o ví<strong>de</strong>o que gerou o escân<strong>da</strong>lo reúne a lista <strong>da</strong>s mazelas que<br />

mais contribuem para a corrupção. De acordo com a revista, “o ví<strong>de</strong>o passará à<br />

história como um clássico <strong>da</strong> corrupção nacional: ele contém confissões e relatos<br />

sobre como se conduz a roubalheira no mundo oficial brasileiro.”.<br />

Contudo, a compreensão <strong>da</strong> funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos episódios que suce<strong>de</strong>ram o<br />

ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Maurício Marinho só se torna possível a partir <strong>da</strong> caracterização <strong>de</strong>ste<br />

mundo oficial, isto é, do locus em que todo o enredo se <strong>de</strong>senvolveu.<br />

Ao <strong>de</strong>senhar o script do mensalão, a escolha óbvia é <strong>de</strong>screver Brasília como<br />

o cenário. Afinal, é na capital do país que estão reunidos os principais centros <strong>de</strong><br />

toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política nacional e foi lá que se concentraram as<br />

<strong>de</strong>núncias, investigações e CPIs relaciona<strong>da</strong>s ao escân<strong>da</strong>lo. Embora este não <strong>de</strong>ixe<br />

<strong>de</strong> ser um ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> para o contexto, os acontecimentos em questão ocorrem<br />

em um ambiente mais restrito.<br />

De fato, é na esfera pública 46 que está situado o fenômeno em análise, mas<br />

em um locus muito específico: na interseção entre o campo político e o campo<br />

jornalístico. Daí <strong>de</strong>corre que a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> capitais em jogo aumenta a<br />

potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conflitos. Em voga estão os interesses <strong>de</strong> todos os que participam<br />

<strong>da</strong> comunicação política no momento em que foi <strong>de</strong>flagrado o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

45 Episódios, <strong>de</strong> acordo com Motta, pág. 151, são uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s narrativas analíticas intermediárias que<br />

relatam conjuntos <strong>de</strong> ações relativamente autônomos correspon<strong>de</strong>ntes às transformações no<br />

transcorrer <strong>da</strong> história.<br />

46 No segundo capítulo <strong>de</strong> A Condição Humana, Hannah Arendt propõe-se a refletir sobre as<br />

distinções existentes entre as esferas pública e priva<strong>da</strong>, além <strong>de</strong> contra-argumentar sobre o advento<br />

<strong>da</strong> automação na vi<strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rna. Consoante Arendt, o último fato tornou bastante difusas ambas<br />

esferas, contribuindo, <strong>de</strong>cisivamente, para a <strong>de</strong>struição e a <strong>de</strong>formação <strong>da</strong>s diversas capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

humanas, em especial, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> política enquanto ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana por<br />

excelência; capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> exclusivamente humana, a qual somente po<strong>de</strong> ser exerci<strong>da</strong> no “palco” <strong>da</strong><br />

esfera pública, espaço no qual irrompe o autêntico confronto <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogos entre iguais.<br />

40


narrativa em amostragem, o que inclui políticos e jornalistas. Sobre seu trabalho<br />

enquanto jornalista político em comparação com o jornalista esportivo, Franklin<br />

Martins (p. 47) conta que:<br />

Em Brasília, temos uma enorme quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes à disposição, muito<br />

mais do que em uma concentração <strong>da</strong> CBF. Melhor: elas têm interesses<br />

conflitantes e brigam entre si, estão interessa<strong>da</strong>s em falar ou po<strong>de</strong>m se<br />

interessar em falar se souberem que outros já an<strong>da</strong>ram <strong>da</strong>ndo suas versões<br />

sobre os fatos.<br />

Visualizar esse panorama é fun<strong>da</strong>mental para a compreensão do<br />

espetáculo que seria apresentado em segui<strong>da</strong> nos palcos brasilienses e reproduzido<br />

e amplificado nas páginas e telas do jornalismo político brasileiro.<br />

De acordo com Gomes (2004, p.103), a vitória do PT na luta pela<br />

Presidência <strong>da</strong> República nas eleições <strong>de</strong> 2002 <strong>de</strong>monstrou a eficácia do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

sistemas políticos em que o Estado é entendido como coisa particular do grupo que<br />

chegou ao po<strong>de</strong>r.<br />

Venci<strong>da</strong> a eleição com essas forças, tornou-se necessária a explicitação<br />

<strong>da</strong>s alianças <strong>de</strong> maneira a permitir aos parceiros o compartilhamento do<br />

po<strong>de</strong>r conquistado.<br />

O compartilhamento do po<strong>de</strong>r conquistado faz parte <strong>da</strong> negociação<br />

política a qual, ain<strong>da</strong> conforme Gomes, se constitui em uma ampla gama <strong>de</strong><br />

interações entre as forças políticas que inclui comportamentos como acordo,<br />

articulação, acerto, barganhas, alianças, retaliações, composições e compensações.<br />

É a partir <strong>de</strong>ssa lógica que se explica a disposição do cenário político quando <strong>da</strong><br />

eclosão do mensalão.<br />

Depois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r quatro eleições, para chegar ao po<strong>de</strong>r em 2002 o PT fez<br />

alianças com partidos cuja proposta i<strong>de</strong>ológica pouco ou quase na<strong>da</strong> tinha a ver com<br />

a sua, como o PL do vice-presi<strong>de</strong>nte José Alencar. Após o resultado do primeiro<br />

turno entre Lula e Serra, foram se estabelecendo vínculos até então inimagináveis, a<br />

exemplo do PFL do senador Antônio Carlos Magalhães. Quatro anos mais tar<strong>de</strong>,<br />

ACM disse que Lula era um "rato gordo e etílico, cujos furtos no Palácio do Planalto<br />

eu tenho <strong>de</strong>nunciado no Congresso Nacional" 47 .<br />

47 MOREIRA, Fabiana. Conheça os adversários <strong>de</strong> ACM. 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2007. Disponível em<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:vq5RSsnFwMAJ:noticias.terra.com.br/brasil/ interna/<br />

0,,OI1704486-EI306,00.<br />

41


Quando as dispari<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre as partes são tão gran<strong>de</strong>s quanto as que<br />

se apresentavam no pós-eleições <strong>de</strong> 2002, as negociações envolvem riscos maiores<br />

e, é nesse sentido que o mensalão - enquanto escân<strong>da</strong>lo, e não enquanto mesa<strong>da</strong> -<br />

po<strong>de</strong> ser visto como os resultado uma transação política mal-sucedi<strong>da</strong>.<br />

Barganhas e alianças fazem e sempre fizeram parte do jogo político. As<br />

alianças são sistemáticas. Consistem em formas <strong>de</strong> garantir a governabili<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />

que se busca um parceiro que aceite dividir as responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s por êxitos e<br />

fracassos. Em tese, é <strong>de</strong>sta natureza a relação entre o PT e o PFL uma vez que<br />

ambos fizeram parte <strong>da</strong> mesma coligação e, portanto compartilharam o mesmo<br />

programa <strong>de</strong> governo, a mesma proposta para o país. Na prática, porém quando os<br />

laços que atam essas alianças são frágeis, os conflitos em potencial po<strong>de</strong>m vir à<br />

tona, e antigos aliados po<strong>de</strong>m se tornar (ou voltar a ser) inimigos capazes <strong>de</strong> trocar<br />

insultos, como o que foi anteriormente transcrito. É o que fica evi<strong>de</strong>nciado<br />

novamente quando, em meio à crise, o PFL, inacreditavelmente ocupando o lugar <strong>de</strong><br />

oposição do governo que acabara <strong>de</strong> apoiar, vota a favor do aumento do salário<br />

mínimo. A intenção era aproveitar o momento <strong>de</strong> fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> do governo, preocupado<br />

em resolver seus próprios problemas <strong>de</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, para aparecer <strong>de</strong> forma<br />

positiva na esfera <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> pública.<br />

Outro exemplo <strong>de</strong> vínculo esquisito foi o estabelecido com o PTB <strong>de</strong><br />

Roberto Jefferson – o <strong>de</strong>putado que li<strong>de</strong>rou a campanha contra o impeachment <strong>de</strong><br />

Collor em 1992 -. Como se trata <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> negociação política eventual, a<br />

transação entre PT e PTB po<strong>de</strong>ria ser caracteriza<strong>da</strong> como uma barganha. Nas<br />

barganhas, o concorrente mais forte conce<strong>de</strong> vantagens e/ou estabelece sanções.<br />

No escân<strong>da</strong>lo em questão, é possível visualizá-las nas trocas e promessas<br />

empreendi<strong>da</strong>s pelo governo, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> maior capital político (cargos e recursos) e<br />

capaz <strong>de</strong> impor sanções em troca <strong>de</strong> apoio no Congresso. Foi <strong>de</strong> acordo com essa<br />

lógica que o governo Lula teria pago mesa<strong>da</strong> a <strong>de</strong>putados para que eles votassem a<br />

favor <strong>de</strong> seus projetos.<br />

De acordo com o anexo VI, que <strong>de</strong>screve o fenômeno do mensalão ao<br />

longo do tempo, é possível i<strong>de</strong>ntificar momentos em que a narrativa atinge picos <strong>de</strong><br />

exposição e momentos em que ela <strong>de</strong>cai. Aos primeiros estão comumente<br />

associa<strong>da</strong>s a revelação <strong>de</strong> novos fatos que geram conflitos, como quando Veja<br />

afirma que Marcos Valério<br />

42


an<strong>da</strong> ameaçando fazer revelações capazes <strong>de</strong> <strong>da</strong>r nova dimensão à crise –<br />

e, além do PT, está <strong>de</strong>ixando o PMDB <strong>de</strong> cabelo em pé. (VEJA, edição<br />

1946, 08 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006)<br />

Na capa, uma tentativa explícita <strong>de</strong> fazer com que o tema volte ao<br />

agen<strong>da</strong>mento: a foto <strong>de</strong> Marcos Valério <strong>de</strong> olhos arregalados em primeiro plano<br />

contrasta com a sombria figura do apresentador <strong>de</strong> TV Carlos Massa, o Ratinho,<br />

que, <strong>de</strong> acordo com a publicação, teria recebido dinheiro do PT para falar bem do<br />

presi<strong>de</strong>nte Lula. Não por acaso, a referi<strong>da</strong> edição aparece <strong>de</strong>z meses <strong>de</strong>pois <strong>da</strong><br />

primeira matéria sobre o escân<strong>da</strong>lo e sete meses antes <strong>da</strong>s eleições presi<strong>de</strong>nciais<br />

<strong>de</strong> 2006, quando já estavam começando a ser firma<strong>da</strong>s as novas alianças.<br />

A <strong>de</strong>núncia não vingou, Marcos Valério não contou o que supostamente<br />

ameaçava, a que<strong>da</strong> <strong>de</strong> populari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lula não caiu tanto quanto previam os<br />

oposicionistas e, quase um mês <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> Veja <strong>de</strong> reativar o escân<strong>da</strong>lo,<br />

sem arro<strong>de</strong>ios, Carta Capital usa o pretérito perfeito para encerrar o assunto:<br />

governo e a oposição encenaram um espetáculo <strong>de</strong>stinado a, no fundo,<br />

preservar as coisas como sempre foram, enquanto a maioria <strong>da</strong> população<br />

continua sem enten<strong>de</strong>r na<strong>da</strong> (...) Eis por que, a seis meses <strong>da</strong>s eleições, a<br />

oposição dá mostras <strong>de</strong> que, retirado o último obstáculo, centrará fogo em<br />

Lula (CARTA CAPITAL, edição 387, 05/04/2006).<br />

A escolha <strong>de</strong>sses dois episódios como exemplos se justifica na medi<strong>da</strong><br />

em que ambos aparecem em momentos semelhantes <strong>da</strong> narrativa – aquele em que<br />

o auge aparece ca<strong>da</strong> vez mais distante, conforme <strong>de</strong>monstra o gráfico – e é notória<br />

a forma com que o mesmo enredo é levado para caminhos opostos. Enquanto Veja,<br />

ciente dos jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e dos mecanismos pelos quais se dão os conflitos, tenta<br />

explorar ao máximo o potencial <strong>da</strong> narrativa em questão, Carta Capital segue outro<br />

caminho, caracterizando o mensalão como mais uma <strong>da</strong>s barganhas que fazem<br />

parte do jogo político, com a diferença <strong>de</strong> que, ao contrário <strong>da</strong>s outras negociações<br />

que acontecem fora <strong>da</strong> cena, esta foi trazi<strong>da</strong> a público.<br />

3.3. Construção dos personagens<br />

Os personagens representam os pontos mais acessíveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

do leitor com a narrativa. Isso também é possível em outros elementos narrativos,<br />

como a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma rua, <strong>de</strong> um cheiro, <strong>de</strong> uma época específica. No entanto, é<br />

a partir do elemento narrativo do personagem que o leitor consegue observar melhor<br />

43


intersecções com o humano: sentimentos, falhas, valores, características com as<br />

quais ele, o leitor, possa sentir-se semelhante, representado.<br />

A busca pelas raízes <strong>da</strong> criação <strong>de</strong> um personagem po<strong>de</strong> tomar caminhos<br />

diversos. O biógrafo e crítico literário colombiano Dasso Saldívar 48 vai encontrar nos<br />

fantasmas caribenhos, que faziam parte do imaginário <strong>da</strong> avó <strong>de</strong> Gabriel García<br />

Márquez, elementos que inspiraram a criação <strong>de</strong> alguns membros <strong>da</strong> família<br />

Buendía do livro Cem Anos <strong>de</strong> Solidão. A partir <strong>de</strong> alegorias como A revolução dos<br />

bichos, <strong>de</strong> George Orwell, po<strong>de</strong>-se buscar a chave <strong>de</strong>codificadora no regime<br />

comunista.<br />

São inúmeros os exemplos e as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se ir a fundo nesse<br />

ponto, mas nessa pesquisa a pessoa correspon<strong>de</strong>nte no real ao personagem<br />

jornalístico pouco importa. Segundo Motta (2007, p. 152), o importante é “lembrar<br />

que estamos analisando uma narrativa jornalística, como as notícias constroem<br />

personagens conflitos, combates, heróis, vilões, mocinhos, bandidos, punições,<br />

recompensas. Não estamos fazendo uma análise <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica em si<br />

mesma. Nosso objeto é a versão, não a história”.<br />

Assim, a raiz, o correspon<strong>de</strong>nte real pouco importa. Se Lula sabia ou não<br />

<strong>da</strong> corrupção <strong>de</strong> seu governo, se ele é corrupto ou íntegro, esse tipo <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong><br />

pouco importa. A questão central tem em vista, como continua Motta (2007, p.153-<br />

154), que o jornalista tem uma gama enorme <strong>de</strong> elementos, fatos e características<br />

prontos para serem utilizados na construção dos personagens. O jornalista se torna,<br />

assim, uma espécie <strong>de</strong> filtro.<br />

È perigoso afirmar isso sem que as proporções sejam atribuí<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

maneira correta. O jornalista não é um profissional que faz o recorte que quer e<br />

transforma, por exemplo, a figura <strong>de</strong> um presi<strong>de</strong>nte em um ser com características<br />

superiores às do grupo que pertence e que luta incessantemente contra o mal. O<br />

jornalista é, portanto, uma <strong>da</strong>s portas <strong>de</strong> saí<strong>da</strong> para a visão geral <strong>de</strong> um veículo<br />

jornalístico sobre a pessoa real. É ingênuo pensar numa in<strong>de</strong>pendência, tanto<br />

editorial quanto em relação aos valores do campo, do jornalista nessa criação.<br />

Mesmo que, conforme observa Gancho (p. 17), se constate “que<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s personagens são basea<strong>da</strong>s em pessoas reais ou em elementos <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado indivíduo”, o personagem é “sempre invenção”. No<br />

48 SALDÍVAR, Dasso. Gabriel García Márquez: viagem à semente. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Record, 2000.<br />

44


caso <strong>da</strong> narrativa jornalística, o que orienta e limita essa infinitu<strong>de</strong> inventiva são os<br />

valores do próprio campo jornalístico.<br />

Os personagens <strong>de</strong>ssa pesquisa serão divididos segundo as<br />

classificações <strong>de</strong> Gancho.<br />

Há, antes <strong>de</strong> tudo, o protagonista, o personagem em torno do qual a<br />

narrativa se <strong>de</strong>senvolve. Esse tipo po<strong>de</strong> ser tanto um herói quanto um anti-herói, ou<br />

seja, o primeiro é aquele que possui características e valores superiores aos outros<br />

elementos do grupo ao qual pertence e o segundo é justamente o oposto, é aquele<br />

protagonista que possui características ou valores iguais ou inferiores aos do seu<br />

grupo, mas que por alguma razão está nessa posição. Esse personagem, na<br />

narrativa do mensalão, é o presi<strong>de</strong>nte Lula.<br />

Aquele “que se opõe ao protagonista” é o chamado antagonista. Essa<br />

atitu<strong>de</strong> oposta ao presi<strong>de</strong>nte Lula, o protagonista <strong>da</strong> narrativa, é <strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong> pela<br />

oposição política, representa<strong>da</strong> por PSDB e PFL. Segundo Gancho, o antagonista<br />

tem características diametralmente opostas às do protagonista e geralmente é<br />

consi<strong>de</strong>rado o vilão <strong>da</strong> história. É importante, no entanto, primeiro estabelecer como<br />

é feita a construção narrativa <strong>da</strong>s revistas para <strong>de</strong>pois concluir se há ou não vilania<br />

nos atos políticos <strong>da</strong> oposição.<br />

Por fim, há o personagem secundário, que não tem a mesma importância<br />

dos dois tipos <strong>de</strong> personagem citados acima, mas po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong><br />

aju<strong>da</strong>nte ou confi<strong>de</strong>nte tanto do protagonista como o antagonista. Há a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

também <strong>de</strong>sse papel ser <strong>de</strong>sempenhado nas duas vertentes ao mesmo tempo.<br />

Nessa narrativa, o personagem secundário escolhido é o <strong>de</strong>putado Roberto<br />

Jefferson.<br />

As características a serem analisa<strong>da</strong>s a seguir partem, primeiramente, do<br />

pressuposto que os personagens escolhidos são redondos, ou seja, “são mais<br />

complexas que os planos, isto é, apresentam uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> maior <strong>de</strong><br />

características”. Essas características a que Gancho se refere são:<br />

espírito<br />

• Físicas: incluem corpo, voz, gestos, roupas<br />

• Psicológicas: referem-se à personali<strong>da</strong><strong>de</strong> e aos estados <strong>de</strong><br />

• Sociais: indicam classe social, profissão, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais<br />

• I<strong>de</strong>ológicas: referem-se ao modo <strong>de</strong> pensar <strong>da</strong> personagem, sua<br />

filosofia <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, suas opções políticas, sua religião<br />

45


• Morais: implicam em julgamento, isto é, em dizer se a<br />

personagem é boa ou má, se é honesta ou <strong>de</strong>sonesta, se é moral ou imoral,<br />

<strong>de</strong> acordo com um <strong>de</strong>terminado ponto <strong>de</strong> vista.<br />

3.3.1 Presi<strong>de</strong>nte Lula<br />

Lula é o protagonista <strong>da</strong> narrativa e, conseqüentemente, a referência em<br />

torno <strong>da</strong> qual tudo gira durante o período em que o escân<strong>da</strong>lo do mensalão esteve<br />

em evidência. O motivo po<strong>de</strong> parecer circunstancial, mas o fato <strong>de</strong> ele ser o<br />

Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República significa muito no contexto político brasileiro e nas<br />

narrativas estabeleci<strong>da</strong>s.<br />

Assim, as características do personagem não se resumem apenas à<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas ao que representa o cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República. A<br />

contestação a um protagonista que ocupa tal função, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong><br />

intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>, é constante e natural do jogo político. Nas narrativas, as discussões<br />

caminham pelos dois âmbitos (o pessoal e o político), mas o objetivo final é a<br />

toma<strong>da</strong> do po<strong>de</strong>r – não no sentido <strong>de</strong> golpe político e <strong>de</strong>stituição do presi<strong>de</strong>nte<br />

apenas, mas também na <strong>de</strong>pre<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> imagem pública do personagem para<br />

inviabilizá-lo nas disputas eleitorais.<br />

No sentido do papel que ocupa na narrativa, Lula é um herói. De acordo<br />

com o dicionário Houaiss 49 , herói é o “personagem principal <strong>de</strong> uma obra literária,<br />

cuja personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, modo <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong> pensar parecem entrar em conflito com a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> circun<strong>da</strong>nte, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo negativo”.<br />

Lula também é um anti-herói. E o próprio prefixo que acompanha o<br />

conceito <strong>de</strong>fine que se trata <strong>de</strong> algo oposto. A principal característica <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

personagem é a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar amores e ódios em igual intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, a<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> como ele é retratado, todo o universo se modifica automaticamente.<br />

É como se fosse utilizado o dispositivo <strong>de</strong> câmeras que captam imagens<br />

(para<strong>da</strong>s como as fotográficas e em movimento como as filmadoras), chamado <strong>de</strong><br />

White balance. Isso permite ao usuário <strong>da</strong> câmera utilizar qualquer cor do ambiente<br />

para chamá-la <strong>de</strong> branco. A partir disso, to<strong>da</strong>s as outras cores, a partir <strong>da</strong>quele<br />

branco estabelecido, se formam. O personagem Lula, portanto, funciona <strong>da</strong> mesma<br />

49<br />

Disponível em http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=her%F3i&stype=k. Acesso em: 7 jun.<br />

2008.<br />

46


maneira, com a honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> balizando a falta <strong>de</strong> caráter dos que vão contra suas<br />

atitu<strong>de</strong>s e a traição <strong>da</strong>queles que o abandonam. Por outro lado, atos corruptos do<br />

presi<strong>de</strong>nte enalteceriam aqueles que trabalham para investigar tais atos, assim<br />

como o senso <strong>de</strong> ética e <strong>de</strong> respeito à coisa pública <strong>da</strong>quele que <strong>de</strong>u o início ao<br />

escân<strong>da</strong>lo.<br />

Carta Capital<br />

Há um pensamento entre os publicitários <strong>de</strong> que uma propagan<strong>da</strong> estaria<br />

muito melhor situa<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma matéria jornalística, porque, além <strong>da</strong>s<br />

informações que quer passar ao cliente, ela estaria envolta com a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

socialmente atribuí<strong>da</strong> ao campo jornalístico. A relação aqui não é feita para chamar<br />

a revista Carta Capital <strong>de</strong> agência publicitária ou <strong>de</strong> secretaria <strong>de</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

governo, mas para mostrar que pequenas mensagens, que por vezes parecem até<br />

mesmo subliminares, estão muito bem localiza<strong>da</strong>s nos meandros <strong>da</strong>s notícias.<br />

Nessa metáfora, a notícia continuaria sendo a notícia e a propagan<strong>da</strong> está<br />

representa<strong>da</strong> pelos editoriais.<br />

Lula é o herói <strong>da</strong> narrativa <strong>de</strong> Carta Capital. Na primeira edição estu<strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />

ele já é ameaçado pela oposição <strong>de</strong> um golpe branco e <strong>de</strong> querer sangrá-lo aos<br />

poucos. Isso na versão <strong>da</strong> revista, mesmo porque não há qualquer <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

um membro <strong>da</strong> oposição sobre o “sangramento”. Mas a construção do mártir parece<br />

ser mais forte se pauta<strong>da</strong> na caricatura <strong>de</strong> seus inimigos. Não bastam as<br />

características superiores às dos que ocupam o mesmo grupo (o político). Também<br />

são importantes para o retrato as ações <strong>da</strong> oposição (que serão estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s mais à<br />

frente).<br />

Nas separações básicas <strong>da</strong>s características do presi<strong>de</strong>nte, a maioria está<br />

situa<strong>da</strong> no grupo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológicas, que se referem ao modo <strong>de</strong> pensar e às opções<br />

políticas do personagem. Para Carta Capital, Lula é um exímio homem político. Ele<br />

exige afastamento <strong>de</strong> integrantes que cometeram irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong>spen<strong>de</strong> uma<br />

enorme energia em negociações políticas e é um mestre nos discursos. Mesmo que<br />

eles sejam escritos por ghost writers. A aproximação com o PMDB e a eleição <strong>de</strong><br />

Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados são retrata<strong>da</strong>s como gran<strong>de</strong>s vitórias do<br />

presi<strong>de</strong>nte. Não são questionados os métodos <strong>de</strong> fisiologismo, troca <strong>de</strong> cargos ou<br />

liberação <strong>de</strong> recursos, mas que essas vitórias serão úteis para combater a oposição.<br />

47


Mas o herói sofre nessas negociações. A oposição, interessa<strong>da</strong> em<br />

“sangrá-lo aos poucos”, em tirá-lo do po<strong>de</strong>r por meio <strong>de</strong> um impeachment, dá<br />

trabalho a Lula. Nas <strong>de</strong>scrições físicas do personagem, ele “<strong>de</strong>sabafa”, marcado por<br />

uma “indignação conti<strong>da</strong>” e um corpo “visivelmente abatido”. Nas psicológicas, o<br />

herói chora ao saber, por intermédio <strong>de</strong> Jefferson, que seus companheiros estão<br />

envolvidos em corrupção. Seu estado <strong>de</strong> espírito vai como um carrinho numa<br />

montanha-russa. No início do escân<strong>da</strong>lo, Lula não consegue dimensionar os <strong>da</strong>nos<br />

políticos e parece ver seu projeto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r se esvair. Mesmo que “não se tema que<br />

as investigações cheguem ao presi<strong>de</strong>nte”, a preocupação em blindá-lo (para utilizar<br />

um jargão político) é imensa no governo.<br />

O mesmo ocorre na narrativa <strong>de</strong> Carta Capital, conforme o Anexo III. Lula<br />

é, ao mesmo tempo, um sujeito que realiza e sofre a ação. Lula parece ser afastado<br />

dos parágrafos <strong>da</strong>s primeiras edições do período estu<strong>da</strong>do para que,<br />

inconscientemente, não se ligue o nome do presi<strong>de</strong>nte ao escân<strong>da</strong>lo. Ele se torna<br />

quase uma eminência par<strong>da</strong> <strong>da</strong>s negociações políticas. Sobre o escân<strong>da</strong>lo, ele<br />

pouco fala. Quando o faz, mostra pouca <strong>de</strong>senvoltura para apontar os culpados, e<br />

acrescenta, conseqüentemente, mais ar “à máquina <strong>de</strong> combustão <strong>da</strong> oposição”.<br />

Para o semanário, Lula não consegue se livrar dos companheiros corruptos por<br />

causa <strong>da</strong>s ligações afetivas e históricas, e isso é julgado como um erro político.<br />

Quando o escân<strong>da</strong>lo começa a per<strong>de</strong>r força e o interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

Lula parece ressurgir na narrativa. A <strong>de</strong>senvoltura política retorna, assim como a<br />

populari<strong>da</strong><strong>de</strong> e a pretensa reeleição. Lula volta a ser “um forte candi<strong>da</strong>to”, a atacar<br />

a oposição e a ressaltar sua ligação com as classes menos favoreci<strong>da</strong>s. O<br />

presi<strong>de</strong>nte<br />

Lula tem dito a interlocutores que preten<strong>de</strong> endurecer o discurso contra a<br />

oposição. O presi<strong>de</strong>nte reconhece falhas graves cometi<strong>da</strong>s a seu redor e<br />

sem seu conhecimento, e espera punições exemplares. Mas está ca<strong>da</strong> vez<br />

mais convencido <strong>de</strong> que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>ssas falhas <strong>de</strong> integrantes do partido,<br />

parte <strong>da</strong> investi<strong>da</strong> contra ele e o governo resulta <strong>de</strong> preconceito <strong>de</strong> classe. E<br />

vê como o único objetivo <strong>da</strong> on<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias a <strong>de</strong>struição do PT e o<br />

bloqueio <strong>de</strong> sua eventual candi<strong>da</strong>tura à reeleição" (CARTA CAPITAL,<br />

31/08/2005, ANO XII, N. 357)<br />

Na narrativa, esse contato visceral com o eleitorado é o terror <strong>da</strong><br />

oposição. Lula, segundo a revista, é visto pela oposição como alguém que po<strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>rar uma revolta popular para <strong>de</strong>sestabilizar o país. É a mesma história <strong>de</strong> 1989,<br />

48


quando Collor afirmava que Lula confiscaria a poupança dos brasileiros. É a mesma<br />

fala <strong>da</strong> atriz Regina Duarte durante a campanha presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 2002, quando ela<br />

afirmava “ter medo” <strong>de</strong> Lula. Teme-se na oposição que o presi<strong>de</strong>nte, se muito<br />

atacado ou se sofrer um impeachment, po<strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar uma revolta que coloque em<br />

risco a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática do país.<br />

O medo estava disseminado na oposição, mas o <strong>de</strong>sejo <strong>da</strong> mesma era<br />

espalhar esse sentimento pelo restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Lula se torna uma ameaça<br />

para a oposição. Os ataques ao presi<strong>de</strong>nte são comedidos. Mesmo sendo o herói <strong>da</strong><br />

narrativa, Lula parece ser poupado em diversos momentos por causa do temor <strong>de</strong><br />

que atacar ele revoltaria a população. Por isso a estratégia <strong>de</strong> sangrá-lo aos poucos.<br />

O estado <strong>de</strong> espírito do presi<strong>de</strong>nte é tão positivo na narrativa que, mesmo quando<br />

ele parece acuado pelos ataques, ele é retratado como um homem <strong>de</strong> classe, que<br />

respon<strong>de</strong> às ameaças <strong>de</strong> surra <strong>de</strong> Arthur Virgílio e ACM Neto com conversas<br />

educa<strong>da</strong>s.<br />

A ligação entre o presi<strong>de</strong>nte e o PT também é retrata<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma que a<br />

personagem <strong>de</strong> Lula se sobreponha ao partido. Isso é natural, mesmo porque o<br />

Brasil não possui uma forte cultura partidária e há pouca ligação entre o eleitorado e<br />

partidos. Seja por falta <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> partidária, seja pela <strong>de</strong>mocracia que ain<strong>da</strong> é<br />

jovem, Carta Capital recorta o que realmente acontece. Lula é um ser à parte do<br />

partido. As discussões partidárias já não cabem a uma avaliação presi<strong>de</strong>ncial, mas à<br />

executiva nacional.<br />

As informações <strong>de</strong> bastidores, como jornalismo político brasileiro<br />

recomen<strong>da</strong>, são atribuí<strong>da</strong>s a palacianos, ministros, assessores. Eles não são<br />

i<strong>de</strong>ntificados e transmitem as informações no estilo brasileiro <strong>de</strong> veicular o off: não<br />

como uma informação para iniciar uma apuração, mas como uma informação<br />

acéfala a ser divulga<strong>da</strong>. As intrigas prejudiciais ao presi<strong>de</strong>nte são filtra<strong>da</strong>s.<br />

Em relação às características morais, Lula parece ingênuo ao dizer “que<br />

entregaria um cheque em branco” a Roberto Jefferson, mas não errado por confiar<br />

em alguém corrupto. Lula permanece sem “ser arrastado para o centro <strong>da</strong> crise”,<br />

como que inatingível. Ministros, assessores, parlamentares ligados ao presi<strong>de</strong>nte<br />

per<strong>de</strong>m seus cargos sucessivamente durante o escân<strong>da</strong>lo, mas na<strong>da</strong> parece atingir<br />

o presi<strong>de</strong>nte. Quando “o presi<strong>de</strong>nte pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas em nome do governo e do<br />

PT”, a narrativa carrega no traço <strong>de</strong> um homem superior. Ele reconhece os erros, é<br />

humil<strong>de</strong> e íntegro, já que, segundo a revista, não há “indicação <strong>de</strong> que Lula<br />

49


conhecesse ou tivesse avalizado as operações clan<strong>de</strong>stinas <strong>de</strong> Delúbio e Marcos<br />

Valério”.<br />

Os julgamentos morais do presi<strong>de</strong>nte sobre outros personagens são<br />

veiculados livremente, como a caracterização <strong>da</strong> oposição “preconceituosa” repleta<br />

<strong>de</strong> “gângsteres”. Segundo a narrativa, "o presi<strong>de</strong>nte Lula é, justamente, a peça do<br />

dominó que falta, ain<strong>da</strong> que não se anuncie, por enquanto, nenhuma perspectiva<br />

razoável, nem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política nem <strong>de</strong> fundo popular, para um pedido <strong>de</strong><br />

impeachment - sonho dourado acalentado, sobretudo, <strong>de</strong>ntro do PFL". A hipótese <strong>de</strong><br />

impeachment ou <strong>de</strong> responsabilização sobre a omissão em relação à corrupção são<br />

prontamente <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong>s por dois motivos básicos. O primeiro é quem o pe<strong>de</strong>. A<br />

oposição, como se constatará adiante na análise do antagonista em Carta Capital, é<br />

forma<strong>da</strong> por políticos <strong>de</strong>spreparados que não tem nenhuma preocupação com o<br />

país ou com o coletivo, mas com projetos políticos individuais (principalmente) ou<br />

partidários. O segundo motivo é o objetivo. O impeachment, para a revista, serviria a<br />

um projeto político e não teria qualquer relação com um suposto crime a ser<br />

investigado.<br />

Em alguns momentos, Lula parece <strong>de</strong>sapontar os narradores <strong>de</strong> Carta<br />

Capital. Apesar <strong>de</strong> Lula ser um homem íntegro e o mais bem preparado para<br />

conduzir o país, ele se envolveu com pessoas erra<strong>da</strong>s e está no rumo errado em<br />

vários aspectos. A condução <strong>da</strong> economia, as alianças com partidos que a revista<br />

julga corruptos e a pouca atenção <strong>da</strong><strong>da</strong> a quesitos básicos, como educação,<br />

investimentos em infra-estrutura e a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos menos favorecidos.<br />

Assim, Lula parece ter se tornado outro <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> ao po<strong>de</strong>r. Ele é o mesmo<br />

que encantou Mino Carta e justificou uma entrevista <strong>de</strong> 12 páginas na edição <strong>de</strong><br />

14/12/2005 (CARTA CAPITAL, ANO XII N.372), mas a “transformação <strong>de</strong> Lula no<br />

anti-Lula completa-se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eleito. Isso po<strong>de</strong> ser visto por um <strong>de</strong>talhe: o<br />

comportamento do governo em relação à CPI <strong>da</strong> Evasão <strong>de</strong> Divisas". Esse assunto<br />

será melhor abor<strong>da</strong>do no capítulo que trata <strong>da</strong>s metanarrativas dos semanários<br />

estu<strong>da</strong>dos.<br />

Veja<br />

Ao longo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a narrativa construí<strong>da</strong> por Veja, o personagem Lula é<br />

construído e <strong>de</strong>sconstruído do ponto <strong>de</strong> vista moral. A princípio, sua imagem teria<br />

50


sofrido apenas uma fissura para a qual talvez pu<strong>de</strong>sse haver conserto se toma<strong>da</strong>s<br />

as medi<strong>da</strong>s certas. Em segui<strong>da</strong>, Veja passa a questionar o caráter <strong>de</strong> Lula<br />

diretamente e sua integri<strong>da</strong><strong>de</strong> é posta em xeque.<br />

A capa <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005 pergunta se “Ele sabia?” traz um Lula<br />

envolto em uma sombra <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong> na fase do suposto questionamento, a<br />

hipótese não escon<strong>de</strong> uma tese que o <strong>de</strong>precia porque julga antes <strong>de</strong> investigar: "A<br />

pergunta inevitável é se Lula sabia <strong>da</strong>s traficâncias do tesoureiro do PT. Antes<br />

mesmo que se tenha uma resposta sem ro<strong>de</strong>ios a essa pergunta, o simples fato <strong>de</strong><br />

a dúvi<strong>da</strong> existir já atinge o presi<strong>de</strong>nte."<br />

Na edição imediatamente seguinte, a capa respon<strong>de</strong>: “Mensalão –<br />

quando e como Lula foi alertado”. Sim, diz o narrador Veja. Depois <strong>de</strong> investigar, a<br />

revista conclui que ele não só sabia como também foi alertado e não tomou<br />

providências porque fez uma escolha. Uma escolha <strong>de</strong> omissão, mas ain<strong>da</strong> assim<br />

uma escolha que não o exime. O subtítulo <strong>da</strong> matéria correspon<strong>de</strong>nte diz que Veja<br />

<strong>de</strong>scobriu que o presi<strong>de</strong>nte soube do mensalão bem mais do que admitiu<br />

oficialmente até então.<br />

A partir <strong>da</strong>í, a revista se propõe a investigar as pistas <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong>s pelo<br />

presi<strong>de</strong>nte. Basea<strong>da</strong> em suas expressões, cria um personagem emotivo, que se<br />

<strong>de</strong>saponta, chora, se <strong>de</strong>prime, “não consegue mais escon<strong>de</strong>r no semblante sua<br />

contrarie<strong>da</strong><strong>de</strong> com a permanência e o paulatino aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> crise política”,<br />

se <strong>de</strong>ixa abater e, por fim, após a constatação <strong>de</strong> sua vitória, “exibe um sorriso <strong>de</strong><br />

orelha a orelha. Já fareja o cheiro <strong>de</strong> pizza.”. Até que isso acontecesse, muita coisa<br />

aconteceu.<br />

Socialmente (o que equivale a politicamente), Lula é uma figura que<br />

precisou ser isola<strong>da</strong>. Externamente, foi preciso dissociá-lo do governo para po<strong>de</strong>r<br />

também isolá-lo <strong>da</strong> crise. Essa estratégia foi fun<strong>da</strong>mental para a sobrevivência <strong>de</strong><br />

sua imagem pública, conforme se pô<strong>de</strong> ver <strong>de</strong>pois, e Veja contribuiu com essa<br />

separação. Ao longo do escân<strong>da</strong>lo, a revista especula sobre a populari<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

presi<strong>de</strong>nte, mas como esta se mostra inabalável, o constrói como um ser ilhado em<br />

meio à crise, como quando afirma que ao manter a agen<strong>da</strong> <strong>de</strong> viagens<br />

internacionais, ele "ficou protegido pela distância entre Brasil e Japão <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

choque <strong>da</strong>s tromba<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus auxiliares diretos no Planalto.".<br />

Da mesma forma, internamente, nenhuma <strong>da</strong>s capas <strong>da</strong> revista que traz<br />

Lula o faz associando-o ao partido. Mesmo na edição <strong>da</strong> capa “República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

51


do Zé”, que sobrepõe a estrela do PT ao brasão <strong>da</strong> república, Veja não atribui ao<br />

personagem Lula o erro <strong>de</strong> confundir partido com governo. Também na capa “Lulla”,<br />

que faz referência à Collor, o referencial negativo <strong>da</strong> do mensalão (o PT) é <strong>de</strong>ixado<br />

<strong>de</strong> fora e o presi<strong>de</strong>nte em nenhum momento é citado como um dos fun<strong>da</strong>dores do<br />

partido.<br />

Se inicialmente, sua postura era <strong>de</strong> inércia e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero,<br />

quando Lula reage, para Veja, já era tar<strong>de</strong>. Por isso, ele teria ficado atônito e, em<br />

segui<strong>da</strong>, abatido. Tal como um pai que se <strong>de</strong>cepciona com os filhos, Lula não teria<br />

conseguido acreditar no que estava acontecendo diante <strong>de</strong> seus olhos e, em um<br />

primeiro momento, teria sucumbido à perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e à apatia. Só <strong>de</strong>pois é que o<br />

presi<strong>de</strong>nte teria tomado uma linha vigorosa, <strong>da</strong>í que Veja elogia sua clareza no<br />

discurso em que ele diz que se for necessário, vai "cortar na própria carne". E corta.<br />

Ao <strong>de</strong>mitir Dirceu, Lula teria dito que aquela havia sido a <strong>de</strong>cisão mais difícil <strong>de</strong> seu<br />

governo.<br />

Como não há indícios do envolvimento ou <strong>da</strong> omissão <strong>de</strong> Lula, a<br />

blin<strong>da</strong>gem em sua volta leva Veja a uma nova hipótese: a do impeachment, e o faz<br />

através <strong>de</strong> vários caminhos:<br />

1 sugerindo o financiamento fraudulento <strong>de</strong> sua campanha;<br />

2. afirmando que Lula sabia do mensalão; e<br />

3. supondo que Lula negociou diretamente o mensalão.<br />

A capa e o conteúdo <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005 trazem um Lula<br />

em tese tenso com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser impedido <strong>de</strong> exercer a presidência:<br />

As revelações <strong>de</strong> Du<strong>da</strong> Mendonça sugerem que a campanha <strong>de</strong> Lula po<strong>de</strong><br />

ter sido parcialmente banca<strong>da</strong> com dinheiro ilegal, e a conseqüência disso é<br />

<strong>de</strong>vastadora. Significa dizer que o mais alto man<strong>da</strong>tário do país po<strong>de</strong> ter<br />

chegado ao Palácio do Planalto valendo-se <strong>de</strong> operações financeiras<br />

clan<strong>de</strong>stinas e fraudulentas. (...) Depois do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Du<strong>da</strong> Mendonça,<br />

o cenário mudou. Lula ficou ain<strong>da</strong> menor. O impeachment cresceu. (...) Lula<br />

chegou ao Palácio <strong>da</strong> Alvora<strong>da</strong>, com cacife <strong>de</strong> sobra para promover<br />

mu<strong>da</strong>nças que po<strong>de</strong>riam ter valido já nas eleições do ano passado. Mas,<br />

em vez <strong>de</strong> mexer nesse vespeiro, ao preço <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagra<strong>da</strong>r aos partidos<br />

pequenos e médios, o governo preferiu comprar <strong>de</strong>putados. (...) Já se sabia<br />

que o presi<strong>de</strong>nte Lula fora alertado sobre a existência do mensalão em pelo<br />

menos cinco ocasiões, entre fevereiro <strong>de</strong> 2004 e março passado. É a<br />

primeira vez, porém, que se tem notícia <strong>de</strong> que Lula po<strong>de</strong> ter chegado ao<br />

ponto <strong>de</strong> negociar pessoalmente os pagamentos, tendo, portanto, se<br />

envolvido com o assunto <strong>de</strong> forma muito mais profun<strong>da</strong> e mais<br />

comprometedora.<br />

Em vão. A partir <strong>de</strong>sse momento, refeito do naufrágio que não abriu um<br />

buraco em sua populari<strong>da</strong><strong>de</strong>, que o personagem volta. Tal qual um (anti) herói<br />

52


lin<strong>da</strong>do pela armadura <strong>de</strong> isolamento, Lula não só sobreviveu politicamente, mas<br />

que também conseguiu manter sua honra (entendi<strong>da</strong> como imagem pública)<br />

relativamente intacta diante <strong>da</strong>s avarias e baixas causa<strong>da</strong>s pela crise.<br />

De volta <strong>da</strong> cruza<strong>da</strong>, o herói é acolhido pelos seus e volta nos braços do<br />

povo. Segundo Veja, a partir <strong>de</strong> agosto, Lula esquece o mensalão e entra em<br />

campanha:<br />

3.3.2 Oposição<br />

A iniciativa <strong>de</strong> Lula <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> seu eleitorado histórico tem origem<br />

em dois fatores. O primeiro é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal e se assemelha àquilo que<br />

a psicanálise chama <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> regressão. Acuado, Lula, numa<br />

espécie <strong>de</strong> movimento reflexo, volta-se para o segmento que lhe <strong>de</strong>u<br />

origem, aquele em que se sente mais acolhido. No seu caso, os<br />

movimentos populares <strong>de</strong> base. A segun<strong>da</strong> razão é <strong>de</strong> caráter estratégico:<br />

três especialistas em pesquisas <strong>de</strong> opinião ouvidos por VEJA concor<strong>da</strong>m<br />

que, neste momento, o petista ain<strong>da</strong> tem condições <strong>de</strong> se reeleger e age <strong>de</strong><br />

forma oportuna ao concentrar esforços na fatia do eleitorado que lhe<br />

permanece fiel. (Veja, 03/08/2005, Edição 1916)<br />

O personagem <strong>de</strong>sempenhado pela oposição, durante o escân<strong>da</strong>lo do<br />

mensalão, correspon<strong>de</strong> ao antagonista. Segundo Brait (2006, p. 87), esse tipo <strong>de</strong><br />

personagem po<strong>de</strong> ser representado coletivamente ou individualmente. No caso <strong>da</strong><br />

narrativa em questão, há alguns <strong>de</strong>putados e senadores <strong>de</strong> partidos-chave no<br />

processo <strong>de</strong> oposição política que foram escolhidos para, tal como uma metonímia,<br />

representarem a oposição como um todo.<br />

Há um papel, constitucionalmente previsto, que é socialmente esperado<br />

<strong>da</strong> Oposição. A contestação, a representação <strong>da</strong> minoria, o embate público, e que<br />

por vezes é <strong>de</strong>svirtuado durante o jogo político, como o trancamento <strong>de</strong> pautas e<br />

votações, a aprovação <strong>de</strong> leis e aumentos salariais, por exemplo, que têm muito<br />

mais a função <strong>de</strong> constranger e prejudicar o governo do que realizar a justiça social.<br />

Esse papel não é exclusivo <strong>da</strong> narrativa inicia<strong>da</strong> na posse do governo Lula. O PT<br />

<strong>de</strong>sempenhou essa função com <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

re<strong>de</strong>mocratização. Como <strong>de</strong>fine Gomes (2004, p. 92),<br />

por mais que se reitere a importância, em termos <strong>de</strong> teoria <strong>de</strong>mocrática, <strong>da</strong>s<br />

relações entre Executivo e Legislativo, o centro real <strong>da</strong> luta política é a<br />

relação entre governo e oposição. O grupo que governa tem o po<strong>de</strong>r que<br />

lhe dá a administração dos recursos do Estado, mas precisa <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

política conforme os seus programas e projetos, além <strong>de</strong> precisar manter ou<br />

aumentar seu po<strong>de</strong> eleitoral. (...) O antagonismo essencial que contrapõe os<br />

53


dois grupos faz com que o êxito <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um, <strong>de</strong> alguma forma, sempre<br />

signifique a frustração do outro.<br />

É necessário também não se ater apenas aos atos em si, mesmo porque<br />

se fosse focado o <strong>de</strong>sempenho oposicionista, seria possível perceber que, por<br />

vezes, a própria base alia<strong>da</strong>, ou até mesmo o PT, age, discute e vota contra<br />

propostas do governo. Esse tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> ganhou muito espaço nos veículos <strong>de</strong><br />

comunicação, principalmente as lágrimas públicas <strong>da</strong> senadora alagoana Heloísa<br />

Helena, que acabou por se tornar adversária política do PT ain<strong>da</strong> no primeiro<br />

man<strong>da</strong>to do governo Lula.<br />

O antagonista é, muitas vezes, o avesso, o oposto do protagonista. Isso<br />

não acontece apenas nas características do personagem, ou do grupo <strong>de</strong><br />

personagens, mas também nas atitu<strong>de</strong>s durante o <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> narrativa.<br />

Geralmente, a partir <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> Gancho, o antagonista é consi<strong>de</strong>rado o vilão <strong>da</strong><br />

história. Não po<strong>de</strong>mos restringir, porém, a leitura do conceito <strong>de</strong> vilão a algo<br />

negativo.<br />

Para exemplificar, basta que se visualize uma narrativa na qual um<br />

assassino em série é o protagonista <strong>da</strong> história e o policial que investiga os crimes é<br />

o antagonista. As ações do protagonista compõem o <strong>de</strong>correr único, sem o ponto <strong>de</strong><br />

vista do antagonista. Quem seria, portanto, aquele que quer acabar com os planos<br />

do protagonista - nesse exemplo <strong>de</strong>sempenhado por um anti-herói? O policial.<br />

Assim, é preciso primeiro analisar a narrativa estabeleci<strong>da</strong> por ca<strong>da</strong> revista, sem se<br />

atentar precocemente a um prévio juízo <strong>de</strong> valor baseado na carga semântica dos<br />

conceitos utilizados. A relação entre o conceito <strong>de</strong> antagonista e vilão só po<strong>de</strong>rá,<br />

portanto, ser estabeleci<strong>da</strong> posteriormente. A partir disso, será possível analisar que<br />

tipo <strong>de</strong> leitura e recorte foi <strong>da</strong>do a esse grupo <strong>de</strong> personagens que atuam contra o<br />

protagonista <strong>da</strong> narrativa, o presi<strong>de</strong>nte Lula.<br />

Como foi estabelecido anteriormente, a oposição política no Brasil é<br />

<strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong> por partidos com ban<strong>de</strong>iras <strong>da</strong>s mais diversas. Os dois partidos<br />

escolhidos como representantes <strong>da</strong> oposição, porém, foram apenas o PSDB e o ex-<br />

PFL - atual Democratas. Os <strong>de</strong>putados e senadores mais atuantes foram José<br />

Agripino Maia, Antonio Carlos Magalhães, ACM Neto, Jorge Bornhausen, Arthur<br />

Virgílio, Heráclito Fortes, além do ex-presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso.<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> fazer o recorte para esses dois partidos não se resume na<br />

pesquisa em si, mas na própria abor<strong>da</strong>gem dos dois semanários escolhidos. PSDB<br />

54


e PFL representam a oposição em praticamente todos os momentos <strong>da</strong> narrativa,<br />

mesmo quando há a participação <strong>de</strong> outros partidos políticos nas mesmas ações.<br />

A oposição, a partir <strong>de</strong> um <strong>da</strong>do momento ao longo <strong>da</strong> narrativa, transitou<br />

entre as funções <strong>de</strong> acusador e acusado. Ao surgir a <strong>de</strong>núncia <strong>da</strong> participação do<br />

então presi<strong>de</strong>nte do PSDB, o senador mineiro Eduardo Azeredo, no esquema <strong>de</strong><br />

caixa 2 abastecido pelo chamado valerioduto, a oposição teve seu papel <strong>de</strong><br />

acusador e investigador contestado e passou a ser alvo <strong>de</strong> investigações também<br />

por parte <strong>da</strong> imprensa.<br />

Carta Capital<br />

Como se trata <strong>de</strong> um grupo, e não <strong>de</strong> apenas um indivíduo, não faz<br />

sentido caracterizar o personagem oposição do ponto <strong>de</strong> vista físico ou psicológico<br />

já que estes são aspectos estritamente individuais. I<strong>de</strong>ologicamente, PSDB E PFL<br />

pouco tem em comum, mas a posição sócio-política que ocupam no escân<strong>da</strong>lo é<br />

unifica<strong>da</strong>. A partir <strong>de</strong>ssa justificativa inicial, po<strong>de</strong>mos prosseguir com a análise <strong>de</strong>sse<br />

grupo <strong>de</strong> personagens essencial à trama. Por mais que não seja possível avaliar em<br />

separado essas características, o estado <strong>de</strong> espírito do grupo está representado em<br />

expressões como “para <strong>de</strong>leite <strong>da</strong> oposição”, “ânsia <strong>de</strong> incriminar o governo”,<br />

“esperam com ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> o momento <strong>de</strong> atacar Dirceu no Congresso” ou a “alegria<br />

raivosa”, expressão célebre <strong>de</strong> Chico Buarque.<br />

Na narrativa <strong>de</strong> Carta Capital, sem mais <strong>de</strong>longas, a oposição contra o<br />

governo Lula representa o que há <strong>de</strong> pior na política brasileira. Para o bem e para o<br />

mal. O que se po<strong>de</strong> tirar <strong>de</strong> positivo nessa história é que o “estado <strong>de</strong> espírito” <strong>da</strong><br />

oposição leva a um accountability severo por parte do governo. Os<br />

constrangimentos são inúmeros e constantes. É o mesmo papel <strong>de</strong>sempenhado<br />

historicamente pelo PT durante, principalmente, o governo <strong>de</strong> Fernando Henrique<br />

Cardoso. A prestação <strong>de</strong> contas do governo passa, por exemplo, pela capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong><br />

tarimbados consultores e técnicos que conhecem os meandros <strong>de</strong> uma CPI<br />

e <strong>de</strong>têm a tecnologia <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> balanços patrimoniais e movimentações<br />

bancárias, além <strong>de</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> política. Nos últimos dias, esses<br />

especialistas têm sido responsáveis pelas perguntas mais contun<strong>de</strong>ntes<br />

feitas aos <strong>de</strong>poentes, pelo cruzamento <strong>de</strong> informações e pela montagem <strong>de</strong><br />

um banco <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos com <strong>de</strong>clarações e entrevistas <strong>da</strong><strong>da</strong>s no passado por<br />

ex-dirigentes petistas (CARTA CAPITAL, 27/07/2005, ANO XI, N.352)<br />

55


É bom registrar esse elogio porque ele é um dos únicos ao longo <strong>da</strong>s<br />

vinte edições estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Nessa narrativa, a toa<strong>da</strong> parece aquela brinca<strong>de</strong>ira entre<br />

amigos: “mesmo calado você já está errado”. Qualquer tipo <strong>de</strong> contestação<br />

elaborado pela oposição é visto como uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestabilização política<br />

basea<strong>da</strong> unicamente em projetos pessoais ou partidários e nenhuma preocupação<br />

com o país.<br />

Por estarem excluí<strong>da</strong>s as características físicas e psicológicas, e as<br />

sociais funcionarem mais como burocráticas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> profissões e cargos<br />

ocupados, o retrato do grupo está baseado nas características i<strong>de</strong>ológicas e morais.<br />

As primeiras têm como base o modo <strong>de</strong> agir e pensar <strong>da</strong> oposição, os meandros <strong>da</strong>s<br />

movimentações, dos bastidores, <strong>da</strong>s negociações <strong>de</strong> ataques, trancamentos <strong>de</strong><br />

pauta, obstruções, investigações e a busca pelos holofotes midiáticos.<br />

As ações <strong>da</strong> oposição não são retrata<strong>da</strong>s <strong>de</strong> maneira agradável. Até<br />

mesmo quando não há a contestação habitual do narrador sobre a ação <strong>da</strong><br />

oposição, parece que um gosto amargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança permanece por um bom<br />

tempo e substitui com <strong>de</strong>senvoltura as críticas do narrador <strong>de</strong> Carta Capital. Se “os<br />

tucanos querem vestir o uniforme <strong>de</strong> oposição responsável”, já está claro que não o<br />

são. Ela conquista “trunfo no jogo sem regras” elaborado por ela mesma. E, no<br />

intuito <strong>de</strong> “magnetizar o PT e o governo com o bordão <strong>da</strong> corrupção”, a “oposição<br />

cumpre bem seu papel <strong>de</strong> explorar as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas e midiáticas <strong>da</strong> CPI”.<br />

O narrador chega a sugerir que os oposicionistas estão enamorados <strong>da</strong>s duas<br />

câmeras Sony que são utiliza<strong>da</strong>s nas CPIs.<br />

Os dois partidos funcionam na narrativa a partir <strong>de</strong> hierarquias rígi<strong>da</strong>s e<br />

bem estabeleci<strong>da</strong>s, em forte alusão à Igreja Católica, uma instituição que, para a<br />

revista, está para<strong>da</strong> no tempo.<br />

Jorge Bornhausen é chamado <strong>de</strong> car<strong>de</strong>al. Bornhausen e Virgílio disputam<br />

“o papel <strong>de</strong> Torquema<strong>da</strong> <strong>da</strong> oposição”. As <strong>de</strong>cisões políticas não passam por<br />

negociações entre os parlamentares, mas se originam <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns do “grupo”, <strong>da</strong><br />

“cúpula”, dos “car<strong>de</strong>ais”. O retrato é necessário para diferenciar do PT, um partido<br />

<strong>de</strong> base, com várias correntes i<strong>de</strong>ológicas e discussões internas, além <strong>da</strong>s rupturas<br />

públicas por conta dos parlamentares. Até mesmo na hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o “know-how<br />

tucano” se substitui a expressão por “savoir-faire”, numa alusão pejorativa ao exílio<br />

<strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso em Paris e à intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e formalismo no<br />

entorno do partido.<br />

56


Não há qualquer credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> no discurso do antagonista. Nessa<br />

narrativa, a oposição é o vilão, com o juízo <strong>de</strong> valor bem próximo <strong>da</strong> mal<strong>da</strong><strong>de</strong>. A<br />

começar por ser a origem do mal, já que “ninguém duvi<strong>da</strong> que fantasmas <strong>da</strong> mesma<br />

natureza [corrupta] assombram os sonhos políticos tucanos”. O aparecimento <strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong>núncias contra o então presi<strong>de</strong>nte do PSDB, o senador mineiro Eduardo Azeredo,<br />

atingiu em cheio a atuação <strong>da</strong> oposição.<br />

A tentativa <strong>de</strong> suavizar a corrupção tucana é vista com <strong>de</strong>sconfiança<br />

pelo narrador <strong>da</strong> revista. Ele se pergunta: “On<strong>de</strong> está a diferença entre os dois<br />

esquemas? Por que a tese <strong>de</strong> empréstimos bancários <strong>de</strong>veria ser aceita no caso <strong>da</strong><br />

campanha <strong>de</strong> Azeredo e <strong>de</strong>squalifica<strong>da</strong> quando serve <strong>de</strong> álibi para os gastos<br />

petistas?”. No quesito moral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong> narrativa a oposição aparece como<br />

responsável pela gênese, ou continui<strong>da</strong><strong>de</strong> competente, <strong>da</strong> corrupção do país. Lula e<br />

o PT apenas tiveram a infelici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cair na armadilha. A “sinuca <strong>de</strong> bico” apareceu<br />

para o governo Lula como uma <strong>de</strong>cisão entre a corrupção e a ingovernabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A expressão “Quem antes apontava o rei nu, viu-se <strong>de</strong>spido" utiliza<strong>da</strong><br />

pelo narrador é perfeita para a vira<strong>da</strong> narrativa. A oposição sai do papel <strong>de</strong><br />

acusadora e assume contra a vonta<strong>de</strong> o papel <strong>de</strong> acusa<strong>da</strong>. E aqui, para a revista,<br />

não há dúvi<strong>da</strong> quanto a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do partido e a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>núncia. Os<br />

suspeitos são retratados como "políticos tucanos que efetivamente foram<br />

beneficiários do esquema Marcos Valério nas eleições <strong>de</strong> 1998". Ou seja,<br />

comprova<strong>da</strong>mente culpados.<br />

A tentativa <strong>de</strong> argumentar que o crime já teria prescrito não convence o<br />

narrador <strong>de</strong> Carta Capital, que logo trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar claro que “quem <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>cidir se<br />

um crime está prescrito ou não é a Justiça”. Uma manobra política que estaria muito<br />

bem localiza<strong>da</strong> nas características i<strong>de</strong>ológicas, não fosse o fato <strong>de</strong> que há algo<br />

moral por trás: a ocultação <strong>de</strong> um crime.<br />

Veja<br />

Conforme <strong>de</strong>monstrado na análise do personagem Oposição em Carta<br />

Capital (Anexo IV), não se mostra razoável uma caracterização física e/ou<br />

psicológica. Contudo, é possível analisar alguns traços dos vários sujeitos que<br />

compõem esse grupo para compreen<strong>de</strong>r as nuances que aju<strong>da</strong>m a <strong>da</strong>r uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />

esta personali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

57


Em se tratando <strong>de</strong> um conjunto tão díspar, como é construí<strong>da</strong> essa<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>? Há um episódio do escân<strong>da</strong>lo que se <strong>de</strong>staca pela capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese<br />

que confere caráter próprio à oposição diante <strong>da</strong> crise. Trata-se <strong>da</strong> votação pelo<br />

aumento do salário mínimo:<br />

No Senado, os oposicionistas, li<strong>de</strong>rados pelo senador baiano Antonio Carlos<br />

Magalhães, resolveram aprovar um aumento para o salário mínimo,<br />

elevando-o para 384,29 reais. A <strong>de</strong>cisão é uma estupi<strong>de</strong>z <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> apenas<br />

a causar constrangimento ao presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, que terá <strong>de</strong> vetar o<br />

aumento. É um <strong>de</strong>boche do pe<strong>da</strong>ço irresponsável <strong>da</strong> oposição, que merece<br />

to<strong>da</strong> a censura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas é preciso que se reconheça que a<br />

oposição irresponsável só <strong>de</strong>bocha <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong>. (...) Já os senadores do<br />

PSDB, que também votaram a favor <strong>da</strong> proposta (do novo salário mínimo),<br />

parecem mais interessados em constranger o presi<strong>de</strong>nte Lula, que será<br />

obrigado a arcar com o custo político <strong>de</strong> vetá-la – curiosamente, foi o PSDB<br />

que moldou o conceito <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> fiscal nos anos 90. (VEJA,<br />

17/08/2005, Edição 1918)<br />

Assim, a oposição é, para Veja, estúpi<strong>da</strong>, irresponsável e <strong>de</strong>bocha<strong>da</strong>,<br />

porém só po<strong>de</strong> sê-lo porque as circunstâncias o permitem.<br />

Para Veja, a oposição enquanto antagonista é <strong>de</strong>fensiva e reage <strong>de</strong><br />

acordo com as posições toma<strong>da</strong>s pelo herói. Como durante todo o início do<br />

escân<strong>da</strong>lo Lula aparece frágil, a oposição aproveita o momento para se fortalecer. O<br />

heterodoxo conjunto entra em consenso quanto à urgência <strong>da</strong> instalação <strong>de</strong> uma<br />

CPI, mas, do alto <strong>de</strong> suas quatro déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> cobertura política, Veja não se mostra<br />

ingênua quanto ao passado <strong>de</strong> seus membros e lê nas entrelinhas <strong>de</strong> suas falas:<br />

A fala: Quem não gosta <strong>de</strong> CPI é o PT, que tenta impedir que a oposição<br />

use esse instrumento. (Arthur Virgílio, lí<strong>de</strong>r do PSDB no Senado, na terçafeira<br />

24).<br />

A tradução: CPI nos olhos dos outros é colírio.<br />

A fala: “O país está sem rumo, tal qual peru bêbado em dia <strong>de</strong> Natal.<br />

(Fernando Henrique Cardoso, ex-presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, no sábado 21.)<br />

A tradução: No governo FHC esses escân<strong>da</strong>los <strong>de</strong> corrupção eram tratados<br />

com muito mais tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>, até porque ele tinha entre seus fortes aliados<br />

em postos <strong>de</strong> comando gente que conhece bem o meei, como o ex-senador<br />

Ja<strong>de</strong>r Barbalho.<br />

Talvez tivesse calculado mal que esse oportunismo também teria um<br />

preço, mas até que isso acontecesse, a revista os chama <strong>de</strong> maduros politicamente.<br />

De fato, nessa disputa vale tudo e, para Veja, embora PFL e PSDB se opusessem a<br />

Lula (e é nesse sentido que são antagonistas), os ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros vilões são os petistas.<br />

58


Eram eles quem preparavam um ataque “no plano que se situa abaixo <strong>da</strong> linha <strong>da</strong><br />

cintura”, afinal "embora procurem atingir Aécio, os petistas que fazem o trabalho sujo<br />

acreditam que a estratégia <strong>de</strong> ameaça tem funcionado melhor com o presi<strong>de</strong>nte do<br />

PSDB, Eduardo Azeredo." (VEJA, 06/07/2005, Edição 1912).<br />

O jogo mu<strong>da</strong> quando as ameaças se cumprem, tal qual como acontecera<br />

em Carta Capital, mas quem traz esse outro episódio do escân<strong>da</strong>lo à tona não é<br />

nenhuma <strong>da</strong>s duas revistas:<br />

Segundo revelou o jornal O Globo, em 1998 o PSDB <strong>de</strong> Minas Gerais teria<br />

recorrido a operações heterodoxas para financiar a campanha à reeleição<br />

do governador tucano Eduardo Azeredo. (...) Azeredo, hoje presi<strong>de</strong>nte do<br />

PSDB, nega ter tido conhecimento do empréstimo e já se dispôs a <strong>de</strong>por<br />

sobre o assunto na CPI dos Correios. No mesmo dia em que O Globo<br />

publicou a reportagem, o ex-presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique afirmou que é<br />

preciso "passar o Brasil a limpo" mas que o que aconteceu no seu governo<br />

"é coisa <strong>da</strong> história". Foi uma afirmação equivoca<strong>da</strong>. (...) Fernando<br />

Henrique, no entanto, chama atenção para a questão certa quando diz que<br />

o surgimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias contra tucanos não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> pretexto para<br />

que se perca o foco na apuração do escân<strong>da</strong>lo atual – mais grave e muito<br />

mais amplo. (VEJA, 03/08/2005, Edição 1916)<br />

Tucanos não são omissos, eles estão equivocados. Eles não fazem caixa<br />

dois, mas operações heterodoxas. Embora seus escân<strong>da</strong>los não tenham sido<br />

investigados, o dos petistas é mais grave e muito mais amplo. Quando envolvidos<br />

em corrupção não é porque agiram assim, mas porque “o PT colocou em ação uma<br />

estratégia mais pragmática” (VEJA, 06/07/2005, Edição 1912).<br />

Em reação, a oposição diminui o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fogo. O assunto CPI é<br />

<strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado e quase há uma cisão interna. De acordo com a revista, o<br />

governador <strong>de</strong> Goiás, Marconi Perillo (PSDB) contou que reclamou à Lula do<br />

pagamento a <strong>de</strong>putados para que trocassem <strong>de</strong> partido e do pagamento <strong>de</strong> mesa<strong>da</strong><br />

para que votassem com o governo. A recomen<strong>da</strong>ção interna do partido foi para<br />

abafar o caso. Cautelosa, a oposição faz uma escolha <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente calcula<strong>da</strong>,<br />

sem qualquer misericórdia. O compromisso não é com o país, como po<strong>de</strong> parecer a<br />

princípio, mas com a campanha <strong>de</strong> 2006.<br />

Os tucanos alegaram que Perillo não <strong>de</strong>veria jogar mais lenha na fogueira,<br />

aprofun<strong>da</strong>ndo a crise ain<strong>da</strong> mais, e comprometendo mortalmente a imagem<br />

do presi<strong>de</strong>nte Lula. Os tucanos, antes como agora, preferem que Lula<br />

permaneça no cargo e conclua seu man<strong>da</strong>to <strong>de</strong> forma melancólica, ce<strong>de</strong>ndo<br />

a ca<strong>de</strong>ira para algum tucano eleito nas urnas. Eles querem evitar um<br />

<strong>de</strong>sfecho radical para a crise pois isso faria do presi<strong>de</strong>nte uma vítima, um<br />

mártir. (VEJA, 20/07/2005, Edição 1914)<br />

59


3.3.3 Roberto Jefferson<br />

Ator <strong>de</strong> um papel só, Jefferson começa a cansar a platéia e a virar um<br />

coadjuvante <strong>de</strong> sua própria história - ou estória, (CARTA CAPITAL,<br />

10/08/02, N. 354)<br />

O presi<strong>de</strong>nte do PTB, Roberto Jefferson, foi escolhido porque<br />

<strong>de</strong>sempenha um papel-chave na narrativa do escân<strong>da</strong>lo do mensalão. O também<br />

<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral atua como um membro <strong>da</strong> família que <strong>de</strong>ixa o lar, tal como Propp<br />

estabelece no que seria a primeira função <strong>da</strong>s narrativas intitula<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Distanciamento, ou seja, ele pertence a um partido <strong>da</strong> base alia<strong>da</strong> que dá<br />

sustentação política ao governo, no quesito governabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, e em certo momento<br />

corta os laços e faz a <strong>de</strong>núncia no jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo. Roberto Jefferson<br />

também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um narrador-personagem, que, “narra<br />

acontecimentos dos quais participou”, mas não é o narrador-objeto <strong>de</strong>ste estudo, já<br />

que o narrador em questão é o jornalista.<br />

A narração estabeleci<strong>da</strong> por Jefferson por vezes ocupa o espaço <strong>de</strong> única<br />

narrativa <strong>de</strong> alguns acontecimentos porque só ele se pronuncia e não há outras<br />

evidências ou versões sobre os mesmos. Outras vezes, a narração <strong>de</strong> Jefferson é<br />

confronta<strong>da</strong> com as <strong>de</strong> outras personagens. É possível afirmar que ca<strong>da</strong><br />

personagem tem sua versão sobre o fato, mas Jefferson tem a maior importância<br />

nesse papel porque ele dá sustentação à versão que originou o escân<strong>da</strong>lo,<br />

justamente por ocupar um cargo político que transmite credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> às suas<br />

<strong>de</strong>clarações.<br />

A título <strong>de</strong> ilustração, José Dirceu, que ocupou o cargo <strong>de</strong> Chefe <strong>da</strong> Casa<br />

Civil do governo <strong>de</strong> Lula <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a posse em 2003 até sua renúncia ao cargo em<br />

2005, tentou estabelecer uma narrativa que fizesse contraponto à <strong>de</strong> Jefferson, mas<br />

não foi bem-sucedido. A cassação feita pela Câmara dos Deputados não aju<strong>da</strong> a<br />

chegar a uma conclusão sobre o assunto, mesmo que seja oficial. Se levados em<br />

conta os julgamentos, Jefferson foi cassado pelo motivo que inocentaria José<br />

Dirceu. Ou seja, a lógica jurídica não permitiria que os dois fossem cassados,<br />

porque suas versões eram completamente distintas. O objetivo, porém, não é<br />

estabelecer qual <strong>da</strong>s narrativas, seja <strong>de</strong> personagens, seja <strong>de</strong> revistas, é a mais<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira.<br />

60


É possível ain<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>rar em alguns momentos Jefferson um narrador<br />

intruso, ou seja, é aquele que fala diretamente com o leitor. Quando o <strong>de</strong>putado<br />

<strong>de</strong>punha na Comissão <strong>de</strong> Ética <strong>da</strong> Câmara dos Deputados, em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005,<br />

ele olhava diretamente para câmera e direcionava sua fala para o telespectador.<br />

Jefferson é, no entanto, sobretudo um personagem secundário. Segundo a <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> Gancho, esse tipo <strong>de</strong> personagem tem uma participação menos freqüente no<br />

enredo e po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar papel <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>nte tanto do protagonista quanto do<br />

antagonista. A <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>da</strong> narrativa e <strong>de</strong> qual semanário, o <strong>de</strong>putado acaba por<br />

<strong>de</strong>sempenhar os dois papéis com as mesmas ações.<br />

Como uma personagem redon<strong>da</strong>, Jefferson apresenta as diversas<br />

características (físicas, psicológicas, sociais, i<strong>de</strong>ológicas e morais) que serão<br />

analisa<strong>da</strong>s a seguir.<br />

Carta Capital<br />

O personagem Roberto Jefferson, tendo em vista o Anexo V, é<br />

caracterizado na maioria <strong>da</strong>s edições analisa<strong>da</strong>s nos quesitos físicos e morais. As<br />

características físicas, que englobam <strong>de</strong>scrições e <strong>de</strong>finições do corpo, <strong>da</strong> voz, dos<br />

gestos e <strong>da</strong> vestimenta do personagem, têm uma forte carga <strong>de</strong> adjetivação.<br />

O ex-<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral é retratado como um conhecedor do “fazer<br />

jornalístico” e dos meandros do espetáculo televisivo. Descrições como “numa<br />

performance repleta <strong>de</strong> caras e bocas e frases <strong>de</strong> efeito”, “com o nariz empinado e<br />

olhando sobre a cabeça dos <strong>de</strong>putados e <strong>da</strong> platéia” e “Jefferson, acusador e<br />

acusado <strong>de</strong> corrupção, vai continuar a <strong>da</strong>r um show particular, que já provoca<br />

cansaço” exemplificam essa linha <strong>de</strong> construção do personagem. O que <strong>de</strong>veria a<br />

mais simples e plana <strong>da</strong>s linhas <strong>de</strong>scritivas <strong>de</strong> um personagem acaba por ser uma<br />

<strong>da</strong>s que mais carrega o recorte proposto pela revista ao personagem Roberto<br />

Jefferson.<br />

Um personagem político que age e gesticula como um ator exibicionista<br />

que se mostra “ca<strong>da</strong> vez mais treinado e <strong>de</strong>sinibido no discurso ensaiado – com<br />

pausas premedita<strong>da</strong>s, silêncio induzido, sorriso irônico e ameaças vela<strong>da</strong>s” não é<br />

capaz <strong>de</strong> ter profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do campo <strong>de</strong> atuação política. Assim, o<br />

político que se torna um performático com atuações pré-estabeleci<strong>da</strong>s e controle<br />

total <strong>da</strong>s técnicas <strong>de</strong> retórica, não é para ser levado a sério, tendo em vista o que<br />

61


preza o campo político. É por isso que, nas banca<strong>da</strong>s e tribunas do Congresso<br />

Nacional, a quebra do “<strong>de</strong>coro” é tão discuti<strong>da</strong>. Segundo o Código <strong>de</strong> Ética e Decoro<br />

Parlamentar <strong>da</strong> Câmara dos Deputados, a quebra do <strong>de</strong>coro se configura, por<br />

exemplo, por faltar com a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> numa informação <strong>de</strong>clara<strong>da</strong>, celebrar acordos<br />

que permitam a posse do suplente e “praticar atos que infrinjam as regras <strong>de</strong> boa<br />

conduta”.<br />

Dedos em riste, olhares que não acompanham o movimento do rosto,<br />

pia<strong>da</strong>s, o falar diretamente com a câmera que transmite a sessão e que, sem o filtro<br />

jornalístico, fala diretamente com o telespectador. Assim, o discurso <strong>de</strong> Jefferson se<br />

torna um objeto à parte no espetáculo, ou seja, “mesmo sem apresentar provas, o<br />

petebista venceu pela retórica”. Jefferson é retratado como um histrião, que po<strong>de</strong> ser<br />

tanto um comediante, um bufão, quanto alguém vil.<br />

Ao longo <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scrições físicas, as <strong>de</strong>scrições morais se misturam. Ao<br />

estabelecer que o “<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson – ex-integrante <strong>da</strong> tropa <strong>de</strong> choque<br />

<strong>de</strong> Collor quando, então, era um pouco mais moço e muito mais gordo”, o recorte <strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>scrição física passa por uma intersecção <strong>da</strong>s relações políticas e pela memória<br />

popular <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do ex-presi<strong>de</strong>nte Fernando Collor <strong>de</strong> Mello. A tropa <strong>de</strong><br />

choque geralmente é usa<strong>da</strong> como linha <strong>de</strong> frente no confronto e Collor foi um<br />

presi<strong>de</strong>nte que sofreu impeachment por causa <strong>de</strong> envolvimento com corrupção.<br />

Além disso, no que diz respeito às características psicológicas <strong>de</strong><br />

Jefferson, ele também é tratado como melodramático, diabólico, um fantasma que<br />

assombra os adversários e que possui um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir reputações, mas que<br />

abusou do “arsenal testemunhal”.<br />

A Carta Capital só se mantém neutra e sem juízo <strong>de</strong> valor quando trata<br />

<strong>da</strong>s características sociais. Jefferson é tratado como <strong>de</strong>putado, petebista, presi<strong>de</strong>nte<br />

do PTB e parlamentar.<br />

Na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> parlamentar, Jefferson se envolve com freqüência nas<br />

negociações político-partidárias por, <strong>de</strong>ntre outros motivos, ser presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um<br />

partido com expressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r no Congresso. No entanto, Jefferson é retratado<br />

como um político que trama contra candi<strong>da</strong>turas do próprio partido, quando, “dizem<br />

nos corredores <strong>da</strong> Câmara”, apoiou Aldo Rebelo para a presidência <strong>da</strong> Câmara dos<br />

Deputados, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> Luiz Antônio Fleury Filho. Ele também é um político<br />

que comemora num “convescote” com os <strong>de</strong>putados do baixo-clero, que são<br />

aqueles que VAZ diz possuírem éticas próprias e transformam, sem um pingo <strong>de</strong><br />

62


essentimento ou <strong>de</strong>coro, a coisa pública em particular. Assim, as características<br />

i<strong>de</strong>ológicas, que se referem, por exemplo, ao modo <strong>de</strong> pensar e às opções políticas<br />

do personagem, estão muito próximas <strong>da</strong>s morais.<br />

A ausência <strong>de</strong> provas nas acusações <strong>de</strong> Jefferson é um elemento<br />

presente em quase to<strong>da</strong>s as edições que trazem o personagem. O papel político que<br />

Roberto Jefferson <strong>de</strong>sempenha no plano real sustentaria, no que diz respeito aos<br />

valores do campo jornalístico, a entrevista e a <strong>de</strong>núncia, mesmo que não houvesse<br />

provas. No entanto, o mesmo não se dá no campo político e jurídico. A revista se<br />

atém muito a esse ponto no recorte do personagem Jefferson. Com as<br />

caracterizações, a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fonte está sempre posta em questionamento.<br />

Isso acontece <strong>de</strong> uma forma não muito evi<strong>de</strong>nte e por vezes o relato do<br />

discurso vazio <strong>de</strong> provas <strong>de</strong> Jefferson acaba por tornar o discurso vazio como um<br />

todo em si, ou seja, as caras e bocas <strong>de</strong> Jefferson parecem ser mais importantes do<br />

que o que ele quer <strong>de</strong>nunciar.<br />

As caracterizações morais <strong>de</strong> Jefferson, portanto, estão concentra<strong>da</strong>s em<br />

contestar a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do discurso do personagem. “Acusado”, ao atribuir aspas<br />

ao relator <strong>da</strong> Comissão <strong>de</strong> Ética, Jairo Carneiro (PFL-BA), como “leviano e<br />

irresponsável”, além <strong>de</strong> outros exemplos como: “supostamente estaria fazendo<br />

chantagem”, “não apresentara provas materiais”, “cassado por quebra <strong>de</strong> <strong>de</strong>coro”,<br />

“admitiu ter recebido R$4 milhões do caixa 2 do PT”, “Jefferson recebeu R$4<br />

milhões – e não diz o que fez com esse dinheiro”, “acusado <strong>de</strong> coman<strong>da</strong>r um<br />

esquema <strong>de</strong> propina nos Correios e no Instituto <strong>de</strong> Resseguros do Brasil (IRB)” e “A<br />

diretoria <strong>de</strong> RH era seu feudo”.<br />

Jefferson, além <strong>de</strong> tudo, é um réu confesso, ele admitiu ter recebido R$4<br />

milhões <strong>de</strong> caixa 2, mas, segundo a narrativa <strong>de</strong> Carta Capital, ele é tratado como<br />

testemunha justamente por interessar à estratégia <strong>da</strong> oposição. No caso <strong>da</strong> narrativa<br />

<strong>da</strong> revista, Jefferson é, na maioria <strong>da</strong>s vezes, <strong>de</strong>finido como <strong>de</strong>sonesto. Contudo, é<br />

importante observar que ele é digno <strong>de</strong> confiança do (e)leitor em apenas dois<br />

momentos bem específicos <strong>da</strong> narrativa.<br />

O primeiro momento está diretamente relacionado com o herói, quando,<br />

na primeira matéria a tratar do escân<strong>da</strong>lo do mensalão, Jefferson é caracterizado<br />

como “o homem a quem o presi<strong>de</strong>nte Lula disse que entregaria um cheque em<br />

branco”, ou seja, alguém <strong>de</strong> tanta confiança que o protagonista <strong>da</strong> narrativa confia<br />

sem concessões, e ain<strong>da</strong> o <strong>de</strong>clara em público. Há também a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

63


leitura <strong>de</strong> uma eventual traição para com a confiança do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República,<br />

mesmo porque Jefferson é o “membro <strong>da</strong> família que abandona o lar” e mergulha o<br />

“governo e o Congresso na mais profun<strong>da</strong> crise <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a posse em 2003”, mas ela<br />

não parece a mais a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>.<br />

Essa credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a relação <strong>de</strong>la com o protagonista Lula é também<br />

motivo <strong>de</strong> ironia por parte <strong>da</strong> revista. A oposição, ao tratar Jefferson como “dono <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>” na <strong>de</strong>núncia contra a suposta quadrilha coman<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo ex-chefe <strong>da</strong> Casa<br />

Civil, José Dirceu, acaba por inocentar Lula. Assim, Jefferson se tornou “um fiador<br />

<strong>de</strong> Lula”, já que conseguiu blindá-lo ao proferir “elogios diretos à honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Lula”.<br />

O segundo momento se dá na época <strong>da</strong> divulgação <strong>da</strong> lista <strong>de</strong> Furnas.<br />

Na edição <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2006, há uma longa entrevista com Roberto<br />

Jefferson sobre o assunto. É quando ele passa a abalar “os nervos do PSDB<br />

principalmente e, também, do PFL e do PMDB, além <strong>de</strong> partidos menores que<br />

<strong>da</strong>vam sustentação ao governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso”.<br />

É interessante observar a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do personagem.<br />

Agora, ele tem o po<strong>de</strong>r para a Carta Capital <strong>de</strong> <strong>da</strong>r “veraci<strong>da</strong><strong>de</strong>” e “autentici<strong>da</strong><strong>de</strong>” a<br />

uma lista que incrimina políticos <strong>da</strong> oposição. Numa <strong>da</strong>s perguntas <strong>da</strong> entrevista, o<br />

jornalista lança: “Ao confirmar que tinha recebido mesmo os R$75 mil do listão <strong>de</strong><br />

Furnas, o senhor <strong>de</strong>u um grau <strong>de</strong> veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> ao documento que ele não tinha.<br />

Deixou <strong>de</strong> ser mentira para, pelo menos, ser provável”. O personagem é chamado<br />

até <strong>de</strong> “a voz <strong>da</strong> experiência”, como algum sábio, sentado na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> balanço,<br />

com um charuto na boca e proferindo lições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Ao atacar a oposição, o personagem <strong>de</strong> Jefferson ganha um respeito<br />

inesperado na narrativa <strong>de</strong> Carta Capital. Também nesse caso não há qualquer<br />

prova material ou <strong>de</strong> qualquer outro tipo que a revista cobrou <strong>de</strong> Jefferson durante<br />

os meses que suce<strong>de</strong>ram a nova <strong>de</strong>núncia. Há sim uma lista contesta<strong>da</strong> por to<strong>da</strong><br />

sorte <strong>de</strong> peritos, mas aquele peso que Roberto Jefferson conferiu à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se publicar a <strong>de</strong>núncia no jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, agora é reiterado por Carta<br />

Capital. A caracterização segue uma linha oposta à construção do personagem<br />

sedimenta<strong>da</strong> ao longo <strong>da</strong>s vinte edições estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

O grau <strong>de</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> se eleva a tal ponto que é possível dizer que “ele<br />

refuga e não confirma se a lista é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Mas garante que ela é crível, lógica e<br />

tem bastante semelhança com a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

64


Veja<br />

A construção <strong>da</strong> persona Roberto Jefferson feita por Veja tem momentos<br />

<strong>de</strong> aparente paradoxo. A revista o <strong>de</strong>screve como um anjo vingador <strong>de</strong> camisa lilás<br />

(VEJA, 10/08/2005, Edição 1917), mas o que são anjos (e <strong>de</strong>mônios) para a<br />

mitologia se não mensageiros? Embora transmitam mensagens, os núncios nem<br />

sempre são responsáveis pelo seu conteúdo. Este, porém, não é o caso <strong>de</strong> Roberto<br />

Jefferson.<br />

Já na edição <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005, a primeira analisa<strong>da</strong>, ele é<br />

apresentado não pela revista, mas por Maurício Marinho como alguém direto, que dá<br />

cobertura e não man<strong>da</strong> recado e também como o car<strong>de</strong>al petebista, qual seja<br />

alguém po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que existem em Brasília. Essa local<br />

ocupado por Jefferson no campo político é que explica suas posições no enredo que<br />

viria a ser construído em segui<strong>da</strong>. Seu po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> não ser onipotente como o <strong>de</strong><br />

Lula, mas preenche todos os lugares, fica à espreita e intimi<strong>da</strong> até os mais<br />

po<strong>de</strong>rosos do que ele. Graças a essa natureza é que Veja usa as expressões "sob o<br />

comando onipresente do <strong>de</strong>putado Roberto Jefferson" (VEJA, 25/05/2005, Edição<br />

1906) e "aquele que provocou a genuflexão <strong>de</strong> dois po<strong>de</strong>rosos ministros do atual<br />

governo" (VEJA, 01/06/2005, Edição 1907). Conforme o escân<strong>da</strong>lo avança, seu<br />

lugar social vai mu<strong>da</strong>ndo: o homem que antes era presi<strong>de</strong>nte do PTB “quer se<br />

transformar em vítima, mas é réu", renuncia à renúncia e opta pela cassação, talvez<br />

como tentativa <strong>de</strong> se tornar mártir, mas até que isso aconteça, ele é qualificado e<br />

<strong>de</strong>squalificado, <strong>de</strong> acordo com a posição ocupa<strong>da</strong> pelos que falam sobre suas<br />

<strong>de</strong>núncias.<br />

Contudo, como tanto Veja quanto Roberto Jefferson estão na vi<strong>da</strong> política<br />

do país há algum tempo, é possível perceber uma relação entre eles. A tarefa <strong>da</strong><br />

revista é facilita<strong>da</strong> porque é mais fácil construir um personagem que já tem passado:<br />

basta trazê-lo à tona. É o que acontece na expressão “o mesmo que li<strong>de</strong>rou a tropa<br />

<strong>de</strong> choque que tentou salvar Collor do impeachment” (VEJA, 25/05/2005, Edição<br />

1906). Em outra ocasião, Veja colhe uma fala do <strong>de</strong>putado sobre si mesma: “Ô,<br />

revistinha! Ô, revistinha!” teria dito o <strong>de</strong>putado (VEJA, 28/12/2005, Edição 1937).<br />

Na medi<strong>da</strong> em que o escân<strong>da</strong>lo avança, o anjo endiabrado, o Lúcifer que<br />

saiu do paraíso por haver se rebelado contra Deus-Lula, Jefferson <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um<br />

65


mero <strong>de</strong>nunciante e alça ao posto <strong>de</strong> profeta. É o que se vê em "Até agora só<br />

Roberto Jefferson disse a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”, título <strong>da</strong> matéria que compara as falas <strong>de</strong><br />

Jefferson com o que <strong>de</strong> fato aconteceu. O ameaçador “homem-bomba” é acionado e<br />

explo<strong>de</strong> com ele tudo ao seu redor. Antes que isso acontecesse, Veja afirma a seu<br />

respeito que "Poucas coisas são mais perturbadoras do que um mentiroso que<br />

resolve dizer a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, um corrupto que assume ter roubado, um malandro que se<br />

transforma em paladino <strong>da</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>." (VEJA, Edição 1911, 29/06/2005).<br />

Sua credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> enquanto fonte cresce na razão inversa <strong>da</strong> sua<br />

credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> moral. Até as características físicas do personagem são utiliza<strong>da</strong>s para<br />

reforçar este contraste, como na expressão “baixinho <strong>de</strong> 1,85” (VEJA, 01/06/2005,<br />

Edição 1907). O Roberto Jefferson que sentou no banco <strong>da</strong> CPI <strong>de</strong> 2006 não era o<br />

mesmo <strong>de</strong> 20 anos atrás e Veja, que acumula 40 anos <strong>de</strong> cobertura <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política<br />

sabe disso. Na mesma edição, a revista utiliza sua per<strong>da</strong> <strong>de</strong> peso para tratar <strong>de</strong><br />

outro tipo <strong>de</strong> gula: “o <strong>de</strong>putado Roberto Jefferson, aquele que diminuiu o estômago<br />

mas cujo apetite aumentou.”. O contraste é passível <strong>de</strong> ser percebido nos momentos<br />

iniciais e na <strong>de</strong>rroca<strong>da</strong> do escân<strong>da</strong>lo:<br />

O aguar<strong>da</strong>do duelo travado na terça-feira passa<strong>da</strong> entre o ex-ministro José<br />

Dirceu e o <strong>de</strong>putado Roberto Jefferson no Conselho <strong>de</strong> Ética <strong>da</strong> Câmara<br />

teve tudo o que se esperava <strong>de</strong>le: fartas doses <strong>de</strong> mor<strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e frieza<br />

(<strong>da</strong>s duas partes), exibições <strong>de</strong> virtuosismo retórico (<strong>da</strong> parte <strong>de</strong> Jefferson,<br />

claro) e mais uma nova pista <strong>da</strong> corrupção oficial <strong>da</strong><strong>da</strong> por um <strong>de</strong> seus<br />

participantes mais íntimos. O estoque <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias feitas por Jefferson<br />

surpreen<strong>de</strong> não apenas por parecer infinito, mas pelo fato <strong>de</strong> seu dono não<br />

errar nunca. (VEJA, 10/08/2005, Edição 1917)<br />

Na edição seguinte, a confiança em Jefferson é nula:<br />

À noite, quando (o <strong>de</strong>putado José Janene, lí<strong>de</strong>r do PP) ce<strong>de</strong>u seu<br />

apartamento para a reunião, a idéia era assar uma pizza. A receita: o PL<br />

retiraria o pedido <strong>de</strong> cassação contra Roberto Jefferson, que, em troca,<br />

<strong>da</strong>ria novo <strong>de</strong>poimento à CPI. Jefferson diria que fora mal interpretado. Em<br />

vez <strong>de</strong> mensalão, ele diria que o dinheiro era para pagar dívi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

campanha, corroborando a tese, mais amena, <strong>de</strong> que ocorreu apenas um<br />

crime eleitoral. Mas, como os lí<strong>de</strong>res não confiam no governo, e ninguém<br />

confia em Roberto Jefferson, o acordo não vingou. (VEJA, 17/08/2005,<br />

Edição 1918)<br />

Psicologicamente, ele é um enigma. Segundo Maurício Marinho, Jefferson<br />

é doidão. Para José Janene, lí<strong>de</strong>r do PP, diz que ele é "louco, canalha e maníaco<strong>de</strong>pressivo".<br />

Em vários momentos, ele tem on<strong>da</strong>s <strong>de</strong> humor totalmente opostas, ora<br />

66


se apresentando como "injuriado com o papel <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r <strong>da</strong> corrupção do PTB no<br />

governo", "irritado com os governistas" e também como frio, como alguém capaz <strong>de</strong><br />

fazer ecoar uma “ópera entoa<strong>da</strong> com autoconfiança, histrionismo, ressentimento<br />

homici<strong>da</strong> e nem uma gota <strong>de</strong> suor na camisa lilás" e <strong>de</strong> <strong>da</strong>r gargalha<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>missão <strong>de</strong> José Dirceu. A construção <strong>de</strong> Roberto Jefferson para Veja não é a <strong>de</strong><br />

um ser imoral, mas amoral.<br />

3.4. Estratégias Comunicativas<br />

Embora nasça autônoma, a narrativa só se constrói quando consegue<br />

afetar o leitor porque aí cumpre o papel a que se <strong>de</strong>stina: produzir efeito. A partir <strong>da</strong><br />

leitura que é feita sobre o enredo, a fruição contribui para que a ciran<strong>da</strong> continue a<br />

girar e é em torno <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> ajustes bastante específico que a narrativa<br />

constrói sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Também na narrativa jornalística é o leitor quem conclui a obra e é nesse<br />

sentido que todo jornalismo é uma retórica. As narrativas empreendi<strong>da</strong>s pelo<br />

jornalismo são argumentativas e por isso não faz muito sentido falar em um estilo<br />

jornalístico, mas sim em uma retórica jornalística. A narrativa construí<strong>da</strong> pelo<br />

jornalismo nasce, portanto, do encaixe entre as intenções do jornalista e as<br />

interpretações do sujeito.<br />

Além <strong>de</strong> retóricas, as narrativas jornalísticas são intersubjetivas. Isso<br />

significa dizer que elas se constroem no universo compartilhado entre emissor e<br />

receptor. Este conceito tomado <strong>da</strong> estética aju<strong>da</strong> a compreen<strong>de</strong>r que to<strong>da</strong> história<br />

tem um propósito e que a linguagem é uma <strong>da</strong>s formas utiliza<strong>da</strong>s para alcançá-lo.<br />

Nesse sentido, o pensamento <strong>de</strong> Althusser 50 é pertinente ao propor que a<br />

i<strong>de</strong>ologia opera através <strong>da</strong> linguagem. Com os profissionais <strong>de</strong> imprensa, isso não<br />

po<strong>de</strong>ria ser diferente, mas é interessante notar que embora sempre haja um objetivo<br />

por trás do texto, os mecanismos à mão também tem <strong>de</strong> ser utilizados para manter o<br />

emissor nos bastidores.<br />

No caso dos jornalistas, isso é feito <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente discreto. A<br />

aparente ausência do autor é feita com o intuito <strong>de</strong> criar um narrador observador que<br />

apenas coleta os <strong>da</strong>dos ou, para usar um termo correlato, reportar 51 . Assim, em<br />

50 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> Estado. Graal, 2001.<br />

51 A palavra repórter, que vem do francês medieval, traduz o mesmo sentido <strong>de</strong> “relatar”, “narrar”.<br />

67


tese, o bom repórter é aquele cujo leitor não procura saber o nome. Isso se traduz<br />

em um ditado <strong>da</strong>s re<strong>da</strong>ções segundo o qual jornalista ruim é aquele que vira notícia.<br />

Percebe-se, pois que a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma estratégia argumentativa utiliza<strong>da</strong> para<br />

produzir efeitos <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s narrativas jornalísticas.<br />

De acordo com Motta (2007, p. 155), as narrativas jornalísticas são<br />

realiza<strong>da</strong>s nos jogos entre dois tipos <strong>de</strong> efeitos, chamados <strong>de</strong> estratégias<br />

comunicativas. Quando esses efeitos possuem como referencial a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> são<br />

chamados <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> real, mas quando o referencial é o leitor, trata-se <strong>de</strong> efeitos<br />

poéticos.<br />

3.4.1 Efeitos <strong>de</strong> Real<br />

Os efeitos <strong>de</strong> real são dispositivos <strong>de</strong> linguagem empregados no texto<br />

jornalístico tem a missão <strong>de</strong> fazer com que os fatos falem por si. Essa estratégia<br />

disponibiliza para o leitor um local confortável em que, munido <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

informações, ele seja capaz <strong>de</strong> especular, refletir e (acreditar que possa) tirar suas<br />

próprias conclusões e, mais do que isso, atingir a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por se proporem a<br />

utilizar <strong>da</strong> <strong>de</strong>notação, são ditas estratégias <strong>de</strong> objetivação.<br />

Veja<br />

Conforme citado anteriormente, a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Veja é basea<strong>da</strong> na<br />

objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e na imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong> e essa tese se confirma no que se refere à narrativa<br />

do mensalão. Motta (2007, p. 158) cita algumas estratégias que usam a <strong>de</strong>notação<br />

para produzir efeitos <strong>de</strong> real. É possível apontá-las em vários momentos nas<br />

matérias veicula<strong>da</strong>s por Veja que tratam do escân<strong>da</strong>lo. A título <strong>de</strong> exemplo, serão<br />

citados os que mais se <strong>de</strong>stacam:<br />

1. Citações freqüentes e i<strong>de</strong>ntificação sistemática <strong>de</strong> lugares,<br />

personagens e instituições:<br />

Em histórica sessão do Conselho <strong>de</strong> Ética <strong>da</strong> Câmara, Jefferson faz<br />

picadinho dos adversários. Confirma to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>núncias, assume que<br />

recebeu (e guardou) 4 milhões em caixa dois, reitera que José Dirceu era o<br />

coman<strong>da</strong>nte do esquema do mensalão. Como um anjo vingador <strong>de</strong> camisa<br />

lilás, profere: ‘Dirceu, se você não sair <strong>da</strong>í rápido, vai fazer réu um homem<br />

inocente, que é o presi<strong>de</strong>nte Lula’. Cita nominalmente como beneficiários do<br />

68


suborno José Janene (PP), Val<strong>de</strong>mar Costa Neto (PL), Pedro Corrêa (PP),<br />

Sandro Mabel (PL), Bispo Rodrigues (PL) e Pedro Henry (PP). Todos<br />

negam. (VEJA, 10/08/2005, Edição 1917)<br />

2. Datação e uso <strong>de</strong> números e estatísticas:<br />

Carta Capital<br />

A reportagem <strong>de</strong> capa <strong>da</strong> edição passa<strong>da</strong> <strong>de</strong> Veja, na qual se noticia que o<br />

comitê eleitoral <strong>de</strong> Lula recebeu até 3 milhões <strong>de</strong> dólares vindos <strong>de</strong> Cuba,<br />

gerou um notável acirramento dos ânimos <strong>de</strong> governistas e oposicionistas.<br />

(VEJA, 09/11/2005, Edição 1930)<br />

A escrita do narrador <strong>de</strong> Carta Capital é fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na construção do<br />

pleonasmo “ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira”. Os outros veículos <strong>de</strong> comunicação constroem<br />

seus relatos dos fatos, imersos em análises típicas do jornalismo político e <strong>de</strong><br />

revista, mas a revista em questão legitima sua narrativa como “o que realmente<br />

acontece”. Para isso, são necessários os efeitos <strong>de</strong> real, a sensação <strong>de</strong> que o<br />

jornalista estava lá, <strong>de</strong> que os fatos acontecem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> do<br />

narrador, e que o papel <strong>de</strong>le é apenas registrar.<br />

1. Citações freqüentes e i<strong>de</strong>ntificação sistemática <strong>de</strong> lugares,<br />

personagens e instituições.<br />

Diante dos <strong>de</strong>poimentos morno do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira e<br />

do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que falaram sob a proteção <strong>de</strong> habeas<br />

corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF), integrantes <strong>da</strong><br />

comissão se irritaram. (CARTA CAPITAL, 27/07/2005, Edição 352)<br />

2. Datação e uso <strong>de</strong> números e estatísticas:<br />

3.4.2 Efeitos Poéticos<br />

Os R$7,8 milhões repassados pelo PT ao Partido Popular ain<strong>da</strong> não foram<br />

bem investigados. Através <strong>de</strong> intermediários do lí<strong>de</strong>r do partido, José<br />

Janene (PR), R$1 milhão foi passado, entre setembro e outubro <strong>de</strong> 2003,<br />

quando o PP ain<strong>da</strong> não apoiava o governo Lula, o que é estranho. (CARTA<br />

CAPITAL, 14/09/2005, Edição 359)<br />

Como to<strong>da</strong> poética, a <strong>da</strong> narrativa jornalística é volta<strong>da</strong> para os leitores. Sua<br />

proposta surge com o objetivo <strong>de</strong> remeter os receptores à catarse, isto é, a uma<br />

69


i<strong>de</strong>ntificação com o fato narrado que seja capaz <strong>de</strong> humanizar os fatos e <strong>da</strong>dos<br />

apresentados objetivamente. Através <strong>da</strong> conotação e <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a narração é<br />

construí<strong>da</strong> metaforicamente e, em vez <strong>da</strong> realia, faz o uso <strong>da</strong> poetica.<br />

Veja<br />

Os mecanismos empregados por Veja para gerar na recepção os efeitos <strong>de</strong><br />

sentido emocional são mais facilmente percebidos no texto escrito, mas também<br />

po<strong>de</strong>m ser notados em manchetes, títulos, ilustrações e charges, conforme<br />

exemplos <strong>de</strong>stacados a seguir:<br />

1. Uso <strong>de</strong> verbos (prospectivos, <strong>de</strong> sentimento, negativos, <strong>de</strong> conselho e <strong>de</strong><br />

advertência) e <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> pontuação (exclamações, interrogações e<br />

reticências): manchetes <strong>da</strong>s capas<br />

“Ele sabia?” (VEJA, 13/07/2005, capa <strong>da</strong> Edição 1913)<br />

“Mensalão – quando e como Lula foi alertado” (VEJA, 20/07/2005, capa <strong>da</strong><br />

Edição 1914)<br />

2. Figuras <strong>de</strong> linguagem, como a seguinte metáfora:<br />

3. Conteúdos implícitos:<br />

4. Pressuposições:<br />

Lula a está conduzindo (a crise) mais ao ritmo <strong>de</strong> cerveja e samba <strong>de</strong> seu<br />

ídolo Zeca Pagodinho: ‘Confesso que sou <strong>de</strong> origem pobre / Mas meu<br />

coração é nobre, / foi assim que Deus me fez / E <strong>de</strong>ixa a vi<strong>da</strong> me levar /<br />

Vi<strong>da</strong> leva eu / E <strong>de</strong>ixa a vi<strong>da</strong> me levar’. Se Lula continuar <strong>de</strong>ixando, a vi<strong>da</strong><br />

vai levá-lo aon<strong>de</strong> ele não quer ir. (VEJA, 10/08/2005, Edição 1917)<br />

É um clichê, mas certamente não maior do que o <strong>de</strong> políticos sendo<br />

corrompidos com malas <strong>de</strong> dinheiro: assim como se dizia a respeito <strong>da</strong><br />

mulher <strong>de</strong> César, não basta a um presi<strong>de</strong>nte ser honesto. Ele precisa<br />

parecer honesto. E, infelizmente, na percepção <strong>da</strong> maioria dos brasileiros,<br />

Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva já começa a não parecer tão honesto ou capaz <strong>de</strong><br />

garantir a honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu governo. (VEJA, 13/07/2005, Edição 1913)<br />

o presi<strong>de</strong>nte cogita trazer para o governo, ou colocar em cargos vitais,<br />

gente com bom trânsito nas hostes oposicionistas.” (VEJA, 22/06/2005,<br />

Edição 1910)<br />

70


Carta Capital<br />

Carta Capital utiliza <strong>de</strong> forma essencial em sua narrativa a participação do<br />

leitor na construção final do texto. A intenção não é discutir a recepção performática,<br />

mesmo porque a pesquisa <strong>de</strong>ixou à parte um capítulo justamente por tratar <strong>de</strong><br />

recepção. O que se busca aqui é citar os ganchos <strong>de</strong>ixados pela revista, tal como<br />

iscas prontas para gerar sensações, reações e sentimentos. A emoção, por assim<br />

dizer.<br />

1. Uso <strong>de</strong> verbos (prospectivos, <strong>de</strong> sentimento, negativos, <strong>de</strong> conselho e<br />

<strong>de</strong> advertência) e <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> pontuação (exclamações, interrogações<br />

e reticências):<br />

Depois <strong>de</strong> cem dias <strong>de</strong> intensas <strong>de</strong>núncias contra integrantes <strong>da</strong> cúpula do<br />

Partido dos Trabalhadores, as diversas costuras que fizeram <strong>da</strong> legen<strong>da</strong><br />

uma experiência única no sistema político brasileiro estão dilacera<strong>da</strong>s. O PT<br />

sobreviverá? Quem será capaz <strong>de</strong> conduzi-lo a uma transição capaz <strong>de</strong><br />

preservar as conquistas <strong>da</strong>s últimas duas déca<strong>da</strong>s? (CARTA CAPITAL,<br />

31/08/2005, Edição 357)<br />

2. Figuras <strong>de</strong> linguagem, como a ironia explícita e cita<strong>da</strong> pelo próprio<br />

narrador:<br />

O <strong>de</strong>putado teria os telefones grampeados por ter se tornado sub-relator <strong>da</strong><br />

subcomissão <strong>de</strong> fundos <strong>de</strong> pensão <strong>da</strong> CPMI dos Correios. A fala <strong>de</strong>le na<br />

Câmara foi antecedi<strong>da</strong> por outra, do avô, Antonio Carlos Magalhães (PFL-<br />

BA), no Senado Fe<strong>de</strong>ral. Lá, ACM avisou que tinha informações sobre as<br />

escutas telefônicas nas linhas do neto. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma estranha<br />

ironia. ACM é acusado <strong>de</strong> ter coman<strong>da</strong>do, entre 2001 e 2002, o maior<br />

esquema <strong>de</strong> grampos ilegais <strong>da</strong> história <strong>da</strong> Bahia”. (CARTA CAPITAL,<br />

09/11/2005, Edição 367)<br />

3. Conteúdos implícitos, como a busca pelos holofotes e a pouca atenção<br />

às discussões políticas importantes para o país.<br />

A oposição cumpre bem seu papel <strong>de</strong> explorar as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas e<br />

midiáticas <strong>da</strong> CPI. Do conjunto <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 400 requerimentos (pedidos <strong>de</strong><br />

quebra <strong>de</strong> sigilo e convocação <strong>de</strong> testemunhas, por exemplo), apenas a<br />

dupla pefelista ACM Neto e Onyx Lorenzoni assinaram 65. Não quer dizer<br />

que haja harmonia nas fileiras <strong>da</strong> oposição. Onyx e ACM Neto travam uma<br />

batalha <strong>de</strong> vai<strong>da</strong><strong>de</strong> venci<strong>da</strong> com folga, porém, pelo baiano, que, no dia do<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Silvio Pereira, apareceu por duas vezes em blocos distintos<br />

do Jornal Nacional, <strong>da</strong> Globo" (CARTA CAPITAL, 27/07/2005, Edição 352).<br />

71


4. Pressuposições como as <strong>de</strong> pensamentos e atitu<strong>de</strong>s inconscientes <strong>de</strong><br />

Fernando Henrique.<br />

3.5. Metanarrativas<br />

O ex-presi<strong>de</strong>nte tratou <strong>de</strong> extrair do retrato revelado pela CPI todos os<br />

tucanos e espécimes assemelhados. 'Precisamos investigar tudo, mas o<br />

foco <strong>de</strong> que a crise é hoje. O que aconteceu no passado, no meu governo, é<br />

coisa <strong>da</strong> história', disse FHC, como a sugerir que o tempo transcorrido<br />

absolvera o PSDB <strong>de</strong> suas ligações com o publicitário Marcos Valério. Uma<br />

frase que também contém um ato falho, vez que as <strong>de</strong>núncias contra os<br />

tucanos que emergem <strong>da</strong> CPI, até o momento, não apontam para o governo<br />

<strong>de</strong> FHC, mas apenas para o processo sucessório <strong>de</strong> Minas Gerais,<br />

capitaneado pelos tucanos. (CARTA CAPITAL, 03/03/2005, Edição 353)<br />

O que se busca nesse capítulo, que conclui a análise proposta por Motta<br />

e a pesquisa como um todo, é o que é o cerne <strong>da</strong> questão, o ponto central <strong>da</strong><br />

narrativa <strong>da</strong>s revistas. Sobre o que está realmente se falando? Qual é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />

discussão proposta nas matérias jornalísticas <strong>de</strong> Carta Capital e Veja?<br />

Motta (2007, p. 165) afirma que a narrativa jornalística é carrega<strong>da</strong>,<br />

apesar <strong>de</strong> todos os valores do campo jornalístico, <strong>de</strong> um fundo ético ou moral.<br />

Segundo ele,<br />

esse fundo ético e moral vai surgindo ca<strong>da</strong> vez mais nítido ao longo <strong>da</strong><br />

análise do acontecimento: é o plano <strong>da</strong> estrutura profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> narrativa. Ele<br />

po<strong>de</strong> saltar logo no princípio, aparecer gradualmente quando os<br />

movimentos iniciais <strong>da</strong> análise forem sendo concluídos ou só se configurar<br />

ao final. Po<strong>de</strong> ser predominantemente <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, moral ou filosófica,<br />

ain<strong>da</strong> que também possa conter aspectos políticos, religiosos, psicológicos<br />

ou i<strong>de</strong>ológicos. Nenhuma notícia está nos jornais sem que haja uma razão<br />

ética ou moral que justifique seu relato.<br />

Parece ingênuo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma pesquisa tão aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, achar que o<br />

que move os dois semanários em questão é simplesmente o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> informar e a<br />

sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica como uma empresa capitalista. As revistas carregam<br />

nas suas tintas seus projetos político-econômicos <strong>de</strong> país, os valores aceitos e<br />

recomen<strong>da</strong>dos, as condutas reprováveis, a visão própria <strong>de</strong> mundo e o tipo <strong>de</strong><br />

diplomacia que <strong>de</strong>ve imperar, entre outros assuntos.<br />

Para se ter uma idéia, há uma crítica cultural <strong>de</strong> Isabela Boscov (VEJA,<br />

05/04/2006, Edição 1950) sobre o filme V <strong>de</strong> Vingança, dirigido por James<br />

McTeigue, que é to<strong>da</strong> pauta<strong>da</strong> na discussão político-econômica e na idéia que se<br />

tem sobre o papel do Estado.<br />

72


Ninguém acusaria Thatcher <strong>de</strong> ser um doce-<strong>de</strong>-coco, mas o que ela fez não<br />

foi concentrar o po<strong>de</strong>r do Estado, e sim enxugá-lo e estimular os ingleses<br />

(ain<strong>da</strong> que com aquela truculência que lhe era peculiar) a cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> sua<br />

própria vi<strong>da</strong>. Quanto mais um ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do Estado financeiramente<br />

ou do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong>s <strong>de</strong>cisões, mais sujeito estará a ter <strong>de</strong> beijar a mão<br />

que o alimenta. A liber<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica é, assim, um requisito para outras<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais valoriza<strong>da</strong>s, como a política, a social e a <strong>de</strong> costumes. A<br />

pegadinha é que, até hoje, o único ambiente em que ela floresceu <strong>de</strong> fato é<br />

o capitalista. E, até por uma questão <strong>de</strong> cultura e <strong>de</strong> déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> fantasia<br />

marxista, é mais comum enxergar-se no capitalismo um "sistema" <strong>de</strong>stinado<br />

a criar e propagar injustiça do que um regime regulado, <strong>de</strong> maneira em<br />

gran<strong>de</strong> parte espontânea, pela mútua vantagem e <strong>de</strong>pendência.<br />

Se o significado <strong>de</strong> narrativa já foi estabelecido anteriormente, resta<br />

<strong>de</strong>finir que o prefixo “meta” agrega ao conceito a idéia <strong>de</strong> “para além <strong>de</strong>” ou “por trás<br />

<strong>de</strong>”. A metanarrativa é uma gran<strong>de</strong> narrativa, uma narrativa-mestra que abor<strong>da</strong><br />

questões centrais que estão além do registro factual baseado nos valores do campo<br />

jornalístico.<br />

Veja e Carta Capital têm metanarrativas distintas: ao passo em que a<br />

primeira diz a corrupção <strong>de</strong>ve ser combati<strong>da</strong> a qualquer custo, a outra afirma que<br />

não é possível governar sem esse tipo <strong>de</strong> acordo e nesses dois discursos <strong>de</strong>ntro dos<br />

discursos (metanarrativas) é que se verificam os significados <strong>de</strong> fundo moral por trás<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma.<br />

Carta Capital<br />

A capa <strong>da</strong> primeira edição (CARTA CAPITAL, 15/06/2005, ANO XI,<br />

N°346) que trata sobre o escân<strong>da</strong>lo do mensalão dá o tom <strong>da</strong> narrativa que se<br />

esten<strong>de</strong>ria por cerca <strong>de</strong> um ano nas páginas <strong>da</strong> revista. A primeira chama<strong>da</strong>, “O que<br />

<strong>de</strong> fato está por trás <strong>da</strong> história do mensalão”, já remete à idéia duma outra ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> uma reescrita <strong>da</strong> narrativa estabeleci<strong>da</strong> por outros veículos.<br />

Carta Capital, portanto, preten<strong>de</strong> trazer ao leitor a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, o recorte<br />

preciso <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> outros veículos <strong>de</strong><br />

comunicação. E não basta a superfície do escân<strong>da</strong>lo para o semanário, mas o que<br />

há por trás, como num teatro <strong>de</strong> marionetes. A promessa <strong>de</strong>ssa tal versão <strong>da</strong><br />

história não se concretiza nas matérias <strong>da</strong> mesma edição.<br />

Quem tem voz na primeira matéria, intitula<strong>da</strong> “A sombra do mensalão”,<br />

escrita por Luis Alberto Weber e Sérgio Lírio, são Roberto Jefferson, Markus Sokol<br />

73


(integrante <strong>da</strong> Executiva Nacional do PT), José Genoíno (então presi<strong>de</strong>nte do PT),<br />

Olívio Dutra (então ministro <strong>da</strong>s Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s), Valter Pomar (então candi<strong>da</strong>to à<br />

presidência do PT pela tendência Articulação <strong>de</strong> Esquer<strong>da</strong>), Raul Pont (então<br />

candi<strong>da</strong>to à presidência do PT pela Democracia Socialista), José Dirceu (então<br />

ministro <strong>da</strong> Casa Civil), o presi<strong>de</strong>nte Lula, senador Jefferson Perez (PDT-AM),<br />

senador e lí<strong>de</strong>r do PSDB no Senado Artur Virgílio, Severino Cavalcanti (então<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Câmara dos Deputados) e o <strong>de</strong>putado José Eduardo Cardozo (PT-<br />

SP). Ou seja, a discussão se atém muito ao interior do Partido dos Trabalhadores,<br />

como se o problema se resumisse a uma irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong> partidária, e que po<strong>de</strong>ria ser<br />

resolvido numa convenção do Partido, mesmo que em 2002, Lula tenha <strong>da</strong>do início<br />

ao man<strong>da</strong>to <strong>de</strong> quatro anos no Po<strong>de</strong>r Executivo, e que 91 <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e 10<br />

senadores tenham sido eleitos pelo PT.<br />

Voltando à capa, o recurso retórico <strong>da</strong> segmentação <strong>de</strong> chama<strong>da</strong>s sobre<br />

o mesmo assunto (quatro no total) facilita o entendimento <strong>da</strong>s diversas visões do<br />

escân<strong>da</strong>lo. A primeira chama<strong>da</strong> remete à reescrita <strong>da</strong> narrativa, como já foi dito<br />

acima. A segun<strong>da</strong> chama<strong>da</strong>, “Lula contemporizou, mas a elite tenta sangrá-lo até o<br />

fim”, dá o tom do conflito entre o herói Lula e os antagonistas, que seriam as elites.<br />

Na matéria <strong>de</strong> Weber e Lírio, a reportagem sugere que “o melhor para o PSDB é<br />

sangrar aos poucos o prestígio <strong>de</strong> Lula. Dessa forma, o presi<strong>de</strong>nte chegaria em<br />

2006 sem hemoglobina”. Quem diz que é isso é o melhor? Cabe à reportagem<br />

sugerir atitu<strong>de</strong>s e planejamentos para um partido político? Se ficasse apenas nisso,<br />

talvez não houvesse muito o que se discutir, mas a matéria o faz tendo em mente<br />

um suposto pensamento do PSDB. Não há uma aspa sequer que sustente essa fala.<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, esse discurso só seria dito por alguém do PSDB na última edição a ser<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong> (Carta Capital, 5/04/2006, ANO XII, N. 387), quando um membro do PSDB<br />

afirma que “o melhor é apurar o que está acontecendo, não há como <strong>de</strong>finir agora se<br />

o melhor é o impeachment ou garantir a sangria do governo'".<br />

A terceira chama<strong>da</strong>, “Em questão, os sistemas <strong>de</strong> governo, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong> do povo brasileiro”, é relaciona<strong>da</strong> à visão <strong>de</strong> que o sistema político brasileiro,<br />

que ten<strong>de</strong>ria à corrupção no financiamento <strong>de</strong> campanhas e no fisiologismo <strong>da</strong><br />

composição <strong>de</strong> maioria no Congresso, não <strong>de</strong>ixa outra opção ao governo, senão a<br />

<strong>da</strong> corrupção. A coluna semanal do diretor <strong>de</strong> re<strong>da</strong>ção, Mino Carta, nessa mesma<br />

edição, corrobora essa visão: “A <strong>de</strong>núncia do mensalão é <strong>de</strong>talhe do jogo sujo <strong>de</strong><br />

sempre. Resta saber, <strong>de</strong> fato, se o governo esteve à altura <strong>da</strong>s esperanças que o<br />

74


elegeram. E se <strong>de</strong>mocracia e regime presi<strong>de</strong>ncial são viáveis nesse Brasil ain<strong>da</strong><br />

medieval”.<br />

Então, o homem é naturalmente bom, e o sistema que o corrompe? O PT,<br />

antes <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r ao po<strong>de</strong>r era ético e foi corrompido pelo sistema políticopartidário<br />

brasileiro que não traz outra alternativa, senão a corrupção e o<br />

fisiologismo? Jean-Jacques Rousseau acreditava que para enten<strong>de</strong>r o homem<br />

mo<strong>de</strong>rno era preciso primeiro <strong>de</strong>scobrir quem é o homem natural, livre <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

limitações sociais. O mito do “bom selvagem” é uma tentativa <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o homem<br />

em sua essência. Separar o que é cultural e o que é natural. No livro “Discurso sobre<br />

a origem e os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os homens”, Rousseau<br />

argumenta que a bon<strong>da</strong><strong>de</strong> do homem é natural, e que não há qualquer necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. No momento em que isso ocorre, tem origem a<br />

<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>. Segundo Rousseau 52 , o homem selvagem,<br />

errando nas florestas, sem indústria, sem palavra, sem domicílio, sem<br />

guerra e sem ligação, sem nenhuma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos seus semelhantes,<br />

assim como sem nenhum <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> os prejudicar, talvez mesmo sem<br />

jamais se reconhecerem individualmente, o homem selvagem, sujeito a<br />

poucas paixões e bastando-se a si mesmo, tinha somente os sentimentos e<br />

as luzes próprias <strong>de</strong>sse estado; que não sentia senão as suas ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, não olhava senão o que acreditava ter interesse <strong>de</strong> ver; e<br />

que sua inteligência não fazia mais progressos do que a sua vai<strong>da</strong><strong>de</strong>. (Ebook,<br />

p. 28)<br />

O que há por trás, então, parafraseando a chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa <strong>de</strong> Carta<br />

Capital, <strong>da</strong> narrativa <strong>da</strong> revista? A partir do estudo <strong>da</strong>s matérias, é possível afirmar<br />

que Lula, o “bom selvagem”, errou ao se a<strong>de</strong>quar ao jogo político brasileiro.<br />

Primeiro, ao se aliar ao publicitário Du<strong>da</strong> Mendonça e melhorar a imagem. Segundo<br />

Ingrid Gomes 53 , Lula é retratado no período <strong>da</strong>s eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2002<br />

como um “candi<strong>da</strong>to que precisa ser <strong>de</strong>fendido do mal que o assola”, além <strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rado honesto e um “símbolo do povo”.<br />

Na matéria cita<strong>da</strong> acima, há uma interessante opinião a respeito do<br />

escân<strong>da</strong>lo. “A crise é produto mais <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> do que <strong>da</strong> eventual ruptura<br />

provoca<strong>da</strong> pela chega do PT ao Planalto. Ao optar pelo manual econômico <strong>de</strong><br />

Fernando Henrique e pelo mesmo perfil <strong>de</strong> alianças políticas, Lula manteve o PSDB<br />

insepulto e não conseguiu catalisar as transformações exigi<strong>da</strong>s por seus 52,4<br />

milhões <strong>de</strong> eleitores”. O ex-presi<strong>de</strong>nte do Brasil (1994-2002), Fernando Henrique<br />

52 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre<br />

os homens. Disponível em http:// www.ebooksbrasil.org/eLibris/<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>.html+%22.<br />

53 Disponível em www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0629-2.pdf<br />

75


Cardoso, que se exilou no Chile e na França durante a ditadura militar, começou na<br />

carreira política em 1978, quando concorreu ao Senado pelo MDB. Participou<br />

ativamente <strong>da</strong> campanha <strong>da</strong>s Diretas-já e <strong>de</strong> Tancredo Neves à presidência em<br />

1985. Ao lado <strong>de</strong> Mário Covas e José Serra, FHC fundou o PSDB em 1988.<br />

Em uma matéria <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008 (CARTA CAPITAL, ANO<br />

XIV, N. 494), a matéria intitula<strong>da</strong> “Mórbi<strong>da</strong> semelhança” traz o seguinte parágrafo:<br />

Uma parcela romântica <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira acreditou, um dia, na<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> unir sob as mesmas ban<strong>de</strong>iras e compromissos o PT e o<br />

PSDB. Era um sonho alimentado por fatos não muito consistentes:<br />

expoentes políticos cujas trajetórias se encontravam no período <strong>da</strong> ditadura,<br />

as matrizes paulistas <strong>de</strong> ambas as legen<strong>da</strong>s e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ver no Brasil a<br />

consoli<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> um partido social <strong>de</strong>mocrata à mo<strong>da</strong> européia<br />

É bom lembrar que um dia todos os homens foram “bons selvagens”,<br />

inclusive os integrantes do PSDB, mas em algum momento <strong>da</strong> história política<br />

narra<strong>da</strong> pela revista o caminho foi <strong>de</strong>sviado. Assim, o primeiro fundo moral, com<br />

aspectos filosóficos e antropológicos, a ser observado na metanarrativa <strong>de</strong> Carta<br />

Capital é a corrupção dos valores na chega<strong>da</strong> ao po<strong>de</strong>r.<br />

É possível traçar um paralelo com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que se formou após um<br />

aci<strong>de</strong>nte aéreo no livro ficcional e alegórico O Senhor <strong>da</strong>s Moscas”, do vencedor do<br />

prêmio Nobel, William Golding 54 . Um grupo <strong>de</strong> garotos, semelhantes aos que<br />

Rousseau <strong>de</strong>dica um livro para discorrer sobre a educação, começa a criar uma<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> com hierarquias, brigas pelo po<strong>de</strong>r, violência, objetos simbólicos e ritos<br />

sociais. São crianças com o mínimo <strong>de</strong> valores morais solidificados e que, em um<br />

<strong>da</strong>do momento <strong>da</strong> narrativa, há uma ruptura no grupo e dois po<strong>de</strong>res paralelos e<br />

conflitantes se formam. Há diversas leituras possíveis do livro, como as<br />

representações <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, totalitarismo e a ameaça <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>.<br />

No caso do PT e do PSDB, com o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização no<br />

período pós-ditadura militar engatinhando, o partido que assume o po<strong>de</strong>r em 1994<br />

aju<strong>da</strong> a concretizar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática brasileira e acaba, segundo a narrativa<br />

<strong>de</strong> Carta Capital, se <strong>de</strong>svirtuando dos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> sua formação. O sistema também o<br />

corrompeu em um <strong>da</strong>do momento, e Carta Capital a todo momento questiona a<br />

credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do discurso <strong>de</strong> um personagem político que já não compartilha dos<br />

valores os quais a revista preza, além <strong>de</strong> apoiar um golpe branco para tirar Lula do<br />

po<strong>de</strong>r.<br />

54 GOLDING, William. O senhor <strong>da</strong>s moscas. Nova Fronteira, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2001.<br />

76


Na quarta e última chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa <strong>da</strong> edição 346, cita<strong>da</strong> anteriormente,<br />

o fun<strong>da</strong>mento está em dois princípios básicos do jornalismo: a opinião <strong>de</strong><br />

especialistas e a utilização <strong>da</strong>s aspas para atribuir a visão do veículo a opiniões <strong>de</strong><br />

outrem, que não a do jornalista. Ao trazer na capa uma chama<strong>da</strong> como “Wan<strong>de</strong>rley<br />

Guilherme dos Santos: ‘Os tucanos apoiariam o golpe branco’”, o semanário<br />

“compra” uma versão polêmica a qual não traz nenhum lastro com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, seja<br />

por documentos ou <strong>de</strong>poimentos, e se fixa apenas na opinião <strong>de</strong> alguém que não<br />

po<strong>de</strong> falar pelo PSDB.<br />

O argumento <strong>de</strong> que a opinião não é <strong>da</strong> revista, mas <strong>de</strong> um especialista<br />

renomado na área não isenta a Carta Capital quanto a uma suposta imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Não que a revista se proponha a o ser, mesmo porque é a única a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

abertamente suas posições políticas, mas o parâmetro <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ve ser o campo<br />

jornalístico e os valores prezados por ele. Narrar que um partido <strong>de</strong>ssa magnitu<strong>de</strong>,<br />

que participa ativamente do jogo <strong>de</strong> negociações e <strong>de</strong>bates políticos, apoiaria (com<br />

o verbo no futuro do pretérito do modo condicional) um golpe branco, ou seja, uma<br />

manobra política para se chegar ao impeachment do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República é uma<br />

afirmação muito grave para que seja apenas atribuí<strong>da</strong> a alguém.<br />

O segundo fundo moral é a hipocrisia. Todo o discurso retratado <strong>da</strong><br />

oposição nas matérias é acompanhado <strong>de</strong> <strong>de</strong>boche, <strong>de</strong> um “porém” ou <strong>de</strong> uma<br />

espécie <strong>de</strong> post scriptum lembrando o leitor <strong>de</strong> “quem está falando é aquele lá que<br />

fez isso e aquilo”. O <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral ACM Neto, certa feita, ameaçou agredir o<br />

presi<strong>de</strong>nte Lula porque ele se dizia uma vítima <strong>de</strong> grampos ilegais. A matéria trouxe<br />

um comentário <strong>de</strong> que seria bom lembrar que o <strong>de</strong>putado do ex-PFL era neto do<br />

falecido senador Antonio Carlos Magalhães, que comandou o maior esquema <strong>de</strong><br />

grampo <strong>da</strong> história <strong>da</strong> Bahia. Não há mais chance <strong>de</strong> discurso para ACM Neto. Com<br />

um comentário <strong>de</strong>sses, mesmo que não escrito <strong>de</strong> modo opinativo, contesta e<br />

diminui ao ridículo a fala do <strong>de</strong>putado. “Quem ele é para falar alguma coisa”, esperase<br />

que o leitor pense.<br />

Remeter à óbvia e famosa lição <strong>de</strong> Jesus Cristo relata<strong>da</strong> na Bíblia é um<br />

começo. “Aquele que <strong>de</strong> entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra<br />

contra ela”, ameaçou o Cristo em João 8:7. Como a oposição, com o PSDB e o ex-<br />

PFL à frente, po<strong>de</strong>ria se posicionar como <strong>de</strong>fensora <strong>da</strong> ética se fez o que fez? Se<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u o caixa 2, como Arthur Virgílio numa matéria <strong>de</strong> 16/11/2005 (CARTA<br />

CAPITAL, ANO XII, N. 367), que lembra um episódio em que o senador<br />

77


amazonense afirmou que não existiam mocinhos e bandidos e que já tinha realizado<br />

a prática ilegal, o discurso <strong>da</strong> ética não se sustenta.<br />

Se é o roto falando do rasgado ou o torto falando do aleijado, como gosta<br />

<strong>de</strong> lembrar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em seus ditados populares, não sobra qualquer credibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

no discurso para o leitor. Se há um herói, quase um bom selvagem como o índio<br />

Peri <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar, que está num processo <strong>de</strong> modificação pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, há<br />

<strong>de</strong> se pensar que há dois caminhos possíveis. Se um candi<strong>da</strong>to como Lula nas<br />

eleições <strong>de</strong> 1989 surge como uma contestação ao po<strong>de</strong>r vigente, há <strong>de</strong> se pensar<br />

que talvez seja benéfico para o país que esse homem político tenha to<strong>da</strong> sua<br />

contestação <strong>de</strong> certa forma amortiza<strong>da</strong>, para a saú<strong>de</strong> político-<strong>de</strong>mocrática do país.<br />

Ou pelo contrário, talvez fosse necessário para o país um governo que entrasse em<br />

choque como o po<strong>de</strong>r estabelecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a formação do Brasil como nação.<br />

A corrupção (no sentido <strong>de</strong> corromper, e não <strong>de</strong> ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong>), cita<strong>da</strong> no<br />

primeiro pano <strong>de</strong> fundo moral <strong>de</strong> Carta Capital, <strong>de</strong>veria passar por um juízo <strong>de</strong> valor<br />

do próprio leitor, e não vir carrega<strong>da</strong> <strong>da</strong> opinião, seja pertinente ou não, do narradorjornalista.<br />

Por isso, a construção <strong>da</strong> antagonista Oposição fica totalmente<br />

comprometi<strong>da</strong> pela falta <strong>da</strong> base do papel <strong>de</strong>la no jogo político: o <strong>de</strong> contestação.<br />

Como alguém vai contestar se ao menos possui, segundo a revista, respaldo moral<br />

para tal? Se esse tipo <strong>de</strong> pensamento for levado a cabo, não sobrará ninguém para<br />

contestar qualquer coisa em qualquer <strong>de</strong>bate. O Cristo já havia avisado.<br />

O hipócrita é aquele que finge os sentimentos e que ignora a sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Se não é a<strong>de</strong>quado partir diretamente para o outro lado <strong>da</strong> argumentação<br />

representa<strong>da</strong> por Miguel <strong>de</strong> Cervantes, que afirma que “menos mal faz o hipócrita<br />

que se finge <strong>de</strong> bom do que o público pecador”, é preciso buscar a pon<strong>de</strong>ração no<br />

caráter crítico <strong>da</strong> mídia.<br />

Se a elite, personagem tão presente nas edições <strong>de</strong> Carta Capital, se<br />

movimenta revolta<strong>da</strong> contra o “estado <strong>da</strong>s coisas”, a contestação ao discurso <strong>de</strong>la<br />

parte do mesmo princípio que pauta o retrato <strong>da</strong> oposição. No título “A elite<br />

esperneia”, <strong>da</strong> matéria <strong>de</strong> capa <strong>da</strong> edição 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007 (CARTA CAPITAL,<br />

ANO XIII, N. 459), a escolha do verbo remete a uma criança birrenta que chora, bate<br />

pé, se joga no chão apenas porque a mãe não comprou um brinquedo que ela<br />

queria. A capa <strong>da</strong> mesma edição traz um casal numa Ferrari com cartazes <strong>de</strong><br />

reivindicação colocados virtualmente. A chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa: “A Rebelião <strong>da</strong> elite. De<br />

78


juízes a socialites, dos donos <strong>da</strong> mídia a seus sabujos, contribuições notáveis para<br />

um festival <strong>de</strong> besteiras que envergonha o País”.<br />

É a mesma metanarrativa sobre a hipocrisia. Quem são os ricos para<br />

reclamarem <strong>de</strong> alguma coisa? Será que os ricos não têm direito à reclamação<br />

porque <strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong> apartamentos e mansões nos bairros mais caros <strong>de</strong> São<br />

Paulo? Não está sendo discuti<strong>da</strong> aqui a relevância <strong>da</strong> discussão proposta pela<br />

“elite”, mas sim o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>da</strong>s visões que se opõem às <strong>da</strong> revista<br />

Qualquer tipo <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong> opiniões contrárias às <strong>de</strong> Carta Capital são<br />

submeti<strong>da</strong>s à contestação.<br />

Nenhuma opinião passa impune pelo crivo <strong>da</strong> hipocrisia, e <strong>de</strong> uma razão<br />

cínica. Se FHC coman<strong>da</strong> a <strong>de</strong>rruba<strong>da</strong> <strong>da</strong> CPMF, resta a capa <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007 afirmar: “Resta saber o que ganham os tucanos”. Não há<br />

qualquer consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que um movimento político <strong>da</strong> oposição possa representar<br />

uma atitu<strong>de</strong> política em benefício do país. Quando a <strong>de</strong>núncia que envolvia o<br />

senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) veio à tona, a metanarrativa ficou ain<strong>da</strong> mais<br />

evi<strong>de</strong>nte.<br />

A oposição foi retrata<strong>da</strong> como um ser ansioso por incriminar o governo,<br />

se<strong>de</strong>nto <strong>de</strong> sangue, ávido pela toma<strong>da</strong> do po<strong>de</strong>r, irresponsável no trato <strong>da</strong>s<br />

discussões políticas trava<strong>da</strong>s no Congresso e hipócrita. No surgimento <strong>da</strong> <strong>de</strong>núncia<br />

<strong>de</strong> envolvimento <strong>de</strong> Azeredo no mesmo esquema <strong>de</strong> corrupção, a oposição na<br />

narrativa <strong>de</strong> Carta Capital agiu para separar o joio do trigo, como o lí<strong>de</strong>r do PSDB no<br />

Senado, Arthur Virgílio, ao <strong>de</strong>clarar na edição <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2005 (CARTA<br />

CAPITAL, ANO XII, N. 365) que “uma coisa é o caixa 2, que é reprovável. Outra<br />

coisa é a rapina usa<strong>da</strong> por um grupo para se perpetuar no po<strong>de</strong>r” e que, por<br />

Azeredo não ter ganho a eleição, não foi beneficiado pelo caixa 2.<br />

A narrativa <strong>de</strong> Carta Capital não se ateve a <strong>de</strong>nunciar as ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

cometi<strong>da</strong>s pelo PSDB mineiro em 1998, como também con<strong>de</strong>nou a prática e a<br />

comparou com a do mensalão petista. A capa <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005<br />

trouxe a chama<strong>da</strong>: “Em volume <strong>de</strong> recursos, a crise que afeta Lula não se compara<br />

a varia<strong>da</strong>s negociatas nas eras Collor e FHC”. Mais um argumento para<br />

fun<strong>da</strong>mentar o retrato <strong>da</strong> hipocrisia oposicionista.<br />

No capítulo em que foram analisados os personagens foi possível concluir<br />

que o retrato <strong>de</strong> Roberto Jefferson na Carta Capital era pautado na mesma questão.<br />

Um <strong>de</strong>putado que participou <strong>da</strong> tropa <strong>de</strong> choque <strong>de</strong> Collor não po<strong>de</strong> ter moral para<br />

79


acusar o governo <strong>de</strong> corrupção, exceto, como foi mostrado, se trata <strong>de</strong> acusar a<br />

oposição.<br />

Por fim, ao longo <strong>da</strong> narrativa <strong>de</strong> Carta Capital sobre o escân<strong>da</strong>lo do<br />

mensalão, as duas metanarrativas, que tratam <strong>da</strong> corrupção do bom selvagem e <strong>da</strong><br />

hipocrisia dos críticos, “an<strong>da</strong>ram lado a lado” se complementando. Na última edição<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, parece que a tarefa <strong>de</strong> corromper o bom selvagem foi bem sucedi<strong>da</strong>. "O<br />

governo e a oposição encenaram um espetáculo <strong>de</strong>stinado a, no fundo, preservar as<br />

coisas como sempre foram, enquanto a maioria <strong>da</strong> população continua sem<br />

enten<strong>de</strong>r na<strong>da</strong>”.<br />

Veja<br />

São muitas as narrativas por trás <strong>da</strong>s grifes “Crise” e “Mensalão” em Veja,<br />

mas em to<strong>da</strong>s elas pesa a natureza atribuí<strong>da</strong> ao escân<strong>da</strong>lo: uma crise <strong>de</strong> caráter<br />

moral. Para efeitos <strong>de</strong> comparação, serão observados dois <strong>de</strong> seus enfoques <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>da</strong> perspectiva política: o filosófico e o mitológico.<br />

É possível perceber a contraposição entre as posições <strong>da</strong>s duas revistas<br />

a partir <strong>da</strong> crítica que Jean-Jacques Rousseau faz a Thomas Hobbes:<br />

Hobbes preten<strong>de</strong> que o homem é naturalmente intrépido e não procura<br />

senão atacar e combater. (...) Não vamos, principalmente concluir com<br />

Hobbes que, por não ter nenhuma idéia <strong>de</strong> bon<strong>da</strong><strong>de</strong>, o homem seja<br />

naturalmente mau; que seja vicioso, porque não conhece a virtu<strong>de</strong>; que<br />

recuse sempre aos seus semelhantes serviços que não acredita serem do<br />

seu <strong>de</strong>ver; ou que, em virtu<strong>de</strong> do direito que se atribui com razão às coisas<br />

<strong>de</strong> que tem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, imagine loucamente ser o único proprietário <strong>de</strong><br />

todo o universo. Hobbes viu muito bem o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>finições<br />

mo<strong>de</strong>rnas do direito natural: mas, as conseqüências que tira <strong>da</strong> sua<br />

mostram que a toma em um sentido que não é menos falso. Raciocinando<br />

sobre os princípios que estabelece, esse autor <strong>de</strong>veria dizer que, sendo o<br />

estado <strong>de</strong> natureza aquele em que o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> nossa conservação é<br />

menos prejudicial à dos outros, esse estado era, por conseguinte, o mais<br />

próprio à paz e o mais conveniente ao gênero humano. Diz precisamente o<br />

contrário, por ter feito entrar, fora <strong>de</strong> propósito, no cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> conservação<br />

do homem selvagem, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfazer uma multidão <strong>de</strong> paixões<br />

que são obra <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e que tornaram necessárias as leis.<br />

Para Hobbes, todos os homens são <strong>de</strong>sonestos, egoístas e o único meio<br />

<strong>de</strong> progredir neste mundo é conservar-se em luta e ultrapassar em ódio o<br />

semelhante. Ca<strong>da</strong> um tem direito a tudo, e uma vez que to<strong>da</strong>s as coisas são<br />

80


escassas, existe uma constante guerra <strong>de</strong> todos contra todos. A forma encontra<strong>da</strong><br />

para resolver esse imbróglio dá nome à sua principal obra: Leviatã 55 . O Leviatã po<strong>de</strong><br />

ser um monarca ou uma assembléia (que po<strong>de</strong> até mesmo ser composta <strong>de</strong> todos,<br />

caso em que seria uma <strong>de</strong>mocracia), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong> seja absoluta. Essa<br />

visão obscura do po<strong>de</strong>r encontra<strong>da</strong> em Hobbes culmina na máxima homo homini<br />

lupus (o homem é o lobo do homem), que po<strong>de</strong> ser traduzi<strong>da</strong> como “ca<strong>da</strong> homem é<br />

o pre<strong>da</strong>dor <strong>de</strong> seu próximo”.<br />

O que acontece quando o bom selvagem <strong>de</strong> Rousseau encontra o lobo<br />

hobbesiano 56 ? Uma <strong>da</strong>s cenas iniciais <strong>de</strong> 300 (filme <strong>de</strong> Zack Sny<strong>de</strong>r baseado no<br />

roteiro <strong>de</strong> Frank Miller) retira essa metáfora do campo simbólico e a traz para a<br />

prática. Na sequência, o jovem espartano encara a fera com respeito, mas se impõe.<br />

Ele recua, em sinal <strong>de</strong> respeito, mas não escon<strong>de</strong> sua coragem e medo. O clima é<br />

adverso, mas ele já está acostumado com a neve sob seus pés <strong>de</strong>scalços. Nesse<br />

momento, os dois se tornam um, não se po<strong>de</strong> mais distinguí-los em seu po<strong>de</strong>r. O<br />

lobo avança e o jovem aguar<strong>da</strong> e calcula porque sabe que só terá uma chance. Ele<br />

a aproveita e a besta mal pô<strong>de</strong> perceber em que momento vacilou. Agora sim ele se<br />

tornou um guerreiro e já po<strong>de</strong> voltar para os seus, na sua al<strong>de</strong>ia, on<strong>de</strong> se tornará rei<br />

e herói.<br />

A fábula por trás <strong>da</strong> narrativa do mensalão traduz o caminho percorrido<br />

pelo semanário editado por Abril. Assim como o espartano e a besta em meio à neve<br />

e ao frio, em uma Brasília construí<strong>da</strong> politicamente <strong>de</strong> uma forma instável, o<br />

paladino Lula enfrenta não um, mas vários lobos hobbesianos. Lobos como<br />

Jefferson, FHC e ACM.<br />

O herói não po<strong>de</strong> contar com seus melhores amigos, os cães: Dirceu,<br />

Delúbio, Silvinho e Pallocci o abandonaram e só restaram os lobos. O herói está em<br />

meio à alcatéia e precisa <strong>de</strong> salvação para si e para os que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>le. Garras<br />

e lanças, mãos e gravatas normalmente buscariam a dose diária <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mas<br />

55<br />

HOBBES, TH. Leviatã; trad. João P. Monteiro e Mª B. N. Da Silva. - São Paulo: Abril Cultural,<br />

1983.<br />

56<br />

“Numa esfera pública plausível, há <strong>de</strong> haver espaço para o lobo hobbesiano tanto quanto para o<br />

ci<strong>da</strong>dão socrático, para a competição quanto para a cooperação, para o egoísmo quanto para o<br />

altruísmo, para a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência quanto para o reconhecimento do bem comum, para a ação<br />

estratégica quanto para o agir comunicativo”. (GOMES, Wilson. Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, Visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

Discutibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Disponível em www.compos.org.br/<strong>da</strong>ta/biblioteca.<br />

81


quando se vêem ameaçados, procuram apenas sobreviver. Nesse jogo, ganha mais<br />

quem per<strong>de</strong> menos, e o ataque é a melhor <strong>de</strong>fesa.<br />

Nesse sentido, a estrela petista <strong>de</strong>sempenha papel importante enquanto<br />

símbolo i<strong>de</strong>ntitário. O partido que se confundiu com o governo sobrepõe a sua<br />

estrela à do brasão <strong>da</strong> República (25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005) e cai em uma crise moral<br />

tão profun<strong>da</strong> que não só expõe a sua fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas a põe em risco e per<strong>de</strong> (“Era<br />

vidro e se quebrou” - 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005). O PT é como um baralho em um<br />

castelo <strong>de</strong> cartas que vai se <strong>de</strong>smontando aos poucos, nas capas <strong>de</strong> Veja. O cheiro<br />

<strong>da</strong> rataria começava a fe<strong>de</strong>r e como on<strong>de</strong> há fumaça há fogo, a revista previu o<br />

potencial por trás <strong>da</strong> história. A primeira carta a cair é a <strong>de</strong> Jefferson (28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

2005) e, duas edições <strong>de</strong>pois, a seqüência aparece encabeça<strong>da</strong> por Delúbio Soares,<br />

o primeiro dos peixes gran<strong>de</strong>s a freqüentar a CPI. Há charges <strong>de</strong> José Dirceu com<br />

um nariz <strong>de</strong> Pinóquio. A capa <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005 traz a manchete “CorruPTos”,<br />

supondo que os petistas sejam ratos, animais comumente associados à sujeira.<br />

A cicatriz caracteriza<strong>da</strong> por Propp como o sinal aparece na capa <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 2005. As capas <strong>de</strong> Veja traçam o caminho percorrido pelo protagonista<br />

Lula que passa <strong>de</strong> um herói vacilante (9 <strong>de</strong> julho) e envolto em sombras (16 <strong>de</strong><br />

julho), passando por alguém que está imerso na escuridão (6 <strong>de</strong> agosto) até que<br />

finalmente acuado (13 <strong>de</strong> agosto).<br />

A revista não nega que a prática <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> propinas a <strong>de</strong>putados<br />

tenha acontecido durante o governo FHC, mas afirma que, caso tenham acontecido<br />

– o que veio a ser provado após o envolvimento <strong>de</strong> Eduardo Azeredo -, a crise do<br />

governo Lula foi maior. Não há margem para a comparação: mesmo ain<strong>da</strong> não<br />

tendo apresenta<strong>da</strong>s provas e muito menos tendo sido concluí<strong>da</strong> uma investigação,<br />

presume-se a culpa e a imorali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

É interessante como, basea<strong>da</strong> na afirmação do discurso “a favor do<br />

Brasil”, Veja consegue alimentar a fogueira política ao mesmo tempo em que<br />

tranqüiliza a opinião econômica. A revista <strong>de</strong>dica duas <strong>de</strong> suas capas à <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong><br />

economia e mais duas sobre ministro Antônio Palocci. Essa estratégia pauta<strong>da</strong> na<br />

credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> traduz uma narrativa que tem um fundo moral claro: <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a<br />

<strong>de</strong>mocracia, custe o que custar.<br />

82


Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

Capítulo 4<br />

Em 1961, o principal jornal dos EUA, The New York Times, <strong>de</strong>scobriu<br />

sobre os planos do governo americano, mais especificamente a CIA, <strong>de</strong> invadir a<br />

Baía dos Porcos, em Cuba. Criou-se <strong>de</strong>ntro do jornal uma discussão que levou o<br />

publisher do jornal, Orvil Dryfoos, a se questionar sobre a publicação do texto. A<br />

matéria, inicialmente, seria publica<strong>da</strong> como a principal notícia <strong>da</strong> primeira página.<br />

Depois <strong>da</strong> censura, como caracterizou um dos editores, a matéria foi joga<strong>da</strong> para o<br />

meio do jornal com um tamanho insignificante. Tempos <strong>de</strong>pois, o próprio presi<strong>de</strong>nte<br />

Kennedy admitiu que o jornal exagerou na idéia <strong>de</strong> não interferir na segurança<br />

nacional e que se a matéria tivesse sido publica<strong>da</strong> com estar<strong>da</strong>lhaço, o banho <strong>de</strong><br />

sangue talvez tivesse sido evitado. Como <strong>de</strong>screve TALESE (2000, p.126), “em<br />

questões <strong>de</strong> interesse nacional, a imprensa não tem apenas a opção apropria<strong>da</strong>,<br />

tem mesmo o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> se manifestar”.<br />

A relação com a história do The New York Times passa pelo seguinte<br />

questionamento: até que ponto a preocupação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos interesses<br />

envolvidos, com a preservação <strong>de</strong> um governo interfere numa cobertura jornalística?<br />

A auto-censura <strong>da</strong> imprensa norte-americana passa pela <strong>de</strong>lica<strong>da</strong> questão <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>da</strong> nação, <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> do sistema político. Os <strong>da</strong>nos às instituições são medidos com<br />

muita cautela.<br />

Se trazi<strong>da</strong> essa questão para o sistema político brasileiro, torna-se<br />

convi<strong>da</strong>tivo <strong>de</strong>clarar, <strong>de</strong> pronto, que a imprensa brasileira não tem escrúpulos. É fácil<br />

cair na aparente obvie<strong>da</strong><strong>de</strong> e concluir que to<strong>da</strong> cobertura política nasce vicia<strong>da</strong>, e,<br />

sobretudo, no senso comum que diz que Veja é uma revista <strong>de</strong> direita e que Carta<br />

Capital é <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>.<br />

Contudo, essa visão maniqueísta é simplista <strong>de</strong>mais para ser adota<strong>da</strong> em<br />

absoluto, sobretudo em se tratando <strong>de</strong> um escân<strong>da</strong>lo com tantos <strong>de</strong>sdobramentos e<br />

<strong>de</strong>senvolvido em um cenário que envolve tantas variáveis como aquele em que se<br />

<strong>de</strong>senvolveu o enredo do mensalão.<br />

Assim como to<strong>da</strong> narrativa é uma poética, to<strong>da</strong> leitura é uma<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. A narratologia do mensalão realiza<strong>da</strong> aqui é uma entre as várias<br />

83


imagináveis, o que implica uma infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações e, não necessariamente<br />

uma certeza, mas várias observações.<br />

Comprovar ou refutar o senso comum não é a proposta em questão. Caso<br />

fosse, teriam sido escolhidos atos <strong>de</strong> fala, como textos opinativos e editoriais. Caso<br />

fosse, teria-se optado por uma metodologia mais próxima <strong>da</strong> epistemologia<br />

hegeliana e, ao final <strong>de</strong>ste trabalho, em vez <strong>de</strong> Consi<strong>de</strong>rações Finais, haveria uma<br />

conclusão.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong>sta pesquisa até o final <strong>da</strong>s análises, o<br />

próprio objeto sofreu tamanhas transformações que concluir po<strong>de</strong>ria, neste caso em<br />

específico, se confundir com restringir.<br />

Entre o final <strong>de</strong> 2006, período escolhido como limite temporal para a<br />

análise, e meados <strong>de</strong> 2008, muitas foram as ocasiões em que termos como<br />

valerioduto e mensalão, neologismos típicos do caso em voga, foram trazidos à tona<br />

novamente. Talvez prevendo outras reviravoltas, optamos por não encerrar a<br />

reconstrução narrativa do escân<strong>da</strong>lo. Tal escolha po<strong>de</strong> ter parecido presunçosa e<br />

até mesmo conveniente, mas foi cara. Pouco <strong>de</strong>pois, ela se nos mostrou a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>:<br />

em 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008, foram presos os banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito <strong>de</strong><br />

São Paulo, Celso Pitta, e o megainvestidor Naji Nahas acusados. As investigações<br />

<strong>da</strong> operação, batiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> Satiagraha, começaram em 2004, como <strong>de</strong>sdobramento<br />

do caso do mensalão, mas se esten<strong>de</strong>ram a fatos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o governo Fernando<br />

Henrique Cardoso. Durante as investigações, os três foram i<strong>de</strong>ntificados como<br />

beneficiados pelo valerioduto, termo que <strong>de</strong>nominava o esquema montado pelo<br />

empresário Marcos Valério e que se beneficiava <strong>de</strong> recursos públicos para beneficiar<br />

campanhas <strong>de</strong> políticos. De acordo com a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, o banqueiro controlador<br />

do banco Opportunity teria coman<strong>da</strong>do o esquema e, por meio <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus<br />

comparsas, oferecido propina a um <strong>de</strong>legado fe<strong>de</strong>ral.<br />

Então, quase seis anos <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s primeiras <strong>de</strong>núncias feitas por Roberto<br />

Jefferson, mortos ressucitam e os po<strong>de</strong>res se mexem e se reajustam.<br />

Vale lembrar que o furo jornalístico <strong>da</strong> operação Satriagraha foi <strong>da</strong>do pelo<br />

portal Terra Magazine na internet, na terça-feira, dia 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008 pelo<br />

jornalista Bob Fernan<strong>de</strong>s - editor do Terra Magazine e ex-editor <strong>de</strong> CartaCapital -<br />

que investiga a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Daniel Dantas há anos. Só cerca <strong>de</strong> uma hora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seu<br />

texto surgir na internet, os outros órgãos <strong>de</strong> divulgação começaram a <strong>de</strong>spertar para<br />

84


a notícia. Dentre os jornais, o mais rápido foi o G1, do Grupo Globo, mas sem<br />

acrescentar novos <strong>da</strong>dos à notícia pioneira <strong>de</strong> Bob.<br />

No novo escân<strong>da</strong>lo, a operação Satiagraha, a discussão foi leva<strong>da</strong> do<br />

terreno político para o policial. O foco não foi o valerioduto, aparente origem <strong>de</strong> to<strong>da</strong><br />

a trama, mas a in<strong>da</strong>gação sobre o exercício do po<strong>de</strong>r que é <strong>de</strong>legado à Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Mais uma vez, Veja e CartaCapital se posicionam. De acordo com<br />

CartaCapital:<br />

Em maio <strong>de</strong> 2006, a cinco meses <strong>da</strong>s eleições presi<strong>de</strong>nciais, a revista Veja<br />

publicou uma matéria basea<strong>da</strong> em informações reconheci<strong>da</strong>mente falsas<br />

passa<strong>da</strong>s à publicação <strong>da</strong> Editora Abril por Daniel Dantas. Tratava-se <strong>da</strong><br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> contas bancárias manti<strong>da</strong>s no exterior, <strong>de</strong><br />

forma clan<strong>de</strong>stina, pelo presi<strong>de</strong>nte Lula, além <strong>de</strong> alguns ministros e<br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s do governo do PT. Um ano e meio <strong>de</strong>pois, a investigação <strong>da</strong><br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral para apurar as responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Dantas, <strong>da</strong> Editora<br />

Abril e <strong>da</strong> Kroll, também envolvi<strong>da</strong> na trama, teve um resultado pífio. O<br />

presi<strong>de</strong>nte do inquérito, o <strong>de</strong>legado Disney Rosseti, lançou mão <strong>de</strong> um<br />

indiciamento atípico, baseado na Lei <strong>de</strong> Imprensa. Mas <strong>de</strong>ixou, justamente,<br />

a imprensa <strong>de</strong> lado. Dantas foi indiciado pelo crime <strong>de</strong> calúnia, assim como<br />

o executivo Frank Hol<strong>de</strong>r, ex-diretor <strong>da</strong> Kroll.<br />

De acordo com o dossiê passado à Veja por Dantas, Paulo Lacer<strong>da</strong> teria<br />

1,1 milhão <strong>de</strong> euros em contas no exterior. Os outros seriam donos dos<br />

seguintes valores: Lula, 38,5 mil dólares; José Dirceu (ex-ministro <strong>da</strong> Casa<br />

Civil e <strong>de</strong>putado cassado do PT), 36,2 mil dólares; Antonio Palocci (exministro<br />

<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e atual <strong>de</strong>putado pelo PT <strong>de</strong> São Paulo), 2,1 milhões<br />

<strong>de</strong> dólares; Luiz Gushiken (ex-secretário <strong>de</strong> <strong>Comunicação</strong> <strong>da</strong> Presidência<br />

<strong>da</strong> República), 902,1 mil euros; Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro <strong>da</strong><br />

Justiça), 1,4 milhão <strong>de</strong> dólares; e o senador Romeu Tuma (PTB-SP), 1,1<br />

milhão <strong>de</strong> euros.<br />

Segundo o relatório <strong>da</strong> PF, Dantas produziu o dossiê falso por dois motivos.<br />

Primeiro, para se vingar <strong>da</strong> Operação Chacal. Depois, para pressionar a<br />

favor <strong>de</strong> seus interesses contrariados no setor <strong>de</strong> telefonia.<br />

Ao <strong>de</strong>legado Rosseti, Dantas afirmou ter tomado conhecimento <strong>da</strong>s tais<br />

contas durante uma reunião nos Estados Unidos, entre diretores do<br />

Opportunity e <strong>da</strong> Kroll. Em segui<strong>da</strong>, diz ter contado a história para os<br />

repórteres <strong>de</strong> Veja, em um encontro no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em setembro <strong>de</strong><br />

2005. O ex-diretor <strong>da</strong> Kroll Frank Hol<strong>de</strong>r, embora indiciado, jamais foi<br />

encontrado pela PF. Rosseti pediu, inclusive, aju<strong>da</strong> ao FBI, a polícia fe<strong>de</strong>ral<br />

americana, mas sem sucesso. Terminado o inquérito, o <strong>de</strong>legado foi<br />

promovido a superinten<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral em Brasília.<br />

(CARTACAPITAL, 2008, 23/0708)<br />

Enquanto isso, a revista <strong>da</strong> editora Abril segue uma linha pareci<strong>da</strong> à dos<br />

ataques ao governo Lula. Mais do mesmo? O tom é <strong>de</strong> reprise e a tentativa é a <strong>de</strong><br />

requentar o prato <strong>da</strong> vingança tardia:<br />

Na semana passa<strong>da</strong>, Nélio Machado, o advogado <strong>de</strong> Dantas, questionou o<br />

fato <strong>de</strong> dirigentes do PT nunca serem presos nas diligências <strong>da</strong> Polícia<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Ele tem certa razão. Com a prisão do banqueiro e <strong>de</strong> Nahas, o<br />

85


combate à corrupção no país ganha uma dinâmica curiosa. Até o governo<br />

Lula, era lugar-comum criticar a parciali<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

policiais perseguiam funcionários públicos corruptos e <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> lado<br />

seus corruptores, os tubarões. Dá-se agora o inverso. Os corruptores são<br />

presos sem que os corruptos apareçam. Cadê os corruptos? (VEJA,<br />

16/08/08)<br />

Mais uma vez, percebe-se que os periódicos em questão fazem escolhas<br />

ativas e passivas: ao passo que CartaCapital toma, literalmente, um partido, Veja<br />

<strong>de</strong>clara basear-se no partido brasileiro. Com base no que foi visto, é possível afirmar<br />

que nenhuma <strong>da</strong>s duas posições se sustenta do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

jornalística.<br />

Ora, não é possível confiar na imprensa? Quem está certo? Como não<br />

cair nessas armadilhas i<strong>de</strong>ológicas?<br />

Se, como diz Jorge Mautner, nosso país é um gigante que se faz <strong>de</strong><br />

invisível, cabe à imprensa brasileira fazer a auto-análise <strong>de</strong>sse colosso. É nesse<br />

sentido que a psique – nesse caso, o imaginário coletivo – aponta para uma reflexão<br />

do comportamento do leitor e, antes disso, para os mecanismos <strong>de</strong> que se utilizam<br />

os jornais e jornalistas nesse papel. As entrelinhas gritam, mas nem todos sabem ler<br />

seus vários idiomas e ouvir seus discursos.<br />

É nas sutilezas empreendi<strong>da</strong>s por ca<strong>da</strong> veículo em matérias e<br />

reportagens que as suas visões se aninham e aju<strong>da</strong>m a construir uma história. Por<br />

isso, foi preciso buscar elementos que estão por trás <strong>da</strong> construção <strong>de</strong>ssa narrativa.<br />

Uma vez reconstruí<strong>da</strong> a narrativa do mensalão, surge um novo imbróglio: On<strong>de</strong> o<br />

leitor encontrará informação <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>? Uma vez constatado que sim, há um<br />

<strong>de</strong>samparo do leitor e distância entre os valores atribuídos e buscados ao/no campo<br />

e o jornalismo praticado nas revistas brasileiras, como resolvê-lo, é um <strong>de</strong>safio que<br />

envolve uma escolha e um comprometimento pessoal antes <strong>de</strong> um compromisso<br />

coletivo.<br />

86


Referências Bibliográficas<br />

1. ALBUQUERQUE, Afonso <strong>de</strong>. A narrativa jornalística para além dos faitsdivers.<br />

Lumina - Facom/UFJF - v.3, n.2, p.69-91, jul./<strong>de</strong>z. 2000.<br />

2. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> Estado. Graal, 2001.<br />

3. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10º ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed.<br />

Forense. Universitária, 2000.<br />

4. BAUER, Marin W; GASKELL,George (orgs.). Pesquisa qualitativa com<br />

texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, Vozes, 2003.<br />

5. BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., PASQUINO, G. (orgs.). Dicionário <strong>de</strong><br />

Política. Brasília, UnB, 2000<br />

6. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar, 1997.<br />

7. BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo, Cia <strong>da</strong>s Letras, 2000.<br />

8. CAMARGO, Susana (coord). A Revista no Brasil. São Paulo. Abril, 2000.<br />

9. CARTA CAPITAL, Confiança, São Paulo. Edições 346 a 387, 15/06/2005 a<br />

05/04/3006.<br />

10. CAVALCANTI, Luiz Otávio. Como a corrupção abalou o governo Lula. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, Ediouro, 2005.<br />

11. CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto. São Paulo, Cia <strong>da</strong>s Letras, 1999.<br />

12. CHARTIER, Roger. A História Cultural, entre práticas e representações.<br />

Lisboa, Difel, 1988.<br />

13. DEUSDARÁ, Bruno; ROCHA, Décio. Análise <strong>de</strong> Conteúdo e Análise <strong>de</strong><br />

Discurso: aproximações e afastamentos na (re)construção <strong>de</strong> uma<br />

trajetória. Alea. Estudos Neolatinos, v. 17, 2005.<br />

14. DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do po<strong>de</strong>r – Bastidores <strong>da</strong><br />

Imprensa. São Paulo, Summus Editorial, 1990.<br />

15. FERREIRA, Giovandro Marcus. Apontamentos sobre as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do<br />

campo <strong>de</strong> produção jornalístico, Pauta Geral, 4, 2002.<br />

16. FORTES, Leandro. Cayman: o dossiê do medo. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Record,<br />

2002.<br />

17. _______________. Jornalismo Investigativo. São Paulo, Contexto, 2005<br />

18. FRANCIS, Paulo. In PIZA, Daniel (org.). Waaal – O Dicionário <strong>da</strong> Corte <strong>de</strong><br />

Paulo Francis. São Paulo, Cia <strong>da</strong>s Letras, 1996.<br />

87


19. GANCHO, Cândi<strong>da</strong> Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática,<br />

2002.<br />

20. GOLDING, William. O Senhor <strong>da</strong>s Moscas. Nova Fronteira, Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

2001.<br />

21. GOMES, Wilson. Transformações <strong>da</strong> política na era <strong>da</strong>s comunicações <strong>de</strong><br />

massa. São Paulo, Paulus, 2004.<br />

22. ______________. Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e Perspectiva – A Questão <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e O<br />

Fato Jornalístico. Textos <strong>de</strong> Cultura e <strong>Comunicação</strong>, Salvador, Ba, v. 29.<br />

23. ______________. Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, Visibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, Discutibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Disponível em<br />

www.compos.org.br/<strong>da</strong>ta/biblioteca. Acesso em 14 <strong>de</strong> mai. <strong>de</strong> 2008.<br />

24. GOULART, Alexan<strong>de</strong>r. Uma lupa sobre o jornalismo <strong>de</strong> revista. Disponível<br />

em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=388DAC001.<br />

Acesso em 20 nov. 2007.<br />

25. HOBBES, TH. Leviatã; trad. João P. Monteiro e Mª B. N. Da Silva. - São<br />

Paulo, Abril Cultural, 1983.<br />

26. KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo, São<br />

Paulo, Geração Editorial, 2003.<br />

27. LOBATO, Elvira. Instinto <strong>de</strong> Repórter. São Paulo, Publifolha, 2005.<br />

28. LIMA, Venício A. <strong>de</strong> (org.). A mídia nas eleições 2006. São Paulo, Fun<strong>da</strong>ção<br />

Perseu Abramo, 2007.<br />

29. LIMA, Venício A. <strong>de</strong>. Mídia – Crise política e po<strong>de</strong>r no Brasil. São Paulo,<br />

Fun<strong>da</strong>ção Perseu Abramo, 2006.<br />

30. LOPES, Dirceu Fernan<strong>de</strong>s; PROENÇA, José Luiz. (org.) Jornalismo<br />

Investigativo. São Paulo, Publisher Brasil, 2003.<br />

31. MALCOLM, Janet. O jornalista e o assassino. São Paulo, Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras, 1990.<br />

32. MARTINS, Franklin. Jornalismo Político. São Paulo, Contexto, 2005.<br />

33. MEDINA, Cremil<strong>da</strong>. Noticia, um produto à ven<strong>da</strong>: jornalismo na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

urbana e industrial, São Paulo: Summus, 1988.<br />

34. MOREIRA, Fabiana. Conheça os adversários <strong>de</strong> ACM. 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2007.<br />

Disponível em<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:vq5RSsnFwMAJ:noticias.terra.com.br/<br />

brasil/ interna/ 0,,OI1704486-EI306,00.<br />

35. MORAES, Letícia Nunes <strong>de</strong>. Leituras <strong>da</strong> revista Reali<strong>da</strong><strong>de</strong> – 1966 – 1968.<br />

88


São Paulo, Alame<strong>da</strong>, 2007.<br />

36. MOTTA, Luiz Gonzaga. In: BENETTI, Márcia; LAGO, Claudia. Metodologia<br />

<strong>de</strong> pesquisa em Jornalismo. Petrópolis, Vozes, 2007.<br />

37. _____________________. Enquadramentos Lúdico-dramáticos no<br />

Jornalismo: Mapas culturais para organizar conflitos políticos. Disponível<br />

em http://www.intexto.ufrgs.br/n17/texto11.html.<br />

38. NASCIMENTO, Patrícia Ceolin. Jornalismo em revistas no Brasil – um<br />

estudo <strong>da</strong>s construções discursivas em veja e manchete. São Paulo,<br />

Anablume, 2002.<br />

39. NOBLAT, Ricardo. A arte <strong>de</strong> fazer um jornal diário. Contexto, 2005.<br />

40. PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Forense Universitária, 2006.<br />

41. RÉGENER, Ricardo. Roman Jakobson e o Discurso <strong>da</strong> Revista Veja em<br />

Xeque. Disponível em<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:lID<strong>da</strong>cAtwy0J:www.eca.usp.br/nucleos<br />

/njr/espiral/papiro33b.htm+revista+veja+acad%C3%AAmico+linha+editorial&hl<br />

=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br. Acesso em 24 <strong>de</strong> mai. <strong>de</strong> 2008.<br />

42. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fun<strong>da</strong>mentos<br />

<strong>da</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os homens. Disponível em<br />

http://64.233.169.104/search?q=cache:MVaWOLSz2FYJ:www.ebooksbrasil.or<br />

g/eLibris/<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>.html+%22. Acesso em 14 <strong>de</strong> mai. <strong>de</strong> 2008.<br />

43. SALDÍVAR, Dasso. Gabriel García Márquez: viagem à semente. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Record, 2000.<br />

44. SEABRA, Roberto; SOUSA, Vivaldo <strong>de</strong>. (org.). Jornalismo Político – Teoria,<br />

História e Técnicas. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Record, 2006.<br />

45. SIQUEIRA, Cleofe Monteiro <strong>de</strong>. Jornalismo investigativo – o fato por trás<br />

<strong>da</strong> notícia. São Paulo, Summus, 2005.<br />

46. SODRÉ, Nelson Werneck. A história <strong>da</strong> imprensa no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Civilização Brasileira, 1996.<br />

47. TALESE, Gay. O Reino e o Po<strong>de</strong>r – Uma história do New York Times. São<br />

Paulo, Cia <strong>da</strong>s Letras, 2000.<br />

48. THOMPSON, John B.. O escân<strong>da</strong>lo político: po<strong>de</strong>r e visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na era <strong>da</strong><br />

mídia. Petrópolis, Vozes, 2002.<br />

89


49. TOLEDO, Roberto Pompeu <strong>de</strong>. Victor Civita: a história <strong>de</strong> um<br />

empreen<strong>de</strong>dor. Disponível em<br />

http://www.abril.com.br/br/conhecendo/conteudo_43901.shtml Acesso em 26<br />

<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008.<br />

50. OLIVEIRA, Maria <strong>de</strong> Fátima Costa <strong>de</strong>. Jornalista versus Assessor: que<br />

ethos incorporta? São Paulo, 2005. Disponível em<br />

http://www.comtexto.com.br/2convicomcassessoriaFafate.htm. Acesso em 31<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007.<br />

51. VAZ, Lúcio. A ética <strong>da</strong> malandragem – No submundo do Congresso<br />

Nacional. São Paulo, Geração Editorial, 2005.<br />

52. VEJA, Edição 1905 a 1950. Abril, São Paulo, 18/05/2005 a 05/04/2006.<br />

53. WAINER, Samuel. Minha razão <strong>de</strong> viver. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Record, 1988<br />

54. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. São Paulo, Nova Cultural,<br />

1998.<br />

90


Anexo I GRÁFICO 1 – Carta Capital<br />

91


Anexo II GRÁFICO 2 – Veja<br />

92


Anexo III TABELA 1 – Lula<br />

Físicas: corpo,<br />

voz, gestos,<br />

roupas<br />

Psicológicas:<br />

referem-se à<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e aos estados<br />

<strong>de</strong> espírito<br />

Sociais: :<br />

indicam classe<br />

social,<br />

profissão,<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

sociais<br />

"Lula <strong>de</strong>sabafa", "Marcado por evasivas,<br />

por uma indignação conti<strong>da</strong> e pela falta<br />

<strong>de</strong> nomeação clara dos culpados, Lula<br />

acrescentou", "O pronunciamento <strong>de</strong> Lula<br />

adicionou ar à máquina <strong>de</strong> combustão <strong>da</strong><br />

oposição e foi consi<strong>de</strong>rado insuficiente<br />

até por aliados"<br />

"Na entrevista à Folha, Jefferson afirmou<br />

ter informado Lula em janeiro último. Ao<br />

saber <strong>da</strong> existência do 'mensalão', Lula<br />

teria chorado. Após esse encontro, a<br />

mesa<strong>da</strong> teria sido suspensa", "Não que<br />

se tema que as investigações cheguem<br />

ao gabinete do presi<strong>de</strong>nte Lula", "o<br />

governo Lula avançou em várias áreas,<br />

os indicadores econômicos são bons e o<br />

próprio presi<strong>de</strong>nte, embora negue, por<br />

enquanto, falar em reeleição, é um<br />

candi<strong>da</strong>to forte", "Lula ca<strong>da</strong> vez mais<br />

prestigia Palocci", "Visivelmente abatido",<br />

"Declarou-se traído por companheiros do<br />

PT", "Lula relutava em fazer um<br />

pronunciamento à nação", "O sucesso ou<br />

o fracasso <strong>de</strong> uma possível candi<strong>da</strong>tura<br />

<strong>de</strong> Lula em 2006 está intimamente liga<strong>da</strong><br />

ao resultado <strong>da</strong>s eleições internas do<br />

partido. O presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República sofreu<br />

menos do que o PT os efeitos <strong>da</strong> crise",<br />

"Lula teria chances <strong>de</strong> recuperar sua<br />

populari<strong>da</strong><strong>de</strong>", "No campo político, Lula<br />

age com plena autonomia", "enfiou no<br />

discurso uma alfineta<strong>da</strong> nos adversários,<br />

após eles terem aprovado a convocação<br />

<strong>de</strong> Gilberto Carvalho, chefe <strong>de</strong> gabinete<br />

<strong>de</strong>le, no Planalto.", "A temperatura no<br />

Congresso Nacional registrou, entre<br />

outras baixarias, ameaças <strong>de</strong> surra no<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República"<br />

"presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva"<br />

93<br />

"O presi<strong>de</strong>nte Lula não consegue mais<br />

escon<strong>de</strong>r no semblante sua<br />

contrarie<strong>da</strong><strong>de</strong> com a permanência e o<br />

paulatino aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> crise<br />

política."; "Lula, do alto <strong>de</strong> seu palanque<br />

imaginário, exibe um sorriso <strong>de</strong> orelha a<br />

orelha. Já fareja o cheiro <strong>de</strong> pizza."<br />

"assustado e atônito, mobiliza o governo<br />

para<br />

impedir a criação <strong>da</strong> CPI dos Correios";<br />

"O contraste entre a calma do presi<strong>de</strong>nte<br />

e o alvoroço <strong>de</strong> Dirceu, Rebelo e<br />

Genoino tem duas razões básicas. ";<br />

"(fotolegen<strong>da</strong> <strong>de</strong> um Lula que une as<br />

mãos em súplica) E A REELEIÇÃO? O<br />

presi<strong>de</strong>nte Lula: ele diz que per<strong>de</strong>u o<br />

ânimo <strong>de</strong> tentar a reeleição e, agora, só<br />

quer preservar a sua biografia.!"; "O<br />

presi<strong>de</strong>nte Lula parece ter sucumbido à<br />

perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que VEJA trouxe a<br />

primeira reportagem mostrando a<br />

corrupção nos Correios e, <strong>de</strong>pois, no<br />

IRB. Mas, na semana passa<strong>da</strong>,<br />

finalmente adotou uma linha correta e<br />

mais vigorosa."; ""A crise liquidou o<br />

humor <strong>de</strong> Lula. Seus ministros dizem que<br />

o presi<strong>de</strong>nte an<strong>da</strong> <strong>de</strong>primido, solitário e,<br />

não raro, apático.";"A iniciativa <strong>de</strong> Lula<br />

<strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> seu eleitorado<br />

histórico tem origem em dois fatores. O<br />

primeiro é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal e se<br />

assemelha àquilo que a psicanálise<br />

chama <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> regressão.<br />

Acuado, Lula, numa espécie <strong>de</strong><br />

movimento reflexo, volta-se para o<br />

segmento que lhe <strong>de</strong>u origem, aquele em<br />

que se sente mais acolhido. No seu<br />

caso, os movimentos populares <strong>de</strong> base.<br />

A segun<strong>da</strong> razão é <strong>de</strong> caráter<br />

estratégico: três especialistas em<br />

pesquisas <strong>de</strong> opinião ouvidos por VEJA<br />

concor<strong>da</strong>m que, neste momento, o<br />

petista ain<strong>da</strong> tem condições <strong>de</strong> se<br />

reeleger e age <strong>de</strong> forma oportuna ao<br />

concentrar esforços na fatia do eleitorado<br />

que lhe permanece fiel. "<br />

"ficou protegido pela distância entre<br />

Brasil e Japão <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s <strong>de</strong> choque <strong>da</strong>s<br />

tromba<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus auxiliares diretos no<br />

Planalto."


I<strong>de</strong>ológicas:<br />

referem-se ao<br />

modo <strong>de</strong><br />

pensar <strong>da</strong><br />

personagem,<br />

sua filosofia <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong>, suas<br />

opções<br />

políticas, sua<br />

religião<br />

"Segundo apurou CartaCapital, em<br />

reunião com ministros e assessores no<br />

Palácio do Planalto, o presi<strong>de</strong>nte Lula,<br />

ain<strong>da</strong> na terça-feira 7, manifestou a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver Delúbio Soares afastado<br />

<strong>da</strong> tesouraria do partido até a conclusão<br />

<strong>da</strong>s apurações", "Antes, o presi<strong>de</strong>nte<br />

havia or<strong>de</strong>nado a <strong>de</strong>missão coletiva <strong>da</strong>s<br />

diretorias dos Correios e do IRB. Em<br />

discurso na terça 7, durante o Fórum<br />

Global contra a Corrupção, prometeu, se<br />

necessário, 'cortar na própria carne'. Em<br />

outra frente, Lula pediu que os ministros<br />

<strong>da</strong> área política apresentassem em 45<br />

dias uma proposta <strong>de</strong> reforma política que<br />

incluísse a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> partidária e o<br />

financiamento público <strong>de</strong><br />

campanha","Informado do teor do<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jefferson, Lula consi<strong>de</strong>rou<br />

as <strong>de</strong>clarações graves e tomou a <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong> afastar Dirceu, antes que a crise que<br />

se espargia atingisse a rampa do<br />

Planalto", "Na segun<strong>da</strong>-feira 13, o<br />

presi<strong>de</strong>nte exigiu que o senador Delcídio<br />

Amaral (PT-MS) assumisse a presidência<br />

<strong>da</strong> CPI dos Correios", "Lula convenceu-o<br />

<strong>de</strong> que a CPI nas mãos do senador César<br />

Borges, do PFL baiano, ligado a Antonio<br />

Carlos Magalhães, seria palanque<br />

eleitoral", "Dois ministros ouvidos por<br />

CartaCapital dizem que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Lula<br />

<strong>de</strong> fazer mu<strong>da</strong>nças na Esplana<strong>da</strong> guia-se<br />

pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> forjar uma aliança<br />

para 2006 que inclua o PMDB",<br />

"aproximação do governo Lula com o<br />

PMDB","Lula, por sua vez, iniciou uma<br />

dupla estratégia, <strong>de</strong> aproximação com<br />

suas bases eleitorais originais,<br />

comparecendo a inaugurações <strong>de</strong><br />

fábricas e recorrendo a um ardil tucano,<br />

<strong>de</strong> dizer ser a economia um ente frágil<br />

quando submetido a pressões políticas<br />

in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s", "O mercado quer a vitória <strong>de</strong><br />

Lula", "No caso <strong>de</strong> uma nova <strong>de</strong>rrota,<br />

uma alternativa ruim para a imagem e<br />

populari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lula seria simplesmente<br />

vetar os R$384, o que traria para si todo o<br />

ônus <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão", "Ao falar <strong>de</strong> seu futuro,<br />

Lula citou ex-presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> República<br />

que atravessaram crises e o que fizeram<br />

como solução pessoal. Ele lembrou que<br />

Getúlio Vargas se suicidou; Jânio<br />

Quadros renunciou por inimigos ocultos e,<br />

num erro histórico, disse que João<br />

Goulart foi forçado a renunciar pelos<br />

militares. Afirmou ain<strong>da</strong> que JK foi<br />

'achincalhado'. Mas citou que na<strong>da</strong> diria<br />

sobre presi<strong>de</strong>ntes mais recentes. 'Nem<br />

farei como Getúlio, nem farei como Jânio,<br />

nem farei como João Goulart', disse,<br />

94<br />

"ao lado <strong>da</strong> constrangedora figura <strong>de</strong><br />

Roberto Jefferson"; "Na semana<br />

passa<strong>da</strong>, ele <strong>de</strong>ixou evi<strong>de</strong>nte seu<br />

<strong>de</strong>sgosto com a forma como vem sendo<br />

retratado em charges <strong>de</strong> jornais e em<br />

programas <strong>de</strong> humor – com <strong>de</strong>srespeito,<br />

em sua opinião."; "Fez, ain<strong>da</strong>, seu<br />

melhor discurso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a crise<br />

começou. Ao discursar na abertura <strong>de</strong><br />

um fórum sobre corrupção promovido<br />

pela ONU em Brasília, Lula disse que, se<br />

for necessário, vai "cortar na própria<br />

carne" e, <strong>de</strong>monstrando clareza,<br />

diagnosticou: "O que está em jogo é a<br />

respeitabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s nossas instituições,<br />

<strong>da</strong>s quais sou o principal guardião".";


Morais:<br />

implicam em<br />

julgamento,<br />

isto é, em<br />

dizer se a<br />

personagem é<br />

boa ou má, se<br />

é honesta ou<br />

<strong>de</strong>sonesta, se<br />

é moral ou<br />

imoral, <strong>de</strong><br />

acordo com<br />

um<br />

<strong>de</strong>terminado<br />

ponto <strong>de</strong> vista.<br />

completando que seguirá a paciência <strong>de</strong><br />

JK para esperar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> aparecer,<br />

afirmando ain<strong>da</strong> que está tranqüilo", "Um<br />

assessor palaciano diz que Lula precisará<br />

mais do que um discurso <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

para garantir a reeleição. Vença ou não a<br />

disputa, o <strong>de</strong>sempenho eleitoral <strong>de</strong> Lula<br />

em 2006 é fun<strong>da</strong>mental para a<br />

sobrevivência do PT", "enten<strong>de</strong> que Lula<br />

não abrirá mão <strong>da</strong> disciplina fiscal", "Lula<br />

tem dito a interlocutores que preten<strong>de</strong><br />

endurecer o discurso contra a oposição.<br />

O presi<strong>de</strong>nte reconhece falhas graves<br />

cometi<strong>da</strong>s a seu redor e sem seu<br />

conhecimento, e espera punições<br />

exemplares. Mas está ca<strong>da</strong> vez mais<br />

convencido <strong>de</strong> que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>ssas<br />

falhas <strong>de</strong> integrantes do partido, parte <strong>da</strong><br />

investi<strong>da</strong> contra ele e o governo resulta<br />

<strong>de</strong> preconceito <strong>de</strong> classe. E vê como o<br />

único objetivo <strong>da</strong> on<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias a<br />

<strong>de</strong>struição do PT e o bloqueio <strong>de</strong> sua<br />

eventual candi<strong>da</strong>tura à reeleição",<br />

"Diante <strong>de</strong>sse quadro <strong>de</strong> guerra aberta,<br />

Lula <strong>de</strong>signou dois ministros para iniciar<br />

um processo <strong>de</strong> paz junto ao PSDB",<br />

"Mas o presi<strong>de</strong>nte Lula não queria a<br />

permanência do Dimas, que ele<br />

consi<strong>de</strong>rava extremamente tucano","E<br />

Lula, teimosamente, manterá as chances<br />

<strong>de</strong> se reeleger"<br />

"Em vários momentos durante<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jefferson, parlamentares<br />

sugeriram que o suposto mensalão, vez<br />

que teria sido comunicado a Lula, seria<br />

uma prova <strong>de</strong> prevaricaçaõ do presi<strong>de</strong>nte<br />

passível <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> processo <strong>de</strong><br />

crime <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>", "Dois meses<br />

após as <strong>de</strong>núncias feitas pelo <strong>de</strong>putado<br />

Roberto Jefferson, sem que a oposição<br />

conseguisse arrastar o presi<strong>de</strong>nte Lula<br />

para o centro <strong>da</strong> crise", "O presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

República pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas em nome do<br />

governo e do PT", "tanto Lula quanto os<br />

integrantes do PT interessados em<br />

esclarecer os fatos estão longe <strong>de</strong> saber<br />

a real extensão do esquema", "Não há<br />

até agora indicação <strong>de</strong> que Lula<br />

conhecesse ou tivesse avalizado as<br />

operações clan<strong>de</strong>stinas <strong>de</strong> Delúbio e<br />

Marcos Valério", "Parte dos bastidores<br />

financeiros que o levaram à Presidência<br />

Lula conhecia. O público também",<br />

"Talvez ciente <strong>da</strong> insuficiência <strong>de</strong> suas<br />

<strong>de</strong>clarações, Lula ensaiou um discurso<br />

mais forte na quinta 25. Ao falar no<br />

Conselho <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Econômico e Social (CDES), Lula disse<br />

que as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> corrupção contra o<br />

governo e o PT parte <strong>de</strong> 'gângsteres'. E<br />

95<br />

"A pergunta inevitável é se Lula sabia<br />

<strong>da</strong>s traficâncias do tesoureiro do PT.<br />

Antes mesmo que se tenha uma<br />

resposta sem ro<strong>de</strong>ios a essa pergunta, o<br />

simples fato <strong>de</strong> a dúvi<strong>da</strong> existir já atinge<br />

o presi<strong>de</strong>nte. "; " Terá sorte se sair <strong>de</strong>le<br />

(do governo) com a avaliação <strong>de</strong> que,<br />

pelo menos, foi diferente <strong>de</strong> Fernando<br />

Collor. "; "não basta a um presi<strong>de</strong>nte ser<br />

honesto. Ele precisa parecer honesto. E,<br />

infelizmente, na percepção <strong>da</strong> maioria<br />

dos brasileiros, Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva<br />

já começa a não parecer tão honesto ou<br />

capaz <strong>de</strong> garantir a honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu<br />

governo. ";" catastrófico mas a morte<br />

lenta <strong>da</strong>s árvores. "; "VEJA <strong>de</strong>scobriu<br />

que o presi<strong>de</strong>nte soube do mensalão<br />

bem mais do que admitiu oficialmente até<br />

agora."


eiterou o compromisso com a busca <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, pedindo punição para os<br />

responsáveis", CAPA: "Em volume <strong>de</strong><br />

recursos, a crise que afeta Lula não se<br />

compara a varia<strong>da</strong>s negociatas nas eras<br />

Collor e FHC", "a transformação <strong>de</strong> Lula<br />

no anti-Lula completa-se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eleito.<br />

Isso po<strong>de</strong> ser visto por um <strong>de</strong>talhe: o<br />

comportamento do governo em relação à<br />

CPI <strong>da</strong> Evasão <strong>de</strong> Divisas", Subtítulo: "O<br />

presi<strong>de</strong>nte cobra punições severas. E o<br />

partido segue sem uni<strong>da</strong><strong>de</strong>", "Lula<br />

trabalhou com essa lógica do jogo<br />

político. Era isso ou, então, consolar-se<br />

com uma <strong>de</strong>rrota com repercussões mais<br />

fortes e <strong>de</strong> conseqüências efetivamente<br />

muito <strong>da</strong>nosas e mais ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras do que<br />

a manchete <strong>de</strong> alguns jornais", "O<br />

presi<strong>de</strong>nte Lula é, justamente, a peça do<br />

dominó que falta, ain<strong>da</strong> que não se<br />

anuncie, por enquanto, nenhuma<br />

perspectiva razoável, nem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

política nem <strong>de</strong> fundo popular, para um<br />

pedido <strong>de</strong> impeachment - sonho dourado<br />

acalentado, sobretudo, <strong>de</strong>ntro do PFL"<br />

96


Anexo IV TABELA 2 – Oposição<br />

Físicas: corpo,<br />

voz, gestos,<br />

roupas A caracterização não se justifica. A caracterização não se justifica.<br />

Psicológicas:<br />

referem-se à<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

aos estados <strong>de</strong><br />

espírito<br />

Sociais: :<br />

indicam classe<br />

social,<br />

profissão,<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

sociais<br />

I<strong>de</strong>ológicas:<br />

referem-se ao<br />

modo <strong>de</strong> pensar<br />

<strong>da</strong> personagem,<br />

sua filosofia <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong>, suas<br />

opções<br />

políticas, sua<br />

religião<br />

"<strong>de</strong>leite <strong>da</strong> oposição", "Na ânsia <strong>de</strong> incriminar o governo", "O lí<strong>de</strong>r<br />

do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), afirmou que os<br />

<strong>de</strong>putados <strong>da</strong> oposição esperam com ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> o momento <strong>de</strong><br />

atacar Dirceu no Congresso", "O aço<strong>da</strong>mento <strong>de</strong> ACM Neto<br />

reflete uma que<strong>da</strong>-<strong>de</strong>-braço que tomou conta <strong>da</strong> comissão na<br />

quinta 25", "Os oposicionistas estão se esbal<strong>da</strong>ndo na crise.<br />

Antes, tão ciosos ao con<strong>de</strong>nar a 'gastança' comportam-se agora,<br />

capitaneados por Antonio Carlos Magalhães, com a 'alegria<br />

raivosa' ",<br />

A caracterização não se justifica.<br />

"A <strong>de</strong>sorientação petista contrasta com a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ação dos<br />

tucanos. O PSDB teme que um eventual radicalização dos<br />

ataques ao presi<strong>de</strong>nte acione o relé que liga Lula ao povo", "os<br />

tucanos querem vestir o uniforme <strong>de</strong> oposição responsável",<br />

"<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> magnetizar o PT e o governo com o bordão <strong>da</strong><br />

corrupção","O processo eleitoral está nas ruas, o PSDB e o PFL<br />

montaram um pólo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e a construção <strong>de</strong> um anti-Lula no<br />

ninho tucano está adianta<strong>da</strong>", "Parlamentares aço<strong>da</strong>dos e<br />

<strong>de</strong>sorganizados, certamente. Muitos <strong>de</strong>les - homens e mulheres -<br />

fazem trejeitos, pontuam as pausas e, assim, permanecem em<br />

cena além do tempo regulamentar. Tentam intimi<strong>da</strong>r e induzir os<br />

<strong>de</strong>poentes. Sem sucesso e impossibilitados <strong>de</strong> usar um porrete<br />

<strong>de</strong>sferem uma agressão verbal", "A oposição cumpre bem seu<br />

papel <strong>de</strong> explorar as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas e midiáticas <strong>da</strong> CPI",<br />

"O time <strong>da</strong> oposição, assim como os assessores convocados por<br />

Delcídio e pelo relator Osmar Serraglio (PMDB-PR), é composto<br />

por tarimbados consultores e técnicos que conhecem os<br />

meandros <strong>de</strong> uma CPI e <strong>de</strong>têm a tecnologia <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />

balanços patrimoniais e movimentações bancárias, além <strong>de</strong><br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> política. Nos últimos dias, esses especialistas têm<br />

sido responsáveis pelas perguntas mais contun<strong>de</strong>ntes feitas aos<br />

<strong>de</strong>poentes, pelo cruzamento <strong>de</strong> informações e pela montagem <strong>de</strong><br />

um banco <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos com <strong>de</strong>clarações e entrevistas <strong>da</strong><strong>da</strong>s no<br />

passado por ex-dirigentes petistas", "A segun<strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong><br />

provocar o impeachment do presi<strong>de</strong>nte Lula mostra, mais uma<br />

vez, que a oposição tenta instrumentalizar o uso <strong>de</strong>sse recurso<br />

previsto no arsenal <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s do sistema <strong>de</strong>mocrático", "O PFL<br />

97<br />

"Se as conversas entre petistas e tucanos tivessem sido<br />

grava<strong>da</strong>s, a palavra que mais se ouviria teria sido<br />

"governabili<strong>da</strong><strong>de</strong>". Ou seja: maduros politicamente, os<br />

tucanos saberiam que a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> política está acima<br />

dos interesses partidários. "; "Com receio <strong>de</strong> que a crise<br />

evolua para seu pior <strong>de</strong>sfecho, com um eventual<br />

impedimento do presi<strong>de</strong>nte, a oposição iniciou conversas<br />

com o empresariado."; "Apesar <strong>da</strong> notável piora <strong>da</strong><br />

situação geral na semana passa<strong>da</strong>, a oposição não<br />

parece motiva<strong>da</strong> para promover o impeachment <strong>de</strong> Lula.<br />

"; "Mas paciência tem limite, como <strong>de</strong>sabafou um dos<br />

mais comedidos opositores do governo, Tasso Jereissati,<br />

senador do PSDB cearense"; ""A oposição endureceu as<br />

críticas e passou a falar na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

impeachment. O PFL pedirá a abertura <strong>de</strong> um processo<br />

para investigar o caixa dois <strong>de</strong> Lula, a menos que o<br />

procurador-geral <strong>da</strong> República o faça. "; "No Senado, os<br />

oposicionistas, li<strong>de</strong>rados pelo senador baiano Antonio<br />

Carlos Magalhães, resolveram aprovar um aumento para<br />

o salário mínimo, elevando-o para 384,29 reais. A <strong>de</strong>cisão<br />

é uma estupi<strong>de</strong>z <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> apenas a causar<br />

constrangimento ao presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, que terá <strong>de</strong><br />

vetar o aumento. É um <strong>de</strong>boche do pe<strong>da</strong>ço irresponsável<br />

<strong>da</strong> oposição, que merece to<strong>da</strong> a censura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Mas é preciso que se reconheça que a oposição<br />

irresponsável só <strong>de</strong>bocha <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong>. "; "A oposição –<br />

a mesma que elegeu Severino e agora está<br />

escan<strong>da</strong>liza<strong>da</strong> com Severino – dividiu-se. "<br />

"diante <strong>da</strong> impotência para rebater as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong><br />

corrupção envolvendo ain<strong>da</strong> mais órgãos fe<strong>de</strong>rais, o PT<br />

colocou em ação uma estratégia mais pragmática:<br />

envolver o PSDB. "; ""O ministro Palocci varou a<br />

madruga<strong>da</strong> no apartamento do secretário executivo <strong>da</strong><br />

Fazen<strong>da</strong>, Murilo Portugal, discutindo o estrago feito pelo<br />

<strong>de</strong>putado e as garantias para que Lula concluísse seu<br />

man<strong>da</strong>to. Só encontraram uma: a aproximação com o<br />

PSDB. Palocci, a essa altura, já <strong>da</strong>va como provável a<br />

vitória dos tucanos na eleição presi<strong>de</strong>ncial do próximo<br />

ano"; ""O governador <strong>de</strong> Goiás, o tucano Marconi Perillo,<br />

já confirmou que falou do mensalão ao presi<strong>de</strong>nte."; ""A<br />

iniciativa <strong>de</strong> Lula <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> seu eleitorado<br />

histórico tem origem em dois fatores. O primeiro é <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m pessoal e se assemelha àquilo que a psicanálise<br />

chama <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> regressão. Acuado, Lula, numa<br />

espécie <strong>de</strong> movimento reflexo, volta-se para o segmento<br />

que lhe <strong>de</strong>u origem, aquele em que se sente mais<br />

acolhido. No seu caso, os movimentos populares <strong>de</strong> base.<br />

A segun<strong>da</strong> razão é <strong>de</strong> caráter estratégico: três<br />

especialistas em pesquisas <strong>de</strong> opinião ouvidos por VEJA<br />

concor<strong>da</strong>m que, neste momento, o petista ain<strong>da</strong> tem<br />

condições <strong>de</strong> se reeleger e age <strong>de</strong> forma oportuna ao<br />

concentrar esforços na fatia do eleitorado que lhe<br />

permanece fiel. "<br />

"Mais um motivo para o susto foi a rapi<strong>de</strong>z com que a<br />

oposição – com a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> boa parte dos aliados –<br />

viabilizou a criação <strong>de</strong> uma CPI mista para investigar o<br />

caso."; "(...) a CPI dos Correios saiu do papel. Mas outra<br />

está a caminho – a CPI do Mensalão. O pedido <strong>de</strong><br />

abertura foi apresentado por PPS, PV e PDT, <strong>de</strong>pois que<br />

correu a suspeita <strong>de</strong> que petistas e tucanos fizeram<br />

acordo para que a CPI dos Correios acabasse em pizza.";


Morais:<br />

implicam em<br />

julgamento, isto<br />

é, em dizer se a<br />

personagem é<br />

boa ou má, se é<br />

honesta ou<br />

<strong>de</strong>sonesta, se é<br />

moral ou imoral,<br />

<strong>de</strong> acordo com<br />

um <strong>de</strong>terminado<br />

ponto <strong>de</strong> vista.<br />

<strong>da</strong> Bahia, leia-se a ala liga<strong>da</strong> ao senador Antonio Carlos<br />

Magalhães, antigo <strong>de</strong>fensor do baiano Dantas, lavou as mãos. O<br />

sinal ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> ACM enfraqueceu a resistência <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong><br />

lí<strong>de</strong>res pefelistas, entre eles Heráclito Fortes, do Piauí, e Jorge<br />

Bornhausen, <strong>de</strong> Santa Catarina, que coman<strong>da</strong>m a chama<strong>da</strong><br />

'banca<strong>da</strong> do orelhudo', "Ao longo <strong>da</strong> última semana, integrantes<br />

<strong>da</strong> 'banca<strong>da</strong> do orelhudo' voltaram a fazer ameaças pelos<br />

corredores do Congresso. O recado <strong>de</strong> Dantas mudou <strong>de</strong> tom.<br />

Agora o dono do Opportunity usa os asseclas para informar ao<br />

distinto público que está louco para <strong>de</strong>por e entregar todos os<br />

'podres <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a privatização'", "A rapi<strong>de</strong>z na convocação <strong>de</strong><br />

Dantas foi uma manobra do pefelista ACM Neto", "Toca<strong>da</strong> pela<br />

obsessão <strong>de</strong> provocar o sangramento do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

República", "Dias antes, o senador baiano César Borges (PFL)<br />

lamentou, <strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong>mente, em um programa <strong>de</strong> televisão, que a<br />

CPI não gerava 'fatos'","proposto <strong>de</strong> forma insistente pela<br />

oposição, que <strong>de</strong>seja criar feudos <strong>de</strong> investigação com alto<br />

potencial <strong>de</strong> mídia e <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> <strong>da</strong>nos políticos", "a oposição<br />

partiu para a estratégia <strong>de</strong> plantar na sala-cofre assessores com<br />

passe livre para manusear e analisar todos os documentos<br />

recebidos", "A ação <strong>da</strong> oposição na CPI tem se <strong>de</strong>monstrado mais<br />

competente em seus propósitos do que a adota<strong>da</strong> pela base<br />

governista", "A oposição cumpre bem seu papel <strong>de</strong> explorar as<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas e midiáticas <strong>da</strong> CPI",<br />

A crise é produto mais <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> do que <strong>da</strong> eventual ruptura<br />

provoca<strong>da</strong> pela chega<strong>da</strong> do PT ao Planalto. Ao optar pelo manual<br />

econômico <strong>de</strong> Fernando Henrique e pelo mesmo perfil <strong>de</strong> alianças<br />

políticas, Lula manteve o PSDB insepulto e não conseguiu<br />

catalisar as transformações exigi<strong>da</strong>s por seus 52,4 milhões <strong>de</strong><br />

eleitores", "A base alia<strong>da</strong> contra-atacou e protocolou pedido <strong>de</strong><br />

abertura <strong>de</strong> CPI para investigar o esquema <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong><br />

mesa<strong>da</strong>s do PT a aliados no Congresso e também a suposta<br />

compra <strong>de</strong> votos para a emen<strong>da</strong> <strong>da</strong> reeleição em 1997 durante o<br />

governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso", "De acordo com a<br />

<strong>de</strong>núncia, o então ministro <strong>da</strong>s Comunicações e principal<br />

articulador político do presi<strong>de</strong>nte, Sérgio Motta, era o caixa <strong>da</strong><br />

operação", "Lula convenceu-o <strong>de</strong> que a CPI nas mãos do senador<br />

César Borges, do PFL baiano, ligado a Antonio Carlos Magalhães,<br />

seria palanque eleitoral", "O SINHOZINHO. Heráclito Fortes<br />

agri<strong>de</strong> repórter do Piauí que quis saber sobre seu apoio a<br />

Dantas", "Além <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacado integrante <strong>da</strong> 'banca<strong>da</strong> do orelhudo',<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> a avi<strong>de</strong>z e a presteza com que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> os interesses do<br />

banqueiro Daniel Dantas no Congresso Nacional, o senador<br />

pefelista Heráclito Fortes exibe pendor ao coronelismo", "Em vez<br />

<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, o senador preferiu agredir o repórter: 'De que jornal<br />

é esse veado?", questionou", "Mais do que um importante<br />

funcionário do Banco do Brasil que foi, o economista Ricardo<br />

Sérgio <strong>de</strong> Oliveira é personagem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conexões com os<br />

tucanos. (...) Ricardo Sérgio, no entanto, po<strong>de</strong> ser figura mais<br />

antiga no ramo. Há rastros <strong>de</strong> que o trabalho <strong>de</strong>le é<br />

contemporâneo à criação do PSDB, em 1988. Freqüentador<br />

contumaz <strong>da</strong> zona sombria <strong>da</strong> política, Ricardo Sérgio tem o<br />

currículo recheado <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> envolvimento em negócios<br />

escusos","Dias antes, o senador baiano César Borges (PFL)<br />

lamentou, <strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong>mente, em um programa <strong>de</strong> televisão, que a<br />

CPI não gerava 'fatos', como se alimentar a imprensa fosse o<br />

principal objetivo. Talvez o senador até consi<strong>de</strong>re normal que<br />

documentos sigilosos <strong>da</strong> comissão <strong>de</strong>sapareçam <strong>de</strong> lá e<br />

apareçam boiando nas páginas dos jornais", "O alvo, por<br />

enquanto, é o PT, mas ninguém duvi<strong>da</strong> que fantasmas <strong>da</strong> mesma<br />

natureza assombram os sonhos políticos tucanos", "a oposição<br />

partiu para a estratégia <strong>de</strong> plantar na sala-cofre assessores com<br />

passe livre para manusear e analisar todos os documentos<br />

recebidos", "A lista foi anexa<strong>da</strong> às últimas páginas <strong>de</strong> um<br />

processo que tramita no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF), que<br />

registra entre os requeridos o ex-governador <strong>de</strong> Minas e atual<br />

presi<strong>de</strong>nte do PSDB, o senador Eduardo Azeredo, e o publicitário<br />

Marcos Valério (...) a ação serviu para inocentar previamente os<br />

citados: nomes <strong>de</strong> políticos tucanos que efetivamente foram<br />

beneficiários do esquema Marcos Valério nas eleições <strong>de</strong> 1998 e<br />

que constavam <strong>da</strong> lista", "o único objetivo <strong>da</strong> on<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias a<br />

<strong>de</strong>struição do PT e o bloqueio <strong>de</strong> sua eventual candi<strong>da</strong>tura à<br />

reeleição", "Foi o bastante para que o <strong>de</strong>putado Jorge<br />

Bornhausen, car<strong>de</strong>l do PFL - que disputa com o senador tucano<br />

Arthur Virgílio o papel <strong>de</strong> Torquema<strong>da</strong> <strong>da</strong> oposiçao -,<br />

consi<strong>de</strong>rasse Severino 'impedido' <strong>de</strong> presidir a Câmara dos<br />

Deputados. Dias antes, o senador pefelista bendisse a crise do<br />

PT e louvou aos céus por ela projetar que o País ficará por, pelo<br />

menos, 30 anos sem essa 'raça' (os petistas)", "Tentam intimi<strong>da</strong>r e<br />

induzir os <strong>de</strong>poentes. Sem sucesso e impossibilitados <strong>de</strong> usar um<br />

porrete <strong>de</strong>sferem uma agressão verbal", "Integrante <strong>da</strong> CPI, o<br />

<strong>de</strong>putado Onix Lorenzoni (PFL-RS) procurou a mesa <strong>da</strong><br />

Comissão Parlamentar para fornecer um software, '<strong>de</strong> um amigo'",<br />

"O alvo, por enquanto, é o PT, mas ninguém duvi<strong>da</strong> que<br />

fantasmas <strong>da</strong> mesma natureza assombram os sonhos políticos<br />

tucanos"<br />

98<br />

"Já apareceram fartos sinais <strong>de</strong> que o mensalão po<strong>de</strong><br />

mesmo ter existido no Congresso Nacional, mas, ao<br />

contrário do que diz Jefferson, na<strong>da</strong> surgiu envolvendo o<br />

PT. O que apareceu, até agora, envolve o PL e o PP.";<br />

"Na semana passa<strong>da</strong>, diante <strong>da</strong> impotência para rebater<br />

as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> corrupção envolvendo ain<strong>da</strong> mais órgãos<br />

fe<strong>de</strong>rais, o PT colocou em ação uma estratégia mais<br />

pragmática: envolver o PSDB. "; "Até o ex-presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique Cardoso entrou em cena para obter o<br />

silêncio do governador. Os tucanos alegaram que Perillo<br />

não <strong>de</strong>veria jogar mais lenha na fogueira, aprofun<strong>da</strong>ndo a<br />

crise ain<strong>da</strong> mais, e comprometendo mortalmente a<br />

imagem do presi<strong>de</strong>nte Lula. Os tucanos, antes como<br />

agora, preferem que Lula permaneça no cargo e conclua<br />

seu man<strong>da</strong>to <strong>de</strong> forma melancólica, ce<strong>de</strong>ndo a ca<strong>de</strong>ira<br />

para algum tucano eleito nas urnas. Eles querem evitar<br />

um <strong>de</strong>sfecho radical para a crise pois isso faria do<br />

presi<strong>de</strong>nte uma vítima, um mártir. Preferem vê-lo purgar<br />

nas urnas os pecados que <strong>de</strong>ixou grassar em seu<br />

governo. "


Anexo V TABELA 3 – Roberto Jefferson<br />

"Numa performance repleta <strong>de</strong> caras e bocas e frases <strong>de</strong> efeito, o<br />

<strong>de</strong>putado", "Teatral, Jefferson", "Depois, simulando com os braços o bico<br />

aberto <strong>de</strong> um pássaro, disse que a base alia<strong>da</strong> parou <strong>de</strong> votar matérias<br />

<strong>de</strong> interesse do governo porque os passarinhos 'estavam com síndrome<br />

<strong>de</strong> abstinência', provoca<strong>da</strong>, segundo ele, pela ausência do mensalão",<br />

"Com o nariz empinado e olhando sobre a cabeça dos <strong>de</strong>putados e <strong>da</strong><br />

platéia, ele falou", "mesmo sem apresentar provas, o petebista venceu<br />

pela retórica", "RESUMO DA ÓPERA. Caras e bocas, frases <strong>de</strong> efeito,<br />

muitos ataques a lí<strong>de</strong>res <strong>da</strong> base governista e nenhuma prova exibi<strong>da</strong>",<br />

"<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson - ex-integrante <strong>da</strong> tropa <strong>de</strong> choque <strong>de</strong><br />

Collor quando, então, era um pouco mais moço e muito mais gordo",<br />

"disse Jefferson, <strong>de</strong> olho no olho <strong>da</strong> câmera, indiferente ao olhar<br />

assustado <strong>de</strong> seus pares <strong>da</strong> Comissão <strong>de</strong> Ética", "PROVOCAÇÃO. Sai<br />

<strong>da</strong>í, Zé Dirceu. Sai rápido para não fazer mal a um homem inocente","No<br />

esperado duelo verbal com o ex-ministro José Dirceu, o <strong>de</strong>putado<br />

Roberto Jefferson, mais uma vez, sacou primeiro","Sorri<strong>de</strong>nte.<br />

Envai<strong>de</strong>cido?", "Jefferson, acusador e acusado <strong>de</strong> corrupção, vai<br />

continuar a <strong>da</strong>r um show particular, que já provoca cansaço. Ca<strong>da</strong> vez<br />

mais treinado e <strong>de</strong>sinibido no discurso ensaiado - com pausas<br />

premedita<strong>da</strong>s, silêncio induzido, sorriso irônico e ameaças vela<strong>da</strong>s -,<br />

resta a ele aproveitar novos cenários on<strong>de</strong> se apresenta para repetir,<br />

essencialmente, o relato inicial que jogou luz parcial no submundo do<br />

Congresso", "Jefferson não respon<strong>de</strong>u a pergunta", "Jefferson terá a<br />

opção <strong>de</strong> usar, se quiser, seus dotes <strong>de</strong> orador histriônico e<br />

atemorizador <strong>da</strong> tribuna do Plenário", "após Jefferson ameaçá-lo, <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>do em riste","No papel <strong>de</strong> franco-atirador, sustentado por uma<br />

oposição furiosa e cega, a voz <strong>de</strong>sse barítono amador fez acusações,<br />

que mesmo na ausência <strong>de</strong> provas","Jefferson, que enxergou o <strong>de</strong>do <strong>de</strong><br />

Dirceu no grampo e na confissão <strong>de</strong> Marinho, partiu para o contraataque.<br />

Falou em 'mensalão' e revelou as conexões <strong>de</strong> Valério com o<br />

PT", "Sempre sorrindo, consciente que aterrorizava a 'hipocrisia dos<br />

tucanos', que i<strong>de</strong>ntifica como 'donzelas fura<strong>da</strong>s'", "conta com expressão<br />

irônica no rosto"<br />

"O ACUSADOR. O petebista mesclou indiferença e ironia. Mas não<br />

venceu o confronto", "Pegou Jefferson <strong>de</strong> guar<strong>da</strong> baixa", "Ator <strong>de</strong> um<br />

papel só, Jefferson começa a cansar a platéia e a virar um coadjuvante<br />

<strong>de</strong> sua própria história - ou estória", "A esse suposto pagamento,<br />

Jefferson, diabolicamente, batizou <strong>de</strong> 'mensalão' e alcançou o efeito que<br />

queria", "Agora, sob a iminência <strong>de</strong> cassação, Jefferson <strong>de</strong>sceu do céu<br />

ao inferno, sem escalas", "Jefferson, como se sabe, é melodramático",<br />

"Roberto Jefferson adquiriu um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a quem apontasse o<br />

<strong>de</strong>do acusador","Jefferson, acusado <strong>de</strong> corrupção tem <strong>de</strong>clarado que<br />

sempre trabalhou com caixa 2", "o ex-<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson virou<br />

um fantasma que assombra permanentemente a ópera. Depois <strong>de</strong> um<br />

tempo sumido do noticiário, <strong>de</strong>dicado à advocacia e à musica, ele<br />

reapareceu em gran<strong>de</strong> estilo", "ele abalou os nervos do PSDB<br />

principalmente e, também, do PFL e do PMDB, além <strong>de</strong> partidos<br />

menores que <strong>da</strong>vam sustentação ao governo Fernando Henrique<br />

Cardoso", "Abusou, porém, <strong>de</strong> seu arsenal testemunhal"<br />

, "presi<strong>de</strong>nte do PTB”, “<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson””, “Petebista”,<br />

"parlamentar", "Em virtu<strong>de</strong> do apelido <strong>da</strong>do para a prática <strong>de</strong>nuncia<strong>da</strong><br />

pelo ex-<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson", "GENRO. Marcus Vinicius agia<br />

pelo sogro, o então po<strong>de</strong>roso Jefferson (legen<strong>da</strong> <strong>de</strong> foto)"<br />

, “ex-lí<strong>de</strong>r <strong>da</strong> tropa <strong>de</strong> choque do governo Fernando Collor, “francoatirador”,"Jefferson,<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um PTB que <strong>de</strong> Getúlio Vargas,<br />

patrono <strong>da</strong> legen<strong>da</strong>, não guar<strong>da</strong> nem mesmo uma vaga lembrança",<br />

"Animado com a repercussão do <strong>de</strong>poimento, Jefferson promoveu, em<br />

seu apartamento funcional, em Brasília, um convescote para cerca <strong>de</strong> 60<br />

convi<strong>da</strong>dos,a maioria <strong>de</strong>putados do baixo clero", "FUTURO. Jefferson<br />

sonha disputar o governo do Rio (legen<strong>da</strong> <strong>de</strong> foto)", "o <strong>de</strong>putado Roberto<br />

Jefferson (PTB-RJ) resolveu lugar por seu man<strong>da</strong>to com olho nas<br />

eleições <strong>de</strong> 2006","Estimulados por Roberto Jefferson (dizem nos<br />

corredores <strong>da</strong> Câmara), os petebistas reagiram até mesmo à<br />

candi<strong>da</strong>tura <strong>de</strong> Fleury"<br />

99<br />

"aquele que diminuiu o estômago mas cujo apetite<br />

aumentou"; "Baixinho <strong>de</strong> 1,85 m"; "nem uma gota <strong>de</strong><br />

suor na camisa lilás"; "com o olho esquerdo<br />

avariado pela – diz ele – que<strong>da</strong> <strong>de</strong> um armário"<br />

"injuriado com o papel <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r <strong>da</strong> corrupção do PTB<br />

no governo"; "irritado com os governistas"; ""ficou<br />

aborrecido ao ser pressionado por sua própria<br />

banca<strong>da</strong> num jantar na segun<strong>da</strong>-feira";"<br />

“presi<strong>de</strong>nte do PTB", "filiado ao PTB há mais <strong>de</strong><br />

vinte anos"; "sob o comando onipresente do<br />

<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson", ""aquele que<br />

provocou a genuflexão <strong>de</strong> dois po<strong>de</strong>rosos ministros<br />

do atual governo"<br />

"o homem que lhe dá cobertura e não man<strong>da</strong><br />

recado"; "O HOMEM BOMBA"; "o homem a quem o<br />

governo fez tudo para <strong>de</strong>squalificar"


“o homem a quem o presi<strong>de</strong>nte Lula disse que entregaria um cheque em<br />

branco”, “supostamente estaria fazendo chantagem contra o partido<br />

(PT), o governo e o tesoureiro Delúbio Soares”, “o apartamento do<br />

presi<strong>de</strong>nte do PTB em Brasília virou uma central <strong>de</strong> boatos”, "Roberto<br />

Jefferson jogou um facho <strong>de</strong> luz no mundo escuro dos acordos",<br />

"Tratado como acusador, e não réu, Roberto Jefferson incen<strong>de</strong>ia o<br />

Congresso e provoca a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> José Dirceu","Na ânsia <strong>de</strong><br />

incriminar o governo, o Congresso acabou por tratar Jefferson como<br />

testemunha e não réu, acusado <strong>de</strong> coman<strong>da</strong>r um esquema <strong>de</strong> propina<br />

nos Correios e no Instituto <strong>de</strong> Resseguros do Brasil (IRB)", "acusado",<br />

"mostrou que Jefferson não é coerente quando diz que reagiu ao<br />

caminho marginal tomado pelos R$4 milhões", "Diante <strong>da</strong> repercussão<br />

<strong>da</strong>s '<strong>de</strong>núncias' <strong>de</strong> Jefferson", "Jefferson lançou o que seria uma<br />

suposta <strong>de</strong>núncia", "Como sempre, as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> Jefferson são<br />

costura<strong>da</strong>s a partir <strong>de</strong> fatos reais e facilmente checáveis", "Jefferson, por<br />

sua vez, não apresentara provas materiais", "Denunciado ao Conselho<br />

<strong>de</strong> Ética (por ter feito as acusações naquele momento, pela imprensa e<br />

sem provas), Jefferson não po<strong>de</strong> mais renunciar ao man<strong>da</strong>to para<br />

manter seus direitos políticos."JEFFERSON. A diretoria <strong>de</strong> RH era seu<br />

feudo", "Em nenhum momento eu falei com a procuradora Raquel<br />

Branquinho', menciona<strong>da</strong> na reportagem do jorna O Globo, edição <strong>de</strong><br />

quinta-feira 18, como sendo a fonte <strong>de</strong> sustentação <strong>da</strong> informação <strong>de</strong><br />

que Marinho, no Ministério Público, acusou o ex-<strong>de</strong>putado Roberto<br />

Jefferson <strong>de</strong> coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> corrupção nos Correios", "<strong>de</strong>nunciado", "o<br />

pefelista baiano Jairo Carneiro, que consi<strong>de</strong>rou Jefferson ' leviano e<br />

irresponsável' ao fazer acusações sem provas", , "RUFAM OS<br />

TAMBORES. Por 14 a 0, o Conselho <strong>de</strong> Ética votou pela cassação <strong>de</strong><br />

Jefferson, 'leviano e irresponsável' (Legen<strong>da</strong> <strong>de</strong> foto)", "os R$4 milhões<br />

que o <strong>de</strong>putado Roberto Jefferson meteu no cofre e não diz o que fez<br />

com a dinheirama", "Roberto Jefferson (PTB-RJ): Denunciou o suposto<br />

mensalão sem apresentar provas e admitiu ter recebido R$4 milhões do<br />

caixa 2 do PT para as campanhas do PTB (BOX)", "O gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nunciante do escân<strong>da</strong>lo", "Ou seja, Jefferson não provou o que disse.<br />

Teria, assim, mentido", "Jefferson recebeu R$4 milhões - e não diz o que<br />

fez com esse dinheiro", , "O fiador <strong>de</strong> Lula", "ao fazer <strong>de</strong> Jefferson o<br />

dono <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a oposição", "disse Jefferson, entre outros elogios<br />

diretos à honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lula", "mesmo sem provas, as acusações do<br />

<strong>de</strong>putado foram alar<strong>de</strong>a<strong>da</strong>s como autênticas", "Ao conce<strong>de</strong>r um<br />

man<strong>da</strong>to <strong>de</strong> fiador <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> a Jefferson, eles blin<strong>da</strong>ram Lula", "o exparlamentar,<br />

cassado por quebra <strong>de</strong> <strong>de</strong>coro", "o primeiro a levantar a<br />

bola sobre a estranha relação <strong>da</strong> diretoria dos Correios com os agentes<br />

franqueados foi - sempre ele - o ex-<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson, do PTB<br />

carioca", "Por que se insiste em falar <strong>de</strong> mensalão se até agora não há<br />

prova alguma a respeito? O relator do Conselho <strong>de</strong> Ética pediu e<br />

conseguiu a cassação do <strong>de</strong>putado Roberto Jefferson, entre outros<br />

motivos, por ele não ter provado essa e outras acusações que<br />

fez","Jefferson, acusado <strong>de</strong> corrupção tem <strong>de</strong>clarado que sempre<br />

trabalhou com caixa 2", "fez uma revelação inespera<strong>da</strong>: confirmou ter<br />

recebido R$75 mil, ao vivo, <strong>da</strong>s mãos <strong>de</strong> Dimas Toledo", "Jefferson tirou<br />

<strong>da</strong> clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong> e, em parte, <strong>de</strong>u autentici<strong>da</strong><strong>de</strong> a uma lista",<br />

"Jefferson reafirmou a CartaCapital o que disse na Polícia Fe<strong>de</strong>ral. E<br />

avançou nas consi<strong>de</strong>rações sobre a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> lista. A seu modo.<br />

Confirmou fingindo, fingindo que não confirmava",, "ele refuga e não<br />

confirma se a lista é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Mas garante que ela é crível, lógica e<br />

tem bastante semelhança com a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>", "A VOZ DA EXPERIÊNCIA<br />

(legen<strong>da</strong> <strong>da</strong> foto), "Pergunta: 'Ao confirmar que tinha recebido mesmo os<br />

R$75 mil do listão <strong>de</strong> Furnas, o senhor <strong>de</strong>u um grau <strong>de</strong> veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> ao<br />

documento que ele não tinha. Deixou <strong>de</strong> ser mentira para, pelo menos,<br />

ser provável', "ENTREVISTA. O ex-<strong>de</strong>putado Roberto Jefferson afirma<br />

que, em 2002, Dimas Toledo era o homem dos tucanos em Furnas",<br />

100<br />

"o car<strong>de</strong>al petebista"; "celebrizara-se pelo empenho<br />

com que integrou a tropa <strong>de</strong> choque <strong>de</strong> Collor";<br />

"constrangedora figura <strong>de</strong> Roberto Jefferson";<br />

""gran<strong>de</strong> protagonista do ví<strong>de</strong>o <strong>da</strong> corrupção nos<br />

Correios. "; "chefe do esquema <strong>de</strong> corrupção em<br />

to<strong>da</strong> a máquina fe<strong>de</strong>ral"; ""É incrível como a<br />

proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com Roberto Jefferson faz <strong>de</strong> qualquer<br />

pessoa um gigante moral"; "informado <strong>da</strong> <strong>de</strong>missão<br />

(<strong>de</strong> Dirceu) por telefone, Jefferson <strong>de</strong>u gargalha<strong>da</strong>s.<br />

"; "Jefferson admitiu que mentira"; "Poucas coisas<br />

são mais perturbadoras do que um mentiroso que<br />

resolve dizer a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, um corrupto que assume<br />

ter roubado, um malandro que se transforma em<br />

paladino <strong>da</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong>. "; ""ATÉ AGORA, SÓ<br />

ROBERTO JEFFERSON DISSE A VERDADE (título<br />

<strong>da</strong> matéria que compara as falas <strong>de</strong> Jefferson com o<br />

que <strong>de</strong> fato aconteceu )"; ""À noite, quando (o<br />

<strong>de</strong>putado José Janene, lí<strong>de</strong>r do PP) ce<strong>de</strong>u seu<br />

apartamento para a reunião, a idéia era assar uma<br />

pizza. A receita: o PL retiraria o pedido <strong>de</strong> cassação<br />

contra Roberto Jefferson, que, em troca, <strong>da</strong>ria novo<br />

<strong>de</strong>poimento à CPI. Jefferson diria que fora mal<br />

interpretado. Em vez <strong>de</strong> mensalão, ele diria que o<br />

dinheiro era para pagar dívi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> campanha,<br />

corroborando a tese, mais amena, <strong>de</strong> que ocorreu<br />

apenas um crime eleitoral. Mas, como os lí<strong>de</strong>res<br />

não confiam no governo, e ninguém confia em<br />

Roberto Jefferson, o acordo não vingou."


Anexo VI Linha temporal<br />

CRONOLOGIA<br />

DO<br />

ESCÂNDALO<br />

DO<br />

MENSALÃO<br />

14.05.05<br />

25.05.05<br />

06.06.05<br />

14.06.05<br />

16.06.05<br />

04.07.05<br />

20.07.05<br />

02.08.05<br />

12.08.05<br />

24.08.05<br />

14.09.05<br />

28.09.05<br />

29.10.05<br />

17.11.05<br />

01.12.05<br />

29.03.06<br />

11.04.06<br />

06.06<br />

Revista Veja <strong>de</strong>nuncia<br />

corrupção nos Correios<br />

Cria<strong>da</strong> a CPI dos<br />

Correios<br />

Denúncia <strong>de</strong><br />

Roberto Jefferson<br />

Depoimento <strong>de</strong> Jefferson no<br />

Conselho <strong>de</strong> Ética<br />

Renúncia <strong>de</strong> José Dirceu à<br />

chefia <strong>da</strong> Casa Civil<br />

Documentos ligam<br />

Marcos Valério ao PT<br />

Instala<strong>da</strong> a CPI <strong>da</strong> Compra<br />

<strong>de</strong> Votos ou do Mensalão<br />

Embate entre José Dirceu e<br />

Roberto Jefferson<br />

Lula faz um pronunciamento<br />

em re<strong>de</strong> nacional<br />

A revista Veja acusa o PT <strong>de</strong><br />

receber dinheiro <strong>da</strong>s FARC<br />

Roberto Jefferson é cassado<br />

Aldo Rebelo é eleito<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Câmara<br />

A revista Veja acusa o PT <strong>de</strong><br />

receber dinheiro <strong>de</strong> Cuba<br />

A CPI <strong>da</strong> Compra <strong>de</strong> Votos ou<br />

do Mensalão chega ao fim<br />

José Dirceu é cassado na<br />

Câmara<br />

Relatório final <strong>da</strong> CPI dos Correios<br />

confirma a existência do Mensalão<br />

O procurador-geral <strong>da</strong> República<br />

indicia 40 envolvidos no escân<strong>da</strong>lo<br />

Início <strong>da</strong>s eleições <strong>de</strong> 2006<br />

101


Anexo VII - Narrativa dos fatos.<br />

• 14 <strong>de</strong> maio – matéria com Maurício Marinho<br />

• 25 <strong>de</strong> maio – é cria<strong>da</strong> a CPI dos Correios<br />

• 6 <strong>de</strong> junho – entrevista <strong>de</strong> Jefferson à Folha<br />

• 14 <strong>de</strong> junho – <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jefferson no conselho <strong>de</strong> ética (anjo roxo)<br />

• 16 <strong>de</strong> junho – renúncia <strong>de</strong> Dirceu à chefia <strong>da</strong> Casa Civil<br />

• 4 <strong>de</strong> julho – documento que liga Valério ao PT<br />

• 6 <strong>de</strong> julho – revela-se que Marcos Valério movimentou mais <strong>de</strong> R$ 800 milhões nas suas<br />

contas bancárias nos últimos três anos<br />

• 20 <strong>de</strong> julho – é instala<strong>da</strong> a CPI do mensalão<br />

• 21 <strong>de</strong> julho – Paulo Rocha <strong>de</strong>ixa o cargo <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r do PT na câmara<br />

• 1 <strong>de</strong> agosto – renúncia <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>mar Costa Neto<br />

• 2 <strong>de</strong> agosto – embate entre Roberto Jefferson e José Dirceu<br />

• 11 <strong>de</strong> agosto – <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Du<strong>da</strong> Mendonça<br />

• 12 <strong>de</strong> agosto – Val<strong>de</strong>mar Costa Neto acusa Lula e José Alencar <strong>de</strong> participar <strong>da</strong> negociação<br />

<strong>de</strong> R$ 10 milhões ao PL. Lula faz um pronunciamento na televisão e diz que foi traído.<br />

• 19 <strong>de</strong> agosto – Antonio Palocci é acusado <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> corrupção na<br />

época em que foi prefeito <strong>de</strong> Ribeirão Preto.<br />

• 24 <strong>de</strong> agosto – O PT é acusado <strong>de</strong> ter recebido dinheiro <strong>da</strong>s FARC<br />

• 1º <strong>de</strong> setembro – as CPIs aprovam relatório conjunto acusando os parlamentares <strong>de</strong> ter<br />

recebido o mensalão<br />

• 7 <strong>de</strong> setembro – Lula cobra punição dos culpados<br />

• 14 <strong>de</strong> setembro – Roberto Jefferson é cassado<br />

• 28 <strong>de</strong> setembro – Aldo Rebelo é eleito presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> câmara<br />

• 29 <strong>de</strong> outubro – Lula é acusado <strong>de</strong> receber dinheiro <strong>de</strong> Cuba para financiar a campanha<br />

presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 2002<br />

• 31 <strong>de</strong> outubro – Arthur Virgílio diz que é vítima <strong>de</strong> grampo e ameaça <strong>da</strong>r uma surra em Lula<br />

• 1 <strong>de</strong> novembro – ACM Neto diz que é vítima <strong>de</strong> grampo e também ameaça bater em Lula<br />

• 17 <strong>de</strong> novembro – A CPI do mensalão chega ao fim<br />

• 1 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro – José Dirceu é cassado na Câmara<br />

• 1 <strong>de</strong> janeiro – Lula dá uma entrevista à Globo e diz que os erros foram punidos<br />

• 14 <strong>de</strong> janeiro – Du<strong>da</strong> Mendonça é acusado <strong>de</strong> ter milhões <strong>de</strong> dólares em paraísos fiscais<br />

• 4 <strong>de</strong> março – O PMDB é acusado <strong>de</strong> receber dinheiro <strong>de</strong> Marcos Valério<br />

• 14 <strong>de</strong> março – O caseiro Francenildo acusa Antonio Palocci <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> festas para<br />

distribuir dinheiro e se divertir com garotas <strong>de</strong> programa<br />

• 17 <strong>de</strong> março – o sigilo bancário do caseiro é quebrado ilegalmente<br />

• 24 <strong>de</strong> março – Ângela Gua<strong>da</strong>nin <strong>da</strong>nça na Câmara<br />

• 27 <strong>de</strong> março – Antonio Palocci renuncia<br />

• 29 <strong>de</strong> março – O relatório final <strong>da</strong> CPI dos Correios confirma a existência do mensalão<br />

• 11 <strong>de</strong> abril – O procurador-geral <strong>da</strong> República pe<strong>de</strong> o indiciamento <strong>de</strong> 40 envolvidos no<br />

esquema do mensalão<br />

• 13 <strong>de</strong> maio – Daniel Dantas acusa Lula, Dirceu e Márcio Thomaz Bastos <strong>de</strong> terem contas no<br />

exterior<br />

102

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!