O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho
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O <strong>ESTRANHO</strong><br />
<strong>Charles</strong> <strong>Guimarães</strong> <strong>Filho</strong><br />
Rio de Janeiro, dezembro de 2009.
Numa experiência de imaginação do inconsciente<br />
ou de uma expansão da consciência durante um<br />
período de sono alguém é considerado ...<br />
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DO LADO INICIAL<br />
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O ET<br />
Num ambiente outrora por demais conhecido de um ser, lá estava<br />
ele mergulhado nas lembranças vividas diante de uma platéia<br />
boiando nos esquecimentos a ponto de o estarem considerando<br />
um extraterrestre. O que se há de fazer a não ser, nada a<br />
vontade, caminhar rapidamente pelas recordações e lentamente<br />
sob a observação intranqüila dos demais que se indagam: “O<br />
que irá acontecer?” E o próprio espionado também tem a mesma<br />
“pergunta” inquietadora.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando temeroso): O que irá acontecer!<br />
(continuando a pensar): Dizem que de perto ninguém é normal.<br />
Eu, por exemplo, comprovo essa teoria desde pequeno. Quem me<br />
conheceu durante a infância sabe que eu era uma criança<br />
estranha, bastante estranha, estranhíssima até. Afinal eu troquei a<br />
alimentação com leite da mãe para a dieta vegetariana da<br />
natureza. Vivia sempre rindo com polegar para cima sem nunca<br />
reclamar, chorar e dizer não. Passava horas sem querer brincar<br />
apenas pensando. A primeira língua que falei foi o esperanto.<br />
Corria para debaixo da cama ou me escondia dentro do armário<br />
quando começavam a tocar rock’n roll de qualquer espécie quer<br />
seja maçante pauleira ou excitante sem pau ou palito. Isso sem<br />
mencionar a aprendizagem precoce das três coisas imutáveis no<br />
ser humano: a de que ninguém lhe pergunta nada por não ter<br />
nenhum interesse no que você pensa, diz, escreve ou faz, a não<br />
ser que venha a ser incomodado no que ele mais preza que é a sua<br />
inércia; a de que ninguém que vem em sua direção sai da frente<br />
para lhe dar passagem; a de que ninguém é culpado de nada, a<br />
menos que o outro o considere uma pobre vítima.<br />
Descuidando-se um pouco com sua imaginação, o ser olha para<br />
aqueles freqüentes que fingem como ordinários que são não<br />
estarem lhe vendo, que equivale, sem exceção, as pessoas ali<br />
existentes. O que é uma coisa bem banal, nada de extraordinário,<br />
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nem de irregular e destoante, para um público vulgar, ou seja,<br />
um procedimento muito comum.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando com preocupação): Eu hein! Nesse<br />
momento tão solene e especial e eu aqui absorvido a me lembrar<br />
que estranho é algo que sempre me qualificaram em todas as<br />
idades. Mas, alto lá, espera aí ... me considerarem um ET, isso é<br />
um pouco demais, não? Ou melhor, é um enorme exagero.<br />
Passa uma das mãos pelo cabelo grisalho como se, não<br />
conseguindo se concentrar no que iria acontecer ali no presente,<br />
estivesse sim dando asas as suas recordações.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (recordando): Isso tudo começou logo na primeira<br />
idade – infância - já muito curioso, olhava atentamente todos os<br />
dias para o céu do ângulo da minha casa num subúrbio carioca,<br />
de modo resoluto no absoluto, eu o imaginava para além daquela<br />
imensidão de estrelas como um soberano, puro, único, eterno,<br />
incondicional e completo, e assim ia me credenciando, sem notar,<br />
sem querer, sem desejar, à anormalidade, a ser um retirante deste<br />
mundo material. E por que desse credenciamento? Como ele se<br />
deu? E logo comigo que havia, desde cedo, aprendido a trilogia<br />
da imutabilidade humana? Que era um respeitador deste modo de<br />
vida alheia tão imperante e inoperante corporal, emocional e<br />
mental?<br />
Pondo-se a refletir, rapidamente lhe vem a resposta.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando a pensar): É que inocentemente,<br />
mesmo que solitariamente sem nenhuma idéia de polemizar,<br />
examinava em alto e bom som o que havia suposto sobre o<br />
absoluto por argumentos com fim de alcançar a verdade ou<br />
elucidar dificuldades. Desse vacilo fui julgado um pancada por<br />
querer discutir o indiscutível, e assim surgiram três posições<br />
terapêuticas entre os familiares, vizinhos e ex-presidiários:<br />
primeira, queriam que eu fosse tratado com choque em hospício;<br />
segunda, com passes em terreiros de macumba; terceira posição,<br />
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que eu fosse dar beliscões nas nádegas dos garotos maiores do<br />
outro bairro. Por sorte, desenvolvi criança, caboclo e preto-velho,<br />
ficando bons anos naquela religião brasileira que sincretiza<br />
catolicismo, espiritismo e seitas afro-brasileiras.<br />
Seu rosto esboça um sorriso.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): Quando jovem e estudante, já<br />
muito esforçado, observava todas as aulas da minha escola numa<br />
sub-cidade ou eventual periferia urbana, atendo-me de maneira<br />
determinada a ser expulso de todos os colégios como protesto<br />
pela baixíssima qualidade de ensino. Também pudera, aquelas<br />
lições!<br />
Rindo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): Na segunda idade – maturidade –<br />
quando adulto e profissional, já pesquisador e professor<br />
acadêmico e militante político, comprovava todas as alienações e<br />
omissões do meu trabalho, do meu povo e do meu país, levandome<br />
a ser um perdedor de empregos, status, convívios e<br />
serenidades.<br />
Seus olhos agora consentem algumas lágrimas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): Na terceira idade – velhice –<br />
quando idoso e ultra-religioso, já com muitíssimo espírito de<br />
busca, percebi da minha consciência ter estado numa aventura<br />
existencial de resultado incerto, encaminhando-me a ser um<br />
involucionista reacionário, e não um progressista revolucionário.<br />
Sua face impõe uma contração.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): E agora! O que tenho é verdadeiro,<br />
mas o que eu sou é falso. Como fazer?<br />
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Para resolver esta questão, seu espírito se sente na obrigação de<br />
relembrar como tudo começou em plena maturidade, no auge da<br />
fama.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): Ah! Há vinte anos atrás, eu saia<br />
pelas portas desse parlamento suéco com corpo todo flácido, com<br />
uma cor de cera bem branca e postura para lá de fora do prumo,<br />
entretanto, por outro lado, muito bem barbeado, vestido com<br />
roupas novas, caras e elegantes, sendo cumprimentado sem parar,<br />
aplaudido, dando autógrafo, tudo isso com um sorriso preso numa<br />
sem gracisse devidamente incomodado.<br />
Lembro perfeitamente de quando consigo me desvencilar daquela<br />
multidão entrando num automóvel de fazer inveja a qualquer<br />
milionário, com chofer e tudo, sou recebido no seu interior,<br />
inesperadamente, por ela ... ela, a minha ... a minha amante. Finjo<br />
alegria com aquela surpresa. Só que o carro anda e ela corre com<br />
muito mais velocidade na sua fala. O tempo passa e a minha<br />
outrora paixão não pára nem por um segundo. Nesse instante<br />
confesso de ter tido saudades de minha esposa atual e talvez até<br />
de minhas ex-esposas.<br />
Porém, por incrível que pareça, naquele dia, um grande<br />
congestionamento de automóveis se faz presente naquele país<br />
com tanta intensidade a ponto de me lembrar das stresses e<br />
amolações com as prisões constantes pelas vias da minha pátria.<br />
Era a gota d’água que faltava, não suportava voltar para aquelas<br />
ruas engarrafadas, daquela esposa limitada, nem ficar nesta nação<br />
com essa concubina a tagarelar. Como tudo estava bloqueado<br />
mesmo, então, como um gentleman, pedi educadamente<br />
permissão aquela ao meu lado que cederia aos meus impulsos e<br />
iria comprar um ramalhete de flores e um anel de brilhantes para<br />
ela. Avisei apenas pró forma ao motorista que me aguardasse, o<br />
que era algo inevitável diante daquela retenção.<br />
Sorrindo fui, fui andando, fui me distanciando, fui desaparecendo<br />
e nunca mais apareci, para aquela amante, para aquele carro, para<br />
aquele motorista, para aquele país, todavia, contudo, no entanto,<br />
... retornei ao ...<br />
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Quando se ouve naquela platéia uma voz interpelativa.<br />
VOZ EM ESPERANTO (indagando): Se o estranho que<br />
julgamos ser um ET, por acaso, me entende ou sabe falar uma<br />
língua entre as mais faladas da atualidade daqui do planeta,<br />
gostaria de saber de que parte do espaço você vem?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (respondendo em português): Brasil.<br />
A tradução simultânea é feita e o público fica abismado, não só<br />
porque ele entende e fala uma linguagem existente na Terra, mas<br />
principalmente de saber que ele veio daquela terrinha daquele<br />
povinho. Outro interpelante, só que desconfiado procura pô-lo<br />
em teste.<br />
VOZ EM INGLÊS: Nós cientistas não podemos nos curvar para<br />
qualquer experiênciazinha ou ensaiozinho. Prepare-se ô etezinho<br />
canarinho para ser sériamente sabatinado culturalmente.<br />
(toma folêgo e pausadamente): No ocidente se tem o sol poente,<br />
no oriente o sol nascente. No ocidente se tem a Europa e as<br />
Américas, no oriente a Ásia. No ocidente se tem ... se tem ...<br />
E com as mãos faz gesto de modo a indicar que ele prossiga. E a<br />
comunicação é perfeita com aquela tradução eficiente e<br />
simultânea.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (prosseguindo): ... se tem: América do Sul com o<br />
Brasil, 5º em população mundial e 8º no idioma empregado<br />
mundialmente, ou seja, o português; se tem América Central com<br />
o México, 11º em população e 6º com espanhol; América do<br />
Norte com Estados Unidos, 3º, 2º com inglês; Europa, com<br />
Rússia, 9º, 7º com russo; Europa Ocidental com França, 21º, 4º<br />
com francês.<br />
VOZ EM INGLÊS: No oriente se tem ... se tem ...<br />
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E aquelas mãos continua com aqueles mesmos gestos do “vá em<br />
frente”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: No oriente: Médio com Irã, 19º, 13º, persa;<br />
Sudeste com Indonésia, 4º, 10º com indonésio; Sul com Índia, 2º,<br />
3º com hindi; Extremo com China, 1º, 1º com mandarim.<br />
E as mãos no prossiga.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): No ocidente a vestimenta para o<br />
luto é de cor preta, no oriente esta é branca. No ocidente se reza<br />
para o exterior, Deus se encontra nos céus, no oriente se reza para<br />
o interior, para despertar a divindade que existe em nós. No<br />
ocidente se escreve da esquerda para a direita, em muitos países<br />
do oriente a escritura é da direita para a esquerda. No ocidente a<br />
escritura forma palavra de modo letra por letra, no oriente se<br />
escreve palavra por palavra ou idéia por idéia. No ocidente as<br />
bandeiras são horizontais, já no oriente são verticais. No ocidente<br />
a roupa por muito tempo utilizada era a escura e opaca, no oriente<br />
era colorida e brilhante. As guloseimas das crianças do ocidente<br />
foram por muito tempo a base de sabores doces, no oriente os<br />
sabores são azedos, agridoces e ácidos. A alimentação ocidental é<br />
preferencialmente com base salina, a oriental é doce, amarga e<br />
ácida, inclusive na Índia se provam os sete sabores a cada dia da<br />
semana. No ocidente se corta a comida na mesa se utilizando<br />
facas, no oriente toda a comida já é cortada antecipada e<br />
adequadamente. A música culta do ocidente é suave, no oriente é<br />
estridente. No ocidente se dança com os pés e o corpo de maneira<br />
harmoniosa porém rígida, no oriente se dança com todo o corpo<br />
inclusive com os ombros, olhos, boca, batendo os pés e mãos<br />
como nas danças indianas e chinesas. O calendário ocidental é<br />
solar, já o chinês é lunar. O ano novo chinês é variável entre o<br />
fim de janeiro até meados de fevereiro, o ocidental é fixo, 1 de<br />
janeiro. A astrologia ocidental é mais celeste que terrestre<br />
baseando-se num zodíaco cósmico, a oriental é ao contrário,<br />
muito mais terrestre que celeste baseando-se nos animais da terra,<br />
como o feng shui. No ocidente a maior parte dos idiomas são<br />
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linguagens onde a pronúncia se apóia com o uso da língua, no<br />
oriente são guturais com apoio da garganta e sons nasais. No<br />
ocidente a medicina é do tipo química, enquanto no oriente é<br />
energética tipo acupuntura.<br />
VOZ EM PORTUGUÊS (indagando): Como compatriota do<br />
estranho gostaria de saber se és um Silva.<br />
VOZ EM INDIANO: Shiva?!<br />
VOZ EM PORTUGUÊS (impaciente): Siiilllvaaa.<br />
VOZ EM INDIANO: Joga em que posição?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (respondendo): Continuei o mesmo só que<br />
diferente em face, aspecto e lugar, e, por uns tempos, só que não<br />
cobrado e inalterado em lateral, banda e flanco.<br />
VOZ EM ESPERANTO: O ET brasileiro ...<br />
VOZ EM INGLÊS: ... isso está um pouco por demais<br />
complicado.<br />
VOZ EM PORTUGUÊS: Você sabe que para nós, não cobrado<br />
significa isento.<br />
VOZ EM INDIANO: Agora o restante não comprendi nada,<br />
acabei ficar sem saber o que você continuou sendo e de que lado<br />
você joga, poderia ser mais claro?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ô brasileiro, logo de início também fui<br />
considerado um isento e aí ...<br />
Dando conta de começar assim ninguém iria lhe entender o que<br />
estava comunicando, se volta para um outro caminho.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Desculpem-me, é que assim não vai dar.<br />
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(pausa e continua): Antes de responder necessito que os senhores<br />
escutem uma história, não de vinte anos passados quando tudo<br />
começou, mas sim uma de apenas a metade desse tempo, isto e´,<br />
a minha história de dez anos atrás que vou contar para saberem<br />
quem sou eu de fato. Permitam-me? Posso?<br />
A platéia já meia fofoqueira balança a cabeça em sinal de<br />
concordância.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (contando): A minha história tem dez personagens<br />
secundários que vivenciam por várias partes do mundo em países<br />
populosos e/ou cujos idiomas estão entre os mais falados, eles são<br />
contados de maneira humorada em diversos aspectos desde a<br />
economia no mato, a justiça na favela, a segurança na delegacia, a<br />
saúde no hospício, a educação na sarjeta, a guerra no campo de<br />
batalha, o lazer na casa de tolerância, a religião na árvore sagrada,<br />
a política no comício, a ideologia na nave numa viagem espacial,<br />
a ultra-religião num local sagrado e finalmente esta premiação<br />
alternativa neste parlamento suéco.<br />
O personagem principal ganha vários papéis dos personagens<br />
secundários como: selvagem, santo, traficante, maluco, mendigo,<br />
tããão esperado ansiosamente, gigolô, parturiente, candidato nerd,<br />
espião, convertido e seguidor. É ameaçado por algema, AR15,<br />
soco inglês, seringa, cassetete, punhal, pincel, livrinho vermelho<br />
de Mao Tse-tung, lixo espacial e voz do além. Mas, também, é<br />
ameaçador com inteligência, conhecimento, experiência e<br />
exposição de filosofias ocidental e oriental, chegando até a abalar<br />
os alicerces dos que adotam a cultura vigente. Por um lado, é um<br />
real embaraçado na fisionomia por se ver barbado, algemado,<br />
desdentado, cueiroado, marcado, herniado, chateado, pintado,<br />
engarrafado, acorrentado, espetado e destinado. Por outro lado,<br />
também, é um potencial colaborador na destruição e construção<br />
em prol da civilização.<br />
(pausa): Os personagens secundários apresentam deficiências<br />
físicas e psicológicas e tem papéis pertinentes aos aspectos<br />
mencionados como: auditor fiscal da receita federal, policial,<br />
gerente de tóxico, ajudante de ordem, delegado, escrivão, doutor,<br />
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enfermeira, professor, senador, comandante de tropa, ladrão,<br />
mulher da vida, segurança e astronauta.<br />
VOZ EM FRANCÊS: Esse personagem principal ao ganhar<br />
esses papéis tão variados por atores tão diversos, certamente ele<br />
manifestou sua essência que é singular de forma múltipla, não?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Certamente que sim. A essência estranha foi até<br />
profetizada em termos de isento, desligado, suspeito, arredio,<br />
destituído, malfeito, estrangeiro, peregrino, bizarro, desconhecido<br />
e hoje um ponto de interrogação que eu explicitaria por diferente.<br />
VOZ EM ÁRABE: Eu notei que o estranho está sem aparelho no<br />
ouvido e está entendendo em todas essas linguas. O ET é um<br />
poliglota?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Das quinze linguas mais faladas no mundo só não<br />
falo uma delas.<br />
VOZ EM ESPANHOL: Que pasa?<br />
Ao ouvir essa língua, curioso, ele pega rapidamente o aparelho<br />
para saber o que se está dizendo. Logo, traduzido, logo<br />
entendendo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: É espanhol! Desculpa-me mas é essa exatamente a<br />
que não falo.<br />
Risos.<br />
VOZ EM MANDARINO: Existe resposta ainda não dada.<br />
Favor, responder a pergunta do indiano, qual seja: “O que<br />
continuou sendo e de que lado você joga?”<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Tem razão.<br />
(respondendo): A resposta é que continuei sendo o estranho, só<br />
que inicialmente considerado ...<br />
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DO LADO OCIDENTAL<br />
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O ISENTO<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A partir de agora eu vou contar a minha história,<br />
só que depois que dez anos se passaram quando sorrindo eu fui e<br />
nunca mais voltei para aquela amante, para aquele carro, para<br />
aquele motorista, para aquele país, todavia, contudo, no entanto,<br />
retornei ao Brasil.<br />
Ele pára insatisfeito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: De antemão, gostaria de deixar bem claro que eu<br />
vou contá-la não com o meu primeiro eu, o sujeito da ação, mas<br />
sim com o meu segundo eu, não tanto como sujeito da reflexão,<br />
mas sim como o relator da observação. Assim espero e peço<br />
compreensão por essa tentativa. Sem mais delongas, vamos lá ...<br />
Há dez anos atrás, num pedaço da selva amazônica, num MATO<br />
caminham atentamente dois homens por entre árvores silvestres<br />
que só visualizam duas coisas: o ermo sombrio e o acompanhado<br />
pelo parâmetro da ECONOMIA. Um deles, estranhamente, de<br />
terno e o outro, fardado, que se chamam respectivamente e<br />
respeitosamente por DOUTOR AUDITOR FISCAL e CANA-<br />
DURA. Ao adentrarem cada vez mais na floresta o exclusivo fato<br />
visível é que eles se tornam cada vez menos vigorosos. Quando<br />
as pernas dos exaustos davam indícios de que iriam parar, seus<br />
olhos sinalizam abismados com um abismo que deparam.<br />
Precipitados pelo precipício de onde avistam um lindo<br />
descampado e nele uma enigmática sombra logo fugaz porque se<br />
vê de imediato tratar apenas de uma palhoça. O paisano ajeita<br />
aquele seu traje civil, quando olha para o militar nota que este o<br />
está observando com grande satisfação.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (sorrindo): Enfim o<br />
encontramos.<br />
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Só que concomitantemente eles escutam um urrar, e como num<br />
filme de terror, olham apreensivamente em busca e se deparam<br />
com uma onça aparentemente farta e feroz. O doutor tira os<br />
sapatos e o outro tira uma dúvida.<br />
CANA-DURA (com muito medo): Com todo respeito e<br />
obediência que eu lhe devo, mas, o doutor auditor fiscal acha que<br />
adianta tirar os sapatos? Por acaso, vai correr mais rápido do que<br />
essa bichona!<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Eu não quero correr mais do<br />
que a onça. Quero apenas correr mais rápido do que você!<br />
Dito isto, ambos revigorados por aquela descoberta põem-se a<br />
descer apressadamente aquele despenhadeiro. Na frente,<br />
precipício abaixo, o descalço, logo atrás, desesperado, o<br />
incomodado calçado. Nos últimos instantes do declive saltitando<br />
por uma rocha extensa se iniciam num energético desejo de<br />
correrem até aquela casa coberta de palha, possivelmente<br />
motivado por aquela personal training que está as suas costas. À<br />
medida que vão se aproximando percebem a não onça e o quanto<br />
é miserável a casa e mais chocante do que isso para os seus<br />
intentos: ela parece vazia. O policial pára, ao olhar para trás,<br />
não se aperta e vai tirando seu quepe da cabeça, desabotoando o<br />
colarinho, afrouxando o cinto, mostrando todo o seu<br />
contentamento em não ser devorado e, ao mesmo tempo, todo seu<br />
possível desapontamento.<br />
CANA-DURA (suspirando): Será doutor auditor fiscal, que esse<br />
sacrifício de descobrir isso aqui tão distante, com onça e tudo, foi<br />
tudo a toa?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (também consolado e<br />
desolado): É Cana-Dura, a vida nos reserva esses encontros com<br />
a solidão e susto, mas não com o solitário procurado. E nesses<br />
instantes, só resta aos exemplares executores da lei entrar neste<br />
casebre minúsculo e arruinado para cumprir com dignidade pela<br />
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metade a missão outorgada. Nada mais tendo a declarar e a<br />
lamentar.<br />
CANA-DURA (querendo imitar, inicia um discurso): E eu como<br />
um bom Cana-Dura ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (cortando): Que Cana-Dura<br />
nada, vamos lá seu Guarda-Mole, o que está esperando, põe logo<br />
essa fuça para dentro dessa coisa.<br />
O policial, embora chateado por essa quebra no seu discurso e<br />
principalmente por todo aquele aparente esforço em vão, mas, de<br />
forma obedecida e determinada, põe o rosto para dentro da<br />
maloca, mas só que, imediatamente o devolve assustado para o<br />
exterior. Ameaça sacar o revolver o que é contido pelo coletor.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (temeroso): O que vimos aí<br />
dentro? Um animal carniceiro?<br />
CANA-DURA (ofegante): Pelo contrário, eu vi a presa dele.<br />
DOUTOR AUDITOR FINAL (intrigado): Como assim? Quem<br />
é o comestível?<br />
CANA-DURA (com água na boca): O contribuinte.<br />
DOUTOR AUDITOR FINAL: Você não perde esse costume<br />
mesmo, hein, de ser canibal. Lembra que você já perdeu até<br />
pontos para a promoção por causa daquele dedinho mindinho<br />
daquele gordo.<br />
CANA-DURA (salivando): Eu sei que o doutor auditor fiscal é<br />
vegetariano, mas, valeu a pena ter perdido os pontos, pois, era um<br />
petisco humano imperdível.<br />
O doutor abre um escancarado sorriso porque agora é a sua vez<br />
de adentrar sua face, só que ela com olhos alegres e curiosos. Ao<br />
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fazê-lo se defronta com uma fronte aparentemente solitária num<br />
visível corpo asseado, musculado, corado, alinhado, porém ultra<br />
barbado, inserido em vestuários finos bem desgastados. Fixando<br />
mais os olhos ele observa que o <strong>ESTRANHO</strong> está em meditação.<br />
Como não cabem dois corpos naquele pardieiro, ele sai<br />
demoradamente do interior por estar arquitetando a atitude que<br />
deveria ser tomada. Posto de fora ela já estava em sua boca, ou<br />
melhor, iria estar na boca do policial antropófago.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ordenando): Cana-Dura dá um<br />
sacode neste orante psíquico que habita este orate.<br />
CANA-DURA (desapontado, sem entender): Só um sacode!<br />
Orate?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (impaciente): É Orate ... o<br />
mesmo que casa de maluco.<br />
Vendo o esforço de compreensão que o seu serviçal estava<br />
fazendo, procura esmiuçar sua ordem.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Traduzindo: traga o demente<br />
que está fazendo oração de mente neste hospício.<br />
Prontamente, um braço uniformizado leva a mão na direção do<br />
qualificado doido e o puxa para fora. Este atirado ao chão<br />
desperta da contemplação e que, por incrível, sem se abalar, não<br />
perde a paz por nenhum segundo. Ele volta a meditar. Só que ...<br />
CANA-DURA (babando): Que presuntão!<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pisca o olho para o policial e<br />
dirige sua visão para aquele decaído): Já acabou de curtir seu<br />
matutar nesse vazio?<br />
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O silêncio como resposta, para eles, é algo desrespeitoso e<br />
inimizante. O militar inconformado cutuca com a perna o corpo<br />
do eremita.<br />
CANA-DURA (chamando a atenção do solitário, salivando): Ô<br />
contribuinte gostoso deixe de ser impróprio, não vê que o doutor<br />
auditor fiscal está generosamente lhe fazendo uma pergunta?<br />
O que está no chão vagarosamente se senta no solo e fica com<br />
seu olhar distante para algum ponto para fora de si ou quem<br />
sabe apenas concentrado para dentro. O doutor que a tudo<br />
observa sem tirar o foco do estranho, tira uma folha de rúcula do<br />
bolso que a leva na boca com grande satisfação, volta a<br />
interpelá-lo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (procurando ser formal e<br />
objetivo): Cumpro-lhe informar que a Receita Federal recebeu<br />
uma informação que havia alguém que morava neste cafundó do<br />
Judas e como não podia deixar de ser o Leão não podia ficar<br />
omisso em suas responsabilidades e nos incumbiu da digníssima<br />
tarefa de investigar. Por isso, eu ...<br />
Notando que aquele para quem dirigia a palavra não o escutava,<br />
estufa o peito, encolhe a barriga e solta a voz com toda<br />
imponência.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: ... eu, na qualidade de coletor<br />
da união, na forma da lei, exigimos saber se o senhor declara<br />
imposto de renda. Sim ou não?<br />
Após esta interrogação, as únicas coisas que se escutam são o<br />
zumbires das abelhas, o zunirem das cigarras, o tritilares dos<br />
grilos e o piar dos pardais.<br />
CANA-DURA (ameaçando): Ô sonegador, deixa de fingimento.<br />
Esperteza só para os apadrinhados dos poderes, só para aqueles<br />
filhos da ...<br />
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DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompendo, muito<br />
nervoso): Ô cana cuidado! Todos esses apadrinhados e afilhados<br />
da ... eles sempre têm umas escutas para nos incriminar, uns<br />
hábeas corpus que lhes permitem não responder coisa nenhuma.<br />
Para a nossa segurança, vê se ele não tem algum.<br />
Como todo bom policial bronco, ele nada escuta e continua.<br />
CANA-DURA (ameaçando mais fortemente): Cadê o seu CPF?<br />
Diga o seu número, seu nome, antes que eu lhe ponha no<br />
caldeirão ou no espeto.<br />
Aquele prenúncio de desgraça em nada parecia mudar aquele<br />
ambiente bucólico a não ser as vozes dos animais, pois agora é o<br />
taramelar das araras, o bigomear das arapongas, o cantar dos<br />
bem-te-vi. No entanto, alguém naquele cenário campestre se<br />
transformaria.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (procurando acalmar):<br />
Paciência Cana-Dura, desconfie que nós estejamos diante de um<br />
completo abobalhado. Sendo verdade, não adianta rugir, urrar,<br />
bramir.<br />
CANA-DURA (inconformado): Puxa doutor o senhor nem<br />
parece judeu, já pensou se todos os bobos aqui no Brasil não<br />
pagassem imposto? Fatalmente, seríamos o país mais pobre da<br />
face da Terra.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (procurando se justificar): É<br />
que eu sou um judeu raro.<br />
CANA-DURA: Como assim doutor auditor fiscal?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Muito distinto mesmo,<br />
chegando a ser muito desigual. Só para lhe dar uma idéia, veja<br />
como é a educação na nossa família.<br />
24
Um dia eu perguntei para o Jacózinho: “Quanto tempo está<br />
chupando esse pirulito?”. Ele me respondeu: “Duas horas, babai”.<br />
Aí eu disse: “Então, já pode tirar o papel.”.<br />
CANA-DURA: Puxa o senhor tem razão mesmo, é bem fora do<br />
comum. Eu que sou um teso dou presente de casamento,<br />
nascimento, aniversário, natal, páscoa, dia das mães, dos pais, dos<br />
padrastos, das amantes, do são nunca, falecimento, enfim, mas o<br />
que conta é o doutor auditor fiscal. Com esposa também é muito<br />
dessemelhante?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: E como! Certa vez, Sara<br />
virando-se para mim, de olhos fechados, falou gemendo: “Põe,<br />
põe Isaac, põe ... põe tudo. Põe tudo no meu nome.”<br />
CANA-DURA: Puxa que relação quente! Que afetividade!<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Até relação com vizinho<br />
também é incomum e diverso.<br />
Um dia um vizinho paulista me contou: “Meu! Corre na sua casa<br />
que sua mulher tá te traindo com um amigo seu”. Saí correndo<br />
desesperado com três oitão na mão. Quando eu vi o que vi, fiquei<br />
fulo de raiva e voltei para o que me havia contado, dei-lhe uma<br />
bronca daquelas: “Mas você é um mentiroso, hein? Que amigo o<br />
quê, eu nem conheço o cara!”<br />
O coletor vegetariano ao acabar de contar desaba chorando de<br />
dor sob o espanto e solidariedade daquele apreciador de carne<br />
humana. Mas, se recupera num segundo para não gastar<br />
lágrimas e nem o tempo de contar um caso.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (continuando): Mais tarde,<br />
quando eu contei para aquele vizinho paulista: “Minha mulher<br />
fugiu com meu melhor amigo”. Ele todo abismado e curioso me<br />
indagou: “É mesmo? E quem é ele?”. Respondi prontamente:<br />
“Quem é ele eu não sei, só sei que agora é o meu melhor amigo”.<br />
(indagando): Como você é com a sua esposa?<br />
25
CANA-DURA: Eu não sou ... eu serei ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (cortando): Eu quero saber<br />
como você é e não como você não é ou como será. Isso não é<br />
uma questão de sou e não sou, entendeu?<br />
CANA-DURA: Eu sou solteiro e vou casar.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Então quem manda atualmente<br />
em você?<br />
CANA-DURA: O senhor é claro.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (sem dar bola para aquela<br />
resposta): Você sempre teve essa profissão?<br />
CANA-DURA: Eu fui guarda rodoviário por um dia, ou melhor,<br />
por uma noite.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Apenas por doze horas! Por<br />
quê?<br />
CANA-DURA: Por quê?! O senhor vai me dar razão. Ao pegar<br />
um plantão numa madrugada fria, sem uma viva alma, quando fiz<br />
parar um carro que vinha a toda velocidade pela estrada, com um<br />
sujeito totalmente embriagado sentado no banco do carona e ...<br />
pasme doutor auditor fiscal: um cachorro dirigindo! Cheguei todo<br />
bronqueado e disse: “O senhor é doido! Como que deixa o<br />
cachorro dirigir o carro?” Ele me respondeu: “Calma, seu guarda,<br />
eu não tenho nada a ver com isso, só tô pegando um carona ...”<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Mas, só por causa disso, largou<br />
aquele grande negócio de pedágio informal.<br />
CANA-DURA: Só é grande negócio para quem é desonesto, eu<br />
...<br />
26
DOUTOR AUDITOR FISCAL: ... por favor não pronuncie essa<br />
palavra perto de mim, eu tenho alergia. Olha só como o meu<br />
braço vai ficando todo empolado?<br />
(pausa): Mas, foi só por causa daquilo ou não?<br />
CANA-DURA: Não, não foi só por causa daquilo não.<br />
Aconteceram várias coisas que não tenho nem coragem de contar.<br />
A gota d’água foi o telefonema do meu chefe fanho que, diga-se<br />
de passagem, estava ausente do serrviiiçoooo, ligou lá para nós,<br />
eu atendo e ele perguntou: “Ãdifinha quem tá falando?”.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Inacreditável! Entretanto, ... e<br />
o negócio?<br />
CANA-DURA (não querendo aquele tipo de conversa, muda a<br />
prosa): O doutor sempre teve essa profissão?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Eu fui repórter por uma<br />
manhã.<br />
CANA-DURA: Por uma manhã! Apenas por quatro horas, por<br />
quê?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Porque fui despedido logo<br />
após a minha primeira matéria.<br />
CANA-DURA: Que matéria fatal e fulminante foi essa?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Foi sobre o que ocorreu com o<br />
meu amigo Moisés.<br />
(citando a matéria): “Pelos elementos averiguados, conclui-se<br />
que o assassino matou para roubar. A vítima Moisés, no entanto,<br />
felizmente havia, na véspera, depositado todo o seu dinheiro no<br />
banco. Desse modo, não perdeu nada, exceto a vida.”<br />
CANA-DURA: Caramba, o que é isso!<br />
27
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Isso é para você ver como o<br />
mundo é injusto, esse que nós vivemos. Isso é perseguição.<br />
(ataque de sentimento de culpa): Mas, vamos deixar de papo,<br />
vamos para o serrviiiçoooo. De que estávamos falando mesmo a<br />
respeito daquele ali?<br />
CANA-DURA: Sabe doutor auditor fiscal, eu andei pensando ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompendo): Calma, meu<br />
soldado, uma coisa de cada vez. Primeiro, não ande.<br />
CANA-DURA: Mas, eu já estou parado.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Então está em segurança, então<br />
prossiga com o que está pensando.<br />
CANA-DURA: O selvagem gostoso não é uma pessoa física?<br />
Então, tem que contribuir. Assim como, ele mora nesse cômodo<br />
singular tem que pagar o IPTU.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompe): Calma lá, daqui a<br />
pouco você vai querer que ele pague IPVA, ICMS, PIS, IE,<br />
ISSQN, ISPN.<br />
CANA-DURA (abismado): Tem tudo isso! Eu só conheço IPVA,<br />
ICMS e PIS, o que são os outros? Afinal eu também quero pagar<br />
por estes desconhecidos.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (admirado ele pensa): Que cara<br />
mão-aberta é esse aí.<br />
(respondendo): IE quer dizer Imposto de Exportação; ISSQN,<br />
Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza; ISPN, Imposto<br />
Sobre Porra Nenhuma.<br />
CANA-DURA (compreensivo): Pensando bem, é muito imposto<br />
para um brasileiro só, o doutor auditor fiscal tem razão, acho que<br />
esse solitário não é cidadão, ele é um seqüestrado do convívio<br />
28
humano, um ignorante, um tremendo de um inculto. Não sei nem<br />
se ele é indígena ou alienígena. Não sei nem se ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompendo): ... ele é um<br />
livre e pelo jeito não precisamos ...<br />
CANA-DURA (complementando): ... de ficar com medo, pois<br />
parece passível de ser domesticado.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (irritado): Eu lá quero<br />
domesticar alguém, isso é coisa para FUNAI. Nós somos da<br />
mordida do Leão. E faça o favor de não me interromper.<br />
(eufórico): O que eu estava dizendo é que tudo indica que não<br />
precisamos de nos preocupar com ele.<br />
CANA-DURA: Por que não? Por acaso ele é isento?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Claro! Estamos diante de um<br />
não-cidadão, um estranho que não quer ser habitante de uma<br />
cidade, um indivíduo que não acredita em cidade em nenhuma<br />
hipótese, por isso é que ele vive nesse lugar miserável ... vamos<br />
dizer nesse campo.<br />
CANA-DURA: Ou então quem sabe o isento não é um daqueles<br />
suburbanos convicto que, na surdina, entre essas moitas, está com<br />
gato-NET, gato-luz, gato-gás, introduzindo uma nova cidade, não<br />
é doutor auditor fiscal?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Se ele é da área rural, urbana<br />
ou do entorno que se urbanizou precariamente não sabemos, o<br />
que temos certeza, ao juntarmos nossas opiniões, é de que se trata<br />
de um descrente construtor.<br />
CANA-DURA: Ou de um construtor descrente.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: É isso aí.<br />
29
O que estava sentado contemplando dirige seu olhar para os dois<br />
e ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pausadamente): O quanto de alheio sou se não<br />
acreditando em cidade de modo nenhum vir a introduzir uma?<br />
Os dois se olham sem graça e o doutor muito fulo da vida.<br />
CANA-DURA: A coisa fala!<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: E fala coisa impertinente,<br />
algeme prontamente esse estranho isento barbudo.<br />
CANA-DURA (inseguro): Será que temos permissão para fazer<br />
isso?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (assertivo): Isso lá é hora de<br />
questionamento! Se na cidade vale tudo, imagina nesse meio do<br />
mato. Afinal, por que estamos aqui? Já esqueceu seu<br />
desmemoriado?<br />
CANA-DURA: Claro que não! Este terreno inculto em que<br />
crescem plantas agrestes vai ser doado pelo governo para o<br />
Madeirão Boizão.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (incisivo): Como ousa falar<br />
dessa maneira de sua excelência o dono da companhia “Corta a<br />
Madeira e mostra o Boi”, um dos maiores empreendedor que já se<br />
teve neste país.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Duvido que neste país se tenha uma resposta a um<br />
governo, como a do Cacique Seatle ao governo dos Estados<br />
Unidos em querer comprar as terras do chefe indígena, em 1854.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ordenando): Muito obrigado<br />
pela informação, mas eu lá quero saber notícias da FUNAI<br />
americana, chega de ouvir conversa fiada.<br />
30
(ordenando): Algeme imediatamente esse isento impertinente e<br />
infeliz que com sua moradia está atrapalhando os planos do<br />
magnífico proprietário de trazer imediatamente suas cortadeiras e<br />
queimadas da prosperidade eterna, os seus gados exterminadores<br />
da gula infinita dos golas de ponta branca e, acima de tudo,<br />
aumento de arrecadação na economia promovedor da felicidade<br />
da elite e do governo, bem como do calmante do mercado<br />
neurótico nervoso.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pausadamente): O quanto de isento sou se estou<br />
atado e preso, se oprimem o meu pensamento e aprisionam as<br />
minhas mãos?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Boa idéia. Aproveite e<br />
amordace-o também.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pausadamente): Que venha então a cidade, pois<br />
agora estou preparado a ir até as minúsculas estrelinhas em<br />
termos de dedicação e relação.<br />
CANA-DURA: Isso é um baita de um barbudo subversivo, deve<br />
ser parente do Fidel Castro. Fica o dia inteiro a meditar nessa<br />
espelunca, notou doutor auditor fiscal que nestas frases tem muita<br />
coisa nas entrelinhas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pausadamente): De fato, o autor delas quer<br />
meditar para a subversão.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ridicularizando): É, o<br />
subversivo é esse autor mesmo. Estou quase acreditando, fala<br />
mais uma vez para eu acreditar.<br />
(passando-lhe um pito): O que eu tenho certeza é que o estranho<br />
com seu comportamento não é contrário à ordem, você apenas<br />
não age certo quando quer permanecer isento.<br />
31
<strong>ESTRANHO</strong>: Como é possível não estar agindo certo se tenho o<br />
conhecimento no comportamento. Quem sabe, age certo. Quem<br />
não sabe é sempre refutado pela lógica, pego pelas contradições.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando com carinho): Acho<br />
que eu posso fazer negócio com esse estranho aí! Talvez levá-lo<br />
num programa de auditório com essas idéias excêntricas. Vou<br />
testar um pouco mais os seus conhecimentos até onde vão.<br />
(dirigindo sua palavra ao quase amordaçado): Que livros você<br />
conhece?<br />
Mesmo não entendendo direito uma indagação daquela,<br />
responde.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “Velho Testamento”.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Muito bem, um bom começo,<br />
um livro judaico. Mas, não precisa me bajular. Comece com os<br />
livros que lhe fosse apropriado a este momento em que você está<br />
vivendo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “Sobre a liberdade” de John Stuart Mill, “O<br />
Processo” de Kafka, “A origem das espécies pela seleção<br />
natural”, Darwin, “Desobediência Civil” de Thoreau, “O caminho<br />
da servidão” de Friedrich von Hayek, “Drácula” de Stoken ...<br />
CANA-DURA (por conta): Drácula! Ta vendo doutor auditor<br />
fiscal, lá vem ele com suas indiretas e subversão, saiba que eu sou<br />
um homem civilizado ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Psiu, calado. Você não está<br />
vendo que esse sujeito é uma mina de ganhar dinheiro, um bom<br />
negócio.<br />
(pausa): E discursos históricos que lhe fosse apropriado a este<br />
momento em que você está vivendo?<br />
32
CANA-DURA (pensando com preocupação): Esse negócio dele<br />
falar o que ele está vivendo, não é um bom negócio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Um que eu já usei foi o discurso de Sócrates em<br />
sua defesa.<br />
CANA-DURA (pensando ainda com preocupação): Ele começa<br />
assim na defesa e daqui a pouco parte para o ataque que nem o<br />
jogador do São Paulo fazia. Deixe embaralhá-lo.<br />
(dirigindo-se a ele): Discurso de brasileiros é o que importa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: José Bonifácio de Andrade e Silva, patriarca da<br />
independência, em seu discurso na Assembléia Geral,<br />
Constituinte e Legislativa, de 1824, um libelo contra escravidão,<br />
que não isenta nem a Igreja.<br />
CANA-DURA: Viu! Não disse doutor auditor fiscal Ele está<br />
protestando novamente e agora é contra as algemas que coloquei<br />
no bicho apetitoso.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: É, mas você não prestou<br />
atenção que ele meteu o pau na Igreja, não dá isenção para ela.<br />
Prossiga, por favor.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Joaquim Nabuco com seu discurso que propõe a<br />
abolição; Rui Barbosa com seu discurso de um ano após a<br />
promulgação da Lei Áurea; Orlando Villas-Boas em 1972, época<br />
em que a ditadura militar alegava que os índios não poderiam se<br />
constituir num entrave ao desenvolvimento do país, ele com uma<br />
coragem pessoal irretocável fez um discurso contrário a essa<br />
política integracionista, de modo a ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Tá bom, tá bom, vamos para os<br />
de fora.<br />
33
<strong>ESTRANHO</strong>: Gandi quando foi preso e levado a julgamento<br />
discursou nessa ocasião, foi condenado há seis anos, e a exemplo<br />
de Sócrates não fez concessões.<br />
CANA-DURA (pensando, invocado): E o doutor auditor fiscal<br />
está completamente cego. Será que ele não vê que isso é uma<br />
corja só. Ah! Se eu pudesse matava e comia essa gente toda, mas<br />
essa coisa de civilização é que atrapalha a justiça.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Enma Goldman ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Essa com nome judeu parece<br />
ótimo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ela discursou em seu julgamento em Nova York<br />
em 1917. Lá pelas tantas disse: “Se não fossem estes grandes<br />
pioneiros e rebeldes, a França teria continuado sob a submissão<br />
do indolente Luiz XVI, para quem o esporte de matar coelhos era<br />
mais importante do que o destino do povo da França ...”<br />
CANA-DURA (pensando): Aí eu concordo com ela, carne de<br />
coelho não é muito saborosa que nem a ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando o discurso dela): “Eu sei que muitas<br />
pessoas – eu mesmo sou uma delas – que não nasceram aqui,<br />
tampouco solicitaram cidadania, ainda assim amam a América<br />
com uma paixão mais profunda e com maior intensidade que<br />
muitos nativos, e manifestam-se puxando, chutando e insultando<br />
aqueles que não se levantam quando o hino nacional é tocado.<br />
Nosso patriotismo é aquele do homem que ama a mulher de olhos<br />
abertos. Ele está encantado com a sua beleza, mas também vê<br />
suas falhas. Como nós também, que conhecemos a América,<br />
amamos a sua beleza, sua riqueza, as suas imensas possibilidades;<br />
nós amamos as suas montanhas, seus desfiladeiros, suas florestas,<br />
sua foz do Niágara, e seus desertos – acima de tudo, amamos as<br />
pessoas que ajudaram a criar sua riqueza, seus artistas que<br />
criaram a beleza, seus ilustres apóstolos que sonham e trabalham<br />
34
pela liberdade – mas com a mesma emoção passional, odiamos<br />
sua superficialidade, sua artificialidade, sua corrupção, e o louco<br />
e inescrupuloso culto ao altar do “Bezerro Dourado”.”<br />
Eles recordando sua juventude, no tempo em que queriam mudar<br />
o mundo, começam a chorar.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando o discurso dela): “Seu veredicto, é<br />
claro, pode nos afetar temporariamente, num sentido físico – não<br />
afetará de maneira nenhuma nosso espírito. Porque mesmo se<br />
formos declarados culpados e condenados a enfrentar o pelotão,<br />
gritaríamos as mesmas palavras do grande Lutero: “Aqui estou, e<br />
aqui ficarei, porque sou incapaz de agir de outra maneira.””<br />
Os dois abraçados choram copiosamente.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando o discurso dela): “Nada neste mundo<br />
me fará mudar de idéia exceto uma coisa: se vocês me provarem<br />
que minha posição está errada, indefensável, ou faltando com a<br />
verdade. Posso lhes lembrar de dois grandes americanos, sem<br />
dúvida conhecidos por vocês, senhores do júri: Ralph Waldo<br />
Emerson e Henry David Thoreau. Quando Thoreau foi preso por<br />
se negar a pagar impostos, foi visitado por Ralpho Waldo<br />
Emerson que lhe perguntou: “David, o que você está fazendo<br />
nesta cela?” e Thoreau respondeu: “Ralph, o que é que você está<br />
fazendo aí fora, quando toda pessoa honesta está presa por causa<br />
de seus ideais?””.<br />
CANA-DURA: É isso aí. Honestidade.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: É isso aí como? Agora quem<br />
pergunta sou eu: já pensou se todos os honestos aqui no Brasil<br />
não pagassem imposto? Fatalmente, seríamos o país mais<br />
miserável da face da Terra. Era capaz de nem haver mais<br />
corrupção por falta de dinheiro.<br />
CANA-DURA: É tem razão, bordoada nele.<br />
35
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Calma que ainda acho que esse<br />
cara estranho com essa cultura pode render muitos novos sheqel.<br />
CANA-DURA: O que é isso?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Dinheiro israelense, seu tapado<br />
de pouca ambição.<br />
(falando para o algemado): Vamos passar para ciência que é bem<br />
objetiva. O que você sabe a respeito dos cientistas?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Descobridores ou inventores de novos conceitos e<br />
instrumentos sobre a natureza, mas não pela manipulação para<br />
finalidades escusas.<br />
CANA-DURA: Lá vem ele com suas críticas.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Agora eu tenho que dar razão<br />
para este sanguinário inculto. Disserte um pouco sobre algo light<br />
e diet não polêmico ... como, por exemplo, sobre os cem maiores<br />
cientistas da história.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Grande parte é constituída de homens, no sentido<br />
de sexo masculino, brancos de descendência européia, vieram de<br />
níveis sociais não inferiores, com algumas exceções como<br />
Michael Faraday com sua teoria clássica do campo<br />
eletromagnético.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Em que lugar esse pobre<br />
ocuparia na sua classificação.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Décima primeira.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Bom, de vez em quando isso é<br />
inevitável. E os primeiros em Física, Química, Medicina, ...<br />
CANA-DURA (interrompendo, para mostrar participação):<br />
Mas, não esqueça, com classificação entre os cem primeiros.<br />
36
<strong>ESTRANHO</strong>: Isaac Newton com sua revolução na física, para<br />
mim, foi o primeiro cientista.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Isaac, chará, muito bom! E o<br />
segundo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O grande físico judeu Albert Einstein com sua<br />
ciência no século XX.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Excelente. Em terceiro?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Provindo de uma família judaica, Niels Bohr<br />
compreendendo a estrutura atômica e física quântica.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (entusiasmado): Como vamos<br />
ganhar novos sheqel. Não tem pra ninguém, só dá nós.<br />
CANA-DURA (querendo ajudar): E na Química e Medicina<br />
citada pelo doutor auditor fiscal.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Louis Pasteur, um católico, de maior importância<br />
na química e medicina com a pasteurização, com sua teoria da<br />
doença causada pelos germens.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (descontente): Católico! Aponte<br />
separadamente, senão embola e dá essas aberrações aí.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Separadamente se tem Antoine Laurent Lavoisier<br />
que revolucionou a Química; Andréas Vesalias e Claude Bernard<br />
na Medicina com a nova anatomia e a criação da fisiologia,<br />
respectivamente.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (decepcionado): Esses nomes<br />
afrancesados. Depois que o cana-dura foi fazer pergunta só deu<br />
coisa errada. Que pé-frio!<br />
(por conta, sem esperança): Sem os da terrinha, não dá. Vamos<br />
andando, vamos andando seu estranho isento.<br />
37
E a obediência caminha e consequentemente lá vão os três se<br />
pondo a andar por elevações nada facilitadas. E por apenas<br />
cinco minutos e os dois de fora já estão exaustos pelas<br />
pirambeiras brabas, parando para descansar. O coletor não<br />
tendo nada o que fazer e a ganhar pensa em restabelecer o<br />
diálogo na esperança de algum lucro futuro.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Qual uma das grandes<br />
invenções?<br />
Novamente acha aquilo um tanto sem propósito, contudo<br />
novamente responde.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Acredita-se que o plano inclinado seja entre as<br />
máquinas fundamentais a que vem sendo usada há muito tempo,<br />
cerca de dois milhões e meio antes de Cristo. Os construtores<br />
usaram esse tipo nas pirâmides, ainda hoje nas construções de<br />
escadas e até em rampas usadas para deficientes físicos. Um<br />
plano inclinado se baseia num conceito simples: quando um<br />
objeto precisa ser transportado de um lugar mais baixo para um<br />
lugar mais alto, é necessário mais força para movê-lo numa<br />
superfície com grande inclinação do que num menos inclinado.<br />
Isso é válido quando movemos nossos corpos em subida ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompe irritado): E por<br />
que você seu selvagem inútil e preguiçoso não fez um plano<br />
inclinado para gente subir sem esse sufoco.<br />
(ordenando): Amordace-o, não quero ouvir mais besteiras de<br />
tanto conhecimento e cultura.<br />
CANA-DURA (contente): Agora sim, assim é que se fala e que<br />
se age. Se quiser, o civilizado aqui trata e traça esse selvagem.<br />
Amordaçado e algemado é agora puxado, lá vão os três de volta<br />
para a civilização, pelo menos é o que pensa o formado e o<br />
fardado; o terceiro talvez ache que de volta para a cultura<br />
selvagem.<br />
38
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando): Alfred Nobel, que personalidade.<br />
Além de ser o inventor da dinamite foi o fundador do prêmio<br />
Nobel, que desde 1901 tem premiando nas categorias da Física,<br />
da Química, Medicina, Literatura, Paz e da Economia.<br />
E o fabuloso americano Linus Pauling que no século passado foi<br />
o único indivíduo a ter conquistado dois prêmios Nobel: um por<br />
Química, em 1954, outro pela paz, em 1962. E era ateu, hein!<br />
Quem diria ...<br />
Ele é cortado em seu vôo por um som estridente.<br />
CANA-DURA: Por que você, um barbudo forte selvagem tão<br />
pertinente e próprio da liberdade, não lutou para não ir para a<br />
cidade?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando): Não sou profeta<br />
não, mas, pelo que sei, no mínimo, este barbado lá na cidade será<br />
considerado ...<br />
39
O DESLIGADO<br />
Semanas se passam, eles estão perdidos só que agora fora da<br />
selva amazônica, fora do Brasil, ou melhor, da América do Sul.<br />
Por uma pista esburacada vai um veículo em alta velocidade<br />
levando aqueles três. Até que por uma fatalidade um dos pneus<br />
estoura e com ele o controle do carro de modo que este capota<br />
por diversas vezes sendo atirado para fora da via indo parar no<br />
meio de uma FAVELA, onde abriga a JUSTIÇA. Seus moradores<br />
curiosos vão se aproximando velozmente e começam a aplicar a<br />
lei e a eqüidade naquela jurisdição plena de licitude e retidão,<br />
retiram os da frente que se encontra aparentemente em coma ou<br />
desmaiado, bem como destacadamente os seus pertences, e de<br />
quebra apenas resgatam o de trás, um estranho barbudo<br />
amordaçado e algemado, um nítido necessitado, que<br />
milagrosamente nada sofrera somente suas roupas que ficaram<br />
mais surradas e suas lembranças menos associadas a ponto de<br />
apagar a língua portuguesa de sua memória.<br />
De repente, ao se escutar uma música de mariachi com guitarra,<br />
violino e trombeta, os favelados vão abrindo passagem para um<br />
grupo de mexicanos fortemente armados, na frente o de maior<br />
sombreiro, o chefe dos traficantes de alcunha DUMAL, um negro<br />
bigodudo, alto e forte, logo atrás, a sua ajudante de ordem,<br />
apelidada de DUMALZINHA, uma branca com um avantajado<br />
buço, baixinha e franzina, cuja característica é de ser estrábica.<br />
Eles param diante do acidentado. O chefe está visivelmente em<br />
dúvida.<br />
DUMAL: Dumalzinha, você está vendo o que eu estou vendo?<br />
DUMALZINHA: Sim, comandante.<br />
O chefe como sempre desconfiado daquele olhar da sua<br />
ordenança, dirige sua visão para ela.<br />
41
DUMAL: Como eu posso confiar em você! Não sei o que acha<br />
de tão interessante nesse seu nariz que não pára de olhar para ele.<br />
Eu já não ordenei que desse uma paralela nesses olhos.<br />
DUMALZINHA: É que o pescoço fica doendo, comandante.<br />
DUMAL: Deixa que eu cuide disso.<br />
Pegou seu fuzil de assalto semi-automático e disfarçando o<br />
aponta para a casa do vizinho ali da frente.<br />
DUMAL (informando-a): Você viu só que horror? O vizinho se<br />
matou com um tiro nos cornos.<br />
DUMALZINHA: Puxa vida, né? O que será que passou pela<br />
cabeça dele?<br />
DUMAL: Uma bala com certeza!<br />
E voltando imediatamente aquele fuzil na direção dela.<br />
DUMAL: E foi com uma bala bem menor do que essas daqui.<br />
E saí disparando daquela arma balas perto da cabeça de sua<br />
ajudante de ordem, o que faz ela rodar a cabeça para todos os<br />
lados e a vesga deixar de sê-la por aquele instante.<br />
DUMAL (garboso): Viu já tá boazinha. Eu não sou santo não,<br />
mas faço meus milagres.<br />
(ordenando para a recém-curada): Retira a mordaça desse<br />
estranho aí, que eu quero ter uma prosa, tirar umas dúvidas.<br />
À medida que ela vai sendo retirada a certeza do chefe vai<br />
aumentando até que a confirmação chega inabalavelmente.<br />
DUMAL (ultra-contente): Javier! Puxa Javier, como você<br />
mudou! Você era moreno, agora é louro, tinha olhos negros,<br />
42
agora tem olhos verdes, era magro, agora tá gordo. Você tá<br />
mesmo mudado, hein Javier?<br />
Falando para os seus músicos.<br />
DUMAL: Toquem a música preferida do meu amigão Javier,<br />
toquem a rancheira.<br />
E lá vem os músicos com a rancheira para perto do chamado<br />
“Javier” na esperança de muito agradá-lo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando para si): Que coisa insuportável! O que<br />
será que quer dizer essa palavra “Javier” que ele falou quatro<br />
vezes? Que língua é essa que ele está falando? Vou falar em<br />
inglês que quase todo mundo entende um pouco. Vou dizer que<br />
está tudo bem, para ver se ele desgruda.<br />
(falando para Dumal): All right.<br />
DUMAL: Pô, Javier! Você mudou até de nome? Agora se chama<br />
All right.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Esse tipo de cara eu já conheço. É do<br />
tipo que fica mais tempo com você do que você com ele, só não<br />
ronca quando dorme, para falar com você fica cutucando seu<br />
corpo o tempo todo. Quando está com tosse não vai ao médico,<br />
mas sim ao teatro. Só fuma para ficar filando cigarro dos outros,<br />
só pára de fumar para ficar aborrecendo quem fuma. Tagarela<br />
enquanto anda a seu lado, mas pára de dois em dois metros<br />
porque não sabe conversar andando. Sujeito para quem você fala<br />
“passa lá em casa!” e ele passa mesmo. Não existe nada mais<br />
chato do que um chato chateado.<br />
Dumal começa a duvidar que ele seja o Javier por ver o<br />
algemado dividido, pois, pelo seu olho direito enxerga um santo<br />
abençoado, pelo esquerdo, um bandido amaldiçoado.<br />
43
DUMAL (assustado): Desconjuro, essa praga que jogaram em<br />
cima da Dumalzinha tá passando pra mim.<br />
Tentando se recompor daquela falta de coragem momentânea,<br />
mas ainda ressabiado se está diante de um santificado ou de um<br />
desavergonhado, fala para o recém desamordaçado.<br />
DUMAL (hesitante): Tá ligado irmão All right?. A que<br />
irmandade você pertence? Beneditina ou do Comando Vermelho?<br />
Franciscana ou do Terceiro Comando?<br />
Ainda com a cabeça zonza devido ao acidente, o retirado do<br />
automóvel se encontra nesse momento meio desatento a tudo. Só<br />
raciocinando e falando em urdu, língua do Paquistão.<br />
DUMALZINHA: Comandante, vai ver que o mano All right é de<br />
fora. Deixa agora comigo.<br />
(indagando): A que irmandade você pertence? Culto aos<br />
Egungun ou Primeiro Comando da Capital? Yorubá ou Máfia<br />
Africana?<br />
O chefe começa a supor algo tenebroso que o deixa em pânico,<br />
ficando sem coragem até de pronunciar.<br />
DUMAL (somente pensando): Será que o maninho All right é do<br />
Capeta do Mal ou Amigo dos Amigos de Brasília?<br />
(recomendando): Acho melhor Dumalzinha a gente dizer um até<br />
logo para ele e se mandar para sempre.<br />
Com o braço acenando.<br />
DUMALZINHA (para o algemado): Hasta luego.<br />
O absorto algemado, concentrado em seus pensamentos<br />
avariados em decorrência da pancada na cabeça no teto do<br />
carro, procura lembrar em que país ele se encontra para poder<br />
retribuir aquele “Até logo” e poder despachar aquele cara chato<br />
44
que está à sua frente. Até que elaborou uma possibilidade do<br />
chamado comandante ser um imigrante ilegal africano na<br />
França. E, além do urdu, já raciocina e fala em francês.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Au revoir. Au revoir.<br />
DUMAL (desfazendo sua dúvida): Ah, voar! Ah, veio do céu! Se<br />
tudo que vem do céu é sagrado, exceto aquilo do urubu, logo,<br />
logo, o senhor é um santo abençoado pelo milagre divino.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Ih, o chato não entende francês. Às<br />
vezes é um desses exilados exaltados que ninguém atura na<br />
África e vai mandado para outro lugar da Europa que não seja a<br />
França.<br />
Sua cabeça dá um estalo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (contente): Oba! Já recuperei também o inglês, o<br />
italiano e o esperanto.<br />
Sem perda de tempo, como diz o provérbio “Quem arrisca não<br />
petisca”.<br />
(tenta outras): Goodbye ... Arriverdeci ... Gis Revido ...<br />
DUMAL (desfazendo mais uma dúvida): Com esse dom de falar<br />
língua estranha, só pode ser um protestante pentecostal.<br />
(se ajoelhando): Valha-me meu Espírito Santo que não sou digno<br />
de entender o que está sendo dito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Ih, vai ver que ele é japonês. Mas,<br />
escuro desse jeito? Sei lá como tudo está mudando, muita gente<br />
viajando, pode ser até que seja do poder militar do Japão. Vou<br />
tentar.<br />
(tenta outra): Sayanora Xogum?<br />
DUMAL (perplexo): Sai Iara de Ogum? Ih! Como esses santos<br />
modernos são tudo enrolado, trocam tudo.<br />
45
(emocionado): Sim meu santo que tudo sabe, eu sou de Ogum<br />
Iara. Tô ligado.<br />
Fica todo arrepiado e começa a chorar e cantar, acompanhado<br />
evidentemente de Dumalzinha.<br />
DUMAL E DUMALZINHA: “Se meu Pai é Ogum, Ogum.<br />
Vencedor de demanda. Quando chega ao reino é para salvar<br />
filhos de Umbanda. Ogum, Ogum Iara. Ogum, Ogum Iara.”<br />
(agachando as cabeças e batendo nos peitos): “Saravá São Jorge<br />
que trabalha com orixá feminino.”<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Interessante. Por um lado, chorou com<br />
o que eu disse, chegou a cantar. Por outro, eu não entendo nada<br />
do que ele diz.<br />
(cheio de dúvida): Será que ele diz coisa com coisa? Será que na<br />
gramática japonesa eu disse algum verbo que apresenta mais de<br />
uma forma para um ou mais tempos ou pessoas? Vou tentar uma<br />
expressão latina.<br />
(tenta mais uma): Quid abundat non nocei.<br />
DUMAL (desconfiado): Abundat? Se esse santo pelo menos<br />
soubesse falar português. Pois, essa língua, modesta a parte, eu<br />
aprendi direitinho com meu amigo Carioca do tráfico. Aliás, até<br />
minha mãe que é uma tapada conseguiu aprender português<br />
comigo por correspondência. Quem sabe espanhol é fácil<br />
aprender português. Assim, como o contrário, esse meu amigo<br />
brasileiro aprendeu facilzinho o espanhol. Só um burro é que não<br />
consegue. Por isso, eu acho que esse barbado algemado não é<br />
brasileiro, e muito menos espanhol.<br />
O barbado algemado ao se esforçar para traduzir aquela<br />
expressão latina para aquele tão maçante na sua presença, o<br />
morro do piolho esquenta de modo que nessa energia intensa sua<br />
cabeça estala e a sua língua irrompe na versão portuguesa.<br />
46
<strong>ESTRANHO</strong> (falando rapidamente): “Quid abundat non nocei”<br />
quer dizer “O que abunda não faz mal”.<br />
DUMAL (mais uma dúvida se vai): Milagre! Falando em<br />
português. A bunda! A preferência nacional, claro que não faz<br />
mal. Esse santo sabe das coisas mesmo.<br />
Aí todos os três começam a raciocinar e falar em português.<br />
DUMALZINHA: Vai ver que ele é que nem o carcará: pega,<br />
mata e come.<br />
Dumal ignorando Dumalzinha, se colocando na posição de um<br />
guia anfitrião do milagroso, faz aquele convite piscando um dos<br />
olhos.<br />
DUMAL: Quer conhecer a Raimunda?<br />
Indiferente àquele aborrecido, não só não o está escutando,<br />
como se encontra, no momento, arrependido de estar entendendo<br />
novamente em português. O traficante percebendo aquela<br />
ausência de nenhuma manifestação.<br />
DUMAL: Qualé o da santidade. Põe água na boca dos outros e<br />
puxa o freio de mão.<br />
(pensando): Santo é assim mesmo é tudo vacilão. Não fica ligado<br />
o tempo todo.<br />
O estranho persiste incomodado de estar ali com aquele que só o<br />
deixa aborrecido, procura urgentemente a saída.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Bom, a conversa está muito boa, mas, está ficando<br />
tarde, tenho que partir.<br />
DUMAL (com sentimento de culpa, pensa): Epa! Será que faltei<br />
com respeito ao santo? Tenho que fazer alguma obrigação para<br />
ele me perdoar, mas, qual? Será que caixas de velas ... acho que<br />
47
não. Talvez uns galões de marafá da boa ... também não. Ah! Já<br />
sei.<br />
(todo risonho): Tá ligado que estou pensando em fazer em sua<br />
homenagem - o nosso santo pentecostal - uma imagem enorme de<br />
ouro e fixá-la no nosso santuário?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (estranhando, fala baixo): Protestante e imagem?<br />
Insiste de me chamar de santo. Eu que estou realmente ligado,<br />
vou entrar na desse defasado senão eu não saio daqui nunca.<br />
(falando alto): Que assim seja feita a sua vontade.<br />
(continuando a falar só que em tom normal): Bom, como eu disse<br />
ainda a pouco, está passando da hora e tenho que picar a mula.<br />
DUMAL (preocupado): E o lugar para o santuário? Qual a<br />
melhor localização?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Aí não tem uma caverna?<br />
DUMAL: Tem.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Onde ela fica?<br />
DUMAL: Onde desovamos os nossos desafetos.<br />
Não prestando nenhuma séria atenção no que estava sendo dito,<br />
pois, a sua única preocupação é a de ir embora para longe<br />
daquele enfadonho sujeito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ótimo lugar, reservado, bem respeitoso e<br />
tranqüilo, onde os vivos temem e os mortos apodrecem. Perfeito<br />
para os tementes a Deus e para os sossegados do inferno.<br />
Dito isto, parto.<br />
DUMALZINHA (lembrando dos amigos do tráfico brasileiro,<br />
canta): “Quem parte leva a saudade de alguém que fica chorando<br />
de dor.<br />
48
DUMALZINHA E DUMAL: Por isso eu não quero lembrar<br />
quando partir meu grande amor. Aí, aí, aí, ai, ai, ...”<br />
E os dois tomando tequila estão começando a ficarem<br />
embriagados.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando para si): Mas que piolhos-das-virilhas,<br />
que danadas de moscas. Vou mudar de assunto para poder sair<br />
correndo desses inconvenientes insistentes.<br />
(falando para o comandante): Qual é o seu nome?<br />
DUMAL (contendo o soluço da tequila e da tristeza): Eu não<br />
tenho nome não, só tenho dois apelidos: Dumal, dado pela galera;<br />
Tomé, devido ao meu pai.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ah que interessante! Seu pai também tinha o<br />
apelido de Tomé.<br />
DUMAL: Não entidade, meu pai é aquele que se chamava<br />
Pancho.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como assim?<br />
DUMAL: Eu o matei.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como!<br />
DUMAL: Com facão e serrote.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não era interrogação, era interjeição de espanto.<br />
DUMAL (em crise com remorso): Eu sou um pecador, eu sou um<br />
pecador do mal, atira em mim minha ajudante de ordem.<br />
DUMALZINHA: Mas, existe pecador do bem?<br />
49
DUMAL (por conta): Quem fica em dúvida aqui sou eu, sua<br />
buçenta miserável. Atira logo nesse pecador aqui.<br />
O barbudo com medo do olho trocado daquela mulher se<br />
manifesta para lá de ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (receoso): É para lá. Cuidado para não<br />
desobedecer a ordem de seu chefe e acabar atirando em mim.<br />
Nada de incompetência nessa hora.<br />
DUMALZINHA: Deus peca?<br />
Vendo que a sua ordem não estava sendo obedecida.<br />
DUMAL: Deixa que eu cuide disso.<br />
Pegou seu fuzil de assalto semi-automático e dispara novamente<br />
balas perto da cabeça da sua ajudante desordenada, o que faz<br />
outra vez a interrogativa deixar de sê-la por aquele instante.<br />
DUMALZINHA (ligeirinho): Deus faz o plano, tem o livrearbítrio,<br />
e é o homem que peca.<br />
DUMAL (garboso): Viu já tá boazinha. Eu não sou santo não,<br />
mas faço meus milagres.<br />
DUMALZINHA: Eu só não sei por que ele peca?<br />
Estranho temendo pela recaída de Dumalzinha e o instrumento<br />
de milagre do Dumal.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ele peca porque quer, ele tem o livre-arbítrio,<br />
vontade.<br />
DUMALZINHA: Então o plano divino não é tão importante<br />
quanto à responsabilidade do homem?<br />
50
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando rápido): Será que ela é tão deficiente de<br />
visão que não vê que, além de nublar Deus, está ocupando o<br />
papel do Duvidoso?<br />
(respondendo mais rápido ainda): Não, os dois são importantes,<br />
pois, se o homem fosse tão responsável pelo mal, daqui a pouco<br />
ele seria também pelo bem.<br />
DUMALZINHA: Isso não é possível, pois foi Deus que criou o<br />
bem. O mal é que foi criado pelo homem, correto?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ultra-rápido): Não, Deus é quem criou o bem e o<br />
mal, ambos fazem parte do plano Dele.<br />
(procura envolver o chefe na conversa): Qual a sua opinião?<br />
DUMAL (emburrado): Prá início de conversa: Deus não tem<br />
plano. Quem tem plano é bandido.<br />
Notando que o santo estava prestes a ser despedido, concorda<br />
sem pestanejar.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Isso é verdade, isso é coisa de grego achar que os<br />
deuses estão entre nós fisicamente, que tem até um local aqui na<br />
Terra para eles morarem.<br />
DUMAL (emburrado): Nada disso, estrangeiro só fica matutando<br />
besteira, imaginando isso, imaginando aquilo.<br />
Distante daquela tensão.<br />
DUMALZINHA (refletindo alto): Será que os deuses criadores<br />
se envolvem com os pobres mortais que nem a gente?<br />
Respondendo a um e tentando agradar o outro com posições<br />
tradicionais do catolicismo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: As atuações são distintas: Deus para o bem, e o<br />
homem fazendo surgir o mal. Para não confundir as atuações é<br />
51
que os deuses e santos só aparecem por milagres. Por isso é que a<br />
Igreja é ciosa com milagres, fazendo uma série de investigações<br />
para ter certeza que foi um milagre mesmo.<br />
(procura novamente envolver o chefe na conversa): Não é assim?<br />
Quando o chefe ia começar a falar.<br />
DUMALZINHA: E o Santo Antônio de cabeça para baixo que<br />
faz casar, isso não é contado como milagre pela Igreja? Se não<br />
for computado, olham o mal que isso pode fazer para nós<br />
mulheres que desejam matrimoniar. Explica isso aí, o cabeludo.<br />
DUMAL (interrompe bruscamente): Isso não pára nunca não, é?<br />
Observando que a cara do chefe não está nada boa, e ainda mais<br />
com mais medo daquela zarolha atrapalhada a pôr mais lenha na<br />
fogueira.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (concordando): Esse conversar é para explicar o<br />
mal, o melhor é ... mas, deixa isso para lá.<br />
(querendo passar a atenção): O chefe, por acaso, tem algum<br />
inimigo?<br />
DUMAL (ainda emburrado): Graças a Deus, não.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como conseguiu essa virtude?<br />
DUMAL: Matei todos.<br />
Dumalzinha saí para atender alguém que lhe havia chamado. O<br />
barbudo impressionado com aquelas palavras de matei todos<br />
graças a Deus.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: De que Deus está falando quando diz “Graças a<br />
Deus”? Por acaso do Cristão Jeová, do Hebreu Javé ou do<br />
Muçulmano Alá?<br />
Silêncio.<br />
52
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando impressionado): Quem lhe orienta?<br />
Sacerdotes, rabinos, ministros, iogues ou gurus?<br />
DUMAL (se sentindo pressionado): Nenhum desses, eu sou<br />
orientado pelos grandes lideres espirituais. Como santo deve<br />
conhecê-los, então, é melhor ir dizendo em vez de ficar querendo<br />
saber dos outros.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando para dentro): Ainda está meio aborrecido,<br />
vamos logo atendê-lo.<br />
(falando): Os mais antigos pela ordem são: Abraão, Akhenaton,<br />
Moisés, Zarastrusta, Mahavira, Lao-Tsé, Buda, Confúcio, Jesus<br />
Cristo, Maomé, Guru Nanak, Lutero, Helena Blavatsky,<br />
Ramakrishna, ...<br />
DUMAL (interrompe): Esses com esses nomes, não sei não, tá<br />
parecendo que nenhum na terra do canarinho não presta.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Claro que tem só que são mais recentes. Mas,<br />
antes mesmo de Vivekananda e Gandhi tem o famoso Padre<br />
Cícero.<br />
DUMAL: E a Mãe Menininha do Gantois e o Chico Xavier que o<br />
meu amigo Carioca seguia?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Também.<br />
DUMAL: Quem foi esse mais antigo? Esse tal de Abraão.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ele viveu há quase quatro mil anos atrás, foi o<br />
patriarca dos hebreus, acreditava em um ser supremo que está por<br />
trás de todas as forças da natureza e do acaso, adquire sabedoria<br />
através da submissão à vontade divina, mesmo quando isso pode<br />
significar o sacrifício do filho tão pretendido com sua esposa e a<br />
expulsar o primogênito que teve com a escrava.<br />
53
DUMAL: Esse é sangue bom. E esses dois filhos dele ficaram<br />
comandante pancadão ou bastardo chorão?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Um ficou comandante dos judeus e o outro se<br />
tornou o legendário pai dos árabes.<br />
DUMAL: Eu escuto isso tudo, mas para mim quem foi grande,<br />
foi Jesus.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Foi, foi. Principalmente no mundo ocidental. Ele<br />
contou com São Paulo que foi o principal difusor da nova religião<br />
da cristandade. Santo Agostinho foi o maior teólogo na sua<br />
época.<br />
DUMAL (atento a outra coisa): Eu não sei ler mais gosto de<br />
comprar livros, na minha residência é livro de tudo quanto é<br />
tamanho e principalmente cor.<br />
(pausa): Esses que você citou escreveram algum livro, para que<br />
eu possa comprar e colocar na minha estante?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Num certo sentido sim. Por exemplo, Cristo<br />
escreveu O Novo Testamento, Agostinho a chamada Confissões,<br />
que estão entre os dez livros mais importantes.<br />
DUMAL: De que tamanho e cor eles são? Será que aquele de<br />
nome complicado tem livro de cor bonita?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quem?<br />
DUMAL: O que você falou depois de Abraão, mas esquece ele<br />
tem um nome muito complicado, por isso eu passo para o<br />
próximo e pergunto sobre o Moisés?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Esse é o amplamente admirado. Em termos de<br />
discursos históricos importantes ele é tido como o segundo mais<br />
antigo. Trata-se de um relato do seu encontro no Monte Sinai<br />
54
com Deus que lhe entrega as Tábuas das Leis contendo Os Dez<br />
Mandamentos.<br />
DUMAL: Se Moisés foi o segundo, então, então aquele de nome<br />
complicado que era o segundo líder espiritual não fez discurso<br />
histórico importante?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não, Akhenaton não fez não. Quem foi o primeiro<br />
mais antigo foi Tutancámon, um faraó egípcio, do século XIII a.C<br />
inaugurando com grandes festas e cerimônias defronte do Templo<br />
de Karnac.<br />
DUMAL: Nossa! Se aquele nome já era complicado, imagina<br />
esse.<br />
Mas, fale de livros, eu gosto de livros. Também não sei por que<br />
mais tenho simpatia quando falam dos gregos. Entre os dez livros<br />
mais importantes tem algum autor que era grego?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim, claro que tem. Tem Aristóteles com Obras,<br />
bem como Platão com A República. O primeiro foi o maior<br />
filósofo e cientista do mundo antigo, o segundo foi o ponto de<br />
partida da filosofia política do ocidente, bem como grande parte<br />
do nosso pensamento ético e metafísico.<br />
A estrábica volta esbaforida, a cara de Dumal se tranca. Ela vem<br />
com uma pergunta.<br />
DUMALZINHA: Comandante, a sua comadre perguntou se o<br />
compadre que veio falar consigo ainda pouco ainda está por aqui.<br />
DUMAL (ríspido): Não vi e nem ouvi.<br />
DUMALZINHA: Mas, falou. Estava falando com ele ainda<br />
pouco.<br />
DUMAL (mais ríspido): Diga a ela que ele não está não. Ele foi<br />
ao cemitério.<br />
55
DUMALZINHA: Sabe se ele vai demorar?<br />
DUMAL: Diga para ela que eu acho que vai.<br />
DUMALZINHA: Por quê?<br />
DUMAL: Porque ele foi dentro do caixão.<br />
Ela foi dá a notícia para a viúva inconsciente do ocorrido mortal,<br />
enquanto isso o algemado com toda aquela situação<br />
impressionante está completamente fora do ar. Mas,<br />
imediatamente, ela está de volta. E como boa mãe e patroa no<br />
tráfico.<br />
DUMALZINHA (gritando para a sua empregada): Jureeemaa.<br />
Vá ao colégio e veja o que os meninos estão fazendo e diga-lhes<br />
que não façam isso.<br />
(contando um caso para algemado desligado): Eu ainda estou pê<br />
da vida, minha vizinha deu uns cascudos no meu primeiro. Eu fui<br />
lá tirar satisfação: “Por que a senhora bateu no meu filho?”. A<br />
vizinha disse: “Ele é muito malcriado, me chamou de gorda”. Aí<br />
eu não agüentei e falei: “E a senhora acha que vai emagrecer<br />
batendo nele?”.<br />
(continuando a falar para o desligado, agora toda orgulhosa): O<br />
caçulinha é um danadinho, ele é incrível. Ele tá com um aninho e<br />
já fez três meses que está andando. Dessa maneira onde ele vai<br />
chegar? O que acha?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (no ar): Onde ele vai chegar depende da direção,<br />
agora que ele já deve estar bem longe daqui é isso que eu acho.<br />
DUMALZINHA: Raciocinando dessa maneira, você vai acabar<br />
sendo a favor de casamento de padres?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ainda aéreo): Claro que sim, se eles se amam, por<br />
que não?<br />
56
Movida pela compulsão da fala não se incomoda com as<br />
palavras do ouvinte.<br />
DUMALZINHA (rindo): Você não sabe o que aconteceu com o<br />
comandante ali?<br />
Num temporal daqueles, ele foi a feira e pediu numa barraca uma<br />
meia melancia. O empregado informou que ali só vendia<br />
melancia inteira. Mas, como ouviu: “Mas eu só quero meia, pô”.<br />
Olhando o tamanho daquele brutamonte disse que tudo bem que<br />
ele esperasse só um instantinho. Vai até a barraca do lado onde<br />
está o patrão, e fala baixinho: “Tem um filha da puta de um negão<br />
bigodudo querendo comprar meia melancia”. Mal acaba de falar e<br />
nota que o monstrão está colado atrás. Rapidamente, o<br />
empregado falou para o patrão: “... e esse cidadão aqui quer a<br />
outra metade.”<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E como acabou essa história debaixo daquele pé<br />
d’água?<br />
DUMALZINHA: O nosso macho pelotão mexicano de<br />
fuzilamento, amassando barro, escoltando o preso até o local de<br />
execução. O condenado daquele empregado, à frente do tétrico<br />
cortejo, suspira: “Que dia horrível para morrer ...” E o<br />
comandante Dumal falou: “Você está reclamando é? E nós que<br />
ainda vamos ter que voltar debaixo dessa chuvarada.”<br />
Notando que o comandante ia estourar com tanta falta de<br />
atenção.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (querendo passar a atenção): Qual foi o motivo de<br />
ter matado seu pai?<br />
Fica contente por voltar a ser o centro das atenções novamente.<br />
DUMAL (todo garboso): É que meu pai falou para minha mãe<br />
que só vendo o amor dela é que ele acreditava. Ela foi mostrar e<br />
aí ... antes de eu nascer ... o carcará do Pancho foi embora ... e o<br />
57
povo do morro queria colocar o meu nome de Tomé em<br />
consideração a atitude do meu pai em “ver para crer”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (aliviado com o sorriso do chefe, fala para si):<br />
Acho que voltei a ser o seu santo preferido.<br />
(perguntando): Mas, ele não assumiu?<br />
DUMAL: Não, ele sumiu. Minha mãe na ocasião falou para ele:<br />
“o que você fez comigo não tem nome”. E Pancho declarou: “E<br />
nem vai ter sobrenome”.<br />
A prosa ia caminhando normal quando a ficha caiu e assim tudo<br />
recairia.<br />
DUMAL (amargurado gritando): Como são infelizes as vidas<br />
daqueles que perderam seus pais. Eu quero meu pai de volta, eu<br />
amo meu paizinho, não me deixe só, não me deixe só de tanta dó.<br />
Eu sou um pecador, eu sou um pecador do mal, atira em mim<br />
minha ajudante de ordem.<br />
E volta a chorar por aquelas tristes recordações, enquanto o<br />
ouvinte doido para se esquivar daquele chororó e súplica<br />
sinistra.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando com angústia): Já imaginou se ele<br />
cisma que eu sou a reencarnação do pai dele? Aliás, para esse<br />
pancada basta achar que o Pancho está encostado em mim. Vou<br />
mudar urgentemente esta prosa.<br />
(falando para o chefe dos traficantes): Ah entendi! Por isso, é<br />
que você vive chorando.<br />
DUMAL (curioso susta o choro): Como assim?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Porque quando a coisa costuma estar muito preta<br />
até quem tem mãe na zona chora.<br />
DUMAL: Eu bem que desconfiava.<br />
58
E as lágrimas escorrem sem parar pela face de chefe.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando rapidamente): Deixa-me voltar para<br />
aquele assunto inicial, antes que eu enlouqueça.<br />
(falando): Não esqueça de por a estátua no fundo da caverna e de<br />
não permitir que seus adoradores não fiquem anos sem sair de<br />
frente dela, não conversando e nem olhando para os lados como<br />
os cavalos com cabresto e tapa-olho.<br />
DUMAL: Por que dessa orientação sem pé nem cabeça? Perdoeme,<br />
digo desse profundo ensinamento.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Porque os “congelados” da caverna vão acabar<br />
achando que a realidade são as sombras das coisas, criaturas e<br />
pessoas que agem do lado de fora. Se um desses “congelados”<br />
sair daquela grande cavidade encontrada no interior da Terra e se<br />
deparar com o Sol e com os entes projetados pela entrada da<br />
caverna pode voltar a entender o que é a realidade.<br />
DUMAL: Aí ele volta e conta para os de dentro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E quem diz que eles vão acreditar.<br />
DUMAL: Tem razão, vão andar pensando que ele andou<br />
bebendo.<br />
Mas, os de dentro vão continuar iludidos, achando que a sombra é<br />
a realidade. O que se deve então fazer meu guru?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Vou lhe explicar.<br />
(apontando): Está vendo aquela linda formosura triangular ali?<br />
DUMAL (bronqueado): Tá maluco entidade, aquela ali é minha<br />
senhora. Ali ninguém faz nada, nem papai do céu, papai Noel, pai<br />
falecido, nem pai vivo que nem o senhor, só o papai aqui.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ih, esquece essa história perigosa de papai. Eu não<br />
sou seu pai Pancho e nem seu padrasto, sou apenas uma pessoa<br />
59
que, com todo respeito, lhe pergunta: sua esposa é ou não é<br />
bonita?<br />
Enquanto, o chefe tomando mais uma golada daquela garrafa de<br />
tequila, nada responde por estar invocado com aquela<br />
apreciação considerada excessiva, o estranho ingenuamente está<br />
todo contente por ter dado o troco, afinal o chato ficou chateado.<br />
Vendo a possibilidade de azucrinar mais aquele traficante, fica<br />
ainda mais alegre.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Fique tranqüilo porque o seu intelecto não muda a<br />
idéia de beleza e nem a forma geométrica do triângulo, o que<br />
muda é beleza de sua esposa e o triângulo instrumento musical<br />
usado no forró e xaxado, juntamente com o acordeão. Estes são<br />
as sombras, aqueles as realidades.<br />
DUMAL: Tá maluco novamente entidade, vai me dizer que a<br />
beleza da minha mulher não é real, o que é real é a idéia de<br />
beleza. O sensível não é mais a realidade?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não, o que é realidade não é essa cidade que está<br />
aí, mas sim a cidade justa. O que é a realidade é a ...<br />
O do morro pressentindo alguma coisa o interrompe falando<br />
rapidamente.<br />
DUMAL (interrompendo): ... é a morte, os tiros, o tráfico, a<br />
polícia, ...<br />
DUMALZINHA (gritando): Corra que os homens estão aí.<br />
As balas zunem por todos os cantos e guitarras, violinos,<br />
trombetas, garrafas de tequila, sombreiros são perfurados,<br />
quebrados e rasgados, alguns daqueles mexicanos conseguem se<br />
esconder, outros não tem esta sorte e são abatidos, Dumalzinha<br />
some, o que não é uma novidade de tão baixinha e magrinha.<br />
Mas, os soldados usam uma tática de golpe baixo devastadora.<br />
60
Eles gritam “Pablo!”. Boa parte dos pertencentes à falange<br />
Dumal se levantam e respondem: “Chamou-me!”. E passaram<br />
fogo neles. Depois gritaram: “Juan!”. Levanta mais um tanto:<br />
“Chamou-me!”. E tome balas. O comandante da polícia militar<br />
querendo continuar a por em prática o bem-sucedido plano, mas<br />
não lembrando de mais nenhum nome espanhol, ordena a um de<br />
seus soldados que grite qualquer nome que lhe vier à cabeça. Ele<br />
obedece e grita: “Washington”. O restante dos mexicanos se<br />
levanta e gritam: “Aqui não tem ninguém com esse nome!”.<br />
Nesse próprio caos altamente desorganizado para as tropas do<br />
Dumal, exceto para este comandante que retira seu fuzil dos<br />
ombros e põe no colo daquele até então santo algemado.<br />
DUMAL: Com todo respeito, mas santo moderno não tem que<br />
ficar desarmado que nem Santo Antônio, viu como ele acabou<br />
todo flechado? O que você tem a dizer com esse AR15?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Uma rajada de balas rápida e contínua sempre foi<br />
importante numa guerra, os projetistas sempre procuraram um<br />
modo de reduzir a quantidade de tempo necessária para recarregar<br />
a arma após o disparo. A primeira etapa foi o revólver inventado<br />
em 1836, depois a espingarda de repetição em 1860,<br />
metralhadora em 1884, canhão vulcan em 1960 capaz de disparar<br />
seis mil tiros por minuto.<br />
DUMAL: Vai falando que eu estou ligado nessa coisa de<br />
conhecimento e cultura.<br />
Pensando e agindo rapidamente rasga e amassa suas roupas e<br />
um pouco mais a do outro, remexe nos bolsos procurando algo.<br />
DUMAL: E os veículos para que eu possa me mandar?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Bicicleta em 1790, locomotiva em 1802, barco a<br />
vapor em 1807, elevador em 1851, automóvel em 1889 ...<br />
Até que encontra.<br />
61
DUMAL (feliz): Oba! Tenho essa carteira aqui que roubei de um<br />
policial civil.<br />
Quando os policiais militares chegam até os dois, ele mostra a<br />
carteira escondendo o retrato com os dedos.<br />
DUMAL: Sou da casa. Lutei com esse bárbaro bandido barbudo,<br />
tomei sua arma e o algemei. Não quero nada, são todos de vocês.<br />
Os policiais militares ficam exultantes com aqueles presentes:<br />
uma presa e uma arma apreendida. Todos batem afetuosamente<br />
nos ombros do “dissimulado”, felicitando-o por aquela ação que<br />
vai render condecorações para aqueles militares com direito a<br />
medalhas, e quem sabe até promessas de promoções.<br />
DUMAL (confirmando): Então tão ligados que esse estranho<br />
desligado é todo de vocês?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (sorrindo): O quanto de desligado sou se estou<br />
interessado em estar sem sombra de dúvida, mas ligado com a<br />
realidade de certeza de que a luz vencerá o indício da mancha<br />
obscura que paira sobre mim? Um bem daqui a alguns anos<br />
poderá ser desprezado amanhã, por tornar-se falso.<br />
Os militares completamente desinteressados daquele arrazoado<br />
arrastam o zoado algemado com “sua” arma. Este fazendo jus<br />
ao rótulo que lhe é dado, se desliga daquela situação.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Lavoiser foi o mais importante no<br />
desenvolvimento da Química. Por outro lado, passado mais de<br />
um século e nenhum brasileiro ganhou prêmio Nobel. Otto<br />
Gottlieb foi o único craque a disputar o Nobel de Química em<br />
1999. E era um ateu naturalizado, hein! Quem diria que ...<br />
Enquanto isso o finório disfarçado de policial civil vai saindo de<br />
fininho com uma grave e grossa dúvida.<br />
62
DUMAL (pensando): Por que o santo barbado algemado que<br />
explica até sobre o mal não me acusou? Por que ele que muitas<br />
vezes se mostrou indiferente e desatento foi tão seguro e<br />
confiável para a prisão? Pelo que sei, no mínimo, ele lá será<br />
considerado ...<br />
63
O SUSPEITO<br />
Ainda barbado algemado, porém acrescido de estar desdentado,<br />
com um corpo surrado, rosto espancado, inteiramente mal<br />
amado, ali está o ainda pouco santificado, agora um pobre<br />
coitado. Sentado numa cadeira que quase tomba de muito mal<br />
cuidada, numa situação que se pode chamar na corda bamba.<br />
Um dos olhos fechado, o outro incomodado por um concentrado<br />
foco de luz que também o deixa todo suado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando o que havia se passado): Lá fui eu no<br />
camburão com aqueles soldados cruzando fronteira sem nenhum<br />
molestamento, enfrentando uma enorme manifestação com faixas<br />
e cartazes protestando sobre uma medida governamental de que<br />
não se poderia trabalhar mais do que as contratuais oito horas por<br />
dia sem revogar o descanso dos fins de semana, confesso que<br />
fiquei confuso sem nada entender. Mas, quando vi as faixas<br />
maiores escritas em inglês “Abaixo as férias, feriados e fins de<br />
semana” e “Viva a escravidão do trabalho”, e tudo isso sob o coro<br />
dos manifestantes “Adictos unidos jamais serão vencidos, adictos<br />
unidos jamais serão vencidos”, entendi em que país estava, só que<br />
agora estou aqui ...<br />
Na posição de interrogado pelo delegado interrogativo de nome<br />
PAUL, paira uma suposição naquela DELEGACIA que não se<br />
tratava de um usuário de arma, mas sim de um traficante de<br />
armamento. Isso tudo em prol da SEGURANÇA.<br />
PAUL: Fala logo seu jumento estranho, cadê as demais AR15<br />
que você estava trazendo para vender naquele morro chefiado<br />
pelo do mal.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (raciocinando): Do mal ou Dumal?<br />
PAUL: Cadê as metralhadoras, granadas, mísseis?<br />
65
Como de costume, uma não resposta, um soco inglês por todo<br />
corpo. Só que agora foi dois seguidos em uma das faces.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (vira a outra face, pensando): No sermão da<br />
montanha se teve a revelação cristã do princípio do amor: “dar a<br />
outra face”.<br />
Recebe a mesma quantidade de soco na face só que na outra.<br />
PAUL: O que lhe vem na cabeça após essa sessão, ou melhor,<br />
essa recepção?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando): Adianta dizer que são dores? Adianta<br />
dizer que são livros como: “As Confissões” de Jean Jacques<br />
Rousseau. “Diálogo sobre os grandes sistemas do universo” de<br />
Galileu Galilei o maior responsável pelo desenvolvimento do<br />
método científico. “A Cabala” discorrendo sobre a parte animal<br />
da alma, associada aos instintos.<br />
O ESCRIVÃO, um gordão, que a tudo assiste é solicitado pelo<br />
delegado.<br />
PAUL: Atenção rolha de poço! Prontidão com essa máquina de<br />
escrever.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (olhando para aquele arcaico, pensa): Máquina de<br />
escrever foi inventada em 1867, computador em 1941,<br />
microcomputador em 1977, Internet em 1983.<br />
Enquanto aguarda o escrivão gordão guardar tudo em cima da<br />
mesa para poder ouvir o bater das teclas, o delegado tenta fumar<br />
um cigarro, mas os palitos de fósforos não acendem, apenas um<br />
ameaça arder, irritado joga-os no chão com a caixa e tudo.<br />
Resolve sentar numa bola suíça para Pilates, se desequilibra e<br />
vai fazer companhia a caixa de fósforos.<br />
66
<strong>ESTRANHO</strong> (olhando para aquele estatelado, pensa): Há certa<br />
lógica naquilo tudo que assisti. Pois a produção e o uso do fogo<br />
datando meio milhão de anos atrás foi um fato consumado em<br />
muitos lugares na Terra antes do marco do registro histórico. Já a<br />
roda é mais recente, data de menos de seis mil anos atrás, quando<br />
os primeiros europeus cruzaram o Atlântico descobriram que<br />
ninguém nas Américas, nem mesmo os tão evoluídos astecas e<br />
incas, havia inventado a roda.<br />
PAUL: Escreve aí, cegueta.<br />
ESCRIVÃO: Não dá, esqueceu o meu problema?<br />
PAUL (admoestando): Mas, você não está cuidando do seu<br />
futuro, hein! É excesso de peso, é deficiência de visão.<br />
ESCRIVÃO: É que é um método difícil de aprender.<br />
PAUL (resmungando): O pior cego é o que não quer aprender o<br />
método braile.<br />
(falando para o servidor): Então, como de costume, ligue o<br />
gravador. Pelo menos isso você sabe fazer.<br />
(ditando): “O até então suspeito, ainda não identificado, confessa,<br />
por sua livre e espontânea vontade, de possuir um arsenal que<br />
seria vendido no morro da Unidade da Perdição, quando ...”<br />
ESCRIVÃO (interrompe): Mas, esse cara esfarrapado ainda é<br />
um pobretão enigmático!<br />
PAUL: Alto lá seu zureta!<br />
ESCRIVÃO (corrigindo): Zureta nãããooo, cegueta.<br />
PAUL: Não enche não. Cegueta, zureta, perneta, careta,<br />
gordureta, é tudo igual.<br />
(retomando o que estava dizendo): Achá-lo misterioso até<br />
concordo. Pois ainda não conseguimos nem arrancar seu nome,<br />
67
apenas seus dentes, mas miserável não. Repara que ele é sarado e<br />
as roupas desse maltrapilho são todas de grife.<br />
ESCRIVÃO (prestando atenção com muita dificuldade visual):<br />
Ih! Não é que é mesmo!<br />
PAUL: Então! E aí! O que você quer com esse “suspeito”?<br />
O Escrivão fica pensando, pensando, pensando naquilo tudo, até<br />
que o delegado cansado de esperar.<br />
PAUL: Por que não responde logo?<br />
ESCRIVÃO: Estou tendo uma visão.<br />
PAUL: Como! O cegueta deixa ...<br />
(lembrando ser um supersticioso): ... deixa de ser um visionário.<br />
Você sabe que eu não gosto de brincar com essas coisas.<br />
Fantasma é coisa séria.<br />
ESCRIVÃO: Eu não sei se sou um fantasista ou um utopista?<br />
PAUL: Você sabe como manter pessoas em suspense, hein?<br />
ESCRIVÃO: Claro que sei.<br />
PAUL: Como?<br />
ESCRIVÃO: Não posso contar agora.<br />
Pulando nas tamancas.<br />
PAUL: Você é mesmo um coitadinho.<br />
ESCRIVÃO (corrigindo): Coitadinho não! Ceguinho! Epa!<br />
Paralisa parecendo ter encontrado uma resposta.<br />
68
PAUL (pensando, com medo): Lá vêm de novo com essas suas<br />
visões de cegueta.<br />
ESCRIVÃO: Já sei! O estranho só pode ser surdo.<br />
PAUL (aporrinhado): Parabéns, você não está perdendo visão<br />
não, você está perdendo é cérebro mesmo. Aonde você quer<br />
chegar com essa sua “insuspeita” investigação? Deixar de lado<br />
esse seu “seguro” surdo sem nomeação, endereço, e-mail,<br />
qualificação, batizado e até sem apelido? Talvez pretenda<br />
protegê-lo, agradá-lo ou quem sabe absolvê-lo? Se apetecer<br />
venerá-lo não se acanhe pode ir ficando de quatro e pedindo a<br />
benção.<br />
ESCRIVÃO: Não, não, claro que não, a função aqui é investigar<br />
e registrar.<br />
PAUL: Ô adorador, isso é para delegacia frouxa, para saco coçar.<br />
Aqui, a função é de acossar, atormentar, importunar e punir.<br />
ESCRIVÃO: Castigar!<br />
PAUL: Por que desse seu espanto? Daqui a pouco vai achar que<br />
eu sou um ...<br />
Quando menos se esperava se ouve algo de desesperar.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Paul, Paul, por que me persegues?<br />
Os dois não acreditam no que estão ouvindo e pior, para o<br />
delegado: o que está sendo dito.<br />
ESCRIVÃO (exultante): Milagre! Milagre!<br />
PAUL (irritado): Que milagre porra nenhuma. Esse cara<br />
estranho, além de estar me sacaneando o tempo todo ao ficar<br />
69
calado, agora vem me acusando de persegui-lo. Isso é a primeira<br />
coisa na vida que eu não admito ser insinuado como um ...<br />
ESCRIVÃO (ainda exultante): O surdo falou!<br />
PAUL (mais irritado): E isso é a segunda coisa para mim, isso<br />
não interessa se foi o surdo que falou, se foi o mudo que escutou,<br />
se foi por motivo religioso ou profano que ele não queria falar, o<br />
que está em pauta aqui é que fui acusado por esse mudo falador.<br />
Você tem que dar um jeito nessa infâmia.<br />
ESCRIVÃO: Mas, isso é fácil de resolver. Vou registrar.<br />
PAUL: Então que o faça imediatamente.<br />
ESCRIVÃO (falando para o gravador a fim de registrar a<br />
ocorrência): “O delegado, falando para si mesmo, declarou que:<br />
“Você tem o direito de permanecer em silêncio. Qualquer coisa<br />
que diga, pode e vai ser usada contra você”. Feito isto ele ficou<br />
tranqüilo e aguarda o seu advogado de defesa ...”<br />
PAUL (indignado): Advogado de defesa, para mim! O réu é ele,<br />
que me difamou.<br />
Paul está completamente transtornado, o escrivão compreensivo<br />
se aproxima do delegado e passa a mão na sua cabeça com<br />
intuito de consolá-lo, vai até o algemado e lhe dá uma barrigada<br />
e um pito.<br />
ESCRIVÃO: Como você, seu estranho suspeito, tem coragem de<br />
deixar o querido delegado nesse estado latismável, isso é<br />
torturante. Fique sabendo que a tortura é proibida pela convenção<br />
das Nações Unidas, adotada pela Assembléia Geral em 10 de<br />
dezembro de 1984 vigorando desde 26 de junho de 1987, e pela<br />
terceira Convenção de Genebra. Ela constitui uma grave violação<br />
dos Direitos Humanos. Não obstante, a tortura ainda é praticada<br />
70
no mundo, frequentemente coberta por uma definição imprecisa<br />
da lei ou legislações locais vagas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como foi aqui no meu caso.<br />
PAUL (ainda mais indignado): Viu, ele está novamente<br />
levantando falso testemunho contra a minha autoridade, não<br />
aceita que eu ...<br />
ESCRIVÃO (afoito): É isso aí, o seu pecado é não aceitar que o<br />
Paulzinho seja um torturador.<br />
PAUL (fulo de raiva): Eu! Torturador? Isso é a primeira coisa na<br />
vida que não tolero de ser chamado.<br />
ESCRIVÃO (ingênuo): No artigo primeiro da Convenção das<br />
Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas<br />
Cruéis, Desumanos ou Degradantes é dito: “Para fins da presente<br />
Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual<br />
dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos<br />
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira<br />
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela<br />
ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter<br />
cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;<br />
ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer<br />
natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um<br />
funcionário público ...”<br />
(interrompe a leitura por ficar tão contente): Viu como eu estou<br />
certo?<br />
PAUL (mais fulo de raiva): Como certo!<br />
ESCRIVÃO (didático): É tão lógico. Vamos pensar um pouco.<br />
Todo funcionário público não é é torturador?<br />
71
PAUL (agitado): Isso é inegável. No atendimento ao público por<br />
exemplo, quando não é no verbal e nem no físico é no braço<br />
mesmo. Eu mesmo ...<br />
ESCRIVÃO (parando com aquele arrebatamento): Você não é<br />
funcionário público?<br />
PAUL (orgulhoso): Claro. E sem concurso.<br />
ESCRIVÃO: Então, logo, você é um torturador, entendeu como<br />
é simples? Nada de complexo e nem de complexado. Nada de<br />
transtorno nem de transtornado. Nada de toque nem de tocado.<br />
Nada de trantorno obssessivo compulsivo e nem de estorvado<br />
tantalizado coativado.<br />
PAUL (acabrunhado): Você tem razão. Eu reconheço que meu<br />
comportamento é excessivo, mas é que eu tento ignorar essas<br />
idéias persistentes geradoras de ansiedade e angústia.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Ansiedade e angústia maior do<br />
homem moderno, não são da infelicidade ou desprazer, mas, sim<br />
o da frustração. Não ter lugar ao Sol, mas sim de lugar onde o Sol<br />
é o olho do outro, não estou causando inveja no outro, os outros<br />
não me olham, não faço espetáculo, não sou notado.<br />
ESCRIVÃO (penalisado com a tragédia do seu colega de<br />
trabalho, vira-se para o outro): E você seu ex-deficiente não tem<br />
pena dele não? Você tem que aceitar que o coitadinho do<br />
Paulzinho cumpra sua missão e lhe dê umas bolachas de vez em<br />
quando. Está ouvindo o que eu disse seu surdo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Viver com sabedoria é conseguir não<br />
ser Maria vai com as outras. Quase toda barbárie decorre das<br />
pessoas irem com as outras. Fenômenos de massa. No Nazismo,<br />
participou quando não fez nada para mudar e acabou<br />
contribuindo.<br />
72
PAUL (suspirando aliviado): Ufa! Até que enfim o meu nobre<br />
colega deu uma dentro, agora você está sendo realista.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Realista?<br />
Delegado fica travado. Enquanto o do mesmo lado ...<br />
ESCRIVÃO: Realista é ser objetivo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando baixinho para si mesmo): Morno.<br />
ESCRIVÃO: É tão lógico. Vamos aprofundar um pouco a<br />
realidade de que Paul é torturador. Prepare-se para receber uma<br />
aula.<br />
PAUL: Lá vem você com essa idéia de novo, sabe que eu não<br />
tolero de ser chamado de ...<br />
ESCRIVÃO: ... psiu, psiu, essa palavra não existe, calma,<br />
calminha. Torturador é um universal que existe ...<br />
PAUL (fazendo biquinho): Existe aonde? Em quem?<br />
ESCRIVÃO: Existe objetivamente na forma de transcender em<br />
relação aos particulares de Paul como ato de dar soco em suspeito<br />
com a intenção de obter do socado informações ou confissões.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando baixinho para si mesmo): Está<br />
esquentando.<br />
Paul não está gostando nenhum pouquinho daquela aula.<br />
Resolve saber o que pensa o outro aluno.<br />
PAUL: O que o presidiário está entendendo dessa meia aulinha?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (surpreendido, fala alto): Esqueenntou ...<br />
eeennntornou ... sobrooouuu para mim.<br />
73
(refazendo-se): Mas, também, pode ser entendido, como<br />
imanente encontrado nas coisas individuais.<br />
ESCRIVÃO (emendando rapidamente): No que você acabou de<br />
dizer, o torturador é intrínseco e permanente no soco de Paul;<br />
enquanto, no que eu mencionei, o torturador é exterior e<br />
transitório no soco de Paul.<br />
Dez minutos se passam com os dois falando. Eles de tão felizes se<br />
procuram circundar por aquela troca intelectual, cultural, aliás,<br />
digo que eles procuram abraçar porque o algemado encontra<br />
dificuldade em fazê-lo. O delegado assistindo o que para ele uma<br />
grande palhaçada, está completamente desiludido.<br />
PAUL (pensando): É soco para todo lado e é sempre soco do<br />
Paul. Esses dois precisam ser urgentemente internados em razão<br />
de um dos três critérios principais do delírio ser por demais<br />
acentuado, qual seja: a certeza mantida com absoluta convicção<br />
de que sou torturador. Isso é uma idéia fixa, caduca, falsa, não<br />
procede, difamatória, injuriosa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Antes de vir para cá, no México, eu não tive a<br />
oportunidade de explicar que, em linhas gerais, Platão<br />
desenvolveu a noção de que o homem está em contato<br />
permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível.<br />
A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. A segunda<br />
são todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades<br />
dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis.<br />
Tal concepção de Platão também é conhecida por teoria das<br />
Idéias ou Teoria das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no<br />
diálogo Fédon e constitui uma maneira de garantir a possibilidade<br />
do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos<br />
fenômenos.<br />
Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma<br />
pálida reprodução do mundo das Idéias. Cada objeto concreto que<br />
existe participa, junto com todos os outros objetos de sua<br />
categoria de uma Idéia perfeita. Uma determinada caneta, por<br />
74
exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho etc).<br />
Outra caneta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta,<br />
tanto quanto a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam<br />
canetas é, para Platão, a Idéia de Caneta, perfeita, que esgota<br />
todas as possibilidades de ser caneta. A ontologia de Platão diz,<br />
então, que algo é na medida em que participa da Idéia desse<br />
objeto. No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são<br />
coisas como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.<br />
ESCRIVÃO: O problema que Platão propõe-se a resolver é a<br />
tensão entre Heráclito e Parmênides: para o primeiro, o ser é a<br />
mudança, tudo está em constante movimento e é uma ilusão a<br />
estaticidade, ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo,<br />
o movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar<br />
de ser e algo que não é não pode passar a ser; assim, não há<br />
mudança.<br />
Apurinhado está o delegado com aquela conversa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Isso aí! Por exemplo, o que faz com que<br />
determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente<br />
até morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra<br />
de outra espécie, com características tão dessemelhantes? Há aqui<br />
uma mudança, tanto da árvore em relação a si mesma, pois com o<br />
passar do tempo ela cresce, quanto da árvore em relação a outra.<br />
Para Heráclito, a árvore está sempre mudando e nunca é a<br />
mesma, e para Parmênides, ela nunca muda, é sempre a mesma e<br />
sua mudança é uma ilusão .<br />
Platão resolve esse problema com sua Teoria das Idéias. O que há<br />
de permanente em um objeto é a Idéia; mais precisamente, a<br />
participação desse objeto na sua Idéia correspondente. E a<br />
mudança ocorre porque esse objeto não é uma Idéia, mas uma<br />
incompleta representação da Idéia desse objeto. No exemplo da<br />
árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e seja uma árvore e<br />
não outra coisa, a despeito de sua diferença daquilo que era<br />
quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies e<br />
mesmo das árvores da mesma espécie é a sua participação na<br />
75
Idéia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida<br />
representação da Idéia de Árvore.<br />
O delegado está batendo cabeça de tanto sono.<br />
ESCRIVÃO: Platão também elaborou uma teoria gnosiológica,<br />
ou seja, uma teoria que explica como se podem conhecer as<br />
coisas, ou ainda, uma teoria do conhecimento. Segundo ele, ao<br />
ver um objeto repetidas vezes, uma pessoa se lembra, aos poucos,<br />
da Idéia daquele objeto que viu no mundo das Idéias. Para<br />
explicar como se dá isso, Platão recorre a um mito ou uma<br />
metáfora segundo a qual, antes de nascer, a alma de cada pessoa<br />
vivia em uma estrela, onde se localizam as Idéias. Quando uma<br />
pessoa nasce, sua alma é "jogada" para a Terra, e o impacto que<br />
ocorre faz com que esqueça o que viu na estrela. Mas, ao ver um<br />
objeto aparecer de desiguais formas como as árvores que se<br />
distinguem, a alma se recorda da Idéia daquele objeto que foi<br />
visto na estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis.<br />
Graças à Deus que entram empurrados por soldados quatro<br />
figuras: um caminhoneiro, um anão, um fugitivo e um jovem com<br />
roupas espalhafadosas. O que acorda o delegado, porém<br />
deixando-o mais ...<br />
PAUL (entediado): Já começou o dia e não muda nada.<br />
Escrivão se levanta, tropeçando nas mesas e cadeiras vai até os<br />
soldados e escuta o que eles tem para dizer e volta tropeçando<br />
nas mesmas coisas.<br />
PAUL: Eu não disse!<br />
ESCRIVÃO (relatando em tom de cumpridor de sua função):<br />
Relato um: O caminhoneiro que já foi por nós várias vezes<br />
advertido por carregar no seu parachoque os dizeres: “Não<br />
carrego puta nem soldado da polícia”. Finalmente, atendendo os<br />
nossos pedidos trocou para: “Apaguei, mas não carrego”.<br />
76
PAUL (aperta a mão do caminhoneiro): Parabéns por nos ter<br />
atendido.<br />
ESCRIVÃO: Relato dois: “Num mictório público, este anão aqui<br />
presente pediu para um camarada que estava mijando: “Amigo!<br />
Me bota em pé nesse banquinho prá eu poder mijá?” O cara<br />
atende ao pedido. Assim que sobe no banco o anão meliante<br />
agarra o saco do sujeito e diz: “Isso é um assalto! Me passa logo a<br />
carteira senão eu pulo do banquinho.”<br />
PAUL: Você não pára com essas brincadeiras não, seu anão?<br />
Quando é que você vai crescer?<br />
ESCRIVÃO: Relato três: o fugitivo que sempre se negando a<br />
ficar preso, fugiu mais uma vez, e agora foi da nossa delegacia.<br />
PAUL: Impossível! Eu mandei vigiar todas as saídas.<br />
ESCRIVÃO: É, mas ele fugiu pela entrada.<br />
PAUL: Está bom. De agora em diante mande cimentar toda a<br />
entrada da delegacia.<br />
ESCRIVÃO: Relato quatro: O jovem de roupas espalhafadosas<br />
muito conhecido de todos nós, particularmente querido da<br />
autoridade aqui presente ...<br />
PAUL: ... prossiga, deixe de ser prolixo.<br />
ESCRIVÃO: O jovem querido quando inquirido “Por que você<br />
está aqui?”, respondeu “Vim trabalhar”. Reformulando-se a<br />
inquisição: “Por que você está aqui pelo que fez lá fora?”,<br />
respondeu: “Concorrência comercial. O governo e eu fabricamos<br />
notas iguais”.<br />
PAUL: Parabéns, eu tenho orgulho de pessoas assim, é dessas<br />
pessoas com iniciativa que o país precisa, embora muitas vezes<br />
77
não sejam devidamente compreendidas. Isso merece uma<br />
comemoração.<br />
(ordenando para um dos soldados): Abra aquele vinho para nós.<br />
Todos estão bebendo exceto o escrivão cegueta que não foi<br />
servido, ele então resolve acabar com aquele jejum<br />
descriminatório.<br />
ESCRIVÃO: Por favor, um copo de vinho.<br />
PAUL: Branco ou tinto?<br />
ESCRIVÃO: Qualquer um, eu não enxergo nada mesmo.<br />
Todos embiritados papeam alegre e intimamente.<br />
PAUL: Perai, o jovem espalhafadoso quer mais aumento! Vou<br />
ver o que posso fazer. Escrivão escreva aí ...<br />
ESCRIVÃO: Tudo bem delegado. Ele é seu filho, o senhor paga<br />
a ele o quanto quiser. Mas já que eu faço o mesmo serviço, não<br />
digo nem da qualidade e rapidez, não acha que o senhor devia me<br />
dar o mesmo salário?<br />
PAUL: Ah, é? E você deixa fazer com a sua mãe o que eu faço<br />
com a dele?<br />
ESCRIVÃO: Tudo bem, não se leva mais adiante essa conversa.<br />
Diga lá o quanto ele vai ser aumentado para a gente incluir na<br />
folha.<br />
Delegado abre a boca, parecendo não ter dormido muito bem a<br />
noite.<br />
ESCRIVÃO: Passou mal a noite?<br />
78
PAUL: Minha mulher que não me deixa dormir. Qualquer<br />
barulhinho, ela já pensa que é assaltante e me acorda.<br />
ESCRIVÃO: Por que não fala para ela que assaltante não faz<br />
barulho?<br />
PAUL: Já falei. Agora é que ela não me deixa dormir mesmo.<br />
ESCRIVÃO: Eu tenho uma solução é só você ver na astrologia<br />
...<br />
PAUL (como bom supersticioso): Boa idéia! Porque eu não<br />
pensei nisso antes.<br />
(comunicando): Eu nasci às seis horas da manhã no dia seis do<br />
mês seis, no quarto número seis da maternidade. Quando fiz seis<br />
anos de casado, comprei um bilhete final 006 ganhei seis milhões.<br />
Aí fui no hipódromo e joguei tudo no cavalo número seis, no<br />
sexto páreo.<br />
ESCRIVÃO: Puxa! E quanto ganhou?<br />
PAUL: Nada! O cavalo chegou em sexto lugar.<br />
ESCRIVÃO: Que azarado! Isso é muito triste.<br />
PAUL (querendo sensibilzar): Pois é, eu sem sorte desse jeito, e<br />
ainda tem gente que acha que eu sou um ...<br />
(fala baixinho, quase inaudível): ... torturador.<br />
(falando bem alto): Eu sou é um incompreendido, aposto que é<br />
bem capaz de quando eu morrer, até de você, meu colega de<br />
trabalho, de tantos anos juntos, ir cuspir na minha sepultura.<br />
ESCRIVÃO: Não, isso é impossível. Detesto entrar em fila.<br />
PAUL (armando, pensa): Pensam que eu esqueci é. Vou dar<br />
trelha para esses dementes, vou entretê-los até que eu possa<br />
prendê-los e interná-los no manicômio de uma dessas Ong’s<br />
79
malucas com sede bem longe daqui. Aliás, um já está até<br />
algemado, só falta o gordão cego. Mas, vamos a ação chutando<br />
qualquer coisa.<br />
(falando): Felicidade. Foi o que fizeram ao estudar a felicidade.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (corrigindo): O que foi feito, eu diria que foi algo<br />
como estudar para a felicidade.<br />
PAUL (chuta outra): Gravidade não é entidade, é uma equação.<br />
Logo, não é animismo, antroporfismo.<br />
Os outros dois ficam se entreolhando como se dissessem “o que<br />
deu nele?”.<br />
PAUL (continuando): Se os cães, as cutias e as chinchilas<br />
nasceram com dentes é para roerem.<br />
ESCRIVÃO: Se pensarmos assim ...<br />
PAUL (“complementando”): ... aonde estará a virtude?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ora, onde sempre esteve?<br />
PAUL: E isso é aonde? Aonde? Dou lhe uma, dou-lhe duas, ...,<br />
dou-lhe ...<br />
ESCRIVÃO (afobado): No meio.<br />
PAUL (aceitando): Está bem. Dou-lhe dois e meio ...<br />
ESCRIVÃO: O vício se dá ou na falta ou no excesso. Por<br />
exemplo: coragem é uma virtude e seus contrários são a<br />
temeridade, que é o excesso de coragem, e a covardia, a ausência<br />
de coragem<br />
PAUL (visualizando uma brecha para se livrar daquela pecha):<br />
Pois é, por isso que em vez de ficarem dizendo que sou um<br />
80
torturador, e outros amigos meus de acharem que sou um<br />
excelente consolador, porque não concluírem que eu sou uma<br />
espécie de Salomão, um árbitro de futebol, um juiz Laláu.<br />
ESCRIVÃO: Isso é lá com o lado mencionado pelo barbudo que<br />
apregoa a justiça como a virtude suprema, a sintonizadora das<br />
demais virtudes. O lado exposto por mim, a vê no meio com a<br />
idéia de pesar e ponderar para deliberar.<br />
PAUL: Por isso que eu não sou de direita e nem de esquerda.<br />
ESCRIVÃO (se dirigindo ao outro): O que você acha?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Acho que não podemos fazer definições nem<br />
deixar de fazê-lo, mas nem por isso devemos de abster-nos de<br />
ficar no meio-termo.<br />
ESCRIVÃO: Pessoa em cima do muro tem de ser derrubada, é<br />
isso que quer dizer e é o que eu concordo.<br />
Sentindo que do ângulo fechado da visão do seu colega de<br />
profissão a batata está ficando quente para o seu lado, procura<br />
jogar uma última cartada do prisma do barbudo para ver se<br />
consegue ficar no ponto de escapar daquele estigma que não<br />
convém nem pronunciar.<br />
PAUL (procurando seduzir): Você que ainda estranho, já não é<br />
tão misterioso e complicado, mas, sim um explicável e simples.<br />
Você que ainda é um preso algemado, mas que merece ser um<br />
solto desatado nesse Estados Undos da América do Norte, me<br />
diga com toda sinceridade contida no seu coração em apenas duas<br />
palavras ... vou lhe dar uma palhinha, ela começe com a letra “c”<br />
de consolador. Inclusive, vale ser esta palavra. Dou-lhe uma,<br />
duas, dois e meio, ...dou-lhe ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Corrupto torturador.<br />
81
O delegado olha furioso para este que acaba de falar e o põe de<br />
joelho.<br />
PAUL (bufando de raiva): Suspeeeiiitttooo.<br />
Este se ergue e ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (altivo): La Passionária bradou: “Mais vale morrer<br />
de pé do que viver de joelhos.”<br />
(e continua): O quanto de estranho suspeito sou que se presta a<br />
ser explicável em prol do esclarecimento. Vide: “Dialética do<br />
esclarecimento” de Adorno e Horkheimer.<br />
PAUL (ultra irado): Ainda tem gente ... tem gente ... que<br />
acredita em conhecimento e cultura.<br />
Sem que se esperasse o delegado se atira agressivamente para o<br />
outro lhe dando uma gravata e lhe pondo as algemas. O que<br />
repentinamente a ira dá lugar a um descanso pela garantia de<br />
ver brevemente os algemados como pacientes de manicômio lá<br />
muito longe.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): A segunda importante personalidade<br />
da história foi Isaac Newton, o mais influente cientista que já<br />
nasceu, um dos seus livros é o do mais valioso para a<br />
humanidade: “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”. A<br />
décima personalidade foi Albert Einstein o maior cientista do<br />
século XX que escreveu o por demais significativo livro<br />
“Relatividade”. Isso sem esquecer de Rutheford que foi o maior<br />
físico experimental do século XX e Heisenber o prêmio Nobel de<br />
Física em 1932.<br />
Lembro nos inícios do século XXI que o brasileiro que chegou<br />
mais perto do Nobel da Física foi o César Lattes. Sabe aquele gol<br />
que o juiz não marcou porque não viu a bola? Essa parece ser a<br />
única explicação para César Lattes não ter ganho o prêmio de<br />
Física de 1950. E era um ateu místico. Quem diria que mais tarde<br />
...<br />
82
PAUL (pensando): Por que esse barbado algemado desdentado<br />
um baita de um traficante de armas não me ameaçou com a rede<br />
internacional dos contrabandistas, não se aproximou com aquele<br />
jeitinho de subornador ou enforcador ... É se continuar assim ele<br />
lá será apenas considerado ...<br />
83
O ARREDIO<br />
Há oito anos atrás, ao lado de um perigoso quartel cheio de<br />
explosivo se encontra uma ameaça maior. Um edifício onde se<br />
acolhem tormentos e se recolhem e tratam sofrimentos de modos<br />
especiais em doentes especiais, havia um destacado letreiro na<br />
porta dizendo: “Não Há Mais Vagas”. Ele de tão enorme<br />
escondia o nome daquele estabelecimento: “Recanto dos<br />
Alienados”. Ousando-se a passar pela porta se vê vários<br />
enrolados numa enorme bandeira vermelha com foice e martelos<br />
em cores amarelos e uma estrela vermelha na ponta cantando a<br />
Internacional comunista, outros espantando imaginários animais<br />
de grande porte baseados no grupo folclórico de dança<br />
organizado pela Balalaica, alguns exorcizando, outros sendo<br />
exorcizados, alguns discursando, outros ouvindo a Hora da<br />
Rússia, vários são os animadores de auditório, roteiristas e<br />
artistas de novelas, repórteres de jornalismo, estudantes,<br />
sindicalistas, bolsistas, executivos, enfim, é por demais<br />
compreensível que não exista lugar disponível e que se tenha<br />
aprendido com outros governantes distantes: “nunca na história<br />
desse país se viu tanta alienação, por isso o alto índice de<br />
aprovação [o restante se está cansado de ouvir e de acreditar]”.<br />
Andando mais um pouco se nota alguém todo vestido de branco,<br />
muito risonho, provavelmente mais um da equipe, pois, em suas<br />
costas está escrito “DOUTOR P. IRADO”. Uma mulher meia de<br />
tudo, ou seja, meia normal, meia piranha, meia perua, meia<br />
acabada com cabelo indefinido entre maria chiquinha e maria<br />
chuquinha, meia coberta com curtas blusa e saia mostrando as<br />
gorduras na barriga e varizes nas pernas, vem correndo com<br />
sapatos de salto altíssimo em sua direção com uma seringa na<br />
mão e com as demais características de ser uma ENFERMEIRA.<br />
Ela o toca no ombro indicando que lhe vai enfiar a agulha com<br />
intuito de dar um sossega leão naquele tão sorridente que vira,<br />
vê e ...<br />
DOUTOR P. IRADO (assustado): Meu Deus, o que é isso!<br />
85
Quando vê quem é, suspira um pouco aliviado.<br />
ENFERMEIRA (esbaforida, porém romântica): Piotr querido,<br />
Piotrinho para os íntimos, você não tem jeito mesmo.<br />
Ele com uma das mãos no pulso, com a outra passando um lenço<br />
branco no rosto pálido.<br />
DOUTOR P. IRADO (trêmulo): Quase duzentos de pulsação.<br />
Você sabe como eu reajo imediatamente a situação nova ou de<br />
tensão. Taquicardia e sudorese estão lá para o espaço de tão altas<br />
que nem o Iuri Gagarin consegue ver.<br />
ENFERMEIRA: Não é nada dessas suas frescuras com medo de<br />
pavor ou pavor de alegria. É que você ... você outra vez com o<br />
jaleco trocado! Assim não dá! O que o pessoal vai pensar do meu<br />
Piotr? Afinal o meu amor é um médico respeitável.<br />
DOUTOR P. IRADO: Aqui não tem problema não. Aqui só tem<br />
maluco ou já esqueceu meu bem que isso aqui é um HOSPÍCIO?<br />
(mudando de atitude): Trocado é isso aqui, essa revista de moda<br />
feminina no lugar do prontuário dos pacientes, a alienação no<br />
lugar da SAÚDE. Aliás, o que eu exijo é que saiba a respeito de<br />
cada um dos internados.<br />
ENFERMEIRA: Mas, são os mesmos. Não entrou ninguém<br />
novo.<br />
DOUTOR P. IRADO: Perfeição minha santa, perfeição é o que<br />
temos de atingir. Veja como eu consigo falar de cabeça da cabeça<br />
de cada um desses internados. Está vendo aquele com roupa de<br />
carteiro que quando me viu saiu correndo e está pulando<br />
apressadamente o muro do hospital?<br />
ENFERMEIRA: Esse eu conheço, que ingratidão! Logo, fingir<br />
que não viu você ... você que acabou de operá-lo ainda há pouco.<br />
86
DOUTOR P. IRADO: De fato, tem razão, ele não só é ingrato<br />
como mal educado.<br />
(narrando o ocorrido): Ao acordar da anestesia, esse carteiro<br />
começou a me xingar, a gritar, a fazer o maior fuzuê. Eu dentro<br />
das minhas extremas responsabilidades médicas, calmo, procurei<br />
lhe conscientizar: “Controle-se amigo, não tem nenhum cachorro<br />
querendo lhe morder por aqui. Isso que, aliás, já está passando é<br />
causado pelo efeito da anestesia. Afinal de conta acabei de tirar<br />
seu apêndice há apenas meia hora.” Sabe o que o ingrato e mal<br />
educado me falou: “Por isso mesmo! Eu só vim entregar um<br />
telegrama!”.<br />
ENFERMEIRA: Incrível! Como é que você ia adivinhar, ele<br />
deve ter errado de entrada. Bem feito para não se meter onde não<br />
é chamado.<br />
Ela pára de falar porque percebe que dois estão olhando com<br />
cara feia para o médico.<br />
ENFERMEIRA: Outros dois sem gratidão são aqueles ali. O<br />
coroa então, eu me lembro muito bem que você pegou o avião e<br />
se mandou e atendeu o chamado dele no meio da noite, num frio<br />
de fazer inveja a pingüim, para ir naquela fazenda dele longe a<br />
bessa, e tá ali com aquela tromba de elefante.<br />
DOUTOR P. IRADO: As pessoas são assim mesmo, o que se há<br />
de fazer? Ele é um coronel do sertão lá na Sibéria, muito brabo e<br />
excessivamente hipocondríaco.<br />
(contando o caso): Só por que ao examiná-lo com cuidado lhe fiz<br />
um “pergunta clínica”, duas “recomendações” e um<br />
“diagnóstico”, ele ficou assim.<br />
Indaguei: “Coronel, o senhor já fez seu testamento?”. O velho<br />
ficou branco que nem cera, e veio com aquela hesitação: “Mas,<br />
doutor ...”. “Mande chamar o tabelião, agora!”. O tabelião veio,<br />
naquela madrugada gélida na Sibéria. “Agora chame a sua família<br />
toda”. Mais gente gelada e sem dormir. Tabelião a posto, família<br />
reunida, o coronel choraminga: “Pelo amor de Deus, doutor. Eu<br />
87
estou tão ruim assim?”. “Que nada, coronel! O senhor não tem<br />
nadinha. Eu só não queria ser o único idiota a ser acordado à toa,<br />
a esta hora da noite congelante.”<br />
ENFERMEIRA: Se você não me contasse com todos os detalhes<br />
eu não acreditava que você não tivesse feito nada de mal para ele.<br />
(lembrando): Ah! Faltou aquele detalhe. Não foi ele que saiu<br />
correndo com uma foice e um martelo para lhe matar? Puxa! Se<br />
ele sair daqui ele vai acabar consigo, não é?<br />
DOUTOR P. IRADO: Então, por que acha que ele está aqui<br />
dentro?<br />
ENFERMEIRA: Só não entendo por que ele tem de estar aqui<br />
zangado. A opção foi dele, não foi? Então agüenta as<br />
conseqüências. Que velho mal-humorado, nossa!<br />
(apontando para o outro bronqueado): E aquele outro?<br />
DOUTOR P. IRADO: O Sergei? O Sergei foi o seguinte. Você<br />
sabe como eu sou cuidadoso com as coisas alheias, não sabe?<br />
ENFERMEIRA (se jogando nos seus braços): E como!<br />
Principalmente com as minhas.<br />
DOUTOR P. IRADO (recompondo-a para longe dos seus<br />
braços): Mas, voltando ao assunto do Sergei. Ao examiná-lo<br />
indaguei: “Já extraí suas amídalas?”. “Não”. “Seu apêndice?”.<br />
“Não”. E toco a fazer perguntas e ele só diz não. Até que: “Você<br />
tem uma namorada chamada Valentina Pavlova?”. “Tenho”. “Eu<br />
sabia que tinha tirado alguma coisa de você”. Mais um que correu<br />
atrás de mim só que com um facão de cozinha.<br />
ENFERMEIRA: Mas, tirado não é tarado, ou é? Só por isso, ele<br />
ficou de mal? Esse pessoal de hoje anda muito sensível, qualquer<br />
coisinha, pronto. Não liga não querido.<br />
DOUTOR P. IRADO: Você sabe que eu não sou tarado.<br />
88
ENFERMEIRA: Sobre isso não tenho a menor certeza. Lembro<br />
que você chegou ir ao psicanalista por causa disso. Quando ele<br />
lhe mostrou um triângulo, seus olhos se encantaram, seus cabelos<br />
se arrepiaram, os pés se levantaram, e quando ele lhe perguntou:<br />
“O que é isto?”.<br />
DOUTOR P. IRADO (na lata): “Uma fechadura e não quero<br />
nem pensar no que está acontecendo aí dentro.”, foi a minha<br />
resposta imediata, para não deixar dúvida.<br />
ENFERMEIRA: E agora com o retângulo, a mesmas sensações<br />
e interrogação: “O que é isto?”<br />
DOUTOR P. IRADO: E eu pumba: “Uma janela de motel. Não<br />
quero nem pensar no que está acontecendo aí dentro.<br />
ENFERMEIRA: E da parte dele foi feio quando lhe mostrou o<br />
círculo e “O que é isto?”<br />
DOUTOR P. IRADO: Olhei bem feio para ele e disse: “Um<br />
olho mágico. Nossa, não quero nem pensar no que está<br />
acontecendo aí dentro.”<br />
ENFERMEIRA: E ele com aquela cara de pau dá o seu<br />
diagnóstico: “É, não há dúvida de que você tem mesmo<br />
problemas sexuais”.<br />
DOUTOR P. IRADO: Ah! Mas eu não deixei barato: “Eu tenho<br />
problemas ... problemas sexuais! E o senhor, que ficou me<br />
mostrando o tempo todo esse material pornográfico?”<br />
Nesse ínterim, outro passa e vira a cara para o outro lado,<br />
demonstrando muito desdém.<br />
ENFERMEIRA: E esse outro sensível aí o que foi?<br />
(gritando para o que acabou de passar): Também tá de mal, é?<br />
89
DOUTOR P. IRADO: E olha que eu fui muito educado com ele.<br />
Ele me fez uma pergunta e eu sem me fazer de rogado, sem<br />
arrogância costumeira dos médicos, sem tapear ninguém, com<br />
muita sinceridade, com muita ...<br />
ENFERMEIRA: Conta logo.<br />
DOUTOR P. IRADO: “Escuta peixe é realmente saudável?”.<br />
Eu, na miinnhaaa, com raiva e hostilidade contida, respondi:<br />
“Bom, pelo menos até hoje eu nunca atendi nenhum em meu<br />
consultório.”<br />
ENFERMEIRA: O que ele queria? Que você mentisse, ficasse<br />
contando vantagem, que o seu consultório tem vários clientes<br />
como peixes, aves, microorganismos. Será que ele pensou que<br />
você era veterinário, hein?<br />
(apontando para um outro): E aquele no cantinho todo<br />
envergonhado que não consegue olhar direito para o meu<br />
Piotrinho?<br />
DOUTOR P. IRADO: Esse falou para mim todo sem jeito:<br />
“Sabe o que é doutor? Eu tenho um amigo que pensa que<br />
apanhou uma doença venérea e ...”. Eu interrompi logo e disse<br />
para ajudá-lo “Tudo bem, tudo bem, tire o seu amigo para fora<br />
para eu examiná-lo ...”<br />
ENFERMEIRA: É mais aquele ali não se cansa de acenar<br />
alegremente para você.<br />
DOUTOR P. IRADO: É que eu curei a mulher dele com crises<br />
de nervos.<br />
ENFERMEIRA: Como! Você disse o que para ela.<br />
DOUTOR P. IRADO: Que isso era sinal de velhice, que as<br />
amigas dela estavam melhores do que ela, apontei que elas<br />
tinham perdido cinqüenta gramas, e assim por diante.<br />
90
ENFERMEIRA: Que técnica é essa?<br />
DOUTOR P. IRADO: Técnica do CC, isto é, da cura pela<br />
competitividade.<br />
Agora é a vez do doutor. Ao olhar para um grupinho, fecha a<br />
cara.<br />
ENFERMEIRA: O que eles lhe fizeram?<br />
DOUTOR P. IRADO (desconcentrado): Minha memória foi<br />
embora.<br />
Depois de quinze minutos. Ela lembrou da técnica do CC – cura<br />
pela competitividade - empregada ainda pouco e assim saber o<br />
que fazer nesses casos. A criatura contra o criador.<br />
ENFERMEIRA: Não se preocupe, se você não melhorar eu<br />
chamo o seu substituto que está melhor do que você, e não só em<br />
concentração como também em titulação, experiência, conquista<br />
...<br />
DOUTOR P. IRADO: Já me lembrei. Aquele com cara<br />
enfezada, só porque eu vendo a sua ficha, falei: “E então, o<br />
senhor sofre de artrite.” Ele de pronto: “É claro! O que o doutor<br />
queria? Que eu desfrutasse de artrite, que eu usufruísse de artrite,<br />
que eu me beneficiasse de artrite?”<br />
Eu fingi que não entendi aquela má criação e puxei outro assunto.<br />
“Vi você saindo da farmácia, está doente?”. E ele de pronto: “Por<br />
que tenho de estar doente? Por acaso estou morto quando saio do<br />
cemitério?”.<br />
ENFERMEIRA: Nossa que ignorante! E aquele com um<br />
vidrinho?<br />
DOUTOR P. IRADO: Nossa digo eu! Esse veio com aquele<br />
vidrinho, todo contente, e me entrega dizendo: “Olha aí doutor,<br />
91
acabei de inventar um remédio que deixa a gente com poder de<br />
adivinhar as coisas.”. Eu abri, cheirei o conteúdo: “Mas, isso aqui<br />
é urina!”. “Adivinhou! Viu só como o remédio é bom?”.<br />
ENFERMEIRA: E aquele com aquela tela totalmente em<br />
branco?<br />
DOUTOR P. IRADO: Aquele foi o seguinte. Eu fui à exposição<br />
de quadros do hospício e ele estava expondo aquela tela.<br />
Desconfiado, perguntei: “O senhor é interno ou de fora?”. Ele me<br />
indagou: “Por que da dúvida? Por acaso se deve a essa obraprima<br />
que pintei representando “A passagem pelo Mar<br />
Vermelho”?”. “Mas, onde está o Mar Vermelho?”. “Afastou-se,<br />
ao comando de Moisés.” “E onde está o Moisés?”. “A frente dos<br />
hebreus.” “Mas onde estão os hebreus?” “Já passaram.” “E os<br />
egípcios?” “Ainda não chegaram.”. Aí ele teve a cara de pau de<br />
me perguntar: “O senhor, com essas dúvidas todas, é interno ou<br />
de fora?”.<br />
ENFERMEIRA: Sem comentários! Ele ter uma dúvida a esse<br />
seu respeito ... bem, pensando bem, o meu bem não bate muito<br />
bem, não é bem?<br />
Ele não prestando atenção. No que ela dizia, mas sim naquele<br />
paciente que escrevia uma carta.<br />
DOUTOR P. IRADO: Aquele ali escreve carta para si mesmo.<br />
Quando eu procurei saber o que estava escrito, ele me disse que<br />
não sabia por que ainda não havia recebido.<br />
ENFERMEIRA: Mas, isso é normal, o correio tem atrasado<br />
muito a entrega da correspondência, principalmente se os escritos<br />
estão em português. Quando eu quero mandar uma cartinha para<br />
o meu filhinho lá no México, não estando em espanhol, é a<br />
mesma coisa. Também com os entregadores de hoje em dia que<br />
se tem. Não viu aquele que você operou seu apêndice ainda<br />
92
pouco, que saiu correndo sem ter tido alta hospitalar e baixa<br />
desrespeitar?<br />
DOUTOR P. IRADO (sentindo-se culpado): Mesmo que eu não<br />
compreenda o que a carta em português tem a ver com o atraso<br />
que existe entre nós, fique convencida que eu adoro falar<br />
português com você, porém, eu não consigo me perdoar.<br />
ENFERMEIRA: Querido, mesmo que você não entenda direito<br />
o que uma coisa tem a ver com a outra, procure não ser tão autoexigente<br />
consigo, pois, todos têm direito de errar.<br />
DOUTOR P. IRADO: Eu não tinha esse direito, eu devia ter<br />
anotado o registro daquela carta. Se o correio extraviar a carta do<br />
doidinho como ele vai saber o que estava escrito nela?<br />
Fora do grupinho que deixou o doutor meio emburrado, um o<br />
deixa feliz a ponto de fazer um sinal de positivo.<br />
DOUTOR P. IRADO: Aquele é um homem de princípios.<br />
Quando eu bati o martelo para cima dele: “Vamos por ordem.<br />
Como foi o começo para o senhor?”. Muito compenetrado e com<br />
uma paz interior de fazer inveja, disse: “Bem, no princípio eu<br />
criei o céu e a terra ...”<br />
ENFERMEIRA: E a roda dos depressivos? Aliás, aqueles ali<br />
ficaram assim depois que eu falei com eles.<br />
DOUTOR P. IRADO: Foi! E como foi isso?<br />
ENFERMEIRA: O de cabeça baixa me perguntou: “O<br />
enfermeira, o doutor tem certeza que estou com tuberculose? Às<br />
vezes os médicos diagnosticam tuberculose e o doente morre de<br />
outra doença.” Eu procurei acalmá-lo pondo fim na sua dúvida:<br />
“Fique tranqüilo. Quando o doutor diz que é tuberculose o cliente<br />
morre de tuberculose mmeeesmooo.”<br />
93
DOUTOR P. IRADO: Ah! Ainda bem que não faltou com a<br />
verdade para o paciente e nem deixou pressentimento de que eu<br />
faltasse com ela.<br />
ENFERMEIRA: Isso é para você ver que pode confiar em mim.<br />
(falando do outro ao lado): O de cabeça no chão: “Puxa<br />
enfermeira, eu nunca poderia supor que tivesse problemas de<br />
saúde.”. “Viu como foi bom vir ao médico? Do contrário, o<br />
senhor iria continuar a viver alegre, despreocupado e ficaria velho<br />
sem sequer suspeitar que seja um homem doente ...”<br />
DOUTOR P. IRADO: Magnífico! Formidável essa sua<br />
intervenção. A gente não pode compactuar com a inconsciência<br />
individual e coletiva.<br />
ENFERMEIRA: Obrigada. Como é bom trabalhar num local e<br />
com pessoas que reconhecem o seu trabalho.<br />
(falando do próximo): Quanto ao deitado, você pode ficar<br />
despreocupado, pois acabei de acordá-lo para tomar o remédio<br />
para dormir.<br />
DOUTOR P. IRADO: Muito bem.<br />
(apontando): E aqueles dois caixeiros viajantes já ...<br />
ENFERMEIRA: ... já melhoraram um pouco. Agora mesmo, um<br />
puxou conversa com o outro: “Sua fisionomia não me é estranha.<br />
Acho que o vi não sei onde ...”. O caladão olhou-o de cima em<br />
baixo: “É. Eu vou lá de vez em quando.”<br />
O médico notando alguma coisa.<br />
DOUTOR P. IRADO: Êpa! Por que quando aquele me viu, saiu<br />
correndo e está se escondendo. Eu nunca o vi mais magro nem<br />
mais gordo em toda a minha vida.<br />
ENFERMEIRA: Não esquenta não, aquele rapaz trabalha na<br />
limpeza. É que ele falou para mim: “Perua velha é que dá bom<br />
94
caldo. Tô gamado em você, enfermeira. Por mim, eu não saia<br />
mais desse hospital.” Eu vendo que você e o rapaz não se<br />
repararam, joguei duas mentiras para cima dele: “E não vai sair<br />
mesmo, seu pilantra! Aquele médico que acabou de ver você<br />
passando a mão em mim é o meu marido.”<br />
Reparando nela, se dando conta daquela seringa que não saia de<br />
entre seus dedos.<br />
DOUTOR P. IRADO: Mas, o que o meu amor vai fazer com<br />
essa ojeriza em sua mão.<br />
ENFERMEIRA: Esqueci.<br />
DOUTOR P. IRADO: Você não vai voltar com ela por aí. Daqui<br />
a pouco vão achar que você é uma incompetente.<br />
ENFERMEIRA (nervosa): Então, o que eu faço?<br />
DOUTOR P. IRADO: Aplique num desses qualquer,<br />
provavelmente deverá estar precisando. Maluco é tudo igual.<br />
Um dos internados que se encontra barbado algemado<br />
desdentado que está apenas de fralda, um típico cueiroado,<br />
escutando aquilo tudo se põe a ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Algumas das invenções que provocam<br />
verdadeira ruptura não são objetos, mas sim modos de analisar<br />
nosso relacionamento com o meio ambiente e com nós mesmos,<br />
uma das mais importantes concepções foi o método do médico<br />
grego Hipócrates, no ano de 400 a.C., que via o paciente como<br />
um indivíduo cuja constituição reagiria à doença de modo<br />
particular. Imagina se todo paciente é igual?<br />
ENFERMEIRA (embevecida): O seu diagnóstico é perfeito.<br />
Vou lhe dar o direito de escolha. Feche os olhos, dá uma<br />
rodadinha e, sem abri-los, aponte para um.<br />
95
Ele obedece e termina por apontar para um lá num canto,<br />
sozinho, bem retraído, recém chegado. Os dois, de mãos dadas,<br />
vão saltitando alegremente na direção daquele que ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando, assustado): No túnel do tempo para o<br />
passado: no século passado, abreugrafia, penicilina e soro<br />
antiofídico; no século retrasado, anestesia; no século XVIII,<br />
vacinação; e lá vêm eles, antes de Cristo, hospital.<br />
... pressentindo o perigo vai ...<br />
ENFERMEIRA (chamando a atenção): O estranho, ai, ai, ai,<br />
não fuja aos padrões sociais.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando a pensar e assustado): Como não! É<br />
deles que vivo fugindo há muito tempo, estes padrões sociais não<br />
têm nada de normal.<br />
... e vai tentando se desviar, digo tentando porque o doutor<br />
conseguiu segurá-lo.<br />
DOUTOR P. IRADO: Aonde que o Napoleão pensa que vai?<br />
ENFERMEIRA: O arredio não precisa ficar com medo não, isso<br />
não é arco e flecha não, ela parece que só dói um pouquinho.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando, estressado): Parece! Ela tem a<br />
impressão! Eu tenho a certeza de que o sistema de arco e flecha<br />
data de 50 mil anos atrás, embora ainda seja empregado por<br />
várias tribos primitivas. A origem de aumentar a resistência do<br />
arco deu origem à besta que eu não sei se tem parentesco com<br />
essa mulher de seringa na mão.<br />
Enquanto isso, o doutor tem outras preocupações.<br />
DOUTOR P. IRADO: Mas, esse medicamento que está na<br />
seringa não é de tarja preta?<br />
96
ENFERMEIRA: Não, ele é toda preta.<br />
DOUTOR P. IRADO: Ah! Então são aquelas que os donos das<br />
funerárias adoram.<br />
ENFERMEIRA: Não sei, nunca apliquei em nenhum deles.<br />
DOUTOR P. IRADO: Aproveita e espeta esse aí, porque todo<br />
barbudo tem pinta de ser dono de funerária. Vamos isso é para<br />
ontem.<br />
ENFERMEIRA: Relaxa. Tudo com você é para anteontem.<br />
(sonhando alto): Vai ser uma experiência e tanto. Eu sempre<br />
sonhei com isso, eu, uma simples mortal mulher.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando e associando): Não sei por que<br />
grandes livros estão me vindo na memória neste momento: “A<br />
interpretação dos sonhos” do fundador da psicanálise, Sigmund<br />
Freud; “Elogio da loucura” de Erasmo; “O Segundo Sexo” de<br />
Simone de Beauvoir.<br />
DOUTOR P. IRADO: Rápido! Rápido!<br />
ENFERMEIRA: Que homem estressado é esse!<br />
Ela olha aquele ombrão que o doutor está segurando<br />
estressadamente, se concentra, fecha os olhos, e pimba, só que o<br />
pinta de dono de funerária se esquiva e o doutor é que é<br />
espetado. Ela abre os olhos e começa a falar.<br />
ENFERMEIRA (emocionada): Essa foi a minha primeira vez,<br />
eu nunca vou esquecer.<br />
DOUTOR P. IRADO: Quem não vai esquecer sou eu, com esse<br />
seu patuá de escorpião, balaio de gato, mochila de cobra, sacola<br />
de ...<br />
97
ENFERMEIRA (não entendendo nada do que havia<br />
acontecido): Que apelido carinhoso, meu amor: sacola. Confessa:<br />
você nunca viu essa experiência, hein seu Piotrinho, seu<br />
pesquisador gostosinho. Diz para sua sacola o que você não vai<br />
esquecer?<br />
DOUTOR P. IRADO (esbravejando): Esquecer que fui eu, fui<br />
eu que recebi aquela dose, foi um ato de ...<br />
ENFERMEIRA (procurando adivinhar a complementação):<br />
Coragem! Que pesquisador! Que honra em participar dessa sua<br />
experiência com o próprio corpo.<br />
No ar se percebe um tremendo mau cheiro partindo daquele cara<br />
pálida não indígena.<br />
DOUTOR P. IRADO (um verdadeiro medo pensante): Acho<br />
que vou morrer. Estou suando frio e todo borrado.<br />
ENFERMEIRA (decepcionada): Perai, posso por tudo a perder.<br />
Eu só injetei a metade, tenho que lhe injetar o restante. Tudo pela<br />
ciência! Tudo por mim!<br />
Já cheio de dor, aponta para o seu paciente.<br />
ENFERMEIRA: Tudo por ele também!<br />
O algemado encrencado com a cara de “por mim não”, aponta<br />
insistentemente com o dedo para o doutor, este espantado com o<br />
que havia ouvido dela só disse uma palavra.<br />
DOUTOR P. IRADO: Ele?!<br />
ENFERMEIRA: Já entendi, eu não sou lesada. Foi por ele que<br />
você tomou, ah, como eu lhe aprecio, que ato generoso.<br />
98
DOUTOR P. IRADO (expressando com intenso sofrimento e<br />
indignação): Nada disso! Ele se esquivou.<br />
ENFERMEIRA (falando para o esquivador): Que feio hein.<br />
Não gostei nem um tantinho. O maluquinho tem que deixar de ser<br />
esquivo como o doutor disse. Siga a prescrição dele, doravante<br />
nada de arredio, cismado, intratável, insociável.<br />
O doutor mais doido, não tanto com a dor, mas, sim com aquela<br />
confusão da amada.<br />
DOUTOR P. IRADO: Você não existe!<br />
ENFERMEIRA (toda dengosa): Assim eu fico toda<br />
envergonhada, eu sei que sou muito especial para você, mas, não<br />
fica dizendo isso aí na frente das pessoas. Ou acha também que<br />
ele não existe?<br />
DOUTOR P. IRADO: Claro que existe, tanto existe que acabou<br />
não tomando a injeção.<br />
ENFERMEIRA: Está bom, se esse extravagante barbudo<br />
algemado desdentado não provar que existe eu vou lhe dar o que<br />
resta nessa seringa. Vamos logo com essa prova, senão vai provar<br />
...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (assustado implora): Que baixe sobre mim o<br />
“Discurso sobre o Método”.<br />
(começa a prova): Eu duvido de tudo, inclusive do meu corpo,<br />
das minhas mãos, só não posso duvidar do pensamento, pois, para<br />
estar enganado ao seu respeito eu preciso estar pensando. Como<br />
eu penso logo existo, não como corpo, mãos, homem, mas, sim,<br />
como pensamento.<br />
ENFERMEIRA (preocupada): Caramba! Será que eu existo?<br />
DOUTOR P. IRADO: Esse é o ponto.<br />
99
ENFERMEIRA: Ponto de vista da sacola ou da escola? Será que<br />
eles existem?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Todos dois, o primeiro é algo pertinente a sua<br />
ótica, o segundo a sua intuição em apreender e extensão em<br />
abstrato, sem dimensões.<br />
ENFERMEIRA: Não entendi nada, mas adorei o que disse o<br />
insensato. Aproveita e prova a existência de Deus para mim.<br />
(ameaçando ameaçar): Senão, olha aqui seu matusquelinha a<br />
bonitinha da seringuinha toda prontinha.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Todos nós temos a idéia de Deus como um ser<br />
perfeito, este por ser perfeito tem todos os atributos, inclusive o<br />
da existência. Logo, Deus existe.<br />
Ela bate palmas entusiasticamente, mesmo continuando a adorar<br />
sem entender patavina. Seu corpo de fanzoca abraça o paciente e<br />
o seu olho pisca para o amor “agonizante”.<br />
DOUTOR P. IRADO: Que interessante! O corpo está para um<br />
lado, e a mente para o outro. Ação ou ração?<br />
O barbudo algemado pressente algum mal-entendido no ar e<br />
procura desfazê-lo imediatamente.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nem uma coisa nem outra, ou seja, nem ação ou<br />
ração, mas sim algo para a razão.<br />
Desconsiderando aquela explicação, continua inalteradamente<br />
no caminho dos obcecados.<br />
DOUTOR P. IRADO: Barbudo ou chifrudo? Gema de ovo ou o<br />
de sempre de novo?<br />
100
Ela percebendo que aquilo é uma tremenda de uma ciumeira,<br />
provoca o doutor cujo nome verdadeiro é Lucas Petrovich,<br />
embora ele tenha horror deste.<br />
ENFERMEIRA: Provador algemado ou doutor amalucado?<br />
Gemas ou Lucas?<br />
DOUTOR P. IRADO (irado): Não agüento com o que estou<br />
ouvindo, me chamar de ...<br />
O algemado querendo sair daquela encrenca, ameaçado com<br />
aquela seringa ainda pela metade e quem sabe a contrair uma<br />
dor inteira.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: No livro “Ética” se considera que corpo e mente<br />
são aspectos de uma única substância.<br />
A dose injetada está apagando o médico de maluco, para outros,<br />
o maluco de médico. Ele quer entender o que está se passando<br />
com ele e aquela substância.<br />
DOUTOR P. IRADO (voz lenta): Que substância da natureza<br />
circula no sangue que faz sentir distante deste mundo e solitário<br />
para Deus?<br />
Os dois demais não estão percebendo a gravidade e continuam<br />
na sua.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Para estes alguns que estou comentando no<br />
momento não existe porque esta substância única, que é a causa<br />
de si mesma, com distintos nomes, insere que Deus, o mundo e a<br />
natureza são idênticos.<br />
ENFERMEIRA: Seu ciumento bonitinho como pode passar pela<br />
sua cabeça que eu poderia preferir um adoidado algemado mui<br />
pouco lavado, a um ajuizado liberado mui pouco largado e muito<br />
gamado? Uma gema de ovo que nem pinto é, comparado ao meu<br />
101
galo garnisé? Um louco tarado comunicativo de indecências e<br />
colado de sem vergonhice a um ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (surpreso, lembrando): Mas, foi ela que sussurrou<br />
dizendo que ia acabar com a minha inocência e quase fez fusão<br />
com meu corpo.<br />
Num esforço de dizer suas últimas palavras.<br />
DOUTOR P. IRADO (quase inaudível): Fuja maluco.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (se dando conta do estado do médico): Parece que<br />
o centralizador de tarefa vai fazer um daqueles baitas discursos<br />
históricos como o do Getúlio Vargas em sua Carta Testamento.<br />
ENFERMEIRA (fixa na sua alucinação): Eu sou muito prática,<br />
não gosto muito de conhecimento e cultura e muito menos de<br />
conversinha fiada de tarado. Tem mulher que usa spray de<br />
pimenta, eu prefiro seringa. E não vai ficando arredio não, hein<br />
seu estranho! Está na hora de tomar sua garrafada contida nessa<br />
seringada.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O quanto de estranho arredio sou se ela mesma<br />
diz que sou comunicativo e colado ...<br />
Ela corre com a seringa na direção de quem acabou de ter<br />
falado.<br />
ENFERMEIRA: Eu vou lhe mostrar.<br />
Só que mais uma vez nesse ano o quartel de explosivo ao lado<br />
estoura de tal maneira que o manicômio vai para os ares ficando<br />
em destroços, uma abertura enorme desobstrui o confinamento.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Entre as dez maiores personalidades<br />
da história está Pasteur, o químico e biólogo francês, geralmente<br />
prezado o mais importante na medicina devido à teoria dos<br />
102
micróbios da doença e pelo desenvolvimento da técnica de<br />
inoculação preventiva, a famosa pasteurização.<br />
O Brasil até já marcou seu gol de honra na competição, mas a<br />
jogada foi anulada. Peter Medawar, que nasceu no Brasil, ganhou<br />
o Nobel de Medicina em 1960. Só que ele "virou a casaca",<br />
trocou a camisa verde-amarela pela avermelhada da Inglaterra. E<br />
ficou um ateu desbrasileirado. Quem diria que mais tarde um ...<br />
Ele antes de correr para a rua, para o recomeço, escuta.<br />
DOUTOR P. IRADO (despedindo-se): Adeus, barbado<br />
algemado desdentado cueiroado para onde for lá será considerado<br />
...<br />
103
104
O DESTITUÍDO<br />
Ele correu pelas ruas, pelas estradas, pelas montanhas, nadou<br />
pelos rios, atravessou a Ucrânia, Eslováquia, Áustria, Suíça até<br />
que ouviu a Marselhesa em Marselha no Mar Mediterrâneo e lá<br />
muito comovido ficou e o tempo passou.<br />
Há sete anos atrás. Chove muito, faz muito frio e o mar está<br />
bastante revolto, agitado estão os pescadores que não saem com<br />
seus barcos, não arrumam redes e nem carregam robalos e<br />
espadas. A estes só restam ficar contando casos, alguns até que<br />
verídicos.<br />
Afastado na SARJETA sob uma imensa marquise protetora da<br />
chuva está a EDUCAÇÃO com um colégio caquético e um velho<br />
atlético de barba branca sem camisa conhecido como<br />
PROFESSOR que leva uma prosa com o ainda barbado<br />
algemado desdentado cueiroado acrescido de marcado pelo<br />
rosto devido àquela explosão ocorrida no quartel vizinho do<br />
hospício. Na proximidade, um pobre coitado sonolento chamado<br />
por SENADOR SARGENTÃO cuja cabeça descansa num<br />
cassetete duro.<br />
PROFESSOR: Eu já fui um estranho destituído que nem você.<br />
Vivia sempre na esperança do futuro de um serviçinho, de uma<br />
comidinha, uma caminha que nunca, enfim de coisas que custam<br />
a chegar. O que custam a sair de fato é desemprego, fome e<br />
relento.<br />
(olhando para o tempo): Apesar de em dias como esse de chuva<br />
para fora com temporal e aguaceiro para dentro com cachaça é<br />
que tudo termina em poça, sendo o único momento que a gente se<br />
sente empossado em algum cargo, algum ofício. Em resumo é<br />
uma farta de falta tudo.<br />
(olhando para o que lhe escuta): Vou contar a minha história<br />
para que vocês possam ter uma luz no fim do túnel.<br />
(começando): Minha mãe era uma celebridade ultra-reconhecida.<br />
Ela dizia sempre que eu nunca ia ser ninguém na vida, e de fato,<br />
sua profecia se concretizou e me tornei um ser otimista.<br />
105
O ouvinte abre um olho, aquele de curiosidade, o outro<br />
permanece fechado, aquele de descrente que percebe um absurdo<br />
a vista.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (curioso): Mas, como?<br />
PROFESSOR: Por que a vida é uma constante alegria mesmo<br />
para um joão-ninguém.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (mais surpreso): Não diga! Como consegue essa<br />
proeza?<br />
PROFESSOR: Viver embriagado. Não há tristeza que<br />
permaneça, ela vai logo embora.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E quando está sóbrio, você tem alguma<br />
melancolia, algum desgosto ou talvez um desalento?<br />
PROFESSOR: Alguns não, todos e o dia inteiro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quando não está mamado, é óbvio.<br />
PROFESSOR: Que nada!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E por quê?<br />
Ele desvia o olhar para a imensidão do mar, seus olhos marejam.<br />
PROFESSOR: Eu tenho uma grande mágoa que carrego há mais<br />
de sessenta anos.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: É!?<br />
PROFESSOR: É. A mulher do meu melhor amigo não quis<br />
abandoná-lo para ficar comigo.<br />
Pasmo está o ouvinte.<br />
106
<strong>ESTRANHO</strong>: Ih, como resolveu esse problema?<br />
PROFESSOR: Simples. Eu fiquei com ele.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Para poder ficar com ela, é claro! Malandro, hein?<br />
PROFESSOR: De jeito nenhum, eu sou com orgulho um exheterossexual.<br />
Isso me abalou de tal modo que deu origem para<br />
que eu fosse uma pessoa sempre alegre.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Mas, o senhor com essa idade toda,<br />
provavelmente deve ter tido algumas recaídas e ter tentado voltar<br />
a ativa.<br />
PROFESSOR: Por incrível que pareça foram apenas duas e<br />
todas no ano passado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quantos anos essas senhoras tinham?<br />
PROFESSOR: Não eram senhoras não. Uma foi num puteiro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: É!? O que fez? Como fez?<br />
PROFESSOR: Cochichei no ouvido de uma por uma e todas não<br />
me entenderam. As mais novas diziam: “Tá pensando que eu sou<br />
o quê, hein? Vá propor isso para sua mãe.” Quando procurava as<br />
de mais idade, tipo experiente, daquelas que topa qualquer<br />
parada, me davam tapão e saiam xingando até a última geração<br />
do velhote aqui.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Porra, bisa! Desculpa a expressão. Eu nunca<br />
imaginei que algum dia prostitutas reagiriam dessa maneira. O<br />
que tão cabeludo o bisavô propôs a elas?<br />
PROFESSOR: Nada demais! Eu só perguntei se elas faziam de<br />
graça.<br />
107
<strong>ESTRANHO</strong>: De graça!<br />
PROFESSOR: Claro! Por que dessa surpresa? Eu não gosto de<br />
misturar amor de uma das partes com interesse, nem sexo com<br />
desinteresse da outra parte, entendeu?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Tá bom, tá bom, é lógico, é muito lógico.<br />
(pensando): Do jeito que esse bisa é confuso vai ver que a outra é<br />
uma ninfeta.<br />
(perguntando): E a segunda tentativa?<br />
PROFESSOR: Foi com a filha de dona Marocas na praia. Ela é<br />
aquela menina adolescente sexualmente hiperdesenvolvida e<br />
sedutora.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Bingo!<br />
PROFESSOR: Que bingo nada.<br />
(contando): Eu, como tinha tido aquela experiência com aquelas<br />
mulheres lá da zona, cheguei de mansinho e propus o máximo:<br />
“Minha filha, eu sou riquíssimo, tipo ancião sarado, tarado,<br />
excelente saúde, quer se casar comigo?” Ela na bucha seca:<br />
“Não”. Intrigado eu a indaguei: “E posso saber por quê?”. Sem<br />
pestanejar: “Por causa da sua ótima saúde.”<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (espantado): De modo que ...<br />
PROFESSOR (interrompendo): ... todo dia para mim é um<br />
folguedo. É festa do desagrado, da desconsolação, da desolação,<br />
do desprazer, do dissabor. É divertimento pela aflição, pela<br />
agrura, pela amargura, pela angústia.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Tipo: “Tristeza, por favor, não vai embora”.<br />
PROFESSOR (exultante): É isso aí! Assim é que eu canto essa<br />
música. Pois, quem canta seu mal não espanta, mas sim atrai e<br />
chama.<br />
108
<strong>ESTRANHO</strong>: A vida, então, é um constante sofrimento?<br />
PROFESSOR (mais exultante): Até que enfim encontrei alguém<br />
que me entende nessa cadência de mar a minha carência de amar.<br />
O mar, o céu, o cosmo tudo é horrível.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Pessimismo em relação a tudo?<br />
PROFESSOR: Exatamente! Total, pois o que comanda o mundo<br />
é a razão.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (admirado): Que capacidade!<br />
(lembrando): Eu diria que “O mundo como vontade e<br />
representação” do Schopenhauer é um livro que ocuparia o 31º<br />
lugar entre os livros mais influentes no mundo.<br />
(contrapondo): Mas, nem todos pensam assim. Alguns acham<br />
que se a razão comandasse o mundo isso implicaria em otimismo<br />
e não em sofrimento. Aliás, os que acham que a vida é um<br />
constante sofrimento é porque o que comanda o mundo é a<br />
vontade e não a razão.<br />
PROFESSOR: Vontade ... força cósmica que está em tudo, está<br />
na pedra, na cadeira, inclusive no próprio homem. E todas as<br />
coisas se manifestam na vontade do homem. E como a vontade<br />
tem objetivo então ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Aí é que você se engana. A vontade não tem<br />
objetivo, ela não é a razão que tem objetivo, ela é caótica. Ora no<br />
mundo caótico as coisas ruins vão acontecer, o curso do mundo<br />
não é necessariamente bom.<br />
O que houve está excitado com aquela conversa que resolve por<br />
o sonolento na mesma. Dá-lhe um sacode.<br />
PROFESSOR: Acorda aí Senador Sargentão.<br />
109
Ele acorda assustado com cassetete em punho para distribuir<br />
pauladas a torto e a direita. O algemado mais temeroso que ele<br />
recua, enquanto o professor acostumado logo atua.<br />
PROFESSOR (chamando atenção): Senador Sargentão sou eu,<br />
abaixe a arma, você está no presente.<br />
SENADOR SARGENTÃO (ainda no passado): Não fui eu, juro<br />
que não fui eu. Plantaram aqueles dólares na minha cueca, me<br />
obrigaram a receber quantias mensais, eu não vi nada, não escutei<br />
nada, não falei nada, não sabia de nada.<br />
O professor vendo que o outro está mais assustado do que o<br />
Senador Sargentão.<br />
PROFESSOR: Relaxa. É que ele pertencia a seita Inocentes dos<br />
Últimos Anos.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (mais assustado): Mas, até Sargento pode fazer<br />
parte dessa seita?<br />
PROFESSOR (rindo): Que nada.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (acalmando-se): Ah! Bem! Sargento é sargento,<br />
senador é senador, poderoso é poderoso.<br />
PROFESSOR: Mas, o Sargento não é sargento.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (intrigado): Mas, ele é o que? Você não o chamou<br />
de Sargentão?<br />
Falando no ouvido do algemado de forma que o outro não<br />
escutasse.<br />
PROFESSOR: A gente o chama de Sargentão para que ele não<br />
fique muito deprimido. No fundo estamos querendo dizer<br />
Sarjetão, ou seja, o rei da sarjeta.<br />
110
<strong>ESTRANHO</strong> (ainda mais intrigado): Se ele não é sargento, ele é<br />
o que para ser respeitado como sua majestade da sarjeta.<br />
PROFESSOR: Ele é um senador da República que se desiludiu<br />
com os corruptos brasileiros que não conseguem atingir a meta<br />
estabelecida do PIB da Corrupção Mundial. O suborno não<br />
consegue atingir um PIB brasileiro, fora a depravação que não<br />
conseguir mais chocar ninguém, a desmoralização não atinge o<br />
patamar do sem-vergonhismo irrestrito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (intrigadaço): E o que falta?<br />
PROFESSOR: Você sabe qual é o cúmulo da ignorância?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não.<br />
PROFESSOR: Eu também não. Pergunta para ele.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (querendo dar o troco): E você sabe qual é o<br />
cúmulo do egoísmo?<br />
PROFESSOR: Eu não. E você sabe?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sei. Mas não conto. Não conto, não conto, não<br />
conto.<br />
PROFESSOR: Tá bom você mostrou que é bem egoísta, agora,<br />
vai querer o título também do mais ignorante?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando para si, a fim de se convencer): Não é<br />
para se ter receio. A invenção mais antiga são as ferramentas de<br />
pedra ... A lâmina de faca mais antiga data de quase três milhões<br />
de anos atrás e foi descoberta na África ... Porretes desse tipo é<br />
algo recente, ocidental, civilização ... Falar em cassetete é<br />
lembrar de audíocassetete, ou melhor, audiocasete, videocassete.<br />
(um pouco mais fortalecido): Excelentíssimo Senhor Senador<br />
Sargentão, por que desse enorme cassetete? Era do seu tempo de<br />
111
militar? De algum soldado seu? De algum primata não hominídeo<br />
em evolução?<br />
PROFESSOR: O que é isso! A pergunta a ser feita não é essa.<br />
Acatando a reprimenda.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (retomando o assunto): O que ainda Vossa<br />
Excelência, por incrível que pareça a todo um povo, consegue<br />
fazê-lo se sentir limitado na sua ambição?<br />
SENADOR SARGENTÃO (olha firmemente): Vou lhe<br />
escandalizar.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Isso é possível! Não é muita pretensão da sua<br />
parte?<br />
SENADOR SARGENTÃO: De jeito nenhum. Um bom senador<br />
é possível de tudo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Bom, lá isso é verdade.<br />
SENADOR SARGENTÃO: Escute para você ver se não vai me<br />
dar razão.<br />
(contando): Você sabe que eu eleito o senador corrupto do ano,<br />
não tinha acesso total a Casa da Moeda. Era uma burocracia sem<br />
fim. Mesmo quando conseguia ficavam me perguntando o que eu<br />
queria lá. Isso é coisa que se pergunte a um corrupto do meu<br />
porte. Paciência.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Como a vontade não tem limite,<br />
distinta da razão, consequentemente vamos para o caos, a<br />
crueldade sem que saibamos. Vou exacerbar o seu desejo para ver<br />
se ele se toca.<br />
(falando): Não acha que para ser amplo e irrestrito nos seus<br />
intentos óbvios você deveria ter autorização do governo para ter<br />
uma máquina de fazer dinheiro em casa.<br />
112
SENADOR SARGENTÃO: Pensa que não enviamos para o<br />
Congresso uma matéria nesse sentido. Alegamos cansaço físico e<br />
mental de mantermos um alto nível de tramóia e maracutaia.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu que não entendo é porque o senhor largou<br />
aquela vida por esta.<br />
PROFESSOR: Ele ficou pessimista com a decadência dos<br />
corruptos e a saída que ele encontrou foi através do hinduísmo e<br />
do budismo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: É, faz sentido. Aproximação do budismo e do<br />
hinduísmo de como se retirar do mundo é uma forma de controlar<br />
a vontade. Se quisermos ser ético não podemos nos envolver com<br />
esse mundo que não é bom, participar dele é participar do mal.<br />
Mas, a saída não é a meditação, e sim pela contemplação da arte,<br />
usar a estética para a ética, e não usar a religião.<br />
SENADOR SARGENTÃO: E quem disse que eu não vou usar a<br />
religião?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Bom, o que eu conheço é que quando eu<br />
contemplo as obras de arte, eu não tenho vontade de possuir,<br />
apenas a arte oferece uma trégua temporária nos meus desejos.<br />
Vide Narciso, a música clássica, Leonardo da Vinci. É a arte pela<br />
arte, arte pelo belo.<br />
(preocupado): Mas, apreciar a obra de arte é preciso ter<br />
educação. O senhor está preparado?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Isso tem sido uma marca na minha<br />
vida, até na própria família tenho sido singular, excepcional, de<br />
que no gênero não há outro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Então você é filho único?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Não, tenho quinze irmãos e uma<br />
irmã.<br />
113
<strong>ESTRANHO</strong>: Tudo isso! Todos vivos?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Não, vivo só eu. O resto tudo<br />
trabalha.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Algum enriqueceu com o fruto do seu trabalho?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Não, tudo analfabeto, miserável de<br />
guardar o almoço para ter o que comer na janta. Nunca comeram<br />
carne, nunca viram sangue.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando): “A ópera dos três vinténs” do Brecht.<br />
(dando esperança): Isso não quer dizer nada. Stalin foi criado na<br />
pobreza e foi um dos tiranos mais sanguinários sobre a face da<br />
Terra. Às vezes de onde menos se espera surge um poderoso, um<br />
rico sem trabalhar ...<br />
SENADOR SARGENTÃO (interrompendo): ... Sobre a minha<br />
irmã é que pairou uma leve suspeita de que poderia ficar rica sem<br />
trabalhar, logo desmentida pelo meu pai.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Se não seria pelo trabalho seria de que modo?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Casando com um homem rico.<br />
Mas, como eu disse o meu pai tirou a dúvida de todos nós quando<br />
a gente foi comentar sobre o casamento dela, ele foi logo<br />
dizendo: “Pobre rapaz!”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Então ninguém se formou?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Apenas um irmão, ele foi médico.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que bom!<br />
SENADOR SARGENTÃO: Que bom nada, esse então é que<br />
morreu muito cedo mesmo.<br />
114
<strong>ESTRANHO</strong>: O que aconteceu com ele?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Uma velhinha, na casa lotérica,<br />
confere a aposta do marido e descobre que ele ganhou sozinho na<br />
supersena acumulada. Preocupada com a saúde do marido, um<br />
velhinho de mais de noventa anos, hipertenso, diabético e<br />
safenado, ela encarrega o meu irmão, que era médico da família,<br />
de dar a notícia ao felizardo de uma forma bem amena.<br />
Numa consulta de rotina, depois dos habituais exames, meu<br />
irmão pergunta, sem dar muita ênfase às palavras: “Suponhamos,<br />
seu Mathis, que o senhor ganhasse sozinho vinte milhões na<br />
supersena ... o que o senhor faria?” Ele olhou carinhosamente<br />
para o meu irmão e disse: “Ah, doutor Mathéo, o senhor tem sido<br />
como um filho para mim. A primeira coisa que eu faria era dar a<br />
metade para o senhor.” Pronto, meu irmão caiu durinho no chão,<br />
com um ataque fulminante do coração.<br />
PROFESSOR: Faltou assistência, medicamentos.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu não acredito nisso.<br />
PROFESSOR: O que em remédios?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Pois a mim, meus caros, os<br />
remédios fizeram muito, muito bem.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Verdade? E o que você tinha?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Uma farmácia.<br />
Os dois que escutaram se entreolharam e nada falaram a<br />
respeito. Apenas mudaram de conversa.<br />
PROFESSOR: Embora jovem, você já casou?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como a conheceu?<br />
115
SENADOR SARGENTÃO (contando): Eu fui jantar sozinho<br />
num restaurante grã-fino, quando notei a presença de uma<br />
tremenda gata, sentada sozinha em outra mesa, e resolvi me<br />
aproximar. Educadamente, me dirigi a ela: “Me perdoe, senhorita,<br />
não quero parecer atrevido, mas não pude deixar de notá-la. Será<br />
que posso sentar um instante?”. Sem mais nem menos, ela<br />
começou a gritar: “O QUÊ?! IR PARA O SEU QUARTO?!<br />
FICOU DOIDO, É?! EU NEM O CONHEÇO!!!<br />
Sem entender nada, morrendo de vergonha, voltei mansinho para<br />
minha mesa, debaixo do olhar de reprovação de todo o<br />
restaurante.<br />
Daí a pouco, a tipinha se levanta e veio falar comigo, baixinho:<br />
“Queira me desculpar. Acontece que eu estou defendendo uma<br />
tese em Psicologia sobre a reação de grupos humanos em<br />
situações inusitadas. Foi apenas um teste para minha pesquisa”.<br />
Então refeito do ocorrido lhe digo com toda tranqüilidade: “Ah,<br />
sim! Entendo perfeitamente ...” E de repente comecei a berrar:<br />
“COMO?! DOIS MIL REAIS?! FICOU DOIDA, É?!”<br />
PROFESSOR: Alguém se “deformou” de lagarta em borboleta<br />
que nem eu?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Eu.<br />
PROFESSOR (muito alegre): Então! Então eu posso dizer que<br />
conheci um ex-gay? Foi quebrada a questão universal: “Você já<br />
conheceu um ex-gay”?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Como não! Saiba que antes de ser<br />
hetero eu fui gay.<br />
PROFESSOR (excitadíssimo): Conta! Conta logo!<br />
SENADOR SARGENTÃO (contando): Tudo começou com o<br />
diretor do colégio interno no qual eu era um recém-admitido. Ele<br />
me chamou em sua sala e me informou: “Meu filho, tenho boa e<br />
má notícia para lhe dar.”. Falei: “O senhor pode começar pela má<br />
116
notícia.”. “É que o seu teste psicológico acusou uma forte<br />
tendência homossexual em sua personalidade.” “E a boa<br />
notícia?”. “Bem ... é que você é uma gracinha ...”<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (voltando a pergunta que não parece ter sido<br />
respondida): Mas, o senhor não respondeu: está ou não está<br />
preparado?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Estou me preparando.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E para que?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Para não ser pego.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ah! Pego na sua vontade, no seu querer que é<br />
cheio de intenção. Claro! Já as coisas não têm intenção racional.<br />
Elas estão lá para ...<br />
SENADOR SARGENTÃO: ... isso aí ... para serem pegas.<br />
PROFESSOR: É um tal de pego e pega e eu sem pegar ninguém.<br />
Eu não estou entendendo mais nada. Que doutrina é essa sobre a<br />
qual estão dialogando?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu não tenho também muita certeza, parece que<br />
ele transita por aquela que considera que ninguém consegue viver<br />
sua própria doutrina, ou seja, fazer o que prega.<br />
PROFESSOR: O que prega ou o que pega?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando para o sarjetão): Não é você viver sua<br />
própria doutrina, mas sim tentar estar no mundo de acordo com a<br />
sua própria doutrina.<br />
SENADOR SARGENTÃO: É isso aí. Eu estou tentando.<br />
PROFESSOR: Eu não sei em que, estando aqui.<br />
117
<strong>ESTRANHO</strong>: Dispor-se de tudo é um caminho.<br />
SENADOR SARGENTÃO: Pera aí, agora sou eu que estou sem<br />
entender nada.<br />
PROFESSOR: Ficar na pior para subir ... fundo do poço,<br />
entendeu?<br />
O Senador Sargentão põe um braço em cada um, aproximando<br />
seus ouvidos de sua boca, como se fosse contar um grande<br />
segredo.<br />
PROFESSOR: Do jeito tão sigiloso, vai ver que você vai roubar<br />
o Vaticano.<br />
SENADOR SARGENTÃO (falando baixinho): É isso aí. Tenho<br />
que treinar em não ter nada. Vou me passar por um hinduísta<br />
fervoroso que está visitando aquela cidade. Como já consegui<br />
entrar em contato com alguns iluminati lá dentro, uns até já<br />
levaram um por fora. E creu nas obras de arte do Vaticano. E<br />
assim se papa o Papa. Entenderam?<br />
PROFESSOR: E por que você está contando isso para esses dois<br />
humildes, um ainda mendigo.<br />
SENADOR SARGENTÃO (falando baixinho): Vocês serão as<br />
aparições de dois discípulos de Cristo. Um ainda acorrentado<br />
moderno com essas algemas sofisticadas. O outro idoso com<br />
essas barbas brancas. Enquanto vocês despistam, eu tento entrar<br />
no Vaticano de acordo com a minha doutrina.<br />
PROFESSOR: Eu sou um declarado barbaçana do ensino e da<br />
heterossexualidade aposentada, mas não sou cúmplice de roubo<br />
nenhum.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu sou privado de movimentos das mãos, mas não<br />
sou prisioneiro de sua ambição desmedida.<br />
118
SENADOR SARGENTÃO (falando baixinho): Eu poderia<br />
demiti-los, por justa causa, dos meus intentos. Como sou<br />
persistente na minha vontade, vou dizer para as duas coisas aqui<br />
na minha frente que não têm intenção racional. Ou continuam<br />
carentes ou ficam abastados? Ou vocês aderem a Inocência dos<br />
Últimos Anos ou são encaminhados a Culpa dos Primeiros e<br />
Sempre Otários. Vou dar um tempo para vocês pensarem.<br />
Enquanto isso ...<br />
Desfere uma paulada com aquele cassetete na cabeça do que<br />
tinha as mãos soltas. Amarrando-as, apanha um saco e começa a<br />
introduzi-lo ali dentro.<br />
SENADOR SARGENTÃO: Um já foi. Agora vamos para você.<br />
Qual é a tua decisão estranho destituído?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): O quanto de estranho destituído<br />
sou se me obriga a continuar na trilha do abastado, empossado e<br />
farto?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Qual é a tua? Continuar<br />
vivenciando sofrimento misturado com conhecimento e cultura<br />
ou falar de ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (cortando a palavra): ... dele. Procurar as causas e<br />
as conseqüências do sofrimento.<br />
Agora, pelo que tudo indica vai repetir a mesma dose com o<br />
outro ainda não ensacado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (parecendo rezar): Adam Smith, principal<br />
personagem do desenvolvimento da teoria econômica, escreveu o<br />
25º livro mais influente: “Uma pesquisa sobre a natureza e as<br />
causas da riqueza das nações”. Outro brilhante foi Keynes que<br />
escreveu: “Teoria geral do emprego, lucro e dinheiro”. Isso sem<br />
esquecer do “Pragmatismo” de William James e “As origens da<br />
família, da propriedade privada e do Estado” de Friedrich Engels.<br />
119
O paraibano Celso Furtado foi a nossa esperança ao Nobel da<br />
Economia. E era um ateu nacionalista. Quem diria que mais tarde<br />
um brasileiro ...<br />
SENADOR SARGENTÃO (pensando): Por que esse barbado<br />
algemado desdentado cueiroado marcado, um estropiado<br />
mendigo rejeita a trilha dos cheios não tenho a menor idéia, só sei<br />
que, para mim, ele lá será o considerado ...<br />
120
LADO ORIENTAL<br />
121
122
O MALFEITO<br />
Avistam-se de um CAMPO DE BATALHA uma GUERRA vivaz e<br />
um avião abatido. Desta aeronave soltando fumaça se enxerga<br />
uma pessoa que se atira, logo se vê pára-quedas abrindo e<br />
navegando por cinco minutos sobre intenso bombardeio e<br />
acentuada apreensão dos soldados. O que vem do céu vai caindo<br />
bruscamente neste entrincheiramento provisório, os militares<br />
externam um sentimento oscilante para com o estranho entre a<br />
apoderação e a adoração, enquanto o acima vem ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): E eu que tenho ou tinha mil lugares<br />
para conhecer antes de morrer.<br />
Na África: das grandes Pirâmides de Gizé no Egito ao Masai<br />
Mara no Quênia, da Costa de Esqueleto na Namíbia aos Montes<br />
Drakensberg na África do Sul, da Cidade de Pedra de Zanzibar na<br />
Tanzânia ao Delta do Okavango em Botsuana.<br />
Na Ásia: da Cidade Proibida de Pequim e dos Guerreiros de<br />
Terracora de Xi’na na China ao Festival de Neve de Sapporo no<br />
Japão, do Palácio de Mármore de Calcutá na Índia aos Dervixes<br />
Rodopiantes de Konya na Turquia, do Delta do Mekong no<br />
Vietnã ao Monte Everest no Nepal.<br />
Na Europa de onde estou vindo: do Castelo de Windsor na<br />
Inglaterra a Ávila na Espanha, do Castelo do Conde Drácula na<br />
Romênia ao Anfiteatro de Arles na França, de Santorini na Grécia<br />
a Pompéia na Itália, do Vaticano que era para onde deveríamos<br />
ter ido para um local que ainda não seeeiiiiii.<br />
Porém, no momento da queda, o pára-quedista parecendo um<br />
principiante sem nenhum comando do aparelho destinado a<br />
diminuir a velocidade da queda dos corpos cai relativamente<br />
acelerado com os pés juntos ocasionando um tremendo impacto<br />
no seio daquela barricada. Contorcendo-se em dor, olha para<br />
baixo para ver o tamanho do estrago e vê um volume enorme que<br />
diagnostica imediatamente como uma imensa hérnia inguinal<br />
direta.<br />
123
E assim, no meio do intenso lançamento de projéteis de artilharia<br />
e do violento arremesso de intestino na bolsa escrotal que<br />
causam tanto sofrimento, os soldados olham com muita, mas<br />
muita, muita atenção e estranheza, nas algemas e naquela<br />
volumosa bolsa, fora o excesso de barba e marcas e a escassez<br />
de dentes e fralda. Até que irrompe uma exaltação com louvores,<br />
saudações e palmas, dando impressão de veneração triunfante.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (acabando de pensar, mesmo com dor): Na<br />
Oriente Médio onde estou: do Mar Morto à Cidade Velha de<br />
Jerusalém, de Petra na Jordânia a Krak das Chevaliers na Síria,<br />
do Mercado de Ouro de Dubai à Velha Sanaa no Iêmen, mas,<br />
afinal em que lugar?<br />
Surge um sujeito fardado, muito respeitado, todo condecorado,<br />
por demais jubilado, não de aposentado, mas, sim de<br />
contentamento, conhecido na área por Dario, que lhe dá um forte<br />
abraço e, este nada mais nada menos, era aquele doutor auditor<br />
fiscal de impostos que ele havia conhecido no seu tempo de<br />
silvícola.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Que bom rever o selvagem de<br />
novo. Ih! Perdão pelo excesso de intimidade com o talvez tããão<br />
esperado ansiosamente.<br />
(mais comedido): Oh! Continua com as minhas algemas, como é<br />
sentimental, apegado as coisas que lhe é dado.<br />
Próximo deles tem uma dúzia de canhões, o mais chegado ao<br />
algemado dá um tiro, dificultando-lhe a audição.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em reflexão e incomodado): Os chineses<br />
inventaram a pólvora em 1040 e usaram os canhões para derrotar<br />
a frota mongol na costa japonesa em 1281. Se definirmos arma<br />
como um tubo através do qual um projétil é lançado, então uma<br />
zarabatana como a que os nativos da bacia do rio Amazonas<br />
ainda usam seria uma, assim como esse canhão aqui próximo,<br />
124
mas, convenhamos o foguete já foi inventado em 1926. Acho que<br />
está na hora de aposentar essa arma aqui perto do meu ouvido.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Como você é um cara bacana,<br />
sabe conquistar os outros com essa atenção especial de usar os<br />
presentes que lhe são oferecidos. E como para os negócios Isso é<br />
de suma importância, então ...<br />
O barbudo impaciente já com aquela cena do Doutor Auditor<br />
Fiscal acrescida com a daquela peça de artilharia, resolve<br />
entender o que está acontecendo naquele tumulto, para isso se<br />
aproxima muito do Doutor Auditor Fiscal a ponto dele não ficar<br />
muito a vontade, mais precisamente, ficar muito cabreiro.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Por que de tamanha<br />
proximidade, eu só estava elogiando o seu comportamento. Nesse<br />
momento, eu só tenho um único interesse, que é de saber o que<br />
você está fazendo aqui.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (com ingenuidade): Eu é que pergunto: o que você<br />
está fazendo aqui?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ainda cabreiro): Eu estava<br />
distante, você é que veio se chegando para tão pertinho.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (entendendo tudo errado): Isso é verdade. Eu<br />
estava lá no ocidente e vim aqui para onde você estava que<br />
provavelmente é algum ponto do oriente, pois, o piloto<br />
embriagado com tanta bebida, passou batido pelo Vaticano, com<br />
aquele monte de batida de tudo quanto é tipo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Ainda bem que vocês não<br />
foram para o oeste.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Por quê?<br />
125
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Dois acidentes sérios em<br />
Portugal.<br />
De Lisboa chegou a notícia da morte de duzentas pessoas. Cem<br />
morreram num desastre aéreo com um avião a jato. As outras<br />
cem, na reconstituição.<br />
Do Porto a notícia de que um helicóptero caiu em cima de um<br />
cemitério. A gravidade foi tanto que horas depois a equipe de<br />
salvamento já havia resgatado mais de trezentos corpos.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Helicóptero foi inventado em 1940. Avião a jato<br />
em 1928. Enfim, o sonho do ser humano data de quando nossos<br />
ancestrais olharam os pássaros com inveja. Houve vários projetos<br />
de máquinas voadoras, inclusive uma de Leonardo da Vinci no<br />
século XV, mas pelo que se saiba, nenhum foi funcional. O padre<br />
Bartolomeu de Gusmão, em 1709, pioneiro do vôo humano<br />
usando um balão. Mas, o mais pesado que o ar foi com o<br />
brasileiro Santos Dumont com seu 14-Bis.<br />
(se dando conta que divagava): Mas, isso não vem o caso. Você<br />
não me respondeu a minha pergunta: o que você está fazendo<br />
aqui?<br />
Entendendo um pouco melhor, embora ainda um pouco menos<br />
desconfiado.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: O mesmo que você, ora.<br />
Agora é uma canhonada que os faz serem arremessados<br />
diretamente para o chão. Procurando se levantarem, o Doutor<br />
Auditor Fiscal como sempre ajeita a sua indumentária.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não é possível você também estava indo para o<br />
Vaticano como discípulo de Cristo? Não vai dizer que aquele<br />
Senador Sargentão ou Sarjetão, também te pegou? Aquilo é um<br />
tremendo safa ...<br />
Um canhonaço distante interrompe a palavra, pois nada mais se<br />
escuta.<br />
126
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando de forma a<br />
desvendar): Safa! O que ele quis dizer com safa? Safa em árabe<br />
significa “pureza” que é a origem da palavra “sufismo”, este por<br />
sua vez é uma corrente do islão praticada em segredo nos países<br />
muçulmanos. Ah! Mas, quem será esse sufista que faz tremer,<br />
que é o formidável, o respeitável, o extraordinário?<br />
(indagando): Você é um safa?<br />
O algemado sabedor do que tinha dito, qual seja: “Aquilo é um<br />
tremendo safado”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu nunca fui um safado, no máximo que eu fui foi<br />
um safo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando): Será que ele é um<br />
sufisto? Acho que não, acho que aquela descarga de canhões<br />
embolou de vez as idéias na cabeça do silvestre.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim, mas você não me respondeu o que você está<br />
fazendo aqui?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando preocupadamente):<br />
Coitado! Ficou que nem papagaio burro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Estou cansado de não ter resposta.<br />
Vou mudar de pergunta.<br />
(lembrando): Como eu o sei ele é judeu.<br />
(falando para receber uma resposta): Isaac, isso tudo foi graças a<br />
Jeová, não?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Não! Eu me chamo Dario e é<br />
Graças a Alá.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O que! Você passou para o lado dos maometanos?<br />
Virou a casaca?<br />
127
DOUTOR AUDITOR FISCAL (enrolando meio nervoso): O<br />
que você está fazendo aqui, para fazer uma pergunta tão óbvia?<br />
Nós estamos na República Islâmica do Irã. O islamismo é a<br />
religião fundada pelo profeta Maomé no início do século VII, na<br />
região da Arábia. O Islã é o conjunto dos povos de civilização<br />
islâmica, que professam o islamismo; em resumo, é o mundo dos<br />
seguidores dessa religião. O muçulmano é o seguidor da fé<br />
islâmica, também chamado por alguns de islamita. O termo<br />
maometano às vezes é usado para se referir ao muçulmano, mas<br />
muitos rejeitam essa expressão - afinal, a religião seria de<br />
devoção a Deus, e não ao profeta Maomé. Entendeu? E, por<br />
favor, não vai pensar que estes soldados muçulmanos do Islã são<br />
árabes.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu sei que árabes no Irã são muito menos de dez<br />
por cento da população da República Islâmica do Irã, sei que<br />
mais da metade são persas, sua língua natural é Indo-européia, o<br />
que contraria a essência da cultura árabe cuja língua dos Árabes é<br />
a semítico-Asiática.<br />
Mas, isso não vem ao caso, o que eu lhe perguntei ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interrompendo totalmente<br />
nervoso): ... o que você me perguntou eu sei, o que eu não sei é o<br />
que você está fazendo aqui, para fazer uma pergunta dessa tão<br />
perigosa?<br />
Não agüentando mais tanta insistência, puxa rapidamente ele<br />
pelo braço para um canto e deixa os canhões dispararem todos<br />
juntos para que não seja passível de tradução labial simultânea<br />
por algum dos soldados. Após mais uma canhonada daquelas.<br />
Levantam-se meio tontos.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (informando sigilosamente): Eu<br />
sou um comandante mercenário infiltrado, entendeu? Estou<br />
ganhando pelos dois lados, um excelente negócio. Portanto, abafa<br />
o caso.<br />
128
<strong>ESTRANHO</strong>: Ah! Então é por isso que você não me respondia o<br />
que está fazendo aqui? Mas, isso não impede de você me dizer o<br />
que eu estou fazendo aqui?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Como! Ainda não sabe?! Por<br />
acaso, esses buns de canhão a toda hora têm lhe feito um estrago<br />
no cérebro? Pode deixar que eu vou dar um jeito nisso.<br />
Tira folhas de espinafre dos bolsos e se põe a mastigá-las com<br />
grande voracidade.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (gritando para a tropa,<br />
principalmente para os canhoneiros): Vão fazer barulho com<br />
esses canhões para bem longe daqui, seus bebuns, seus pés de<br />
cana molengas, o seu tããão esperado ansiosamente precisa de<br />
silêncio para poder tramar a estratégia do confronto final.<br />
Enquanto isso, uns vão por esse lado atirando para o mar Cáspio<br />
no sentido de pegarem submarinos ou urubus desatentos, outros<br />
vão para aquele outro lado mandando tiros para as piscinas<br />
infláveis no deserto de Dasht-e-Lut com a finalidade de pegarem<br />
escafandristas ou bichinhos de crianças nos fundos desses<br />
reservatórios de água.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como é que eles entendem o que você fala?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (apontando para um soldado<br />
com a camisa do Flamengo): Aquele ali é um brasileiro que eu<br />
trouxe. Ele dá o seu jeito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quem é esse tããão esperado ansiosamente?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Acho bom recobrar logo essa<br />
memória, senão o negócio pode ficar feio para o seu lado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como assim?<br />
129
DOUTOR AUDITOR FISCAL (olha seriamente nos olhos do<br />
pára-quedista): O cara, você é o cara! Por que acha que foi<br />
ovacionado aqui? Você é o exótico barbado algemado desdentado<br />
cueiroado marcado e defeituoso do ovo que desceria do céu com<br />
o saco cheio para cumprir a profecia.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Defeituoso do ovo deve ser a essa<br />
hérnia enorme; mas, o saco ficou cheio aqui com a batida no<br />
chão. Exótico deve ser por estar barbado algemado desdentado<br />
cueiroado marcado e ainda por cima pular de pára-quedas; mas,<br />
fique sabendo, em nada disso tive escolha.<br />
Aliás, onde estarão os dois que estavam naquele avião? Epa! Isto<br />
eu deixo para depois. O urgentíssimo é saber ...<br />
(falando): Eu vou cumprir que profecia?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: A de acabar com essa guerra,<br />
ora bolas. Isso sem nenhuma menção as suas que devem ser<br />
tratadas com reverências.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (irritado): E eu lá quero reverência para os meus<br />
testículos. O que eu exijo saber é que guerra é essa?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Não se lembra? Ela é a<br />
primeira e única.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Puxa! Que lugar formidável para se morar, tão<br />
antigo e só teve essa guerrinha recente.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Como assim? Desde que esse<br />
local foi descoberto há milênios iniciou com essa guerra que até<br />
hoje não acabou.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O que! E eu que vou terminar com essa confusão?<br />
Nem morta. Vou sair de fininho para que eles não me sigam, se<br />
você quiser pode me seguir.<br />
130
O Doutor Auditor Fiscal agradecido por aquele convite põe no<br />
agraciado sua larga túnica escura de lã, o que protege inclusive<br />
da visão daquele saco monstruoso. Eles caminham resolutamente<br />
em direção contrária a sua tropa.<br />
Horas se passam quando eles se vêem surpreendidos pelos<br />
inimigos invasores com espadas sarracenas nas mãos que são<br />
liderados por um camelo barbado com uma coroa de metal<br />
vagabundo na cabeça, todo enfeitado, pintado de negro. Ao seu<br />
lado, vem a nossa conhecida vesga e agora reconhecidamente<br />
uma sobrevivente da favela no México. Ao se verem eles se<br />
abraçam fortemente.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (falando para si): Nossa que<br />
coisa feia aquela anazinha magrinha, bigoduda e zarolha. De que<br />
continente deve ser isso aí? Bom, levando em conta, o que<br />
aprendi em geografia. A mulher dos 15 aos 20 anos é como a<br />
África: meio virgem, meio explorada. Dos 20 aos 30 é como a<br />
Ásia: quente e misteriosa. Dos 30 aos 40 é como a Europa:<br />
eficiente. Dos 40 aos 50 é como a Europa: devastada, mas com<br />
muita história. Dos 50 em diante é como a Oceania: todo mundo<br />
sabe onde é, mas ninguém vai lá. Portanto, ela deve ser da<br />
Oceania, quem sabe uma australiana.<br />
E olhando para ela começa a comer alface com broto de bambu.<br />
Ela se sentindo muito mal com aquela comida e com aquela<br />
olhada, pára de abraçar, fica desconfiada com aquele<br />
desconhecido, por medida de segurança de sua tropa vai ao seu<br />
encontro cobrando identificação.<br />
DUMALZINHA: Sabes a senha?<br />
Pensando em se tratar do seu cartão de crédito coloca a mão na<br />
cabeça para pensar os números. Enquanto isso ...<br />
131
DOUTOR AUDITOR FISCAL<br />
(falando para si)<br />
Que bom! Até nesse fim de mundo se faz negócios fantásticos<br />
com promessas de lucro fácil e rápido. Vou me dá bem nesse<br />
negócio da China. Epa! Mas, isso aqui, com essas espadas<br />
sarracenas, está com pinta de negócio da Arábia. Ah! Tanto faz,<br />
negócio é negócio.<br />
Mas quase que instantaneamente lembra dos números de seu<br />
cartão de crédito.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (contente fala): Sei.<br />
DUMALZINHA (aliviada): Então entra.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Ah! Mas eu só disse que sabia.<br />
DUMALZINHA: Árabe confia se alguém diz que sabe é porque<br />
sabe. Os persas é que não esquecem, eles estão com duas derrotas<br />
entravadas na garganta: uma para os gregos e a outra para os<br />
árabes.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Árabe você notou que eu não<br />
sou, judeu nem pensar, então você ficou em dúvida entre eu ser<br />
persa ou grego. Como veio a certeza?<br />
DUMALZINHA (saudosa): Pela lógica. Se eu gostava de meu<br />
ex-chefe e ele simpatizava com os gregos então eu tenho atração<br />
pelos gregos. Como eu me amarrei na sua, então você deve ser<br />
grego e vai poder entrar a vontade.<br />
Ela o abraça afetivamente deixando-o muito nervoso por não<br />
saber qual era o negócio.<br />
DUMALZINHA: Então, você é o conquistador Alexandre, hein?<br />
Pode ficar calmo que eu não lhe vejo como um demônio com<br />
cabelos desgrenhados, nascido da raça da cólera.<br />
132
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando, nervoso): Será que<br />
ela pensa que é uma rainha amazona da Antiguidade com a idéia<br />
de querer ter um filho com o rei Alexandre da Grécia? Mas, ele<br />
era gay, mas eu não sou gay.<br />
Ela caminha para dentro da tropa e o solta. E volta para aquele<br />
conhecido.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (aliviado): Oba! Acho que ela<br />
desistiu. Fazer negócio com aquela trufu ia sair muito caro,<br />
vamos ver o que tem de baratinho aqui.<br />
(observando atenciosamente em volta): É! Talvez estas espadas<br />
sarracenas de menos de três quilos. Uma das maiores conquistas<br />
da metalurgia, que nos inícios do domínio árabe era forjada e<br />
temperada em Damasco na Síria. Elas durante as Cruzadas<br />
deixaram os europeus atônitos com suas enormes espadas<br />
pesando doze quilos que iam sendo quebradas ao meio por<br />
aquelas árabes.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (surpreso): Dumalzinha! O que você está fazendo<br />
aqui neste deserto?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando): Em vez de fazer<br />
negócio fica ... Será que todos os Aguardados fazem essa mesma<br />
pergunta. Vai ver que é para saber se a pessoa tem consciência do<br />
seu papel aqui na Terra.<br />
DUMALZINHA: Eu agora sou ajudante de ordens do rei.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que rei?<br />
DUMALZINHA: Desse Camelo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando do que o ex-chefe dela havia feito<br />
consigo lá no México): Você largou o outro?<br />
133
DUMALZINHA: Eu não costumo tratar os meus ex-chefes<br />
desrespeitosamente.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ainda recordando): Você sabe que fim ele levou?<br />
DUMALZINHA: Sei que ele está fugido por aqui, no ramo de<br />
camelo procurando sua mãe pelo mundo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (interessado): Um camelo ou<br />
uma cáfila?<br />
(observando que não estava sendo entendido): Ele está no ramo<br />
da camelaiada, não é?<br />
DUMALZINHA (meio zangada): Você é surdo? Foi isso que eu<br />
disse.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (tão interessado que não<br />
percebe que ela estava magoada): Aonde é a rota das caravanas?<br />
Uma camelaiada deve ser algo muito difícil de ser comprada,<br />
não?<br />
DUMALZINHA (meio magoada, mas educada): Comprada? Foi<br />
tudo roubada!<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Mas, isso é normal. Eu<br />
também já entrei em cada roubada.<br />
DUMALZINHA (meio deseducada, volta o foco para o outro):<br />
Sabe que em homenagem ao chefe Dumal até pintei esse camelo<br />
de preto como você deve ter notado. Foi um frisson aqui nessa<br />
terra árida.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Então, você é uma espécie de Tarik Ibn Ziad, um<br />
general árabe que conquistou a Espanha e fez um discurso<br />
memorável ao exortar às suas tropas antes da decisiva batalha de<br />
Guadalupe em 711.<br />
134
DUMALZINHA: Menos, menos. Algo mais para o nosso<br />
continente de origem: a fabulosa América.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Então talvez um Simon Bolívar que libertou cinco<br />
países sul-americanos do domínio espanhol, atuação tão<br />
dominante na história de todo um continente. Ou, ao contrário,<br />
Francisco Pizarro, conquistador do império inca no Peru.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (simpático para retratar-se e<br />
reafirmar bons negócios): Ela merece mais, mais, mais.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Mas, ô Isaac ... digo Dario ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (nervoso com aqueles nomes<br />
citados): ... Alexandre, não esqueça: Aleeexandreee.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ela era uma bandida com enorme importância<br />
negativa na vida de um imenso número de pessoas.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Uma Hitler da América, de<br />
saias.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Claro que não. Mas, você não me respondeu a<br />
minha pergunta: “o que você está fazendo aqui?”.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Eu?!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não a outra.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando preocupadamente):<br />
Caramba! A volta do papagaio burro.<br />
DUMALZINHA: Eu pertenço a facção dos inimigos dos<br />
inimigos do amigo da seita dos ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (interrompe rapidamente): Olha, como eu estou<br />
um pouco com pressa.<br />
135
DUMALZINHA: Sempre apressado, hein? Cuidado porque o<br />
coração é uma bomba e um dia ele dá um ...<br />
Estouro ensurdecedor.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Lá vêm esses canhões de novo<br />
com esses bum.<br />
DUMALZINHA: Não foi bum de canhão, foi um pum real. O rei<br />
sempre faz isto quando está entediado.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (rapidamente): Ih! Alegria,<br />
alegria. Acho melhor a gente contar piadas para ele. “Era uma<br />
vez um camelo todo cheio de ouro e seda, imponente que nem<br />
aquela sua majestade ali ...”<br />
DUMALZINHA (falando baixinho): Pssiiiuuuu! Você quer ser<br />
decapitado com uma sarracena? Não reparou que sua coroa não é<br />
de ouro e que sua roupa não leva seda? Pois é, ele é um camelo, e<br />
não uma camela, entendeu?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando): Nossa contar uma<br />
piada aqui no Irã é muito complicado. Mas, o mais complicado é<br />
aquele camelo não rir. Vamos continuar.<br />
(prosseguindo): “Aí um camelão passou perto daquele camelo<br />
todo cheio de ouro e seda, e falou: “Florzinha, não pode andar<br />
sem burka por aí não, hein belezoca”<br />
O rei sem nenhum blaterar se joga ao chão e de barriga para<br />
cima ri sem parar. O perigo não está apontando para a terra, ele<br />
está dirigido no momento para o céu e sem ameaçá-lo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Daqui a pouco vão dizer que esse camelo acha<br />
que Deus está morto.<br />
DUMALZINHA: Isso já está presente no século XIX. Pela<br />
perspectiva dele, um camelo atualizado, Deus está vivo nos dias<br />
136
de hoje, embora a elite privilegiada ao qual ele faça parte tende a<br />
não precisar de religião.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Será que ele não está constatando, a perda da<br />
religiosidade, mas não a da religião? Já que a arte deixa de ser<br />
sacra, a teologia passa para a ciência.<br />
DUMALZINHA: Talvez. Todavia, ao notar que estamos indo<br />
para não se ter mais apreço do mundo e as pessoas, pois, estes são<br />
tidos como ruins, o que traz um crescente tédio, e uma vontade<br />
que o mundo e as pessoas acabem. No entanto, ele quer combater<br />
esse pessimismo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Será que ele não está considerando que se deve<br />
voltar a harmonia dos helenos: as forças da forma de Apolo ou<br />
então o desregramento da música e vinho de Dionísio, um<br />
autêntico bacanal?<br />
DUMALZINHA: Talvez. No entanto, ele quer entender a razão<br />
que nos levou a sermos muitos chatos. Ele quer escapar do<br />
pessimismo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando mal): Bacanal! Eu<br />
chato! Que camelo devasso e petulante. Mas, vou ficar na minha<br />
senão acabo explodido pelo rei ou todo espetado por esses súditos<br />
desta majestade.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A razão é porque perdemos a nossa capacidade de<br />
invenção, evitamos ousar, vivemos uma vidinha e somos apenas<br />
seguidores de rotinas, somos seres de prudência vide a enxurrada<br />
de seguros como de casa, carro, incêndio, saúde. Acreditamos em<br />
poucas coisas e nem naquilo que dizemos que acreditamos não<br />
seguimos, nós nos perdemos no cotidiano sem exercitar nenhuma<br />
das faculdades, principalmente a imaginação. A completa<br />
melancolia parece ser algo elegante. Avançado é ser descrente,<br />
contrário e derrotista, caso for esperançoso, risonho e otimista<br />
passa por bobo.<br />
137
DOUTOR AUDITOR FISCAL (preocupado): Por favor, só não<br />
mencionem a palavra “tédio”.<br />
Foi só ele ter falado sem notar que mais um daquele petardo real<br />
insuportável é solto pelo camelo deixando o ambiente todo<br />
contaminado fazendo até escorpião gerar seu próprio calor a fim<br />
de abandonar a captação de fontes externas que se encontram<br />
completamente poluídas.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando com dificuldade):<br />
Que porcalhão é esse que nem camelo é, isso é apenas um<br />
dromedário fumacê. Um bicho de uma corcova só, com pelagem<br />
curta e não vistosa.<br />
DUMALZINHA: O rei fez isso porque você ainda não disse<br />
como escapar do tédio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A perspectiva de quem estou a dissertar é o das ...<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando impacientemente):<br />
Mais uma perspectiva! A do dromedário porcalhão, a dessa<br />
estrábica que deve ver tudo complicado e agora essa das ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: ... perspectivas.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pensando, a ponto de<br />
estourar): Mais de uma! Várias! Ih! Se isso vem desde daquele<br />
mato vazio em que ele vivia, vai ser ... mas, se vier desde quando<br />
o Irã se chamava Pérsia, isso vai ser o matutar das perspectivas.<br />
Vai ter até a perspectiva de Zarastrusta.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Zaratustra foi um profeta nascido na Pérsia,<br />
provavelmente em meados do século VII a.C. Ele foi o fundador<br />
do Masdeísmo ou Zoroastrismo e também o possível criador do<br />
deus que conhecemos hoje do monoteísmo. O quinto livro mais<br />
influente no mundo é o Avesta desta religião que prega que o<br />
138
esforço e o trabalho eram atos santos, uma de suas frases: “O que<br />
semeia milho, semeia a religião. Não trabalhar é um pecado."<br />
Esse fundador foi tão valioso que um livro que faz referência a<br />
ele é um dos entre os cinqüentas mais importantes: “Assim falou<br />
Zaratrusta” do Nietzsche.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Não acabei de dizer! Fala<br />
Zara!<br />
DUMALZINHA (pensando preocupada): Fala nada! Abaixo o<br />
conhecimento e cultura.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ele fala que para escapar do tédio temos que<br />
montar um saber onde essas coisas entediantes desaparecessem,<br />
mas se isso desaparecer nós não estamos mais falando do homem,<br />
mas sim além-do-homem. Não de um super-homem que seria o<br />
homem elevado a uma superpotência. Este ser além-do-homem<br />
vive a vida sem ansiedade. Quanto as coisas boas ou ruins ele<br />
simplesmente as vive, por isso, ele não é homem. É a utopia do<br />
homem e não a da cidade.<br />
Zarastrusta não escreve em prosa, mas sim por metáforas.<br />
Inclusive, diga-se de passagem, que o herói não é Zarastrusta,<br />
mas sim o último dos homens, o que vai anunciar Zarastrusta; já<br />
o que escreve esse livro é o penúltimo dos homens, é o que<br />
escreve a vida deste herói. Ele não descreve muito porque se o<br />
fizer existe um local no papel, passando a ser profecia.<br />
O animal mamífero se desvira e fica muito sério.<br />
DUMALZINHA (falando baixinho de modo confidencial): Eu<br />
não disse para não falar nada. O rei é árabe, muçulmano, islamita,<br />
maometano e ele odeia o persa masdeísta, zoroastrista,<br />
zaratrustita. Fale algo sobre Maomé, mas de coração porque se<br />
ele perceber que alguém está mentindo, já era uma cabeça.<br />
Sem temor e com muita sinceridade.<br />
139
<strong>ESTRANHO</strong>: Maomé, para mim, é a primeira personalidade da<br />
história, foi o único homem extremamente bem-sucedido em<br />
ambos os níveis: secular e religioso. Fundador da religião que<br />
mais cresce na atualidade e que ocupa a segunda colocação entre<br />
os números de adeptos. Um de seus discurso – A Surata do<br />
Acontecimento Inevitável – é o sexto mais influente na história.<br />
O seu livro – O Corão –, num determinado sentido, é um dos dez<br />
mais influentes no mundo.<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL: O camelo real está chorando!<br />
Dumalzinha se aproxima do rei para servi-lo naquela sua<br />
comoção. Os dois confabulam de alguma maneira não muita<br />
explicita. Porém, ela volta assustada para comunicar o que se<br />
passou, passa e que vai passar.<br />
DUMALZINHA: O rei chorou por ter sido atendido em seus<br />
anseios profundos diante do que havia falado Zaratrusta. Ele está<br />
disposto a mudar de religião e deixar aquela vida de luxo no<br />
deserto.<br />
E não é conversa não. Ele abaixa a cabeça deixando aquela<br />
coroa tombar nas dunas o que representa o abandono ao trono,<br />
ou seja, a renúncia real. E num sinal de gratidão, com sua boca<br />
vai tirando a túnica daquele ser tão aprimorado e caprichado<br />
como demonstração simbólica de passar a ser um servo a<br />
disposição daquele mais do que perfeito.<br />
DUMALZINHA (muito emocionada, fala para o algemado):<br />
Esse ato nunca irá se apagar da minha memória, o rei<br />
reconhecendo a grandeza do ser esmerado que você é.<br />
Quando a túnica desce de modo a tocar inteiramente no chão, os<br />
olhos dos armados com as espadas sarracenas se esbugalham<br />
com o que vê, o ex-rei de tanto assustado foge. Quando o recém<br />
destunicado ia indagar o que estava acontecendo, tem em volta<br />
de seu corpo todas as espadas sarracenas.<br />
140
<strong>ESTRANHO</strong> (se indagando): Grosseiro, não fui. O que será que<br />
eu fiz?<br />
(se indagando mais ainda): O quanto de estranho malfeito sou se<br />
o rei me achava até ainda bem pouco um ser bem-feito?<br />
DUMALZINHA (se preparando para dar no pé): Eu não me<br />
lembro de nada, esqueci tudiiinho. Bom, eu como eterno serviçal<br />
de sua ex-realeza tenho que ir ao seu encontro. E você como uma<br />
pessoa sociável se entenda com esses reservados espadados.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (se indagando): Mas, o estranho aqui não sou eu?<br />
Como posso ser sociável?<br />
DOUTOR AUDITOR FISCAL (outro se desvencilhando): Eu<br />
acabei de entrar para a facção dos inimigos dos inimigos do<br />
amigo da seita dos ... dos não sei o que do B. E você como uma<br />
pessoa bem-feita, perfeita, se entenda com esses realizados sem<br />
cuidado ou competência de modo que cada um deles pertence a<br />
uma e somente uma entre as milhares doutrinas que se afastam da<br />
crença ou opinião geral.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (se indagando): Mas, o malfeito aqui não sou eu?<br />
Como posso ser bem-feito, perfeito?<br />
(parecendo rezar): “Guerra e Paz” de Tolstoi<br />
Dom Paulo Evaristo Arns (1921-) foi um dos defensores da<br />
camisa canarinho na disputa pelo Nobel da Paz. Ele concorreu em<br />
1990, mas teve que encarar o megacraque Dalai Lama, que ficou<br />
com o título. O sociólogo Betinho deu a sua contribuição para<br />
emplacar na categoria. E era um ateu “cristão”. Quem diria que<br />
mais tarde um brasileiro iria ...<br />
Aqueles canhões que estavam apontados pelos bêbados e<br />
viciados para o mar e para as piscinas infláveis estão perdidos<br />
atirando para todos os lados. E isso faz com que numa destas<br />
rodadas de fogo para fora e para dentro do corpo atinjam a<br />
proximidade daquele aglomerado invasor árabe que se<br />
dispersam deixando o bem dotado muito curioso e furioso com<br />
141
um negão ao longe cheio de camelos. Do ponto de vista do negão<br />
uma grande interrogação: “Por que esse barbado algemado<br />
desdentado cueiroado marcado herniado tido como [o tããão<br />
esperado ansiosamente] não atina que naquele outro lado do<br />
mundo provavelmente o que lhe espera é ser considerado ...”<br />
142
O ESTRANGEIRO<br />
Há seis anos atrás. Lá estão os dois juntos muito longe daquela<br />
guerra. O barbado algemado desdentado cueiroado marcado<br />
herniado com uma mãozinha de coçar e o bigodudo, alto e forte,<br />
com uma mãozinha de caçar qualquer otário que lhe apareça na<br />
frente. Este está muito comunicativo, quando se depara com<br />
alguém, fala a uma única palavra que conhece e, que se diga de<br />
passagem, com bastante ênfase: “Salamat!”. Ah, sim! O que ela<br />
quer dizer? “Salamat” quer dizer “Oi”.<br />
DUMAL: O estranho. O que ela está falando para aquele gringo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Estranho ainda!<br />
(respondendo): Saya cinta padamu.<br />
DUMAL: Você sabe do meu caso. Traduz aí.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu te amo.<br />
DUMAL: Cara ela é fogo. E ele o que disse?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Berapa harganya ini? Ou seja: Quanto isto custa?<br />
DUMAL: Gringo esperto, aquele ali. Está chamando aquilo de<br />
isto para depreciar o produto. Vou dá um pau nele.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Calma! Calma. Ele está no caminho certo, está<br />
sendo sincero com o produto. No momento, acabou de afirmar:<br />
Saya mau makan. Traduzindo: Eu quero comer.<br />
DUMAL: Agora tá bom! Tá falando a linguagem certa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ela convidou: Silakan, masuk. Isto é: Entre, por<br />
favor.<br />
143
DUMAL: Ele está subindo a escada, está entrando ... entrou ...<br />
está dentro ... Epa! Está saindo ... descendo ... desceu ... saiu.<br />
Parece aquela piada do coelhinho: “Vamos dar uma?”. A<br />
coelhinha: “O que?!”. Coelhinho: “Vamos dar outra?”.<br />
(prestando atenção): Mas, ele está gritando com ela. Por que está<br />
tão zangado? O que ele está ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: ... Di mana dompetku? Traduzindo: “Onde está a<br />
minha carteira?”<br />
DUMAL: E ela está gritando o quê?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Saya tidak tahu. Saya tidak tahu. Ou seja: “Eu não<br />
sei. Eu não sei.”<br />
DUMAL: Puxa! Mamãe não é de levar desaforo para casa, só<br />
leva carteira.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A situação está ficando da sua cor. É melhor você<br />
ir lá pra defender sua mãe.<br />
DUMAL: Eu não posso, não lembra! Estou irregular nessa<br />
Indonésia, sem nenhum armamento. Vai você que é o cafetão<br />
desta zona, desta CASA DE TOLERÂNCIA.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu! Ainda bem que você está sem arma, senão ia<br />
deixar alguma comigo, como fez lá no México, e a polícia<br />
chegando lembra e você de fininho, quando a polícia chegou ...<br />
Sirene da polícia. Um corre corre naquela área de LAZER.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que será que está acontecendo? O que eles<br />
querem?<br />
DUMAL: Não é nada demais não. Eles estão atrás dos camelos<br />
que deixei lá nos fundos da sua casa.<br />
144
<strong>ESTRANHO</strong>: Lá! Mais uma comigo! Mas, você não disse que<br />
os tinha vendido logo que aqui chegamos?<br />
DUMAL: É que eu não posso viver sem eles, é coisa de coração,<br />
e sempre termino eu os pegando de volta.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Pelo menos foi comprado, não?<br />
DUMAL: Não, foi totalmente roubado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (apontando): E lá estão os seus camelos levados<br />
pela polícia. Epa! Tem um leão no meio deles.<br />
DUMAL: É! Oh! Ih! Coitados!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Você conhece os policiais?<br />
DUMAL: Não, eu conheço é o leão.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como você conhece um leão?<br />
DUMAL (se descontrolando): Através do meu amigo, um dos<br />
raros budistas existentes na índia, que em peregrinação por esse<br />
sudoeste oriental, esse sudoeste asiático maldito, essa Indonésia<br />
desalmada ...<br />
(se desculpando e continuando): Desculpa-me por esse desabafo.<br />
Como eu estava contando. O meu amigo indiano passando perto<br />
de um circo, exatamente no momento em que cinco leões<br />
fugiram. Não ficou uma pessoa nas imediações para contar a<br />
história, inclusive o meu amigo que deu de cara com um dos<br />
leões muito raivoso. Desarmado, ele só teve uma alternativa para<br />
tentar acalmar o bicho: tocar a sua flauta. E não é que deu certo!<br />
Assim, que ouviu as primeiras notas, o leão ficou manso como<br />
um gatinho. Nisso foram chegando os outros leões, veio o<br />
segundo, o terceiro, o quarto, as pessoas foram voltando e o meu<br />
indiano amigo tocando a flauta sem parar. Os leões acalmados<br />
pela música foram sentando em redor dele relaxados, o público<br />
145
também, inclusive o domador deles, só que este muito<br />
preocupado. Quando o clima era de alto nível, chegou o quinto<br />
leão que faltava, que não quis saber daquele peregrinismo<br />
musical e estraçalha o pobre coitado com flauta e tudo. O<br />
domador dos leões testemunha ocular comentou: “Eu sabia que<br />
ele ia se dar mal com o surdinho.”<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (querendo saber a situação da progenitora de<br />
Dumal): E a sua mãe?<br />
DUMAL (ainda preso na história que está contando): Mamãe<br />
não conhece o surdinho. Ela não é muito chegada a animal não.<br />
Ela se amarra em cidade grande. Um dia ela foi visitar uma<br />
fazenda aqui, chegou no curral e sussurrou no ouvido de uma<br />
espécie de gado bovino: “Hoje, sua coisinha da mamãe, sou em<br />
quem vai tirar o seu leitinho, ouviu, graçinha?”. Aí foi a minha<br />
vez de sussurrar no ouvido dela: “Mamãe, eu também tenho uma<br />
surpresa para você. Ele, não é vaca, e pior do que possa imaginar<br />
também não é um touro, ele é um boi, corre!”.<br />
(contando com entusiasmo aquela história, começa a gritar):<br />
Corre mamãe! Corre, corre!<br />
Ela escutando aqueles gritos e nota que quem está chamando é<br />
seu filho. Tira os sapatos de salto alto dos pés, tenta sem sucesso<br />
cobrir a barriga, pernas e parte da coxa com a blusa e saia que<br />
está usando, e atendendo se põe a correr para ele.<br />
ENFERMEIRA (bufando quase enfartando): O que houve meu<br />
garoto! Ligou sem querer o chuveiro quando foi tomar banho?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como assim?<br />
ENFERMEIRA: Ele só usa xampu para cabelos secos. Aliás,<br />
não se meta nisso, isso é coisa de mãe e filho. Você sabe muito<br />
bem que está me devendo uma seringada.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como! Ele não toma banho?<br />
146
DUMAL: Vamos respeitar. Cada um com a sua crença religiosa.<br />
ENFERMEIRA: Evitada a crença religiosa, o fim do ser<br />
humano é o prazer. Tudo é composto ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando, embevecido): ... por átomos.<br />
“Carta sobre a felicidade” é um dos maiores discursos na história.<br />
Será que ela conhece a filosofia para produzir deuses?<br />
Vou continuar para ver se ela é uma discípula de Epícuro.<br />
(falando): Ele queria ser um médico da alma, o que ele queria<br />
curar? Nada. Porque ele queria fazer uma medicina preventiva,<br />
evitar que se ficasse doente da alma. Isso, no fundo, era Atenas<br />
ensinando filosofia versus Alexandria ensinando medicina.<br />
DUMAL: Afinal, qual é a doença?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: É a ansiedade. Epícuro vai procurar descobrir o<br />
que provoca sua ansiedade. Para ele é o convívio com a<br />
competição “provocado pelos deuses”, pelas pessoas terem medo<br />
dos deuses, inclusive após a morte, daí ter dinheiro para fazer<br />
oferendas para os deuses. Em sua física ele mostra que tudo é<br />
átomo e vazio, e os deuses existem, mas infelizmente não estão<br />
preocupados conosco, pois se eu sou um deus e tenho todos os<br />
poderes porque eu vou me preocupar com um mortal, além do<br />
mais como o corpo do mortal é físico e, portanto depois da morte<br />
não tem nada, então nós vamos se preocupar com o quê? Saiamos<br />
dessa ansiedade, dessa competição e vamos curtir a vida, ter<br />
prazer, essa é a bula.<br />
Ela continua a mesma, bate palmas sem parar, mesmo<br />
entendendo meio torto.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (no embalo do agrado): Quais são os deuses<br />
atuais? Ansiedades: bebida, comida, sexo, droga, vícios,<br />
namorado que não quer, emprego. Qual é o deus do cristianismo?<br />
Um deus ciumento cujo primeiro mandamento é que se deve<br />
amar a ele sobre todas as coisas.<br />
147
Outro é o estoicismo que não emprega o prazer que vai fazer você<br />
ser sábio, mas sim o autocontrole porque o mundo é<br />
predeterminado, logo, não é o autocontrole no prazer. É o fazer o<br />
que dá para fazer, o que está determinado, tipo: “eu não estou<br />
preocupado com a morte porque ela é o meu destino”.<br />
Já o prazer do epicurismo não é a gula, mas sim o prazer sábio.<br />
Beba água ou coma algo até o prazer, não como o vomitório<br />
romano. Também, não é o saber parar, mas sim o saber até que<br />
ponto dá prazer. Chupa jabuticaba sem pegar o amarguinho.<br />
ENFERMEIRA (fanzoca): Que lindo esse biquinho. Faz de<br />
novo. Diz: “Jabutiquabinha, ..., amarguinho”.<br />
DUMAL (pensando): Gigolô é bom de conversa. Mas, eu me<br />
lembro, mesmo estando contrariado, da conversa dele com<br />
Dumalzinha, lá no México, sobre bem e mal. Ela depois, num<br />
particular comigo, desabafou dizendo que não estava nada<br />
convicta com o que esse bom da lábia tinha argumentado. Para<br />
ela: ou Deus pode e não quer evitar o mal e, portanto, Ele não é<br />
bom; ou quer e não pode e, portanto, não é onipotente; ou nem<br />
pode e nem quer e, portanto, não é Deus. Vou dá um nó nesse<br />
vaselina.<br />
(falando): Afinal, de onde procede o mal?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ultra-rápido): Eu me lembro que já respondi lá no<br />
México que Deus criou o bem e o mal, ambos fazem parte do<br />
plano Dele. Agora, se não está convencido: “Por que buscá-lo em<br />
Deus e não neste nosso mundo?”.<br />
Silêncio embatucador, até que ...<br />
DUMAL (rindo): Desse cafifa ninguém escapa. Até minha mãe<br />
que é rodada tá indo nesse papo indolor. Você sabe muito bem<br />
cafetão desde lá das Américas, que eu não ... que eu não ... não ...<br />
Aproveitando que Dumal não está lembrando do que tem a dizer,<br />
mas ele não esquece do que tem de pensar.<br />
148
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): ... não passa de um chato. Uma vez<br />
chato, sempre chato. Antes cismava que eu era um santo, agora<br />
que sou gigolô, cafifa, cafetão, todos sabem muito bem que eu<br />
não ... que eu não ...<br />
Agora é ele que esquece o que tem a pensar porque uma forte<br />
coceira o invade e ele entre os “ai e ui” rapidamente emprega a<br />
mãozinha de coçar que estava na sua mão, o que o deixa<br />
bastante amolado.<br />
ENFERMEIRA: Como você fica chateado com esse chato!<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ainda preso no que estava pensando do filho<br />
dela): Não, eu não estou amolado com Dumal, o chato é piolho<br />
do púbis mesmo, aquele que tem muito nesta zona.<br />
O filho da enfermeira completamente por fora do que está<br />
acontecendo ali, continua procurando encontrar as palavras até<br />
que as encontra.<br />
DUMAL (completando o que ele estava dizendo): ... que eu não<br />
sei ler mais gosto de livros, de sua cor, de tê-los exibidos na<br />
estante. Adoro ouvir que se fale em ...<br />
ENFERMEIRA (para o que está com piolho do púbis): Larga<br />
essa mãozinha, vai mesmo com as mãos ... com as mãos.<br />
DUMAL (completando o que ele estava dizendo): ... Camões, é<br />
isso aí mamãe!. Se ele fosse vivo, hein! Se Camões fosse ainda<br />
vivo em nossos dias, seria levado em conta como um homem<br />
extraordinário, não?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sem dúvida, um fenômeno!<br />
DUMAL: Qual o motivo de tanta certeza?<br />
149
<strong>ESTRANHO</strong>: Ora, ele estaria hoje com cerca de quatrocentos<br />
anos!<br />
DUMAL (continuando na dele): Que livros famosos e de<br />
famosos, com capa bonita, você recomenda para minha mãe?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Talvez “Romeu e Julieta” do maior escritor de<br />
todos os tempos: William Shakespeare.<br />
DUMAL: Diga uma frase dele que traga fé no futuro dela.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “Os miseráveis não têm outro remédio a não ser a<br />
esperança.”<br />
Os familiares aplaudem, a mãe assobia alto e o filho soluça<br />
baixo.<br />
ENFERMEIRA: Você sabe que ele é um bebê chorão que só<br />
soluça sem dizer uma frase que retribua a frase do sheik, sheik,<br />
esse que ele acabou de ouvir e de se emocionar. Mostre ao meu<br />
filho como se faz. Procure uma frase desse sheikespirro, imagine<br />
ele como um feto acabando de sair do útero de sua mamãe sheika<br />
e vendo, em primeiro lugar, o meu filho e a mim naquele parto, o<br />
que diria?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O sheikespirro, digo, Shakespeare, por hipótese eu<br />
destacaria essa que ele falou de fato que talvez fosse apropriada<br />
para esse seu pedido de busca, qual seja: “Choramos ao nascer<br />
porque chegamos a este imenso cenário de dementes.”<br />
Agora, ela chora e o filho assovia.<br />
DUMAL: Que outros livros famosos e de famosos, de cores<br />
lindas, você recomenda para minha mãe?<br />
150
<strong>ESTRANHO</strong>: “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”<br />
de Mary Wollstonecraft, “Memórias de uma prostituta” de<br />
Diderot.<br />
DUMAL: Eu só não sei por que você parou de escrever esse<br />
livro, que você guarda enfiado na barriga, inspirado nesse local,<br />
já que você é bom de lábia e conhecedor das coisas?<br />
ENFERMEIRA: Que livro é esse, mostra, mostra.<br />
Arrancando de dentro das calças do algemado, deixando-o um<br />
pouco com as nádegas de fora, ela senta no chão cheia de<br />
indiscrição e começa a ler em voz alta.<br />
___________________________________________________<br />
Numa RUELA DEPLORÁVEL de tão sombria, fétida e tortuosa<br />
em todos os sentidos, caminha uma negra envelhecida numa<br />
aparente indigência estranha num autêntico percurso monótono<br />
onde apenas matos contatam o visualizar e ratos atravessam o<br />
andar. Quando aquela via é alterada subitamente pela<br />
diversidade de viciados sem pena, mas com fatos esbarram o<br />
cambalear daquela pária arremessando-a ao chão. Seu rosto<br />
sangra em face que não expressa dor, pois, sua fisionomia é de<br />
quem não tem tempo a perder. Ela se ergue prontamente e se põe<br />
a continuar. Ao avançar já se vêem mulheres expostas pelas<br />
portas e janelas vendendo sexo por dinheiro, alguns homens<br />
entram, outros apenas observam, num local comumente chamado<br />
de ZONA DE MERETRÍCIO. Ela ao se aproximar é motivo de<br />
cochichos, até que destes ruídos vem um grito e com ele o título<br />
de RAINHA DA ZONA.<br />
Entre as CAÇOADAS e GARGALHADAS, de uma daquelas<br />
aberturas uma PROSTITUTA espevitada desponta fazendo<br />
mesuras e falando para aquela recém intitulada imperatriz do<br />
prostíbulo.<br />
151
PROSTITUTA: Soberana do reino das dedicantes ao comércio<br />
carnal, qual a razão desta visita real?<br />
RISOS, sem nenhuma resposta. Ao lado daquela meretriz a<br />
CAFETINA mostra seu descontentamento.<br />
CAFETINA: Ô coisa nenhuma vai circulando, não vem<br />
atrapalhar o negócio.<br />
Além do SILÊNCIO, aquela com a face ensangüentada mantêm<br />
uma posição do corpo de modo a traduzir uma atitude não<br />
condizente com aquelas palavras proferidas.<br />
CAFETINA: Pôrra! Uma merda de uma preta, pobre e passada,<br />
cheia de postura.<br />
PROSTITUTA (brincando): É assim mesmo, quem foi rainha<br />
nunca perde a majestade.<br />
CAFETINA (intransigente com aquela calada): Ô nada, vai<br />
logo, vai procurar sua turma dos putrefatos, capina sua<br />
insignificante, sua rapina de nulidade, antes que eu te dê umas<br />
pancadas.<br />
Um freguês daquele ambiente, próximo daquela que se mantém<br />
imóvel, empurra-a de maneira que esta cai ao chão.<br />
PROSTITUTA: Que é isso cara, tá esquecendo que isso aqui é<br />
uma casa de tolerância.<br />
CAFETINA: Tolerância é o cacete! O freguês tem sempre razão.<br />
Tá pensando que eu tô brincando sua assanhada. Espera que vou<br />
chamar meu amor.<br />
PROSTITUTA (falando baixo para si): Ih! Gigolô posando de<br />
amô.<br />
152
CAFETINA (gritando): Amooor. Tem encrenca aqui embaixo.<br />
GIGOLÔ - mulato de terno e de boa aparência - desce as<br />
escadas apressadamente.<br />
GIGOLÔ: Quem é a encrenca aqui?<br />
PROSTITUTA (apontando para aquela silenciosa de cabeça<br />
baixa): É aquela ali, que alguns dizem ser sua mãe.<br />
GIGOLÔ (irado): Quem é o moribundo que está falando isso?<br />
CAFETINA (apontando para aquela prostituta): É essa mor de<br />
bunda.<br />
Quando a violência ia se consumar, algo inesperado acontece, a<br />
silenciosa olhando fixamente para aquele mulato, se debulha em<br />
lágrimas. Todos ficam pasmos, acarretando para os presentes<br />
certa calhofa do tipo “o agonizante tem razão”, o que paralisa o<br />
violento, porém deixando-o mais furioso. Refeito, vai ao encontro<br />
daquela que o olha com ternura e desfere um potente pontapé<br />
que a projeta totalmente no rasteiro.<br />
GIGOLÔ (possesso): Isto é para você aprender a não causar<br />
confusão, paralisação, nem falsa interpretação, sua maluca.<br />
(continuando): Você sabe por que dizem que galinha velha dá um<br />
bom caldo? É por causa da qualidade do molho.<br />
Abaixa o zíper da calça põe o pênis para fora. E começa a<br />
URINAR em cima daquela senhora abatida. Com isso tudo volta<br />
ao normal naquele local ... relativo ao lugar dos sem amor.<br />
Num LIXÃO, Gigolô vem arrastando aquela que ele agrediu. Ele<br />
a puxa com suas mãos num de seus braços, pois no outro braço<br />
quem vem estirando é aquela prostituta que se encontra exausta<br />
com este esforço. Ele percebendo o esgotamento.<br />
153
GIGOLÔ: Isso é para você não fazer mais brincadeirinha de mau<br />
gosto, sua vadia.<br />
(continuando): Pronto, vamos jogar esse traste nessa vala.<br />
PROSTITUTA (esbaforida): Mas, ela está viva!<br />
GIGOLÔ (irritado): O que me importa se ela está viva ou morta.<br />
Aliás, se você acha que a condição dela ser jogada é estar morta,<br />
é pra já ...<br />
Largando o braço daquela puxada, ele tira um revolver de dentro<br />
do terno. A prostituta soltando o outro braço daquela esticada o<br />
impede com um forte abraço sob o olhar corajoso e curioso de<br />
quem está no plano vulgar, observando que eles se beijam<br />
intensa e calorosamente. Até que saciados e apaixonados<br />
conversam com intimidade com a arma ameaçadora já ocultada.<br />
GIGOLÔ: Como eu te amo.<br />
PROSTITUTA: Mas, porque você continua com aquela cafetina.<br />
GIGOLÔ: Eu vou viver de quê?<br />
PROSTITUTA: Eu te sustento.<br />
Ele baixa a cabeça.<br />
GIGOLÔ (entristecido): Como! Se ela descobre, somos dois<br />
fora da zona.<br />
Por uns segundos se estabelece uma mudez. Até que incomodado<br />
com a calmaria, ele olha para ela que está vendo aquela idosa<br />
silenciosa olhando fixamente para ele com os olhos<br />
lagrimejando. A meretriz sorri para sua paixão, ele entendendo<br />
retribui.<br />
GIGOLÔ (alegre): Não ouses em dizer novamente “É aquela ali,<br />
que alguns dizem ser sua mãe.”<br />
154
Eles ficam rindo e a senhora quase que pedindo permissão deixa<br />
transparecer seus dentes.<br />
PROSTITUTA: Ih! Eu acho que sua “progenitora” sentiu<br />
alguma coisa ...<br />
GIGOLÔ (magoado): Se fosse ela, só poderia ser de<br />
arrependimento de ter me largado ainda bebê em plena rua.<br />
PROSTITUTA: Por que ela fez isso?<br />
GIGOLÔ (apontando para a no chão): Você não diz que essa<br />
velha negra miserável é minha mãe, então pergunte a ela. Desde<br />
que ela fale é claro, pois pensar eu nem acredito.<br />
PROSTITUTA: Porque a rainha o abandonou?<br />
Pela face da indagada escorrem lágrimas.<br />
GIGOLÔ (entediado): Já estou cansado desse úmido vazio dessa<br />
doida surrada que nem escuro é.<br />
PROSTITUTA: Pare de insultá-la com esse machismo.<br />
Inesperadamente.<br />
RAINHA DA ZONA (voz embargada): Perdão ... pior do que<br />
abandono é já abortar em pensamento.<br />
PROSTITUTA (olhando para o seu amado): Ih! Acho bom<br />
você ir renovando sua crença de que ela não pensa.<br />
___________________________________________________<br />
E pára, pára por não ter nada mais escrito.<br />
155
ENFERMEIRA (extasiada e curiosa): O que ela pensa? Quem é<br />
ela?<br />
DUMAL: Confessa. Você que é o gigolô? Qual das duas<br />
mulheres é a minha mãe?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Nesta minha viagem conheci até um<br />
ex-gay, duvido que alguém no mundo em todos os tempos tenha<br />
conhecido um ex-chato.<br />
ENFERMEIRA: Por que você não continuou ...<br />
DUMAL: ... essa nossa história.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Adianta dizer que é por falta de<br />
tempo? Adianta falar que a mulher não é mulher, a rainha da zona<br />
é um tipo de fraco, do mesmo jeito que o cego, o escravo, a<br />
ovelha? Por isso essa velha negra doente, também por isso é que<br />
eu parei com esse escrito. Prefiro a denúncia psicológica da pena,<br />
do se tornar vítima como a maneira de destruir o outro,<br />
enfraquecer o outro. Ser vítima é a pessoa hegemônica nos<br />
tempos modernos. Condescendências com as faltas, redução de<br />
penas, criar o mundo onde os fracos podem viver, psicologia<br />
corruptora, o mundo onde para vencer tem que ser fraco, não é<br />
bom, é hipócrita.<br />
DUMAL: (pesaroso com lágrimas nos olhos)<br />
Adianta dizer que o meu amigo indiano foi uma vítima daquele<br />
leão surdinho? Adiantou ele ser budista e ter feita essa<br />
peregrinação aqui na Indonésia? Morreu, acabou tudo ou vai<br />
renascer em algum outro lugar? Aonde? O que diria o seu<br />
doutrinador Buda sobre a vida? Que discurso histórico esse<br />
pilantra faria?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ele fez um discurso que ficou na história como<br />
um dos mais significativos que talvez sirva para você refletir<br />
156
sobre estas suas duas últimas perguntas, o nome que o discurso<br />
ficou conhecido é “Sermão sobre a injúria”.<br />
(pausa): Agora sobre as demais perguntas, eu começaria por<br />
indagar: Se houvesse um oceano poderoso diante de ti, tu o<br />
saberias?<br />
DUMAL: Claro!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Se houvesse um fogo ardendo diante de ti, tu o<br />
saberias?<br />
DUMAL: Claro!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Se o fogo se apagasse, saberias que ele se foi?<br />
DUMAL: Claro!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E se te perguntassem em que direção o fogo se<br />
foi, se para leste, oeste, norte ou sul, poderias responder? E se te<br />
perguntassem se o oceano renasce ou não renasce?<br />
Silêncio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “A vida não é uma pergunta a ser respondida. É<br />
um mistério a ser vivido.” Buda.<br />
Ela o agarra e beija de tanta emoção com palavras que não<br />
compreende seu sentido.<br />
ENFERMEIRA: Que outras mensagens ele nos deixou? Os seus<br />
discípulos? O que teriam dito que serviria para o meu filho?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Havia um grande doutrinador, um guia budista,<br />
Nagarjuna. Um ladrão foi ter com ele. O ladrão ficara fascinado<br />
com o guru, pois nunca tinha visto uma pessoa tão bela, com uma<br />
graça tão infinita. Ele perguntou a Nagarjuna: Existe alguma<br />
possibilidade de eu também crescer? Mas há uma coisa que tenho<br />
157
de lhe dizer: sou um ladrão. E outra coisa: não posso abandonar a<br />
profissão, pelo que, por favor, não a torne uma condição. Faço<br />
qualquer coisa que disser, mas eu não consigo deixar de ser<br />
ladrão. É que já tentei muitas vezes – nunca resulta, por isso abri<br />
o jogo. Aceitei o meu destino, que vou ser ladrão e permanecer<br />
um ladrão, pelo que não falemos disso. Que isso fique bem claro<br />
logo no princípio.” Nagarjuna retorquiu: “Por que tens medo?<br />
Quem é que vai falar sobre o fato de seres ladrão?” O ladrão<br />
disse: “Mas sempre que eu vou ter com um monge, com um<br />
padre ou com um santo, eles dizem-me ‘Primeiro, deixa de<br />
roubar’.” Nagarjuna, riu-se e perguntou: “Então deves ter ido<br />
falar com ladrões, caso contrário, por quê? Qual é o motivo do<br />
seu interesse? Eu não estou interessado!”. O ladrão ficou muito<br />
contente e disse: “Então está bem. Parece que agora posso tornarme<br />
um discípulo. Você é o mentor certo.”<br />
Nagarjuna aceitou-o e informou-o: “Agora podes ir e fazer aquilo<br />
que te apetecer. Tens de respeitar apenas uma condição: estar<br />
ciente! Vai, assalte casas, entra, tira coisas, rouba, faz aquilo que<br />
te apetecer, isso não me interessa, não sou ladrão – mas fá-lo com<br />
total consciência.” O ladrão: Então está tudo certo. Tentarei.”<br />
Três semanas depois, ele regressou e disse: “Você é matreiro,<br />
pois se eu me torno ciente não consigo roubar. Se eu roubo a<br />
consciência desaparece. Estou num dilema.”<br />
Nagarjuna respondeu: “Não quero mais conversa sobre o fato de<br />
seres ladrão e roubares. Não estou interessado, não sou ladrão.<br />
Agora, tu decides! Se queres a consciência, então decide. Se não<br />
a queres, então decide também.”<br />
O homem respondeu: Mas agora é difícil. Já experimentei um<br />
pouco e é tão bela. Ainda na outra noite, pela primeira vez<br />
consegui entrar no palácio do rei. Abri o tesouro. Poderia ter-me<br />
tornado o homem mais rico do mundo – mas você seguia-me e eu<br />
tinha de estar ciente. Quando me tornei ciente, os diamantes<br />
pareciam pedras, pedras vulgares. Quando perdi a consciência, o<br />
tesouro estava lá. E eu esperei e fiz isto muitas vezes. Ter-me-ia<br />
tornado ciente e fiquei como um Buda, sem sequer poder tocar<br />
nele, porque tudo parecia ridículo, estúpido – somente pedras, o<br />
que estou eu a fazer? Estou a perder-me por causa de pedras?<br />
158
Mas, então, eu perderei a consciência; elas tornar-se-ão de novo<br />
belas, a ilusão total. E finalmente, decidi que elas não valiam a<br />
pena.”<br />
DUMAL: Mas, como é que eu vou viver não sendo ladrão e nem<br />
traficante?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Você não gosta de livros? Saiba que Homero era<br />
um poeta cego que vagava de cidade em cidade, se sustentando<br />
com a recitação de sua poesia. Saiba que Esópo era um escravo<br />
liberto, bufão e corcunda.<br />
DUMAL: Daqui a pouco você vai citar um padre, achando que<br />
eu poderia vir a ser um deles.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Padre Vieira, o maior orador sacro português, foi<br />
uma das figuras mais lúcidas do seu tempo, na Europa. Já foi dito<br />
que Vieira vale por uma literatura.<br />
DUMAL: Todo padre prega e alguém é pregado. Eu não quero<br />
saber o que ele diz para o pregado, eu quero saber o que ele fala<br />
para o pregador?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Aprecie esse trecho do seu sermão da sexagésima:<br />
“Por isso Isaías chamou aos pregadores de nuvens. A nuvem tem<br />
relâmpago, tem trovão e tem raio: relâmpago para os olhos,<br />
trovão para os ouvidos, raio para o coração: com o relâmpago<br />
ilumina, com o trovão assombra, com o raio mata. Mas o raio fere<br />
a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos. Assim há de ser a<br />
voz do pregador: um trovão do céu que assombra e faça tremer o<br />
mundo.”<br />
DUMAL: Mas, em todos os países que vivi e passei, nenhum faz<br />
nada pela gente.<br />
159
<strong>ESTRANHO</strong>: Kennedy no seu discípulo de posse em 1961 disse<br />
uma frase que se tornou famosa: “Não pergunteis o que o vosso<br />
país pode fazer por vós e sim o que podeis fazer por vosso país.”<br />
DUMAL: Presidente é assim mesmo, só quer saber do lado dele.<br />
Mas, não adianta falar de presidente por que isso eu sei que não<br />
consigo chegar lá, embora tenha algumas condições ... Mas,<br />
vamos voltar para aquele padre novamente, pois padre é algo que<br />
eu posso almejar. Como ele continuou aquele sermão?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “Eis aqui o que devemos pretender nos nossos<br />
sermões; não que os homens saiam contente de nós, senão que<br />
saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os<br />
nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as<br />
suas vidas, o seu passatempo, as suas ambições, e enfim todos os<br />
seus pecados. Contanto que se descontente de si, descontentem-se<br />
embora de nós.”<br />
DUMAL: Quem são os bons em literatura na sua terra?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Machado de Assis, Fernando Pessoa, Graciliano<br />
Ramos, ...<br />
DUMAL: Nenhum para o Oscar?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O alagoano Jorge de Lima (1893-1953) foi um<br />
talento reconhecido em 1947 por um olheiro do Nobel.<br />
Impressionado com a obra do poeta, Artur Lunkvist convenceu a<br />
academia a dar o Nobel de Literatura a ele no ano de 1958, já que<br />
havia uma lista de autores para ganhar antes. Infelizmente, Jorge<br />
morreu em 1953. E o Nobel só premia vivos.<br />
DUMAL: E por falar em premiar os vivos. Lá vem aquele que<br />
bateu boca com mamãe com um salgari mortal em nossa direção.<br />
Deixa ele vir com esse punhal de lâmina ondulante e assimétrica<br />
que vou lhe dar uma coça. Ah! Se eu tivesse aquele AR15 aqui!<br />
160
<strong>ESTRANHO</strong>: Por que não pensar em uma arma nuclear que foi<br />
inventada em 1945 ou uma realidade virtual em 1988? Vamos<br />
relembrar o que Buda deixou para nós seguirmos.<br />
“Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a<br />
mente no momento presente.”<br />
“O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o<br />
passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar<br />
preocupações, mas está no viver sabiamente o presente<br />
momento.”<br />
DUMAL (não escutando): Vem gringo com esse salgari<br />
enferrujado de camelo, ou melhor, de camelô.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Esse doido chato não se dá conta de<br />
que gringo é ele, e pior, que o outro não entende o que ele está<br />
dizendo?<br />
(mais trechos de Buda para o negão com o fito dele se<br />
conscientizar): “Uma mente perturbada está sempre ativa,<br />
saltitando daqui para lá, sendo difícil de controlar, mas a mente<br />
disciplinada é tranqüila, portanto, é bom ter sempre a mente sob<br />
controle.”<br />
“Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos<br />
pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso<br />
mundo.”<br />
ENFERMEIRA: Eu acho que meu filho está mais focado<br />
corretamente, pois, ficar só com conhecimento e cultura e muito<br />
menos ensinamento nessa hora é não viver por muito tempo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (não concordando): “Viver apenas um dia ou ouvir<br />
um bom ensinamento é melhor do que viver um século sem<br />
conhecer tal ensinamento.”<br />
O salgari do indonésio está se aproximando e um milagre está<br />
ocorrendo o negão está amarelando.<br />
DUMAL: Mamãe, pensando bem, o algemado tem razão.<br />
161
ENFERMEIRA (falando firme com o filho): Eu sou a autoridade<br />
aqui, já dei até testemunho a respeito dessa situação.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “Não creia em coisa alguma com base na<br />
autoridade de doutrinadores e sacerdotes, não creia em coisa<br />
alguma pelo fato de lhe mostrarem o testemunho escrito de algum<br />
sábio antigo. Aquilo, porém, que se enquadra na sua razão e<br />
depois de minucioso estudo for aceito pela sua inteligência,<br />
conduzindo ao seu próprio bem e ao de todas as outras coisas<br />
vivas, a isso aceite como verdade e por isto paute sua conduta.”<br />
DUMAL: O algemado tem razão: “Hasta luego”, mamãe; “hasta<br />
la vista”, gigolô; “Salamat tinggal!”, gringo.<br />
E saiu em disparada na direção do indonésio armado com<br />
punhal, só que em sentido contrário.<br />
ENFERMEIRA (gritando para o filho): E o curso que nos<br />
matriculamos, o “Aprenda chinês em dois dias”? Não esqueça do<br />
nosso plano com o chinesinho de onze meses que acabamos de<br />
adotar?<br />
Dumal, ao longe, de costas, aponta com o polegar para cima,<br />
não vendo que o indonésio de tanta raiva concentrada não viu<br />
um buracão enorme e caiu dentro.<br />
DUMAL (ainda em disparada de costas): Positivo. Volta<br />
confirmada definitivamente para o México daqui a dois meses<br />
com esse lindo chinesinho de onze meses.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (atento naquela confusão, não do indonésio): Isso<br />
é impossível, é muito pouco tempo. Por que estão com tanta<br />
pressa? Aliás, por que aprender chinês se vocês pensam em<br />
retornar definitivamente para o México daqui dois meses levando<br />
um chinesinho de onze meses? Que plano é esse?<br />
162
ENFERMEIRA (explicando): É que eu e meu filho pensamos:<br />
logo o danadinho vai se pôr a falar, aí como vamos entender o<br />
que ele está dizendo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nossa! Assim, só me resta lhe dizer: “Salamat<br />
jalan”<br />
ENFERMEIRA: Ô estrangeiro o que isso quer dizer?<br />
DUMAL (pensando): O quanto de estrangeiro sou se conheço a<br />
sua língua e a sua religião, bem como a língua e a religião dos<br />
indonésios.<br />
(educado, responde): É uma expressão em Indonésio, que quer<br />
dizer o mesmo que o seu filho disse para o do punhal: “tchau”. Só<br />
que o “até logo” dele é de quem parte, o meu é de quem fica.<br />
ENFERMEIRA (toda orgulhosa do filho): Meu filho é muito<br />
inteligente, aprende rapidinho. Não viu em dois meses já é a<br />
segunda palavra que ele aprendeu. Hoje, ele sabe: “Salamat” e<br />
“Salamat tinggal”. Dessa maneira, ele vai acabar ficando muito<br />
rico, juntando muito dinheiro.<br />
Do buracão já começa a aparecer o salgari e um grito<br />
ameaçador de vou te matar estrangeiro.<br />
ENFERMEIRA (falando para o barbudo): Vai enfrentar ele<br />
estrangeiro?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Ainda estrangeiro?<br />
(pensando em trechos de Buda): “Um amigo insincero e mau é<br />
mais temível que um animal selvagem; a fera pode ferir-lhe o<br />
corpo, mas o mau amigo pode lhe ferir a mente.”<br />
“O que somos hoje e o que seremos amanhã depende de nossos<br />
pensamentos. Se procedo mal, sofro as conseqüências, se procedo<br />
bem, eu mesmo me purifico.”<br />
“Os homens que perdem a saúde para juntar dinheiro e depois<br />
perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Por pensarem<br />
163
ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que<br />
acabam por nem viver no presente nem no futuro. Vivem como se<br />
nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido.”<br />
(mudando): Mas, nessas horas, como sempre, deixe pensar nos<br />
meus compatriotas, no Nobel.<br />
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) não queria saber do<br />
jogo. Quando, em 1967, seu tradutor para o sueco pediu todas as<br />
suas traduções disponíveis, ele não quis colaborar. O pedido<br />
havia partido do comitê do Nobel de Literatura, mas não agradou<br />
ao mineiro. Ele dizia, em suas crônicas no Jornal do Brasil, que o<br />
merecedor era o amigo Jorge Amado.<br />
O baiano Jorge Amado (1912-2001) ofereceu perigo de gol até os<br />
últimos minutos do segundo tempo. Mas acabou partindo antes<br />
que o prêmio chegasse. O momento em que esteve mais próximo<br />
do Nobel de Literatura foi em 1967, logo após o sucesso de Dona<br />
Flor e seus Dois Maridos. Nesse ano, perdeu para o guatemalteco<br />
Miguel Angel Astúrias.<br />
E Jorge Amado era ateu real, um ateu Oxossi de Esquerda. Quem<br />
diria que mais tarde um brasileiro iria conseguir ...<br />
Do buracão se vê um arremesso do salgari, uma mão acenando<br />
com rúpias indonésias e a outra com um dedinho chamando<br />
“vem cá”. A enfermeira interessada naquele cliente ainda com<br />
dinheiro, embora sem a carteira, vai devagarzinho naquele<br />
sentido, porém com o pensamento no forasteiro desconhecido e<br />
não no nativo natural.<br />
ENFERMEIRA: Por que esse barbado algemado desdentado<br />
cueiroado marcado herniado chateado que não gosta de ser<br />
chamado de gigolô que tanto conhece sobre budismo não larga<br />
essa sucursal na Indonésia e vai para a matriz como um<br />
estrangeiro, porém conhecido e considerado ...<br />
164
O PEREGRINO<br />
Há cinco anos atrás. Debaixo de uma ÁRVORE SAGRADA, uma<br />
velha e acabada castanheira-da-Índia cheia de ouriços,<br />
descansando está ali o barbado algemado desdentado cueiroado<br />
marcado herniado chateado só que a barba está na altura do<br />
umbigo e o tremendo sacão de fora da fralda. Em sua volta está<br />
um grupo de esfarrapados fanáticos venerando seus enormes<br />
testículos por acreditarem que daquela parte do forasteiro<br />
gestante iria nascer o Grande Guru fundador da Grande<br />
RELIGIÃO. Como, no Oriente, a religião e a filosofia são algo<br />
muito próximo, e a filosofia é a desbanalização do banal, o que<br />
tem mais de comum, aí é que ela entra, enquanto ciência explica<br />
o que nós não conhecemos, já a filosofia explica o que a gente vê<br />
todo o dia e não dá importância, é conduta de vida, então o<br />
forçado beato piedoso, na santa paz, tem respondido a diversas<br />
questões do cotidiano, entre elas uma de grande preocupação<br />
profunda para com aqueles indianos: “Saber se a masturbação<br />
tem a ver com o crescimento da barba?”<br />
Hoje é um dia especial para os esfarrapados fanáticos e não<br />
tanto para o algemado que será o parturiente do Grande Guru<br />
que está por vir e por isso terá seu cabelo e barba pintado de<br />
azul e seus testículos pintado de dourado que são as cores de<br />
Shaka.<br />
O tempo passa e o ato é consumado com o algemado<br />
devidamente seguro pelos braços e pernas. Possesso de raiva<br />
começa a encher sua barba de baba, se sentindo desconfortável<br />
com aquele babado todo, pronuncia ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sai baba, sai baba.<br />
Todos o soltam com muito êxtase por ver que aquele ritual havia<br />
alcançado a plenitude e revelado que o Grande Guru que está<br />
por chegar tem a ver com Sai Baba: o homem dos milagres. O<br />
que iria ser confirmado pelo pintado de azul-dourado ao ter sua<br />
visão de algo duplamente abençoado, afirmar “are baba ...<br />
165
atchatchatcha”, ou seja, “Ô Deus ... que bom”, o que foi<br />
entendido pelos indianos como um milagre ocorrido com aquelas<br />
duas pessoas que estão surgindo e estão aparvalhadas de tanta<br />
surpresa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como sava????????<br />
SENADOR SARGENTÃO: Sava bien merci!!!!!!!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Kak Λeπa?<br />
DOUTOR P. IRADO: Λeac bcë hopmaha.<br />
(pausa): Se quiser podemos falar em português. Lembra que eu<br />
aprendi essa língua com a gostosa daquela enfermeira na Rússia<br />
que tinha um filhinho no México? E esse francês que eu encontrei<br />
aqui, por acaso, vivendo dentro de uma aeronave num pedaço de<br />
chão todo bem cuidado, que nem um Éden, a solução foi eu<br />
ensinar um pouco de português para ele, já que foi impraticável<br />
um aprender a língua do outro, e muito menos dos dois<br />
aprenderem hindi.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ótimo! E você não morreu com aquela seringada<br />
e aquela explosão?<br />
DOUTOR P. IRADO: Foi tudo bem, só que fiquei um pouco<br />
mais estressado e também mais tarado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E você como se salvou dentro daquele avião<br />
abatido?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Dei um por fora para o piloto e ele<br />
deu uns remendos na aeronave e passou por cima do Paquistão<br />
aterrisando aqui na índia. Foi um sufoco, houve um momento que<br />
cheguei a pensar que queria morrer.<br />
166
DOUTOR P. IRADO: Eu sou sincero. Eu gostaria de morrer<br />
dormindo, como o meu avô. E não gritando apavorado, como os<br />
passageiros de ônibus que ele estava guiando.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sinceridade!<br />
SENADOR SARGENTÃO: Eu também fui muito sincero<br />
quando minha avó faleceu e deixou toda a sua fortuna para mim.<br />
Mandei imprimir centenas de santinhos e enviei para os amigos e<br />
parentes comunicando o falecimento dela, nos seguintes termos:<br />
“Nesse dia de 23 de fevereiro, às 4 horas da manhã, vó<br />
Annemarie e eu passamos desta vida para uma melhor. Louis”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E o professor, que fim levou?<br />
SENADOR SARGENTÃO: O professor casou com o piloto, os<br />
dois estão pensando em adotar uma criança e serem cosmonautas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O velho, com aquela idade, agüenta cuidar de um<br />
bebê.<br />
SENADOR SARGENTÃO: De um bebê eu tenho minhas<br />
dúvidas, mas se meter num vôo espacial eu acredito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quer dizer que você está morando no próprio<br />
avião que caiu? Num pedaço de chão bem cuidado?<br />
DOUTOR P. IRADO (se metendo): Ele me contou que um<br />
pastor protestante saindo em pregação, chegou ali no Éden, onde<br />
antes era um matagal. O pastor constata com satisfação a<br />
transformação, o cuidado que se teve, onde se capinou, arou,<br />
plantou, com criação. O protestante comenta entusiasmado: “Bela<br />
obra que vocês realizaram aqui!” Esse francês aí indignado disse:<br />
“Vocês?!”. O pastor: “Sim, você e Deus”. O francês: “Aaahhh,<br />
sim! Mas, o senhor precisava ver como é que estava isso aqui<br />
quando Ele cuidava sozinho.”<br />
167
<strong>ESTRANHO</strong>: E o pastor?<br />
DOUTOR P. IRADO: O que ele respondeu o francês não me<br />
contou. Agora ... agora, vocês não sabem da maior. Um dia,<br />
muito apaixonado entrei na farmácia para pedir uma camisinha e<br />
adivinhem quem era o dono? Esse pastor! Ele me olhou<br />
seriamente e perguntou o que eu ia fazer com aquilo. Eu meio<br />
sem jeito, todavia achei que tinha de ser sincero, falei: “Eu vou<br />
jantar na casa da minha namorada e já viu né? De repente, rola<br />
um clima ... preciso estar preparado.” Enquanto o farmacêutico<br />
religioso foi buscar o preservativo, mesmo achando aquilo uma<br />
pouca vergonha, eu pensei melhor e quando ele retornou com<br />
aquele um, eu: “Olha quer saber? Me vê logo duas camisinhas. É<br />
que a irmã dela é uma gata e vai jantar com a gente também. Aí,<br />
sei lá, né, vai que ela dê bola para mim também ... melhor<br />
garantir”. E, pensando mais um pouco completa: “Faz o seguinte,<br />
embrulha três. Ouvi dizer que a mãe delas é uma coroa enxutona<br />
e que gosta de médico. Nunca se sabe, né?”<br />
SENADOR SARGENTÃO: Sim e na janta, o que aconteceu?<br />
DOUTOR P. IRADO: A família toda reunida e eu o tempo todo<br />
calado. Na hora da sobremesa, a namorada me sussurra: “Pô bem!<br />
Você tá maior caladão! Não sabia que era tão tímido!”. Respondi:<br />
“E eu não sabia que seu pai era farmacêutico!”.<br />
Eles rindo, menos o que está contando.<br />
DOUTOR P. IRADO: Pior vocês não sabem, foi quando a irmã<br />
com aquele corpão e cara de safadinha, toda sedutora piscou o<br />
olho para mim. A coroa, sem necessidade de nenhum reparo,<br />
esfregava, por debaixo da mesa, a sua perna em cima da minha. E<br />
nessa hora o pai pastor farmacêutico querendo quebrar a minha<br />
timidez e talvez que escutasse uma proposta séria com a filha<br />
dele, me perguntou: “Você tem alguma dificuldade em tomar<br />
decisões?”. Eu, pensando naquele harém, só respondi: “Bem, sim<br />
e não”.<br />
168
Mais risos, menos o de quem está contando.<br />
SENADOR SARGENTÃO (olhando aquela tintura toda pelo<br />
cabelo, corpo e testículos): Por que você está a andar por essas<br />
terras distantes, todo fantasiado com essas cores ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (lembrando, fica chateado): ... nila-sunahra?<br />
SENADOR SARGENTÃO: Ô de rara qualidade, nós dois aqui<br />
não falamos nada de hindi. E você sabe, eu estou aqui só de<br />
passagem, a minha rota é o Vaticano. E se possível, levando esse<br />
médico sem ponto, ou seja, “doutor Pirado” para substituir o<br />
Professor.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Perdão. “Nila-sunahra” quer dizer “azuldourado”.<br />
Agora, já vou lhe adiantando, a outra pessoa para fazer<br />
a aparição de discípulo de Cristo não sou eu, pode tirar o cavalo<br />
da chuva.<br />
(querendo esquecer, fala para o médico): Eu só não sei é como<br />
que veio parar aqui?<br />
DOUTOR P. IRADO: Assim como esses indianos esfarrapados<br />
fanáticos acreditam que a vinda do Grande Guru chegará<br />
trazendo as últimas do mundo espiritual, lá também tem russos<br />
rotos desconexos sectários que crêem que o dia do acrônimo<br />
BRIC irá chegar e que se tornará a maior força na economia<br />
mundial. Como eu falava um pouco de português já estava bem<br />
encaminhado no B de Brasil, como russo no R de Rússia,<br />
faltavam então o I de Índia e o C de China. Como a seguir era o I,<br />
portanto fui enviado aqui para Índia, este adorável país com suas<br />
mulheres com suas veneráveis coisas todas cobertas com tinturas<br />
extravagantes ...<br />
Ele pára de falar, olhando assustado para dois indianos que de<br />
pincéis em punho, um com a cor azul e o outro com dourado vão<br />
dar uma retocada no cabelo e saco do algemado.<br />
169
<strong>ESTRANHO</strong> (ameaçando): Não vem não, eu sou um intocável,<br />
não posso ser tocado.<br />
Nada adiantou, pois, ele se debate todo com aquelas pintadinhas,<br />
não de dor, mas de cócegas na parte inferior.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (morrendo de rir de tantas cócegas): Há há há ...<br />
há há há ...<br />
Sem que ninguém percebesse um ouriço cai daquela castanheirada-ìndia<br />
e fica espetando as suas nádegas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (morrendo de dor de tantas espetadas): Ai ai ai ...<br />
ai ai ai ...<br />
DOUTOR P. IRADO (lembrando da Rússia e diagnosticando):<br />
É um bipolar extremado. Eu acho que ele devia continuar<br />
internado no hospício.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Tenho que me controlar senão vão<br />
achar que estou ficando louco.<br />
Só que os “há há há´” e os “ai ai ai” causam o maior frenesi nos<br />
indianos que entendem estar começando as contrações para o<br />
grande acontecimento do parto espiritual. E tome mais pincelada<br />
e com o ouriço mais espetado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Tenho que ter alternativa, não posso<br />
ficar dando asas a imaginação de duas correntes desparafusadas.<br />
Vou ameaçá-los com suas personalidades, conhecimento e<br />
cultura, vou gritar o nome de alguns livros significativos com<br />
seus respectivos autor.<br />
(falando alto): Buda, o grande do Oriente; Asoka, monarca mais<br />
importante da história da Índia; Vardhama, o grande herói ou<br />
Mahavira, desenvolvimento do jainismo. Os Upanishads de 700<br />
a.C. até 400 a.C., 3º livro mais antigo dos mais importantes da<br />
humanidade.<br />
170
Como eles não param, ele resolve ir para os ocidentais.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “A divina comédia” de Dante Alighieri; “O<br />
progresso do peregrino” de John Bunyan; “Dom Quixote” de<br />
Miguel Cervantes; “Curso em filosofia positivista” de Conte.<br />
DOUTOR P. IRADO (comentando para si de sua avaliação):<br />
Bipolar legítimo!<br />
SENADOR SARGENTÃO (para o algemado): O que essa<br />
linguagem tem a ver com o mundo em sua volta?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Linguagem espelha o mundo do jeito que o<br />
mundo é, retrata o mundo sem distorcê-lo, os elementos da frase<br />
têm correspondentes na realidade.<br />
DOUTOR P. IRADO (falando para o Senador Sargentão):<br />
Quanto ele surta com alternância de humor do tipo ora é só risos<br />
e alegria, ora no outro extremo é só pranto e tristeza, não adianta<br />
que o princípio da razão não funciona. Deixe comigo.<br />
(falando para o algemado): Você tem razão: “há há há”<br />
corresponde a riso e alegria, “ai ai ai” corresponde a pranto e<br />
tristeza. Perfeito, muito bem.<br />
Pisca o olho para o Senador Sargentão como se dissesse “Vê<br />
como vai dar certo”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Essa correspondência, para o próprio<br />
Wittgenstein, não existe mais, a linguagem contém mais<br />
elementos do que o mundo, ela é inflacionada, tem uma vida<br />
própria, não se remete ao mundo.<br />
SENADOR SARGENTÃO (pensando com certo carinho no que<br />
está ouvindo): Dizem que todo caminho leva a Roma, será que<br />
este também leva, se levar fica perto do Vaticano. Então, vamos<br />
dar trela.<br />
(para o algemado): Como esse tal de de ... de ...<br />
171
<strong>ESTRANHO</strong>: Wittgenstein, um dos cinqüenta maiores escritor<br />
com seu livro “Investigações filosóficas”.<br />
SENADOR SARGENTÃO: Esse mesmo! Como ele chegou a<br />
estas duas propostas de relacionar linguagem e mundo. Será que<br />
elas não podem ser postas em imagens visuais para facilitar a via<br />
para o Vaticano, digo para o entendimento de nós mortais?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A primeira pode ser posta como a de uma<br />
maquete de um acidente automobilístico que serve de<br />
reconstituição. Os carrinhos de brinquedos, bonecos e pranchetas<br />
indicam o antes, o durante e o depois, assim é que a linguagem<br />
funciona. A língua é essa maquete do fato. Linguagem é a<br />
representação fidedigna do mundo.<br />
A segunda é a imagem do jogo. Não adianta se ter os elementos<br />
do jogo, o jogador e o campo, a trave, porque há algo dentro que<br />
não está lá que são as regras. Há mais linguagem do que o<br />
mundo.<br />
SENADOR SARGENTÃO (pensando): Ele tem certa razão.<br />
Peça valiosa, maçarico, serra elétrica, luva, corda, eu, o Vaticano,<br />
soldados, mas se não tiver um plano. Babau!<br />
O ouriço sai lá de trás o que faz com que ele só fique no há há<br />
há. Os indianos entendem que a dor já passou agora é a hora da<br />
felicidade, o Grande Guru se encontra nas portas daquele sacão<br />
avantajado. E tome mais pincelada.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O homem é condenado pela ...<br />
SENADOR SARGENTÃO (complementa com o que está<br />
pensando no caso em que fosse pego): ... pela incompetência e<br />
inexperiência via direto para a prisão.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nada disso! O homem é condenado pela pincelada<br />
... mas, também pela liberdade.<br />
172
SENADOR SARGENTÃO: Qual é a tua em trocar sofrimento<br />
por liberdade e misturá-lo com conhecimento e cultura?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Liberdade é quando decido, mesmo quando não<br />
decido estou decidindo, logo se está exercendo a liberdade<br />
continuamente. Mutação rara de transformação.<br />
Tomou a decisão implica em abrir uma trilha, uma possibilidade<br />
para todos. Toda vez que você decide, decide a seu favor e contra<br />
todos o que implica em conflito, daí, outra idéia “o inferno são os<br />
outros”.<br />
SENADOR SARGENTÃO (pensando): Esse papo está<br />
interessante. Essa trilha leva ao Vaticano? Mas, para todos! Já<br />
pensou nessa Índia cheia de gente. Ele está surtando novamente,<br />
o princípio da razão está avariado, vou ver se consigo consertar<br />
com a lógica e seu gosto por livros de modo que ele possa fazer<br />
associações e voltar a realidade.<br />
(falando para o barbudo): Vaticano, um minguar de gente, Índia,<br />
um transbordar, livro, um testar, introdução, começar, conclusão,<br />
raciocinar, logo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Matei a charada é o livro de Malthus intitulado<br />
“Ensaio sobre o princípio da razão”.<br />
SENADOR SARGENTÃO (desapontado): Deve ser.<br />
DOUTOR P. IRADO: Deve ser é esquizofrenia. Perda de<br />
contato com a realidade, vou ajudá-lo.<br />
(conversando com o algemado): Ô saco pintado, Malthus foi um<br />
economista britânico, um musculoso, nós estamos na Índia, numa<br />
economia vegan, um vegetariano, raquítico, fraco. Compare o<br />
Malthusão com Gandi.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: “A coragem nunca foi questão de músculos. Ela é<br />
uma questão de coração. O músculo mais duro treme diante de<br />
um medo imaginário. Foi o coração que pôs o músculo a tremer”.<br />
“A liberdade é dura como diamante e delicada como a flor do<br />
173
pessegueiro”. “Um objeto, mesmo que não tenha sido adquirido<br />
por meio de roubo, deve ser, no entanto, tido como furtado se o<br />
possuímos sem dele precisarmos.” Assim, disse Gandi.<br />
De saco mais cheio por causa daquelas pinceladas resolve pôr<br />
um fim naquela tortura. Olha sério para os indianos e fala em<br />
hindi. Os fanáticos vão parando de pintar seus testículos por<br />
estarem embevecidos com o que estão ouvindo. Quando acaba de<br />
falar os pincéis já estão caídos no chão. Curioso os dois<br />
estrangeiros perguntam.<br />
SENADOR SARGENTÃO: O que você disse para eles?!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Disse que as escrituras indianas dizem que um<br />
discípulo deve dar tudo que tem a um Guru, mas o Guru não pode<br />
aceitar nada de um discípulo, exceto sua ignorância. Então, eu,<br />
como o parturiente do Grande Guru entrego a minha ignorância<br />
sobre as cores de Shaka neste ritual e o que poderá acontecer com<br />
aqueles que insistirem em não terem humildade de esperar a<br />
resposta daquele que está por vir a respeito das cores corretas.<br />
SENADOR SARGENTÃO: Guru! Eu fiz curso com um deles<br />
durante dois dias, mas nada do que ele disse ficou comigo.<br />
Olha mais sério para os indianos e fala novamente em hindi. Os<br />
fanáticos vão encarando o Senador Sargentão que curioso com<br />
aquele mal-estar pergunta.<br />
SENADOR SARGENTÃO: O que você disse para eles?!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Acrescentei um pouco para este momento as<br />
palavras de Swami Muktananda dizendo: “As pessoas vêm e<br />
fazem um curso de dois ou três dias, voltam para casa e esquecem<br />
tudo que aprenderam. Não praticam o que aprenderam. Então<br />
pensam: “Eu fiz este curso, estive com este Guru, mas nada ficou<br />
comigo”. A verdade é que somente se praticar diariamente,<br />
somente se combinar prática espiritual com as atividades<br />
174
mundanas é que o conhecimento do Guru trará frutos. Mesmo<br />
para atingir alguma coisa na vida diária se tem que trabalhar para<br />
isto.<br />
(pausa): Sendo assim na vida cotidiana, por que seria<br />
discriminada na vida espiritual? Por que esperais atingir a<br />
Verdade em poucos dias? Como é o caso deste que acabou de<br />
falar comigo. Ele quer me levar para longe do Grande Guru,<br />
longe de vocês, quer me seqüestrar para outra religião, para outro<br />
país: a cidade do Vaticano.”<br />
Como o mal-estar está em vias de se tornar um bom-defunto, ele<br />
vai saindo de fininho se pondo a correr grosseiramente para o<br />
leste tropeçando pelo que se encontra a sua frente.<br />
DOUTOR P. IRADO: Que cara estressado! Com a velocidade<br />
que ele está correndo vai chegar primeiro na China do que eu.<br />
(ficando estressado): Ih, já estou até sentindo quando eu lá<br />
chegar! Médico, cientista, marxista, materialista sendo obrigado a<br />
estudar taoísmo, isso tem cabimento. Já estou até suando frio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nossa! Estudar taoísmo que beleza! Saiba que o<br />
livro mais influente na humanidade é o “I Ching” escrito em<br />
1.500 a.C., tido como o livro das mudanças. Lao-tsé escreveu um<br />
outro que é o quarto mais valioso: “O caminho e seu poder”.<br />
(pausa): Não se estresse não, economize sua energia. Em termos<br />
contábeis, vai aprender naquele país, com o taoísmo filosófico<br />
que se deve aumentar o lucro líquido cortando custos, ou seja,<br />
reduzir o dispêndio desnecessário de energia. Já o taoísmo<br />
vitalizador quer aumentar a renda bruta.<br />
DOUTOR P. IRADO: Até que estou gostando, fale-me mais<br />
desse filosófico.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O taoísmo filosófico? Ele está associado aos<br />
nomes de Lao-tsé e Chuang Tzu (350-275 a.C.) este produziu<br />
outro material canônico referente ao tao, tido como mais<br />
acessível do que o de Lao-tsé, e os dois juntos formam a base do<br />
175
taoísmo. O fenômeno natural que para os taoístas tinha a maior<br />
semelhança com o Tao era a água.<br />
(recitando um poema taoísta)<br />
O bem supremo é como a água,<br />
Que alimenta todas as coisas sem esforço.<br />
Ela se contenta com os lugares baixos, que as pessoas<br />
desdenham.<br />
Por isso, ela é como o Tao.<br />
DOUTOR P. IRADO: Estou gostando muito, prossiga, por<br />
favor.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Pode-se ligá-lo ao poder, lembrando que a<br />
filosofia busca o conhecimento e, como disse Bacon ao mundo,<br />
“conhecimento é poder”. Saber consertar um carro é ter poder<br />
sobre ele. Os olhos dos taoístas, é claro, não estavam nas<br />
máquinas; era a própria vida que eles queriam consertar. Ao<br />
conhecimento que potencializa a vida, dá-se o nome de sabedoria;<br />
e viver com sabedoria, argumentava os filósofos taoístas, é viver<br />
de uma maneira que conserve a vitalidade da vida, sem esgotá-la<br />
em atos inúteis e extenuantes, dos quais os principais são os atrito<br />
e conflito. Suas recomendações giram em torno do conceito de<br />
wu wei, expressão que literalmente quer dizer não-ação, ou<br />
melhor, sem artificialidade, sem excesso e sem apego, mas que<br />
no taoísmo significa a pura eficácia. A ação, no modo wu wei, é a<br />
ação na qual toda fricção – nos relacionamentos interpessoais, no<br />
conflito intrapsíquico e em relação à natureza – é reduzida ao<br />
mínimo. É a vida vivida acima da tensão.<br />
(pausa): Trata-se de uma filosofia difícil de ser entendida pelos<br />
ocidentais, pois, para os chineses, o não ser vale mais do que o<br />
ser. Exemplificando: segundo eles, o valor de um vaso está<br />
justamente no seu vazio, pois, uma vez cheio, esse objeto já não<br />
serve como vaso.<br />
DOUTOR P. IRADO: Recite mais poemas, pois por eles acho<br />
que consigo compreender melhor essa filosofia.<br />
176
<strong>ESTRANHO</strong>:<br />
Encha a tigela até a borda<br />
E ela vai derramar.<br />
Fique sempre afiando a faca<br />
E ela vai cegar.<br />
Tens a paciência de esperar<br />
Até teu lodo assentar e a água fica limpa?<br />
Consegues permanecer imóvel<br />
Até a ação correta surgir por si mesma?<br />
Quando o bom líder governa,<br />
O povo mal percebe que ele existe.<br />
O bom líder não fala, age.<br />
Quando ele termina o trabalho,<br />
O povo diz: “Fomos nós que fizemos sozinhos”.<br />
DOUTOR P. IRADO: Mas, a situação está mesmo boa na<br />
China? Como esses taoístas vêem a situação por lá?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Na perspectiva taoísta, até mesmo bem e mal não<br />
são opostos frontais. O Ocidente mostra uma tendência a<br />
dicotomizá-los, mas os taoístas são menos categóricos. Eles<br />
apóiam sua reserva com a história do camponês cujo cavalo<br />
fugiu.<br />
DOUTOR P. IRADO: Como assim?!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O vizinho ficou com pena dele, mas o camponês<br />
disse: “Quem há de saber o que é bom ou mau?” Era verdade,<br />
porque no dia seguinte o animal voltou para casa, trazendo<br />
consigo uma manada de cavalos selvagens com quem tinha feito<br />
amizade. O vizinho reapareceu, dessa vez para cumprimentá-lo<br />
pela sorte inesperada. E recebeu a mesma resposta: “Quem há de<br />
saber o que é bom ou mau?” Mais uma vez esta frase mostrou ser<br />
verdadeira, porque no dia seguinte o filho do camponês tentou<br />
montar um dos cavalos selvagens, caiu e quebrou a perna. Mais<br />
177
comiserações do vizinho, novamente provocando a pergunta:<br />
“Quem há de saber o que é bom ou mau?” E pela quarta vez<br />
prevaleceu a atitude do camponês, porque no dia seguinte<br />
chegaram os soldados para fazer o recrutamento forçado; o filho<br />
do camponês foi liberado por causa da perna quebrada.<br />
(pausa): O taoísmo segue seu princípio da relatividade até seu<br />
limite lógico, colocando a vida e a morte como ciclos<br />
complementares no ritmo do tao. Quando a mulher de Chuang<br />
Tzu morreu, seu amigo Hui-tzu o visitou para apresentar<br />
condolências; encontrou Chuang Tzu sentado no chão, com as<br />
pernas abertas, cantando e acompanhando a melodia com batidas<br />
no fundo de uma tigela de madeira.<br />
Afinal – disse o amigo -, ela viveu devotadamente contigo todos<br />
esses anos, cuidou do teu filho primogênito até ele se tornar<br />
homem feito e envelheceu ao teu lado. Não derramares uma<br />
lágrima sobre o corpo dela já é ruim, mas cantares e<br />
acompanhares teu canto batendo numa tigela... isso é demais!<br />
Julgas mal – respondeu Chuang Tzu. – Quando ela morreu, fiquei<br />
desesperado, como qualquer outro homem. Mas então percebi<br />
que ela, antes de nascer, não tinha corpo e então ficou claro pra<br />
mim que o mesmo processo de mudança que a fez nascer<br />
acabaria por fazê-la morrer. Quando alguém está cansado e quer<br />
se deitar, não o perseguimos com gritos e reprimendas. Aquela a<br />
quem perdi deitou-se para dormir durante algum tempo no<br />
aposento entre o céu e a terra. Gemidos e lamentações enquanto<br />
minha esposa dorme seriam o mesmo que negar a lei soberana da<br />
natureza. Por isso deles me abstenho.<br />
DOUTOR P. IRADO: Isso é assim?! Mais poemas, pode ser?<br />
<strong>ESTRANHO</strong><br />
Quem pretende guiar um líder de homens nas práticas da vida<br />
Alertá-lo-á contra o uso de armas de conquista.<br />
Mesmo as melhores armas são uns instrumentos do mal<br />
A colheita de um exército é um deserto de espinhos.<br />
178
As armas são os instrumentos da violência;<br />
Todos os homens decentes as detestam<br />
As armas são os instrumentos do medo;<br />
Todo homem decente as evita,<br />
Exceto na mais inevitável necessidade<br />
E, se a isso for compelido, ele as usará<br />
Somente com a mais absoluta moderação.<br />
A paz é o valor mais alto. (...)<br />
O homem [decente] entra gravemente na batalha,<br />
Com pesar e grande compaixão,<br />
Como se estivesse indo a um funeral.<br />
DOUTOR P. IRADO: Isso na minha terra parece coisa de<br />
catolicismo ortodoxo, Patriarca fazendo sermão.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não causa surpresa encontrar uma visão tão<br />
avessa a violência, como a do taoísmo beirando o pacifismo. Há<br />
passagens do Tao Te King que são quase idênticas ao Sermão da<br />
Montanha.<br />
DOUTOR P. IRADO: O que eu preciso aprender com eles para<br />
estar com eles?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Segundo os taoístas? Ratifique alguns de seus<br />
ensinamentos.<br />
DOUTOR P. IRADO: Quais?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>:<br />
"Deus não recebe respostas com palavras."<br />
"Tudo o que é difícil deve tentar-se enquanto é fácil."<br />
"Percebidos distintamente na vida, os homens são semelhantes na<br />
morte."<br />
"Aprecie todo o branco que há ao seu redor, mas recorda todo o<br />
negro que existe."<br />
"O sábio não ensina com palavras, senão com atos."<br />
179
"As palavras elegantes não são sinceras; as palavras sinceras não<br />
são elegantes."<br />
“Aquele que tudo julga fácil, encontrará muitas dificuldades."<br />
"Para comandar os homens, marcha atrás deles."<br />
"O coração do homem pode estar deprimido ou excitado. Em<br />
qualquer dos dois casos o resultado será fatal."<br />
"A alma não tem segredo que o comportamento não revele."<br />
"Para ganhar conhecimento, adicione coisas todos os dias. Para<br />
ganhar sabedoria, elimine coisas todos os dias."<br />
"Aquele que sabe não fala; aquele que fala não sabe."<br />
"Uma longa viagem de mil milhas inicia-se com o movimento de<br />
um pé."<br />
"O motivo pelo qual não é fácil para as pessoas viverem em paz<br />
está no fato de saberem demais."<br />
"Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por<br />
um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida."<br />
DOUTOR P. IRADO: Este último eu não sabia que era deles.<br />
(intrigado): Lá também tem o confucionismo. Qual a diferença?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Circulando um em volta do outro, como os<br />
próprios yin e yang, taoísmo e confucionismo representam os dois<br />
pólos inatos do caráter Chinês. Confúcio representa o pólo<br />
clássico; Lao-tsé, o romântico. Confúcio enfatiza a<br />
responsabilidade social, Lao-tsé louva a espontaneidade e a<br />
naturalidade. O foco de Confúcio está no humano; o de Lao-tsé,<br />
naquilo que transcende o humano. Como dizem os próprios<br />
chineses, Confúcio caminha dentro da sociedade e Lao-tsé<br />
vagueia além dela. Algo na vida se estende para cada uma dessas<br />
direções, e a civilização chinesa certamente teria sido mais pobre<br />
se uma ou outra dela não tivesse surgido.<br />
DOUTOR P. IRADO: E a literatura deles?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A literatura taoísta está cheia de diálogos com<br />
confucionistas, mostrando-os como formalistas e pomposos. Um<br />
exemplo é a história do taoísta Chuang Tzu e do confucionista<br />
180
Hui-Tzu, que passeando certa tarde chegaram a uma ponte sobre<br />
o rio Hao. “Vê como os peixinhos se atiram de um lado para<br />
outro à vontade. Esse é o prazer desfrutado pelos peixes”,<br />
comentou Chuang Tzu.<br />
Tu não és um peixe – respondeu Hui Tzu. – Como sabe o que dá<br />
prazer aos peixes?<br />
Tu não és eu – disse Chuang Tzu. – Como sabe se eu não sei o<br />
que dá prazer aos peixes?<br />
Porém, com o passar das horas nada nasce, lá vem eles de novo<br />
em passadas desiguais com aqueles pincéis ameaçadores, o que<br />
está liderando e mais próximo é aquele que está com o pincel<br />
dourado e um ramo de urtiga de modo que o faz refletir.<br />
DOUTOR P. IRADO (nervoso): Você tão especial que faz<br />
longas e exaustivas jornadas me diga: o que esse vagabundo<br />
desse rameiro quer com a gente?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O quanto de peregrino sou se bem comum estou<br />
com esse vagabundo em vez de ser um vagamundo, com esse<br />
rameiro em vez de ser um romeiro?<br />
DOUTOR P. IRADO (nervoso): Qual frase eu teria que praticar<br />
agora?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: "Reaja inteligentemente mesmo a um tratamento<br />
não inteligente." Caso não seja possível: “Se arranca!”.<br />
(parecendo rezar): Nobel de Filosofia não existe, este filósofo<br />
Sartre rejeitou o Nobel de literatura de 1964. Um dos seus<br />
grandes livros é “O ser e o nada”. Ele era ateu existencialista.<br />
Quem diria que mais tarde um brasileiro iria conseguir ganhar ...<br />
DOUTOR P. IRADO: Acho que está na hora de eu me arrancar<br />
para a China, imagino como este peregrino aqui seria lá, talvez,<br />
considerado ...<br />
181
182
O BIZARRO<br />
Quatro anos atrás. Próximo a um palanque, o barbado algemado<br />
desdentado cueiroado marcado herniado chateado e pintado está<br />
numa praça em outro país ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Onde estará aquele médico que veio<br />
para o Centro do Mundo? Como encontrá-lo neste país mais<br />
populoso do planeta? Principalmente neste protesto?<br />
Ele pára de pensar por escutar de cima do palanque alguns<br />
estrangeiros em dificuldades falando em mandarim com um<br />
sotaque horrível tropeçando nas palavras. Quando ele se estica<br />
nas pontas dos pés para ver os rostos dos que estão conversando,<br />
fica pasmo em ver os seguranças do COMÍCIO daquela<br />
ocorrência POLÍTICA, sendo assediados por um chinesinho<br />
vendedor de óculos. Mas, mais surpreso é ver que os exóticos que<br />
estão, a seu ver, em transação de negócio são ...<br />
CANA-DURA (gritando): WOY BÙ MINGÁ BÁI.<br />
(meio revoltado, em português): Esses chineses são todos surdos.<br />
Olha que eu estou dizendo a mais de meia hora que “Não<br />
entendo” e ele fica insistindo em me mostrar esse monte de<br />
óculos com fundo de garrafa.<br />
Cansado de estar nas pontas dos pés, abaixa-os, voltando a ficar<br />
sem ver aqueles seus conhecidos. O outro estrangeiro que só fala<br />
inglês não está entendendo esse que fala em português e muito<br />
menos o chinesinho que só fala em mandarim. Supersticioso<br />
como sempre, só que com a outra coisa ele aponta para um tubo<br />
de grude sem saber se é uma goma arábica, um epóxi, silicone,<br />
celulósica, látex, estanho, uma super bonder, uma cola de<br />
dentista ou um aglutinante mais possante.<br />
DELEGADO: Zhe yòng zen me jjavng?<br />
183
Silêncio.<br />
DELEGADO (em inglês): Don’t burry me.<br />
Penalizado por ver a dificuldade de comunicação entre os três,<br />
resolve ajudar do seu ângulo não só de visão como do que<br />
acredita que eles estão querendo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Não adianta perguntar “Como se diz isso em<br />
inglês?” e nem dizer “não me enche” porque pelo visto ele não<br />
fala inglês. Deixa que eu fale.<br />
DELEGADO: Niy hùi jjavgn ... ma.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em inglês): Pode deixar que eu falo e vou dizendo<br />
o que ele está dizendo.<br />
Pensando em se tratar de um negócio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Zhe shi shen me?<br />
(pausa): Eu perguntei o que era aquilo e ele respondeu que são<br />
óculos para vender.<br />
(continuando o negócio): Zhe duo-shav gián?<br />
(pausa): “Quanto custa isto?”, disse ele que é o mesmo preço da<br />
cola-tudo, ou seja: 1,99.<br />
(continuando o negócio): Wov yào maiv ... Wov maiv.<br />
(pausa): Falei que “Eu gostaria de comprar ... ”<br />
(continuando o negócio): Ni jje-shòu xin yòng kay ma? ... Kan.<br />
(pausa): Ele aceita cartão de crédito. Fechei o negócio. Óculos e<br />
um tubo de cola-tudo por 1,99.<br />
CANA-DURA (em português): O que vocês estão confabulando?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Ih! Tenho que repetir em português.<br />
(repetindo): Ele aceita cartão de crédito. Fechei o negócio.<br />
Óculos e um tubo de cola-tudo por 1,99.<br />
184
CANA-DURA: Eu não estou interessado nesse seu negócio com<br />
óculos e cola-tudo, embora, pareça que o valor é mesmo lá no<br />
Brasil.<br />
Enquanto isso o delegado muito supersticioso abre o tubo e<br />
passa a cola-tudo pelo lado de dentro da armação para colar no<br />
palanque como forma de proteção. O chinesinho puxa a blusa do<br />
policial querendo saber do cartão de crédito.<br />
CANA-DURA: Fala para esse china-pau que ele pare de esticar a<br />
minha camisa, antes que eu o faça esticar, falecer, e o estique<br />
num espetinho na brasa como um tira-gosto.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ele quer o seu cartão de crédito para efetuar a<br />
compra?<br />
CANA-DURA: Eu lá dou meu cartão para qualquer um. Para<br />
uma compra que não ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Dê para mim e diga a senha para que eu ...<br />
CANA-DURA (irritado): O quê! Cartão e senha para um rosto<br />
que nem estou vendo. Está me achando com cara de otário? Ele<br />
pode ser um china-pau, mas você é um cara-de-pau. Mostre-me<br />
essa cara para ver o que eu faço com ela.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Para você confiar em mim? Pois, não ...<br />
Quando ele fica nas pontas dos pés, o policial pega das mãos do<br />
delegado aqueles óculos de fundo de garrafa com a sua armação<br />
por dentro empastado da cola-tudo e chapa na cara de quem<br />
conversava consigo. Este fica tentando tirá-lo do rosto, mas<br />
aquela cola é instantânea. Delegado com transtorno obsessivo<br />
compulsivo para ver o efeito daquela cola puxa o barbudo pelas<br />
barbas para o palanque. Os dois estão surpresos com o que estão<br />
vendo: barbado algemado desdentado cueiroado marcado<br />
185
herniado chateado e agora engarrafado. Ele está completamente<br />
irreconhecível de selvagem e traficante de armas.<br />
DELEGADO (pensando): Que cara excêntrico!<br />
CANA-DURA (pensando): Que cara esquisito!<br />
Agora, é a vez do chinesinho indagar: Zhe yòng zen me jjavng?<br />
DELEGADO (ansioso e angustiado): Nerd.<br />
CANA-DURA (em português): Nerd! É algum humano para se<br />
comer?<br />
DELEGADO (sem entender a pergunta, explica em inglês):<br />
Nerd é um termo que descreve, de forma estereotipada, muitas<br />
vezes com conotação depreciativa, uma pessoa que exerce<br />
intensas atividades intelectuais, que são consideradas<br />
inadequadas para a sua idade, em detrimento de outras atividades<br />
mais populares. Por essa razão, um nerd é muitas vezes excluído<br />
de atividades físicas e julgado um solitário pelos seus pares. Pode<br />
descrever uma pessoa que tenha dificuldades de integração social<br />
e seja atrapalhada, mas que nutre grande fascínio por<br />
conhecimento ou tecnologia.<br />
CANA-DURA (em português): Não entendo nada do que ele está<br />
dizendo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em português): A expressão Nerd é utilizada<br />
desde o final da década de 1950 no Massachusetts Institute of<br />
Technology (MIT). Atribuída àqueles indivíduos que<br />
trabalhavam no laboratório de tecnologia, que eram dados a<br />
passar noites em claro nas suas pesquisas. Na década de 1960<br />
difundiu-se a sua conotação pejorativa, aplicado a pessoas com<br />
inteligência geralmente acima da média, com alguma dificuldade<br />
em se relacionar socialmente, e que não obedece aos padrões,<br />
principalmente físicos e intelectuais, da sociedade tornando-se<br />
186
uma pessoa marginalizada, tímida e solitária. Atualmente no<br />
entanto o termo nerd vem sendo usado por determinados grupos<br />
relacionados a interesses específicos como forma de se<br />
identificarem.<br />
CANA-DURA: Ah! Ele está informado de sua doença de<br />
conhecimento e cultura.<br />
DELEGADO (em inglês): Não entendo nada do que ele está<br />
dizendo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em inglês): Segundo uma definição de Lia<br />
Portocarrero, Nerd "é o rapaz ou moça que nutre alguma obsessão<br />
por algum assunto a ponto de a) pesquisar; b) colecionar coisas;<br />
c) fazer música; d) escrever sobre (normalmente acompanhado de<br />
pesquisa); e) não sossegar enquanto não descobrir como<br />
funciona; f) não dormir enquanto o programa não rodar."<br />
DELEGADO (ansioso e angustiado): Obsessão! Não estou<br />
gostando por onde está caminhando essas definições.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em português): Segundo Paul Graham, "Existe<br />
uma relação entre ser esperto/inteligente e ser nerd, ou melhor, há<br />
uma correlação inversa maior ainda entre ser nerd e ser popular.<br />
Se ser esperto parece fazer a pessoa não popular" de forma<br />
analoga vem a conotação pejorativa.<br />
Os Nerds são conhecidos por um determinado estereótipo, muito<br />
divulgado em filmes ou desenhos animados, que geralmente não<br />
correspondem a realidade total. Eles não têm um padrão próprio<br />
de vestuário e são muito sociáveis quando se sentem confortáveis<br />
no ambiente.<br />
Apesar de serem uma Tribo Urbana, é difícil reconhecê-los no<br />
dia-a-dia pois, ao contrário das outras tribos, não tem um estilo<br />
facilmente reconhecível à primeira vista. Tampouco gostam dos<br />
mesmos tipos de música, e nem todos freqüentam os mesmos<br />
lugares, apesar de uma grande parte frequentar convenções de<br />
quadrinhos e ficção científica.<br />
187
CANA-DURA: Há muitos 'subgrupos' dessa geração IPOD,<br />
desses sintomáticos mongóis que se esforçam para serem<br />
discriminados da normalidade?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Geeks, aqueles cujo interesse volta-se<br />
especialmente para a tecnologia, ciência e informática;<br />
Gamers, os jogadores compulsivos de video-games;<br />
Cards Gamers, os jogadores compulsivos de Pokemon;<br />
RPGistas, os jogadores de Role playing games – RPG -,<br />
normalmente sobre temas medievais;<br />
Fanbase ou Fandom, um grupo caracterizado por ser fã de uma<br />
obra, ou conjunto de obras específicas como: Lord of the Rings<br />
Fans, do universo de O Senhor dos Anéis; Otakus, aficionados<br />
por animes, mangás e cultura japonesa.<br />
DELEGADO (ansioso e angustiado): Eles têm sindrome de quê?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em inglês): Atualmente é incorreto afirmar que<br />
"nerds" sofrem de Síndrome de Asperger, pois a maioria deles<br />
vive misturada na sociedade. A maioria deles, inclusive, é dotada<br />
de grande capacidade de socializar-se com pessoas com os<br />
mesmos interesses que os seus.<br />
CANA-DURA: No Brasil, chama-se CDF o indivíduo inteligente<br />
que se dedica muito aos estudos. Usa-se a sigla ou acrônimo<br />
"CDF" significando "Cabeça-de-ferro" ou ainda "Crânio-de-<br />
Ferro", vulgarmente chamado pelos que não tem essa qualidade<br />
de "Ccu-de-Ferro" devido aos extensos períodos que fica sentado<br />
estudando.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em português): É comum confundi-los com os<br />
nerds. Entretanto, existe uma diferença entre nerds e "CDF"s:<br />
enquanto no primeiro grupo encaixam-se os naturalmente<br />
interessados em algum assunto cultural como jogos, livros e<br />
filmes, podendo não ir bem na escola; o segundo costuma referirse<br />
a jovens em idade ginasial que nem sempre têm a escola como<br />
ponto central de suas vidas, mas despendem um bom tempo aos<br />
188
estudos, resultando em algumas características como obtenção de<br />
notas altas, questionamento sobre veracidade da informação<br />
passada, mas ainda podem manter-se comunicativos e sociáveis.<br />
Outra diferença entre ...<br />
De repente, o de óculos de fundo de garrafa pára de falar e<br />
observa que os dois estão olhando para duas boazudas que<br />
surgem andando quase que juntas, eles comentam ...<br />
CANA-DURA (em português): Lá vêm minha mulher e minha<br />
amante juntas.<br />
DELEGADO (em inglês): Lá vêm minha mulher e minha<br />
amante juntas.<br />
O engarrafado notando a confusão a vista, muda de assunto<br />
rapidamente , cutuca o inglês.<br />
DELEGADO (ansioso e angustiado): Não me toque.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O que vocês estão fazendo aqui?<br />
DELEGADO: Somos segurança do líder do protesto da Praça da<br />
Paz Celestial que vão reviver o massacre ocorrido em 1989.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Como foram escolhidos?<br />
DELEGADO: Pelo nosso know how, o policial por ter integrado<br />
a repressão no tempo da ditadura no Brasil, eu por ter estado na<br />
base de Guantánamo onde os prisioneiros das guerras do<br />
Afeganistão e Iraque ... você sabe ... mas eu não fui e nunca serei<br />
um ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: ... torturador.<br />
DELEGADO: Eu não admito que me chamem ...<br />
189
<strong>ESTRANHO</strong>: Claro que não! Sobre isso não temos dúvidas<br />
nenhuma.<br />
(muda quase que instantaneamente a prosa): Mas, cadê o líder<br />
do protesto?<br />
DELEGADO: Ele está atrasado e essa multidão que há cinco<br />
horas está fazendo meditação taoísta, tai chi chuan, exercícios de<br />
chi kung, acupuntura, cerimônia do chá, está a ponto de explodir<br />
de tanto relaxamento.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E se ele esqueceu?<br />
DELEGADO: A gente não se aperta não. Como chinês é tudo<br />
parecido a gente arruma qualquer um e põe aqui em cima como<br />
se fosse ele. Quer saber como isso é fácil? Até você serve. Do<br />
jeito que você está bagunçado parece de qualquer continente.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (preocupado pensa): A China está ou não<br />
preocupada com a revolução social? Marx Influenciou um terço<br />
da população mundial no século XX. Embora não seja um<br />
profeta, para ele proletário só tem uma saída que é a revolução, o<br />
comunismo. Ele escreveu “O capital” e juntamente com Engels:<br />
“O manifesto comunista”.<br />
A massa começa a se mostrar impaciente deixando os seguranças<br />
em alerta.<br />
CANA-DURA (em português): Cadê o cara responsável por este<br />
comício pela “Grande Queixa”.<br />
O engarrafado notando a confusão a vista, muda de assunto<br />
rapidamente , cutuca o inglês.<br />
DELEGADO (ansioso e angustiado): Olha, respeita o toc!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O que aqueles japoneses todos sorridentes estão<br />
fazendo aqui?<br />
190
CANA-DURA: Eles estão pensando que é uma mulheraça de<br />
uma queixa japonesa, e não uma censura chinesa, uma querela,<br />
uma tamanha de uma reclamação.<br />
Não dá mais para segurar a massa que começa a gritar palavras<br />
de ordem e de desordem.<br />
CANA-DURA (em português): Cadê o china-líder? O que eu<br />
estou fazendo nesse país de irresponsável. Mas, que ...<br />
Desesperado pega o aparelho inventado por Hughes e destinado<br />
a aumentar a intensidade do som e ...<br />
CANA-DURA (gritando em português): PORRA.<br />
A massa não entendendo nada se cala educadamente e o<br />
Delegado toma o microfone das mãos do policial e empurra o de<br />
óculos para frente e lhe entrega o dispositivo que, no posto<br />
transmissor, capta o som que vai ser levado aos receptores<br />
através das ondas hertzianas. E como havia avaliado acha que<br />
acerta: o povo enganado vibra com o líder aguardado. Este<br />
como havia pressentido tem que decidir se a China ainda é<br />
marxista.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (em chinês): Marx em seu discurso histórico disse:<br />
“O domínio do homem sobre a natureza é cada vez maior; mas,<br />
ao mesmo tempo, o homem se transforma em escravo de outros<br />
homens ou de sua própria infâmia”.<br />
Palmas intensas dos numerosos presentes, inclusive do<br />
chinesinho, só que eles gritam algo que traduzido quer dizer<br />
“Salve o candidato a novo líder”, o que demonstra com clareza<br />
de não haver ilusão de que ele seja uma réplica do líder<br />
aguardado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (aproveitando a situação): A teoria da ilusão é<br />
conferir vida ao que é morto, e morto ao que é vivo.<br />
191
Reificação é algo que se torna coisa versus fetichismo da<br />
mercadoria que é uma coisa que se torna algo vivo. Por exemplo:<br />
você vai numa loja de calça jean, você - que é o vivo -<br />
experimenta a calça - que é o morto -, ali a situação se inverte, ela<br />
passa a ser o vivo e você o morto. A calça quando não serve para<br />
você, ela diz emagreça para me levar. A mesma coisa com o<br />
carro, ele diz quando tiver o dinheiro vem me pegar. Logo, você<br />
acha que é o sujeito de suas ações, quando na verdade você é o<br />
objeto das ações do objeto que você criou. Experimente fazer um<br />
livro, um pintura, casa, queira vendê-los e depois comprá-los de<br />
novo.<br />
(tomando fôlego)<br />
Isso é ideologia, quando você vai a um shoping, as mercadorias<br />
começam a dar ordens a você, sua cabeça vem estourando,<br />
organizando-se para voltar.<br />
O que não funciona mais é criar uma sociedade para eliminar este<br />
engano você tem que eliminar o mercado. Porém, quando<br />
eliminamos o mercado também eliminamos a liberdade, porque<br />
as liberdades políticas e econômicas estão ligadas, daí as<br />
ditaduras. Não conseguimos equacionar um socialismo<br />
democrático. Todo Estado tem que tomar conta da economia, o<br />
que não significa a estatização de todos os meios de produção.<br />
A massa está confusa, não está entendendo nada, não sabe se<br />
aplaude ou se vaia.<br />
DELEGADO (em inglês, para o orador): Eu não estou<br />
entendendo nada, mas pressinto que você não está agradando a<br />
todos, como supersticioso acho bom você meter o pau na religião,<br />
aqui todo mundo é materialista.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (acatando, se dirige a platéia): Ah a religião! Ela<br />
mesma é que promove uma ilusão dos deuses mandarem em<br />
vocês. Deus não manda nada, o que manda é o talão de cheque.<br />
Ainda bem, que aqui não somos tão religiosos assim.<br />
192
A massa continua amorfa, não sabe se aplaude ou se vaia.<br />
DELEGADO (em inglês, para o orador): Eu ouvi dizer que aqui<br />
tem muito confucionista, provavelmente eles devem gostar muito<br />
de confusão. Aborde temas como o oculto visível, o comprovado<br />
suposto ou ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: ... a realidade aparente de Kant.<br />
DELEGADO: Isso! Isso!<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (acatando, se dirige a platéia, em chinês): Kant<br />
com sua “Crítica da razão pura” é que abre de fato a<br />
modernidade. Agora se estuda filosofia e não apenas se lê. Agora<br />
é o conhecimento do conhecimento, filosofia da filosofia, mapa<br />
do funcionamento mental, da razão. Ele tira a filosofia da vida<br />
cotidiana. Ele tira a ética cujo objetivo é a felicidade, e passa para<br />
uma ética cujo objetivo é o do dever mesmo se muitas vezes se é<br />
infeliz. Acompanhar seu povo para ser feliz. Ajam segundo o que<br />
poderia tomar como máxima universal.<br />
Alguns aplausos.<br />
DELEGADO (em inglês, para o orador): Já houve alguma<br />
coisinha, continue falando desse Kant confucionista que está<br />
dando certo.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Mas, eu estava ... Ah! Quer saber de<br />
uma coisa vamos falar de Confúcio.<br />
(acatando, se dirige a platéia): Shih Huang Ti promoveu a união<br />
da China que se mantém desde então, no entanto a 5ª<br />
personalidade da história foi Confúcio que desenvolveu um<br />
sistema de crenças sintetizando as idéias fundamentais do povo<br />
chinês, principalmente no seu livro “Anacletos” no século IV a.C.<br />
O que produziu essa influência? Uma influência tão grande que,<br />
até a tomada do poder pelos comunistas, o confucionismo ainda<br />
era visto como “a maior força intelectual” influenciando um<br />
193
quarto da população do mundo. Dificilmente teria sido a sua<br />
personalidade. Exemplar, sim, mas sem dramaticidade suficiente<br />
que justificasse seu impacto histórico. Se se volta para seus<br />
ensinamentos, perplexidade aumenta. Enquanto histórias<br />
edificantes e máximas morais são absolutamente louváveis. Mas<br />
como pôde uma coleção de provérbios — tão claramente<br />
didáticos, tão prosaicos que muitas vezes parecem mero senso<br />
comum — moldar toda uma civilização? À primeira vista se tem<br />
no confucionismo um dos enigmas da História. Eis aqui algumas<br />
amostras de seus ensinamentos:<br />
O público está absorto para ouví-los.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo<br />
não sendo reconhecido, jamais guarda ressentimento?<br />
Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me<br />
não conhecer os outros.<br />
Não faças aos outros o que não queres que te façam. A melhor<br />
maneira de ser feliz é contribuir para a felicidade do outro.<br />
Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas<br />
vantagens. Se buscares resultados rápidos, não alcançarás a meta<br />
final. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca<br />
realizarás grandes feitos.<br />
As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois<br />
pregam de acordo com sua prática. Se quando olhas dentro do teu<br />
coração nada vês de errado, por que te preocupas? O que há para<br />
temeres?<br />
Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e<br />
quando não a conheces, saber que tu não sabes isso é<br />
conhecimento.<br />
Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém.<br />
Quando vês um homem desprezível, examina o teu próprio<br />
caráter.<br />
Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam; mas se não as<br />
conseguirem da maneira correta, nunca as possuirão.<br />
Sê bondoso com todos, mas íntimo apenas dos virtuosos.<br />
194
Escolha o trabalho de que gostas e não terás de trabalhar um<br />
único dia em tua vida.<br />
Até que o Sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão.<br />
A arte de liderar, seguir na frente da multidão e ensiná-la a<br />
trabalhar.<br />
Algum dinheiro evita preocupações, muito, as atrai.<br />
Trabalha em impedir delitos para não precisar castigos.<br />
Perguntas-me por que compro arroz e flores? Compro arroz para<br />
viver e flores para ter algo pelo que viver.<br />
Melhor do que o homem que sabe o que é justo é o homem que<br />
ama o justo.<br />
Aprenda a viver e saberás morrer.<br />
Eu não tento conhecer as perguntas, tento conhecer as respostas.<br />
Ouvir ou ler sem refletir é uma ocupação inútil.<br />
Com toda certeza, não há nada de errado com essas observações.<br />
Mas, onde está o poder delas?<br />
Invocado por não estar entendendo nada.<br />
CANA-DURA (gritando em português): PORRA.<br />
A multidão se assusta pela segunda vez e aguarda apreensivo o<br />
que ele quer, pois, ele está invocando a “Grande Queixa”.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: E agora, o que você quer?<br />
CANA-DURA: O seu discurso está muito frouxo, eu quero um<br />
que deixe as pessoas com frio na espinha.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que tal este de Maquiavel:<br />
“Cada um entende que é muito louvável para um Príncipe manter<br />
sua fé e viver integralmente, não com ardis e enganos. Contudo<br />
vêem-se por experiência do nosso tempo que estes Príncipes se<br />
tornaram grandes porque não levou em grande conta sua fé e<br />
souberam, por ardil, enganar o espírito dos homens e, por fim,<br />
sobrepujaram os que se fundaram na lealdade.<br />
195
Não é, pois, necessário a um Príncipe ter todas as qualidades<br />
supracitadas, mas é preciso que pareça tê-las. E até ousaria dizer<br />
que, se as tem e as observam sempre, elas lhe trazem danos; mas<br />
fazendo de conta que as tem, então são proveitosas; como parecer<br />
ser piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso e sê-lo, mas detendo<br />
então seu espírito de modo que, se for preciso não sê-lo, possa e<br />
saiba usar o contrário. E é preciso também notar que um Príncipe,<br />
principalmente quando é novo, não pode bem observar todas as<br />
condições pelas quais se é estimado como homem de bem;<br />
porque ele é frequentemente obrigado, para manter seus Estados,<br />
a agir contra a sua palavra, contra a caridade, contra a<br />
humanidade, contra a religião. É por isso que é preciso que ele<br />
tenha o entendimento pronto para mudar, segundo os ventos da<br />
fortuna e as variações das coisas lhe pedem e, como já disse, não<br />
se afastar do bem, se puder, mas saber entrar no mal, se há<br />
necessidade.”<br />
Observando que o policial continua atento.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): O Príncipe deve, pois,<br />
cuidadosamente, tomar cuidado de que nunca lhe saia da boca<br />
propósito que não esteja pleno das cinco qualidades que acabei de<br />
citei e parecer, a quem o ouve e vê, misericordioso, fiel, íntegro,<br />
religioso. E não há coisa mais necessária que a de parecer possuir<br />
esta última qualidade. Os homens em geral julgam antes pelos<br />
olhos que pelas mãos, porque cada um pode ver facilmente, mas<br />
sentir, poucos. Todo mundo vê bem o que você parece, mas bem<br />
poucos têm o sentimento do que você é; e estes poucos não<br />
ousam contradizer a opinião do grande número, que tem do seu<br />
lado a majestade do Estado que os sustenta; e pelas ações de<br />
todos os homens e especialmente dos príncipes, porque aí não se<br />
pode apelar a outro juiz, vê-se qual foi o sucesso.<br />
(concluindo): Que um príncipe se proponha, pois, como seu<br />
objetivo, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre<br />
qualificados honrosos e louváveis por cada um; porque o vulgo só<br />
julga a partir do que vê e do que advém; ora, neste mundo, só há<br />
o vulgo; e o pequeno número não conta, quando o grande número<br />
196
tem em quem se apoiar. Um príncipe de nosso tempo, que não é<br />
bom nomear, não canta outra coisa senão paz e fé; e é grande<br />
inimigo de uma e da outra; e de uma e de outra, se o tivesse<br />
observado bem, ele frequentemente tirou ou seu prestígio ou seus<br />
Estados.”<br />
Silêncio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que tal?<br />
CANA-DURA: Cara que manda os outros não ter opinião firme,<br />
não sei não. Não me parece muito macho e muito menos um<br />
honesto. Isso me deixa até com dificuldade na fala.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Demóstenes, 300 a.C estimado o maior orador<br />
ateniense, era gago. Para superar essa deficiência falava com<br />
pedrinhas na boca, discursando para o mar e, para ganhar fôlego,<br />
subia ladeiras correndo, enquanto declamava poesia. Pois bem,<br />
num seu discurso histórico ele mostra que é próprio do homem de<br />
gênio mudar sua opinião na medida em que mudou as<br />
conseqüências. Ao perceber que a resistência não mais adiantaria<br />
propõe a aceitação do resultado. Que tal?<br />
CANA-DURA: Nenhum desses discorre sobre cemitério, almapenada,<br />
profecia, canibalismo, escassez, opressão, acidente de<br />
avião, eleição, pichação, desonestidade, corrupção, egocentrismo,<br />
manipulação, covardia, aumento de população, então como é que<br />
vai aterrorizar as pessoas?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Você tem razão ...<br />
(acatando, se dirige a platéia): A escassez é algo terrível.<br />
Uma vez o Presidente do meu país, o Brasil, encomendou ao<br />
Ibope uma pesquisa para saber o que está pensando o povo<br />
brasileiro. Já com o resultado em mãos, um funcionário do<br />
Instituto lhe comunica: “Olha Presidente, segundo as nossas<br />
pesquisas, metade da população se mostrou otimista. E a outra<br />
metade se revelou pessimista.”. E o que dizem os otimistas,<br />
197
perguntou ele. “Bem eles estão achando que se tudo continuar<br />
como está, com esses juros altos, desemprego, desleixo com a<br />
saúde, a educação e a segurança, logo, logo, o povo brasileiro<br />
estará comendo merda”. Meu filho, você se equivocou, eu lhe<br />
perguntei o que pensam os otimistas, disse o Presidente. “Pois é,<br />
são eles mesmo que pensam assim, Senhor Presidente. Já os<br />
pessimistas, acham que a merda não vai dar para todo mundo.”<br />
O público gosta e ri muito.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Um avião, transportando o presidente, seus<br />
assessores, ministros, deputados, senadores, juízes, explode e caí.<br />
Quem se salva? Quem? Quem? O povo brasileiro.<br />
Mais risos. Diante do sucesso, lá vai ele contando uma atrás da<br />
hora com pausas.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Vocês sabem o que é um candidato-aeromoça? É<br />
aquele que está sempre sorrindo, fala vários idiomas, sinaliza<br />
para a direita, para a esquerda e para o centro, e quando decola ...<br />
manda todo mundo apertar o cinto!<br />
(pausa): Pichado no muro da câmara de vereadores, numa<br />
pequena cidade do interior: “Proibido amarrar burros aqui de<br />
fora, para não incomodar os de dentro”.<br />
(pausa): E lá está aquele político se gabando com seus<br />
correligionários: “eu sim, sou um homem íntegro. Por este bolso<br />
nunca passou dinheiro desonesto!”. De terno novo, hein doutor?<br />
(pausa): Aí finalmente o político confessa: “Honestamente, sou<br />
corrupto”.<br />
(pausa): O governador preocupado com a reforma penitenciária<br />
convoca seus auxiliares na área de segurança e manda que seja<br />
feita uma reforma completa no presídio: limpeza, pintura,<br />
encanamento, etc. Além disso, manda instalar televisão,<br />
videocassete, frigobar, colchão de molas e uma porção de outras<br />
mordomias em cada cela. E diz para contratarem um cozinheiro<br />
francês para ser o chefe da cozinha. Todos na reunião ficam<br />
pasmos. Um dos assessores se atreve a perguntar: Mas, senhor,<br />
198
para que todo esse luxo? O que ele respondeu: Ah, meu caro! A<br />
gente nunca sabe o dia de amanhã.<br />
(pausa): Senador encontra filho do senador Junqueira e vai logo<br />
derramando amabilidades. “Como vai seu pai, meu nobre colega<br />
Junqueira?”. “Mas, senador, meu pai morreu há um ano atrás!”<br />
Vendo a fria em que estava se metendo, não perdendo a pose,<br />
falou recriminando: “Morreu para você, filho ingrato. Para mim<br />
ele sempre estará vivo no meu coração”.<br />
(pausa): Camarada estaciona o carro em local proibido e o guarda<br />
vem multar dando uma dura. O cara desce do carro e, sem<br />
vaselina, dispara para o guarda: “Ora, vá tomar banho”. O<br />
meganha indignado resolve prendê-lo por desacato à autoridade.<br />
No distrito, o delegado dá a maior bronca: “Quer dizer que o<br />
senhor manda um policial tomar banho?!”. “É. E você vá tomar<br />
no ...”. Aí foi a conta. Ele é levado imediatamente para certo<br />
porão e, após alguns choques e hematomas, é posto no pau-dearara.<br />
É quando cai do bolso da calça a sua credencial. O mesmo<br />
guarda que o multara leva a carteirinha do homem pro delegado e<br />
diz, já quase sem voz: “Delegado!!! O homem é comandante do<br />
II Exército!!! E a gente arrebentou com ele!!!”. “Deus do céu! E<br />
agora o que a gente faz?”. E o guarda, recuperando a calma:<br />
“Bom, eu vou tomar o meu banho, que foi o que ele mandou ...”<br />
(pausa): Por falar em nascimentos, tem aquela cidade que nunca<br />
aumenta a sua população, pois, cada vez que nasce um bebê, um<br />
rapaz foge da cidade.<br />
Quando o público estava no auge de tanto rir, um bando de<br />
quatro pessoas toma de assalto o palanque todos com um livro<br />
vermelho de Mao Tse-Tung, o seu líder eterno, ameaçando o que<br />
estava contando piadas a ter que ler aqueles pensamentos<br />
contidos no livro.<br />
DELEGADO: Ô estranho. Acho que os liderados pelo Mao Tse-<br />
Tung o estão achando por demais bizarro. Que tal pular esse<br />
palanque e se mandar?<br />
199
<strong>ESTRANHO</strong> (sorrindo): O quanto de estranho bizarro sou se o<br />
líder deles não gostava de tomar banho o que ocasionou pouca<br />
presença espontânea por perto, não escovava os dentes alegando<br />
que o tigre não precisava escová-los o que lhe causou a perda de<br />
todos na velhice, mas acreditava que fazer sexo prolongava a vida<br />
tendo com isso cerca de três mil mulheres, contraiu herpes<br />
genital, triconíase e aos sessenta anos ficou completamente<br />
estéril, e eu comumente tomo banho, banalmente escovo os<br />
dentes e normalmente faço sexo sem chegar ao um por cento do<br />
número de mulheres alcançado por ele e sem deixar de ser<br />
criativo, dotado e eficaz.<br />
(pensando): O Prêmio Nobel Alternativo ("Prémio da<br />
Sustentabilidade") foi criado em 1980 pelo filatelista Jakob Von<br />
Uexkull, e celebra-se anualmente no Parlamento Sueco, para<br />
homenagear e apoiar pessoas que "trabalham na busca e aplicação<br />
de soluções para as mudanças mais urgentes e necessárias no<br />
mundo atual". Um júri internacional decide o prémio em âmbitos<br />
como Proteção Ambiental, Direitos Humanos, Desenvolvimento<br />
Sustentável, Saúde, Educação, Paz, etc.<br />
Quantos se dedicaram a moral. Já na Antiguidade, Moisés ao<br />
conduzir o seu povo, após o cativeiro no Egito, à terra prometida,<br />
recebeu de Deus os Dez Mandamentos que ainda forma a base da<br />
moralidade do mundo ocidental. Na Idade Moderna, Lutero deu<br />
início à Reforma Protestante, preparou o documento chmado “95<br />
Teses” e escreveu “Do cativeiro babilônico da Igreja”, Calvino<br />
foi o famoso teólogo moralista. Outros na Idade Contemporânea,<br />
Max Weber tem escrito livros como: “A ética protestante e o<br />
espírito do capitalismo”.<br />
E ficou um ateu? Quem diria que mais tarde um brasileiro iria<br />
conseguir ganhar Nobel ...<br />
Diante do importuno insistente interminável tenaz e birrento<br />
chamamento a decorar o livro vermelho, o bizarro aceita a<br />
sugestão do americano e pula do palanque se pondo a sair o<br />
mais rápido possível daquele local.<br />
200
CANA-DURA (pensando): Por que esse candidato nerd em vez<br />
de abandonar este comício por causa desse grupo dos livros<br />
vermelho não insuflou a massa contra esse bando fazendo um<br />
ensopadinho com esses quatro?<br />
DELEGADO (pensando): Sei lá para onde ele vai, mas, para<br />
onde for o engarrafado, certamente lá será considerado ...<br />
201
202
DO LADO ESPACIAL<br />
203
204
O LUNÁTICO<br />
Três anos atrás. Barbado algemado desdentado cueiroado<br />
marcado herniado chateado pintado engarrafado e agora<br />
acorrentado nos pés com aquelas bolas de ferro pretas dentro de<br />
uma NAVE ESPACIAL em uma viagem espacial, há 315<br />
quilômetros de altitude, discutindo IDEOLOGIA com mais dois<br />
conhecidos. Nesse momento ele interrompe a discussão e começa<br />
a lembrar como foi tão inesperado o que aconteceu um pouco<br />
antes de entrarem naquela nave.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (recordando): Estava eu lá no deserto de Gobi<br />
exatamente no Centro de Lançamentos de Satélite de Jinquan.<br />
Exatamente este Centro que já havia realizado com êxito a<br />
Shenzhou 5, nome da primeira missão tripulada chinesa no<br />
espaço, que já havia também realizado o primeiro passeio<br />
espacial de um taikonauta chinês, e que hoje iria enviar essa nave<br />
espacial para realizar pela primeira vez uma alunissagem com<br />
três tripulantes sendo eu um deles.<br />
Fiquei pensando no Vôo espacial em 1957, satélites de<br />
comunicação em 1962, mas não pude deixar de recordar que estes<br />
feitos só foram possíveis graças à invenção e ao aperfeiçoamento<br />
do foguete, que impulsiona a nave em direção ao espaço. A<br />
“patente” da invenção que séculos mais tarde se converteria na<br />
chave para enviar o primeiro homem ao espaço coube aos<br />
chineses. Entre os séculos IX e X, eram realizados festivais<br />
religiosos na China, nos quais tubos de bambu preenchidos com<br />
pólvora eram utilizados para provocar explosões, cujo barulho,<br />
segundo a crença, afugentaria espíritos malignos. Ali estava a<br />
chave para futuros foguetes.<br />
(pausa): Apesar disso tudo, contudo, confesso que estava muito<br />
invocado porque depois dos russos e americanos experimentarem<br />
sem consentimento de moscas frutíferas, o macaco Albert, a<br />
cachorra Laika, agora estava sendo a vez desses chineses<br />
resolverem me levar para esta aventura espacial sem minha<br />
205
permissão. E pelo que sei ainda vão entrar mais dois nessa coisa<br />
ultra apertada.<br />
Ao longe, dirigindo-se para esta nave, vêm dois sorridentes ...<br />
conhecidos!!! Quando eles se aproximam.<br />
PROFESSOR: Mon amour!<br />
Dá três picotas.<br />
PROFESSOR (em francês): Hum! Que saco bonito que você<br />
arrumou, todo pintado de dourado. E esses óculos de fundo de<br />
garrafa, tão charmoso, intelectual. Você só parece um pouco malhumorado,<br />
deixe ver se eu adivinho, ... por acaso, ... será que, ... é<br />
por causa dessas correntes que não estão combinando com essa<br />
fralda?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (invocado, fala em francês): Nada disso! Vocês já<br />
viram o tamanho dessa cabeça de porco abafada e comprimida?<br />
Vocês já viram o tamanho dos seus corpos para ficarem aí<br />
dentro? E eu aí dentro com esse seu corpo atlético e com a<br />
gordura do outro.<br />
ESCRIVÃO (em francês): Gordo não, hein! Eu sou só um pouco<br />
magro.<br />
PROFESSOR: Um porco magro?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (surpreso, fala para o cegueta): Aprendeu francês<br />
em braile?<br />
ESCRIVÃO: Não, aprendi num hospício em que fui jogado por<br />
aquele delegado com transtorno obsessivo compulsivo e<br />
supersticioso. Lá tinha um louco que achava que era Napoleão e,<br />
como francês, foi ele o meu instrutor.<br />
206
<strong>ESTRANHO</strong> (para o Professor): Eu soube com o Senador<br />
Sargentão que havia casado com o piloto, estavam pensando em<br />
adotar uma criança e serem cosmonautas.<br />
PROFESSOR: Eu soltei a franga, larguei o piloto que era ruim<br />
de decolagem e parti para realizar esse meu sonho de ser<br />
cosmonauta.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (perguntando para o cegueta): E você por que está<br />
aqui?<br />
ESCRIVÃO: Eu quero ter a sensação do que é enxergar quase<br />
nada na Lua e desenvolver de lá o meu lado visionário, utopista.<br />
Sirenes começam a tocar de maneira tão ameaçadora que não<br />
resta nenhuma alternativa a não ser entrar naquele<br />
compartimento de um cômodo só. O pé de um está no rosto do<br />
outro, enquanto a barriga de alguém está nas costas de algum. E<br />
é nesse contexto que aquela máquina se desloca expelindo atrás<br />
de si um fluxo de gás a alta velocidade. A pressão é muito grande<br />
para gente tão mal preparada.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (com medo, pensa): “Geração X” de Couplland,<br />
“A utopia” de Thomas More, “Nova Atlântida”, Francis Bacon,<br />
“A cidade do sol”, Tommaso Campanella, “A máquina do<br />
tempo”, Orson Wells, “Admirável mundo novo”, Aldous Huxley,<br />
“1984”, “Cibernética”, Norbert Wiener, George Orwell,<br />
“Solaris”, Satanislaw Lem, “Neuromancer”, William Gibson.<br />
Mas enfim, eles conseguem chegar a um estágio em que tudo<br />
flutua dentro da nave, exceto os seus corpos que continuam<br />
embolados.<br />
PROFESSOR: Como é gostoso isso aqui, tudo é relativo!<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (ainda com aquele desconforto): Tudo é tortura.<br />
207
ESCRIVÃO: Nós já tivemos uma longa conversa sobre esse<br />
assunto com aquele delegado torturador, lembra? Eu só não sei<br />
nada sobre esse relativo para esse instrutor velho de barba branca,<br />
confuso e atlético será que é tipo não sei se masculino ou<br />
feminino, sexo é circunstancial? O que você conhece sobre o<br />
relacionismo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Nessa hora de tamanho desconforto<br />
tecer considerações filosóficas sobre um tema desta envergadura?<br />
Porém, acho que a gente pode gastar um tempo sem pensar no<br />
que estamos vivendo.<br />
Leva a mão na boca, provoca uma pequena tosse para limpar a<br />
garganta a fim da voz ficar no ponto.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (falando): Pois bem, meus amigos. A grande<br />
dificuldade da filosofia é encontrar equação de moralidade que<br />
permita colocar as pessoas em relação, em grupo, na sociedade.<br />
Isso é difícil porque inúmeras pessoas querem viver de acordo<br />
com a própria potencia o que pode implicar em passar por cima<br />
do outro como um trator. Um trator ...<br />
Vendo aquelas banhas nos seus olhos e sentindo o chulé do outro<br />
no seu nariz, associa e se perde na sua exposição.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (parênteses): ... Um trator. Aliás, diga-se de<br />
passagem, nessa passagem que não existe aqui, nas circunstâncias<br />
que estamos submetidos nessa nave espacial neste momento, falar<br />
em trator implica em imaginar que um trator esteja a passar por<br />
cima de um e do outro.<br />
Após o pequeno desabafo, retoma a exposição.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando): A concepção moral na ética nas<br />
relações pode compreender dois pontos de vista: 1ª) o valor moral<br />
não varia em qualquer situação, tempo, lugar, circunstancia<br />
208
particular; 2ª) o valor moral pode variar com o contexto, a<br />
subjetividade.<br />
Imaginem uma situação numero um. Uma jovem faz a corte a um<br />
rapaz, e os dois dão inicio ao idílio afetivo. Neste um faz crer ao<br />
outro que o outro é o objeto único, monopólio absoluto das suas<br />
manifestações de libido, ou seja, do gênero “você é tudo pra<br />
mim”. Alguns são tão radicais, que diz: “eu quando vejo outras<br />
mulheres até passo mal”. Pois muito bem, este casal segue<br />
viagem, a relação continua e eles falam de nome de criança,<br />
bairro em que querem morar, e tudo, um faz crer ao outro que a<br />
coisa é por ai mesmo e eis que a jovem surpreende o rapaz em<br />
adultério, beijando outra mulher. O valor moral variou para o<br />
homem? E para a mulher?<br />
Imaginem uma situação numero dois. Para não ser acusado de<br />
machismo inverte-se. Um jovem faz a corte a uma jovem e a<br />
jovem contempla o rapaz, e diz: “eu ficaria bem com você, mas<br />
eu sou fiel à pluralidade de parceiros, de maneira que se você<br />
quiser fazer parte do rol dos rapazes que entretenho, fica a<br />
vontade”. E o cara que está apegado na menina, topa, topa porque<br />
o coitado não tem outro jeito. E eis que na outra semana, atrás do<br />
mesmo poste, ele se surpreende com a menina objeto de seu<br />
desejo, beijando outro cara, com beijo muito semelhante ao que<br />
ela lhe havia dado. Se ainda fosse outro tipo de beijo, talvez o<br />
coitado ainda desse para tolerar, mas do mesmo tipo era<br />
inaceitável. O valor moral continuou variando para o homem? E<br />
para a mulher?<br />
(pausa): Para entender a ética nessas duas situações, é necessário<br />
reconhecer que a atividade do espírito não tem simplesmente por<br />
objeto a ação “beijar”, mas, sim, a ação “beijar” na relação, logo,<br />
para melhorar a reflexão é preciso explicitar e aprofundar o<br />
conceito de relação.<br />
PROFESSOR: Relação é algo sublime, algo de tirar o fôlego,<br />
algo ...<br />
ESCRIVÃO: ... dá um tempo aí, meu irmão. Por favor, prossiga<br />
o acorrentado.<br />
209
<strong>ESTRANHO</strong>: Relação é a interação entre comportamento e<br />
expectativa de comportamento.<br />
Inicialmente, se fala sobre comportamento. “Quando você me<br />
contempla, contempla o meu comportamento, e ai você constrói<br />
de mim uma representação, uma imagem, eu quero dizer que algo<br />
me representa em você. Por isso, é que você chega em casa, e<br />
sem que eu esteja lá, você pode falar a meu respeito. Caso alguém<br />
de sua família também tenha uma outra representação de mim<br />
nela, mais vou ser tema de conversa”.<br />
Agora, se fala sobre expectativa de comportamento. “A partir da<br />
representação, que você tem de minha pessoa, você pode inserir<br />
um comportamento meu que você ainda não comprovou, você<br />
então supõe, e isto, é expectativa, ou seja, uma inferência de um<br />
comportamento não observado a partir de uma representação já<br />
construída. Como, por exemplo, você me vê aqui, você me<br />
contempla e você constrói de mim uma imagem, uma idéia, uma<br />
representação, ai você liga para mim e diz: “no final da palestra<br />
vamos comer um churrasco?”. Eu digo: “Vamos!”. Eu lhe<br />
pergunto: “Você já me viu comer um churrasco?”.<br />
PROFESSOR: Você também já provou do salsichão? Que<br />
maravilha!<br />
ESCRIVÃO: ... Ô meu irmão, sossega o facho aí. Continua.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Eu lhe pergunto: “Você já me viu comer um<br />
churrasco?”. Certamente que não. Mas você se sentiu motivado a<br />
me convidar, você supôs o meu comportamento na churrascaria,<br />
isso é uma expectativa, é uma transferência que você faz, é uma<br />
suposição que você faz do meu comportamento a partir de uma<br />
representação que você tem com base naquilo que você já viu. Se<br />
você me vê dando palestra você pode criar uma expectativa<br />
errada, a de que eu sou uma pessoa comunicativa, falante, que<br />
fala o tempo inteiro, e suponhamos que eu falo muito pouco,<br />
então se você me convida para ir a uma churrascaria depois da<br />
palestra, corre o risco de você achar que eu não gosto de você.<br />
“Mas não é possível aconteceu alguma coisa com ele”, podem ser<br />
210
suas próximas palavras. “Sim, aconteceu”, diria eu. O<br />
personagem palestrante ficou dentro da sala de palestras, quem<br />
saiu foi outro personagem”.<br />
Todo o comportamento gera uma expectativa de comportamento<br />
futuro de tal maneira que as pessoas classificam os<br />
comportamentos a partir das perspectivas. O comportamento<br />
adequado às expectativas é chamado de consonante, e o<br />
comportamento não adequado às expectativas é chamado de<br />
dissonante. É óbvio que não se está dizendo que consonante é<br />
bom e dissonante é ruim.<br />
Fica fácil perceber que na ética das relações o critério da<br />
moralidade não é mais dado por Deus, nem pelo cosmos, nem<br />
pela sociedade sem classe, nem pela qualidade de vida, nem por<br />
nenhum gabarito, mas é dado pelos próprios agentes em relação.<br />
PROFESSOR (para o gordão): Ô maninho, eu só não entendo<br />
onde está o fundamento dessa moral?<br />
ESCRIVÃO (enfezado): Eu lá tenho irmão assim, saiba que lá<br />
em casa todo mundo é ...<br />
PROFESSOR: Você não tem o direito de me julgar ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (prosseguindo com o que estava expondo): Você<br />
tem direto de me julgar a partir da expectativa que você construiu<br />
de mim. E de onde veio a matéria prima desta expectativa? De<br />
mim mesmo, de minha existência. Em outras palavras, agindo a<br />
cada momento eu estou oferecendo aos meus interlocutores<br />
critérios de moralidade, agindo eu estou dando ao outro a<br />
possibilidade de esperar algo de mim, agindo eu estou permitindo<br />
ao outro que pense algo a meu respeito. Portanto, é na minha<br />
própria ação o fundamento da moral.<br />
Não é cada um faz o que quer não, porque a minha conduta ela é<br />
um poderoso divisor de água na moralidade, a partir do momento<br />
que eu ajo e você me contempla, eu estou implícito ou<br />
explicitamente estabelecendo com você um trato, um pacto, um<br />
contrato que eu estou admitindo respeitar, não precisa assinar este<br />
211
trato. Mas cada conduta minha, te autoriza mais pra frente cobrar<br />
de mim alguma consonância, porque afinal de contas você não<br />
tem outra maneira para me julgar senão a partir das coisas que<br />
você vê, e o que você vê, você me vê agindo, é a minha ação<br />
como matéria prima de sua representação de mim, então é a<br />
minha ação a matéria prima da moralidade.<br />
E os dois recomeçam.<br />
PROFESSOR (para o gordão): Ouviu! Prestou atenção no que<br />
foi dito? Você não tem o direito de me julgar.<br />
ESCRIVÃO: Está bom, ô meu ... ô meu ... E o que é o<br />
fundamento da moral no momento zero?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O momento zero está fora da vida, por isso ele é<br />
zero, não tem nada no momento zero, no momento zero não há<br />
relação, a moral só surge na vida, é um agindo e o outro<br />
observando, e com isso vão se costurando e se renovando<br />
critérios de moralidade, e uma pessoa é livre para agir e, portanto<br />
é livre para definir critérios de moralidade e a outra pessoa é livre<br />
para dar seqüência à relação ou abortá-la a ponto de dizer: “nestas<br />
condições eu não quero mais”.<br />
ESCRIVÃO: É isso aí, nestas condições eu não quero mais nada<br />
com esse aí.<br />
PROFESSOR: Então, quer dizer que antes você estava<br />
querendo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (prosseguindo com o que estava expondo): Esta<br />
teoria, ela tem um problema. Na dúvida, se escuta: “o problema é<br />
que nós somos uns fluxos, portanto nunca permanecemos os<br />
mesmos, o mundo vai transformando-nos, nossos desejos vão<br />
sempre redirecionando, e você que tem uma representação de<br />
mim, não pode ter uma representação de uma vez por todas, a<br />
idéia que você tem de mim tem que ir também sendo<br />
212
transformada. Se você pensa uma coisa de mim e isso fica parado<br />
lá e eu vou me transformando, chega uma hora que o que você<br />
pensa de mim e aquilo que eu me transformei, não tem mais nada<br />
haver. Desta maneira, a qualquer momento você dá ao outro a<br />
chance de decidir se vale à pena continuar a relação ou não, sem<br />
que haja qualquer problema ético. Em resumo, os pactos vão se<br />
redefinindo a cada instante, cada instante de relação é um pacto<br />
de continuidade desta relação com base sempre em novos agentes<br />
e novas premissas”.<br />
PROFESSOR: Por acaso existiria uma chance de reconciliação<br />
entre eu e o porco magro?<br />
ESCRIVÃO (para o acorrentado): Você não tem um exemplo<br />
para ilustrar a fim desse bofe poder fixar melhor e não ter<br />
esperança quanto ao nosso rompimento?<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (prosseguindo com o que estava expondo): Um<br />
exemplo desta situação: “um professor foi dar aula num colégio<br />
particular, numa classe só de mulheres. Certo dia, elas lhe<br />
disseram: “Professor temos um presente para o senhor”. Era uma<br />
camiseta e na camiseta estava escrito “eu sou pop”. Como todo<br />
professor pop que se preze ele colocou a camiseta sobre a camisa<br />
e continuou a dar aula. Terminada a aula, foi para o<br />
estacionamento pegou o carro e foi para casa. Entrou na casa,<br />
beijou a esposa, sentou-se na mesa, começou a almoçar, e ela não<br />
tirava o olho da camiseta, até o maxilar dela arrefeceu, e ela num<br />
rompante disse: - “Mas, o que é isso!”. - “Isso, o quê!”. - “Não<br />
disfarce, eu estou falando dessa sua camiseta”. - “Ah! Isso foi um<br />
presente, querida”. - “Mas, quem deu?”. - “Um grupo de<br />
alunas!”. – “Mais quem?”. - “Não sei, foi um grupo de moças lá<br />
do fundo!”. Foram três minutos de tempestade no deserto, ele<br />
ouviu de tudo, até um discurso contra a sala ter fundos. Depois<br />
disso tudo, ela se acalmou, porque a energia acaba”.<br />
Como todo bom professor, depois que recebe uma bronca da<br />
esposa, resolveu fazer uma profunda reflexão aristotélica:<br />
“Porque eu tive que aceitar esta bosta!”. E aí ele continuou sua<br />
213
eflexão: “Se eu sumir com a camiseta, estaria protegendo a<br />
representação que minha esposa tem de mim? Mas, então, o que<br />
ela ama é uma representação incompatível com aquela conduta,<br />
então ela detesta aquela conduta que desmente a representação<br />
que é o objeto do seu amor. Não tem problema, vamos começar<br />
tudo de novo, eu saio jogo a camiseta fora e entro. Aí, reside o<br />
perigo. Se for para manter a representação que ela tem mim, eu<br />
posso mentir para ela todos os dias, mas eu acho que seria mais<br />
interessante se eu contasse para ela todos os dias em quem o<br />
mundo vai me transformando, porque eu não permanecerei<br />
aquele que se casou com ela, nem eu e nem ninguém, nem o<br />
padre, nada permanecerá”.<br />
Dois anos depois, ele foi dar um curso e contou esta historia da<br />
camiseta, terminou a aula, um grupo de moças veio e lhe disse:<br />
“Professor, nós temos um presente”. Era uma camiseta, ele abriu,<br />
e lá estava escrito: “cada vez mais pop”. Que fez ele? Vestiu a<br />
camiseta, pegou o avião, foi aplaudido pelas aeromoças, ganhou<br />
brinde do boticário, anunciaram no mega fone: “Professor pop<br />
venha receber”. Chegou à porta do avião, sua esposa que nunca ia<br />
recebê-lo, viu ele de longe bater no peito, ela de longe sorriu!<br />
(pausa): Esta é a essência da Ética nas Relações, porque a<br />
primeira camiseta teve um efeito didático espetacular, a camiseta<br />
corrigiu o mundo que lhe afeta, ela corrigiu a idéia que sua<br />
esposa pode ter a seu respeito, ela redirecionou as expectativas de<br />
tal maneira que depois desta historia, sem brincadeira, ele já<br />
ganhou 34 camisetas, e todas elas lhe servem de pijama, quando<br />
maiorzinha, para ele, quando menores, para sua esposa.<br />
PROFESSOR: Vamos falar sobre as mulheres, eu adoro!<br />
ESCRIVÃO (falando para si do outro): Esse cara é confuso,<br />
afinal qual é a dele? (falando para o outro daquele outro, ou<br />
melhor, daquela outra) O que você falaria sobre as mulheres?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Até a segunda metade do século XX, a história<br />
escrita das sociedades ocidentais foi totalmente dominada pelas<br />
conquistas dos homens. Embora muitas cientistas fossem<br />
214
econhecidas e respeitadas em sua época, tempo depois,<br />
historiadores com freqüência tiraram o crédito de suas<br />
contribuições.<br />
ESCRIVÃO (provocando o professor, ou melhor, a professora):<br />
Não tem nenhuma francesa?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Foi assim o que aconteceu com Marie Lavoisier<br />
(1758-1836), cujos 25 anos de colaboração com o marido<br />
lançaram a base da química moderna.<br />
(pausa): No Brasil, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), apesar de<br />
viver numa época em que a sociedade não aceitava mulheres em<br />
rodas musicais, tornou-se uma das maiores compositoras de<br />
música popular brasileira.<br />
Bartha Luz (1894-1976) ajudou a fundar a Liga para a<br />
Emancipação Intelectual da Mulher e se dedicou à luta pelo voto<br />
feminino, que só foi decretado em 1932.<br />
ESCRIVÃO: Antes de falar das brasileiras, elas na história como<br />
seria? Como seriam as fran ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Uma das mais antigas foi a rainha do Egito<br />
chamada Maatkare Hatshepsut, outra foi a Cleópatra (69-30 a.C).<br />
Maria, mãe de Jesus Cristo, teologia e idolatria cristã.<br />
ESCRIVÃO: Não tem nenhuma francesa?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Joana D’Arc (1412-1431). Tem também Anita<br />
Garibaldi (1821-1849), heroína brasileira que lutou aqui e na<br />
Itália.<br />
ESCRIVÃO: Antes das brasileiras. Não tem nenhuma fran ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Lakshmi Bai Rani de Thamsi (1830-1858) tornouse<br />
heroína nacional da Índia quando morreu defendendo a justiça<br />
ao liderar suas tropas durante O Grande Motim Indiano. Annie<br />
215
Besant (1847-1933), inglesa, lutadora por causas socialistas e<br />
presidente da Sociedade Teosófica.<br />
ESCRIVÃO: E a francesa?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Marie Curie (1867-1934), física francesa de<br />
origem polaca que ajudou a fundar e criar a base da física nuclear<br />
moderna, que em 1903 obteve o Prêmio Nobel de Física. Rosa<br />
Luxemburgo (1870-1919) uma das mulheres mais importante da<br />
história do socialismo internacional. Maria Montessori (1870-<br />
1952) criou um método pedagógico. Karen Horney (1885-1952)<br />
psicanalista infantil. Anita Mafaldi (1889-1964) artista precursora<br />
do modernismo no Brasil. Cecília Meireles (1901-1962) poetisa.<br />
ESCRIVÃO: Vamos voltar para o mundo, talvez uma fran ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Margaret Mead (1901-1978) antropóloga. Evita<br />
Perón (1919-1952) líder espiritual da nação argentina. Olga<br />
Benário (1908-1942) revolucionária comunista que esteve aqui<br />
no Brasil e que teve envolvimento amoroso com Luiz Carlos<br />
Preste. Pagu (1910-1962), comunista escritora e jornalista,<br />
também brasileira.<br />
Neste ponto, exatamente neste ponto é que o acorrentado parou<br />
de recordar porque neste momento, neste tão presente, ele escuta<br />
um pavoroso ...<br />
PROFESSOR (levando um susto): Nossa! Esse aqui passou<br />
raspando.<br />
ESCRIVÃO: O visionário aqui sou eu, ouviu sua bicha francesa?<br />
PROFESSOR: Até acredito sua porca magra enrustida, mas só<br />
que você não está olhando aqui para fora.<br />
ESCRIVÃO: Eu não preciso olhar para fora, aliás cegueta como<br />
eu sou não adianta nada olhar para dentro ou para fora, para saber<br />
216
o que está acontecendo basta eu me concentrar para ter a resposta.<br />
Eu tenho vidência.<br />
PROFESSOR (lembrando): Estou me lembrando daquela<br />
vidente que eu fui. Quando bati na sua porta, ela perguntou quem<br />
era. E eu nem entrei, voltei decepcionado.<br />
ESCRIVÃO (concentrado): Quem era? Quem era que passou<br />
raspando lá fora?<br />
PROFESSOR (levando outro susto): Nossa! Esse outro pelo<br />
jeito foi um milagre.<br />
ESCRIVÃO (concentrado): Viu como você estava desatento, eu<br />
tive de alertá-lo para o fininho, de leve.<br />
PROFESSOR: Que fininho, de leve, coisa nenhuma, é tudo<br />
pesado, trata-se de toneladas de pedaços de satélites, naves,<br />
estágios de foguetes e outras coisas que as missões espaciais<br />
americanas e russas deixaram no espaço, são quase seis mil<br />
artefatos que sobrevoam o planeta. É um problema para as<br />
comunicações, pois esses destroços podem destruir satélites,<br />
interromper as comunicações ali na terra.<br />
(muito assustado): Nosssaaaaaa!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Que cheiro é esse?<br />
PROFESSOR: É aquele li comendo o “pró-colesterol”, “o amigo<br />
do infarto”.<br />
ESCRIVÃO: Para de implicar com o meu big sanduíche de ovos<br />
com manteiga e lingüiça fritada na banha de porco.<br />
PROFESSOR: Esse lixo representa um perigo para as estações<br />
espaciais e para o ônibus espacial e seus tripulantes, como esse<br />
frigobar cheio de vodka que ...<br />
217
PAFTI. Todos são deslocados internamente. Saindo rápido da<br />
concentração, todo branco.<br />
ESCRIVÃO: O que aconteceu?!<br />
PROFESSOR: Não sei por que, mas, nessas horas, você me<br />
lembra muito a minha vidente que eu fui.<br />
ESCRIVÃO: Como era ela?<br />
PROFESSOR: Adivinha?<br />
ESCRIVÃO: Ela era parecida com você.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (tendo vista o que havia chocado com a nave): Um<br />
arranhão.<br />
PROFESSOR (enfurecida e deprimida): Eu parecido com um<br />
arranhão? Um rasgo? Que indelicadeza. Não esperava isso do<br />
acorrentado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (continuando a descrever o que viu): Foi uma<br />
garrafa de vodka que se espatifou na janela<br />
PROFESSOR (quase chorando): Vê lá se eu me comparo a uma<br />
garrafa de vodka, eu sou uma Champagne Francesa Laurent-<br />
Perrier Gran Siècle 1l, dá para pagar em cinqüenta vezes sem<br />
juro.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nossa!!!<br />
ESCRIVÃO: Nossa!!!!!!<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Nossa!!!!!!!!!!!!<br />
ESCRIVÃO: Nossa !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!<br />
218
PROFESSOR (continuando na dele sem ver o perigo): Quem<br />
duvida, tem que provar ...<br />
Ele é puxado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Olha! Eu que não enxergo quase nada, estou<br />
vendo o que está vindo na nossa direção. Imagina você?<br />
PROFESSOR: Nossa!!!!!!!!!!!!! O que é aquilo?!?!?!?!?!?!?!!?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Aquilo é o guarda-roupa daquela astronauta que<br />
passou um tempo aqui no espaço.<br />
PROFESSOR: Não é aquilo desse lado, é aquilo do outro lado.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Caramba!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Não se apavorem,<br />
aquilo são os sapatos dela.<br />
ESCRIVÃO: Como você pode manter a calma numa hora<br />
dessas?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Porque eu tenho lido bastante livro de auto-ajuda.<br />
PROFESSOR: Quais? Quais?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: No momento estou me lembrando: “Não faça<br />
tempestade em copo d’água” de Richard Carlson. “O homem é<br />
aquilo que pensa”, James Allen. “Você pode curar a sua vida”,<br />
Louise Hay. “O poder do pensamento positivo”, Norman Vincent<br />
Peale. “Aprenda a ser otimista”, Martin Seligman. “Desperte o<br />
gigante interior”, Anthony Robbins.<br />
PROFESSOR (para o escrivão): Leia este último para ver se<br />
você consegue despertar alguma coisa nesse corpo.<br />
ESCRIVÃO: Ô acorrentado não adianta citar esses livros não,<br />
ele adora é “O alquimista” do Paulo Coelho; “Homens são de<br />
219
Marte, mulheres são de Vênus”, John Gray; “Descobrindo a sua<br />
estrela-guia”, Martha Beck.<br />
PROFESSOR: “Como fazer amigos e influenciar pessoas”,<br />
Carnegia.<br />
ESCRIVÃO: Como fazer amigos e influenciar pessoas? Isso é<br />
falta de sinceridade, “conquistar” um amigo e influenciá-lo para<br />
seu benefício pessoal. Truques mentais para um mundo altamente<br />
competitivo.<br />
PROFESSOR: Nesse momento a gente tem que apelar para<br />
tudo. O cequeta concentra aí, vê se vê alguma coisa nessa sua<br />
bola de cristal porque a massa que está quase em cima da gente<br />
não é nada fácil, muito pior do que a sua massa corporal.<br />
ESCRIVÃO (concentrado): Vejo que não corremos nenhum<br />
perigo. Vestuário feminino não fica se destruindo por aí, ele<br />
mesmo vai desviar para não ser avariado.<br />
PROFESSOR: Nesse ponto eu tendo a concordar com o que o<br />
isso está dizendo. Isso é verdade, se fosse um cuecão já teria dado<br />
tanta porrada nesta nave que já teríamos desintegrado.<br />
E a visão se cumpre o vestuário se desvia.<br />
PROFESSOR: Qual deve ser a nossa preocupação nesse<br />
momento com o planeta azul que vemos?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Se levarmos em conta a atual média do consumo<br />
dos habitantes da Terra seria necessário um planeta e meio.<br />
Imaginem se a China quiser aumentar o seu consumo para igual<br />
ao do americano?<br />
ESCRIVÃO: Pega mais leve.<br />
220
<strong>ESTRANHO</strong>: As preocupações com o meio ambiente estão cada<br />
vez mais adquirindo uma importância suprema porque a todo o<br />
momento se está defrontando com toda uma série de problemas<br />
globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma<br />
maneira alarmante, e que pode logo isso se tornar irreversível.<br />
Quanto mais se estuda os principais problemas da época, mais se<br />
é levado a perceber que eles são interligados e interdependentes.<br />
Por exemplo, a extinção de espécies animais e vegetais numa<br />
escala massiva continuarão enquanto o Hemisfério Sul estiver sob<br />
o fardo de enormes dívidas.<br />
Há soluções para os principais problemas do tempo atual,<br />
algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança<br />
radical nos pensamentos e valores, pois, se está agora no<br />
princípio de uma mudança de paradigma tão radical como foi a<br />
revolução copérnicoiana. Porém essa compreensão ainda não<br />
despontou entre a maioria dos líderes políticos. O<br />
reconhecimento de que é necessária uma profunda mudança de<br />
percepção para garantir a sobrevivência ainda não atingiu nem os<br />
educadores.<br />
O paradigma que está agora retrocedendo dominou a cultura atual<br />
por várias centenas de anos, durante as quais modelou a moderna<br />
sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do<br />
mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores<br />
entrincheirados, entre os quais na visão do universo como um<br />
sistema mecânico, a visão do corpo humano como uma máquina,<br />
a concepção da vida em sociedade como uma luta competitiva<br />
pela existência, a crença no progresso material ilimitado a ser<br />
obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico.<br />
Todas essas suposições têm sido decisivamente desafiadas por<br />
eventos recentes. E, na verdade, está ocorrendo, na atualidade,<br />
uma revisão radical dessas suposições.<br />
O que é lamentável é que os governantes e professores não só<br />
deixam de reconhecer como distintos problemas estão interrelacionados,<br />
como eles também se recusam a reconhecer como<br />
as suas assim chamadas soluções afetam as gerações futuras. A<br />
partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são<br />
as soluções “sustentáveis”. Por exemplo, uma sociedade é<br />
221
sustentável quando satisfaz suas necessidades sem diminuir as<br />
perspectivas das gerações futuras.<br />
ESCRIVÃO: Qual é a nova visão?<br />
PROFESSOR: Para você o melhor seria a nova audição.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O novo paradigma pode ser chamado de uma<br />
visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo<br />
integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode<br />
também ser denominado de visão ecológica, desde que o termo<br />
“ecológico” for empregado num sentido muito mais amplo que o<br />
usual. A percepção ecológica profunda reconhece a<br />
interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de<br />
que enquanto indivíduos e sociedades os seres humanos estão<br />
todos encaixados nos processos cíclicos da natureza, e, em última<br />
análise, eles são dependentes desses processos.<br />
Os dois termos, “holístico” e “ecológico”, diferem ligeiramente<br />
em seus significados, e parece que "holístico" é um pouco menos<br />
apropriado para descrever o novo paradigma. Uma visão holística<br />
de uma bicicleta significa ver a bicicleta como um todo funcional<br />
e compreender, em conformidade com isso, as interdependências<br />
das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas<br />
acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no<br />
seu ambiente natural e social, de onde vêm às matérias-primas<br />
que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio<br />
ambiente natural e a comunidade pela qual ela é usada, e assim<br />
por diante. Essa distinção entre “holístico” e “ecológico” é ainda<br />
mais importante quando se fala sobre sistemas vivos, para os<br />
quais as conexões com o meio ambiente são muito mais vitais.<br />
A ecologia rasa é antropocêntrica, ou seja, é centralizada no ser<br />
humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da<br />
natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um<br />
valor instrumental ou de “uso” à natureza.<br />
Já a ecologia profunda não separa seres humanos ou qualquer<br />
outra coisa, do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como<br />
uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de<br />
222
fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são<br />
interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor<br />
intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos<br />
apenas como um fio particular na teia da vida.<br />
Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção<br />
espiritual ou religiosa. Pois, ela é consistente com a chamada<br />
filosofia perene das tradições espirituais, quer se fale a respeito<br />
da espiritualidade dos místicos cristãos, dos budistas, ou da<br />
filosofia e cosmologia subjacente às tradições nativas norteamericanas<br />
como essa inspirada no Chefe Seattle:<br />
“Isto sabemos.<br />
Todas as coisas estão ligadas<br />
como o sangue<br />
que une uma família ...<br />
Tudo o que acontece com a Terra,<br />
acontece com os filhos e filhas da Terra.<br />
O homem não tece a teia da vida;<br />
ele é apenas um fio.<br />
Tudo o que faz à teia,<br />
ele faz a si mesmo”.<br />
PROFESSOR: Esse chefe é cheio de sabedoria.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: A essência da ecologia profunda precisa estar<br />
preparada para questionar cada aspecto isolado do velho<br />
paradigma. Eventualmente, não é preciso desfazer de tudo, mas<br />
antes de saber isso, se deve estar disposto a questionar tudo.<br />
Portanto, a ecologia profunda faz perguntas profundas a respeito<br />
dos próprios fundamentos da visão de mundo e do modo de vida<br />
modernos, científicos e industriais orientados para o crescimento<br />
materialistas. Ela questiona esse paradigma numa perspectiva<br />
ecológica: a partir dos relacionamentos uns com os outros, com<br />
as gerações futuras e com a teia da vida da qual se é parte.<br />
A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas das<br />
percepções e maneiras de pensar, mas também de valores. É<br />
interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre<br />
pensamento e valores. Ambas podem ser vistas como mudanças<br />
223
da auto-afirmação para a integração. Essas duas tendências - a<br />
auto-afirmativa e a integrativa - são, ambas, aspectos essenciais<br />
de todos os sistemas vivos. Nenhuma delas é, intrinsecamente,<br />
boa ou má. O que é bom, ou saudável, é um equilíbrio dinâmico;<br />
o que é mau, ou insalubre, é o desequilíbrio - a ênfase excessiva<br />
em uma das tendências em detrimento da outra. Agora, olhando<br />
para a cultura industrial ocidental, vê-se que enfatiza em excesso<br />
as tendências auto-afirmativas e negligencia as integrativas. Isso<br />
é evidente tanto no pensamento como nos valores, e é muito<br />
instrutivo colocar essas tendências opostas lado a lado.<br />
(pausa): Escrivão procure imaginar o que vou dizer numa tabela<br />
de dupla entrada:<br />
Pensamento Valores<br />
Autoafirmativo<br />
racional<br />
análise<br />
reducionista<br />
linear<br />
Integrativo<br />
intuitivo<br />
síntese<br />
holístico<br />
não-linear<br />
Autoafirmativo<br />
expansão<br />
competição<br />
quantidade<br />
dominação<br />
Integrativo<br />
conservação<br />
cooperação<br />
qualidade<br />
parceria<br />
(continuando): O poder, no sentido de dominação sobre outros, é<br />
auto-afirmação excessiva. A estrutura social na qual é exercida de<br />
maneira mais efetiva é a hierarquia. De fato, as estruturas<br />
políticas, militares e corporativas são hierarquicamente<br />
ordenadas. No entanto, há um outro tipo de poder que é mais<br />
apropriado para o novo paradigma: o poder como influência de<br />
outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de poder não é a<br />
hierarquia, mas a rede, que é a metáfora central da ecologia. A<br />
mudança de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudança na<br />
organização social, uma mudança de hierarquias para redes.<br />
Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia<br />
profunda; é, de fato, sua característica definidora central.<br />
Enquanto que o velho paradigma está baseado em valores<br />
224
antropocêntricos, centralizados no ser humano, a ecologia<br />
profunda está alicerçada em valores egocêntricos, centralizados<br />
na Terra. E uma visão de mundo que reconhece o valor inerente<br />
da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de<br />
comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de<br />
interdependências. Quando essa percepção ecológica profunda<br />
torna-se parte da consciência cotidiana, emerge um sistema de<br />
ética radicalmente nova.<br />
Essa ética ecológica profunda é urgentemente necessária nos dias<br />
de hoje, e especialmente na ciência, uma vez que a maior parte<br />
daquilo que os cientistas fazem não atua no sentido de promover<br />
a vida nem de preservar a vida, mas sim no sentido de destruir a<br />
vida. Com os físicos projetando sistemas de armamentos que<br />
ameaçam eliminar a vida do planeta, com os químicos<br />
contaminando o meio ambiente global, com os biólogos pondo à<br />
solta tipos novos e desconhecidos de microorganismos sem saber<br />
as conseqüências, com psicólogos e outros cientistas torturando<br />
animais em nome do progresso científico - com todas essas<br />
atividades em andamento, parece da máxima urgência introduzir<br />
padrões “ecoéticos” na ciência. Os cientistas são responsáveis<br />
pelas suas pesquisas não apenas intelectual, mas também<br />
moralmente. Dentro do contexto da ecologia profunda, a visão<br />
segundo a qual esses valores são inerentes a toda a natureza viva<br />
está alicerçada na experiência profunda, ecológica ou espiritual,<br />
de que a natureza e o eu são um só.<br />
O que tudo isto implica é o fato de que o vínculo entre uma<br />
percepção ecológica do mundo e o comportamento<br />
correspondente não é uma conexão lógica, mas psicológica. A<br />
lógica não persuade de que se deveria viver respeitando certas<br />
normas, uma vez que se é parte integral da teia da vida. No<br />
entanto, se tendo a percepção ou a experiência ecológica<br />
profunda de se ser parte da teia da vida, então se estará (em<br />
oposição a se deveria estar) inclinado a cuidar de toda a natureza<br />
viva.<br />
Quase mortos de tanto escutar irrompe em aplausos dentro da<br />
cabeça de porco abafada e comprimida que a deixa mais quente<br />
225
ainda só que agora com calor amoroso. A única dúvida que ficou<br />
foi por ele ter agradado ou acabado com aquele papo.<br />
ESCRIVÃO: Puxa, ficou tudo visível.<br />
PROFESSOR: Milagre! Êpa, isso é grave!!<br />
ESCRIVÃO: Nossa a gravidade de novo!!! O que está<br />
acontecendo?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Estamos voltando para a Terra, parece que não é<br />
dessa vez que a China manda alguém na Lua. Diga-se de<br />
passagem que estavam mandando dois voluntários, um americano<br />
e outro francês, e um coagido brasileiro.<br />
E a nave começa a reentrar na atmosfera seguida por uma<br />
quantidade razoável de detritos espaciais assassinos.<br />
PROFESSOR (para o quem acabara de falar): Você continua<br />
um sujeito estranho, alguém que vive fora da realidade. Por acaso<br />
você tem algum vínculo empregatício com o governo chinês?<br />
Então, você também é um voluntário, não tem nada aqui de<br />
obrigado e forçado.<br />
ESCRIVÃO: Não liga para esse estranho não, ele é influenciado<br />
pela Lua<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (pensando): Que lunático sou eu se fui mandado<br />
para o espaço com dois desequilibrados - um maníaco<br />
homossexual e um visionário sem sonho - que não chega a Lua,<br />
mas quando chegar na Terra se eu não correr corro o risco de ser<br />
reconhecido como um equilibrado.<br />
Quem diria que mais tarde um brasileiro iria conseguir ganhar<br />
Nobel em todas as categorias ...<br />
226
ESCRIVÃO: O que fica quando a morte nos ronda? Adianta<br />
tanto conhecimento e cultura como o acorrentado possui? Para<br />
onde ele irá lá será considerado ...<br />
227
228
Neste sonho se atinge o estágio dois do quarto e último período e<br />
a sua forma já surge com uma história integrada dentro de<br />
espaços e datas mais precisa e fatos mais verídicos. Neste<br />
período de sono alguém é considerado ...<br />
229
230
DO LADO ESPIRITUAL<br />
231
232
O DESCONHECIDO<br />
Num LOCAL SAGRADO exposto a ULTRA-RELIGIÃO estava o<br />
barbado algemado desdentado cueiroado marcado herniado<br />
chateado pintado engarrafado acorrentado e espetado<br />
conversando consigo mesmo ou quem sabe com uma voz interior<br />
ou uma voz sem corpo ou ainda uma vooozzz dooo aaallééémmm.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Está bem, está bem, eu já ouvi que fui eu que<br />
armei a estratégia de quando chegasse na Terra iria sair correndo<br />
para não correr o risco de ser reconhecido como um equilibrado,<br />
um atentado, só que tudo se deu ao contrário fiquei parado,<br />
aloucado, ao ser espetado por um detrito espacial feminino. Eu lá<br />
ia saber que aquele assassino catucador de cutículas ia vir atrás de<br />
mim do espaço, já basta quando minha esposa o usava contra<br />
mim nas suas investidas pelos meus pés e mãos. Dessa vez não<br />
consigo nem mais sentar, com esse encravado ...<br />
(paralisa, na melhor das hipóteses, por estar escutando a voz): O<br />
Messias, meu Mestre, quer que eu pare de reclamar e ver o que eu<br />
tenho em comum consigo? Está beeem. Muito bem, vamos ver o<br />
que eu me lembro.<br />
E começa a pensar, se mexe para um lado, agora é para o outro,<br />
senta, agora levanta, até que ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (recordando): - Uma das características da minha<br />
personalidade, desde criança, é um sentir emocionante em ter<br />
uma missão a cumprir neste universo que, não explicitada, me<br />
impulsionava a buscá-la. Começou com a Umbanda em desejar<br />
fazer o bem e combater o mal por meio dos orixás; em seguida<br />
veio a fase Católica e Espírita em querer o reino de Deus segundo<br />
o amor e a caridade de Cristo; depois passei pela fase Comunista<br />
em lutar em prol de um mundo sem classes sociais estabelecido<br />
pelo princípio de cada um segundo as suas capacidades a cada um<br />
segundo as suas necessidades; por último, aos 47 anos de idade, a<br />
233
Messiânica na construção do Paraíso na Terra orientado pela<br />
Filosofia Religiosa do Messias.<br />
- A individualidade do Mestre também indicou este aspecto<br />
assinalado por sua esposa que escreveu: “Foi em 1928, com 48<br />
anos de idade que ele percebeu sua missão espiritual e encerrando<br />
as atividades comerciais iniciou nova vida. Eu diria que sua<br />
missão não foi determinada nesse momento, mas antes, antes<br />
mesmo do seu nascimento.”<br />
- Outra característica é a de ser um apreciador de música, ópera e<br />
literatura, desde pequeno, com meu avô poliglota e escritor<br />
possuidor de um grande acervo de discos ou com meu primo<br />
lixeiro aonde ia ao Teatro Municipal através de convites<br />
proporcionados por um tenor deste teatro, nosso vizinho no<br />
subúrbio e que era mecânico de automóveis para poder<br />
sobreviver. Por essa época, eu freqüentava a biblioteca do bairro<br />
e também fazia poemas e crônicas anonimamente sob o título de<br />
“Joãozinho que vive e escreve”. Mais tarde, em 2001, iria compor<br />
Waka para seus participantes de seu grupo numa festa de<br />
confraternização de fim de ano.<br />
- O perfil do Mestre também apresentou esta particularidade que<br />
foi descrito por sua esposa: “Ouvia com freqüência música<br />
ocidental dos grandes clássicos, mas não apreciava as de fundo<br />
triste, nostálgico e pesado. Deliciava-se em ouvir o "Messias"<br />
(Handel); "Carmem" (Bizet), "Aida" (Verdi), "Guilherme Tell"<br />
(Rossini). Apreciava também célebres valsas, e uma variedade de<br />
marchas e composições dos grandes compositores. Fiquei<br />
surpresa a primeira vez em que o vi com um sobrinho, marcando<br />
alegremente com as mãos e os pés, o ritmo das músicas.”<br />
“Quando, durante as refeições, ele ouvia uma música de sua<br />
preferência, como por exemplo, o "Danúbio Azul" de Johan<br />
Strauss, acompanhava o seu ritmo, batendo Com o "hashi". O seu<br />
semblante, nessas horas, era realmente, de muita satisfação difícil<br />
de descrever. Mesmo que entrássemos no recinto com fisionomia<br />
séria, ao vermos aquele rosto bem-humorado, sentíamos vontade<br />
de rir. Na época em que dedicava na residência do meu<br />
doutrinador, suas filhas ainda eram solteiras. Assim, quando<br />
234
tocava música no rádio, como a Opera "Carmem", toda a família<br />
reunida acompanhava o ritmo. A hora das refeições era realmente<br />
alegre.” “Quando havia programação de concertos, ou quando as<br />
Companhias de ópera ou Grupos de ballet faziam temporada no<br />
Japão, ele era um dos primeiros a comprar os ingressos. Não<br />
apreciava somente a música e os espetáculos artísticos, mas<br />
também a atmosfera geral que sentia num teatro.” “Tinha muitas<br />
inspirações artísticas. Quando iniciava a composição de algum<br />
poema, dedicava-se inteiramente a esta realização, com zelo<br />
extraordinário. Por exemplo: quando começou a compor "Waka"<br />
(poema com 31 sílabas), por não estar ainda habituado, absorviase<br />
tanto no trabalho, que ficava até duas ou três horas da<br />
madrugada.” “Próximo à sua residência, alugou uma casa para<br />
moradia dos missionários que faziam seus próprios trabalhos<br />
caseiros e dedicavam-se diariamente à venda e expansão do nosso<br />
periódico, na cidade de Tóquio e arredores. O público naquele<br />
tempo, ainda com pouco entendimento do real significado da<br />
nossa atividade, não aceitava facilmente os nossos jornais e a<br />
nossa presença.”<br />
- Uma outra característica é estar sempre alegre, gostar de rir,<br />
quando adolescente fazia um jornal de humor no bairro, adulto<br />
redigi um livrinho intitulado “Humor brasileiro”.<br />
- “O Mestre detestava terminantemente a melancolia - esse era o<br />
seu caráter. Sempre que eu ou os demais dedicantes, sem<br />
percebermos, ficávamos pensativos e com a fisionomia<br />
deprimida, Ele dizia: "Por que estão com essa cara? O nosso lar é<br />
paradisíaco, portanto, devem manter uma fisionomia alegre".<br />
“Certa vez, tendo ouvido um "rakugo" muito divertido na Sede do<br />
bairro de Sakimi-tyo, quis contá-lo, pensando em distrai-lo num<br />
momento monótono, indaguei-lhe: "Mestre, o senhor quer ouvir<br />
um ‘rakugo'? Se já tiver ouvido, não contarei". Citei o título, e ele<br />
confirmou não conhecê-lo. Contei-lhe, então, e ele riu tanto que<br />
as lágrimas escorriam pelo rosto.” “Dedicava-se ainda à prosa<br />
humorística, incluindo aforismos e paródias. Com isso mostrava a<br />
necessidade do riso na vida humana. Tinha talento especial, fora<br />
do comum mesmo, para irradiar alegria em sua volta. Se um<br />
235
indivíduo quer fazer outros rirem, precisa ter jeito e uma<br />
habilidade natural inata, e esta qualidade especial ele possuía<br />
indiscutivelmente.” “Para encorajar e confortar esse povo, o<br />
Mestre formou a “Sociedade do Riso Feliz”. Inspirava-os a<br />
trabalhar mais e melhor pela causa de Deus, num ambiente de<br />
constante alegria e solidariedade.”<br />
- Uma quarta característica é ser um permanente freqüentador de<br />
cinema a ponto de geralmente saber o encadeamento e final do<br />
filme, bem como um criador e atuante no roteiro, produção,<br />
direção, ator, fotografia, som, arte e edição de vídeos, leituras<br />
dramatizadas e peças de teatro.<br />
- “Nos dias ímpares, após o jantar, exibiam-se filmes para<br />
recreação dos servidores, em Sakemi, e o Mestre também<br />
comparecia, acompanhado de esposa. Ele gostava muito de<br />
cinema, e costumava dizer: "Indo ao cinema, ficamos mais<br />
inteligentes". Caso algum servidor não assistisse ao filme devido<br />
aos seus afazeres, ele até o repreendia: "Devia ter ido e deixado o<br />
serviço da cozinha para depois. Não se devem perder filmes<br />
como esses". “[a esposa do Mestre disse:] Nós víamos muitos<br />
filmes ocidentais. Eu sempre me esquecia do que via, mas ele<br />
lembrava-se de todas as particularidades, não somente dos<br />
enredos, mas também dos atores, atrizes e diretores. Durante a<br />
sessão, ele às vezes cochilava, mas apesar disso, podia contar<br />
tudo sobre os filmes. Alguma parte de sua mente devia ficar<br />
desperta enquanto dormia. Quando os filmes eram interessantes,<br />
ele os assistia atentamente.” ”“ Perguntei-lhe o que significava<br />
"sob seus pés". Disse-me: "significa que a Imperial Cidade de<br />
Tóquio um dia será um mar de chamas. Vocês; devem procurar<br />
ser mais perspicazes para entender todo o assunto por uma<br />
simples palavra. Caso contrário, não poderão ser eficientes<br />
instrumentos de Deus, na obra Divina".”<br />
- Quinta é ser habitualmente franco e sincero.<br />
- “Ele tinha uma atitude franca e sincera com todos, mesmo com<br />
aqueles que encontrava pela primeira vez, porque ele acreditava<br />
mesmo que todos os homens são filhos de Deus.”<br />
236
- Sexta é constantemente estar atento o que acontece no mundo,<br />
na época da ditadura militar sintonizando de madrugada estações<br />
de rádios no exterior, adquirir revistas estrangeiras, procurar<br />
viajar, aprender a ler nas entrelinhas e orelhas de livros para saber<br />
selecionar que livros comprar, escutar noticiário na TV ao tomar<br />
banho e fazer oferendas, assistir programas, ler jornal<br />
diariamente. Ao ir fazer análise com a preocupação de não<br />
misturar seus problemas com sua atividade política, deixou sua<br />
psicóloga preocupada com a intensidade de seu pensar e agir, e de<br />
não gostar de desatenção. Por essa época, já tinha feito cursos<br />
sobre vários assuntos, como Teilhard Chardin, Cibernética,<br />
Parapsicologia, História, Economia, Filosofia, etc. Desde que<br />
entrou para Universidade foi escolhido para ser o professor do<br />
Pré-Vestibular desta, além disso, deu também várias aulas<br />
particulares, o que lhe valeu a obter uma extensa biblioteca sobre<br />
assuntos diversos. Quando ia para as férias, um lugar aleatório,<br />
levava uma mala cheia de livros a fim de ficar se inteirando de<br />
diversas coisas.<br />
- “Mestre acreditava que era imperativo acompanhar os<br />
acontecimentos do mundo. Nas suas conversas, no uso de meios<br />
modernos de comunicação, como a televisão e o rádio, ele<br />
absorvia os conhecimentos atuais. Seu programa era<br />
especialmente organizado para coincidir com os horários do<br />
rádio. Ele planejava seu tempo de modo que pudesse ouvir os<br />
noticiários enquanto tomava banho, fazia a barba, comia etc.,<br />
horas em que ele não podia ser interrompido.” “É curioso o fato<br />
dele ouvir rádio até mesmo durante o banho, mas ele o fazia<br />
ainda, que estivesse extremamente atarefado; ouvia, sobretudo, os<br />
noticiários. Isso mostra seu grande interesse, como fundador de<br />
uma religião, em estar sempre a par das mudanças ocorridas no<br />
mundo. Tomando conhecimento dessas mudanças, vinham-lhe à<br />
mente, com toda a clareza, as soluções adequadas a cada caso. Ao<br />
ouvir, por exemplo, o programa "Doutor Rádio", demonstrava um<br />
interesse extraordinário e ás vezes até fazia anotações.” “O<br />
Mestre conservava sua mente alerta durante um passeio, tomando<br />
chá ou conversando com outras pessoas. Nunca permitia, sua<br />
mente ficar exausta ou adormecida. Eis uma das razões de poder<br />
237
agir tanto durante sua vida.” “Na hora da saudação, ele<br />
observava-os rapidamente. Quando percebia que algum deles<br />
tinha o olhar distraído, determinava-lhe alguma tarefa. Dizia-lhe,<br />
por exemplo: "Traga-me o fósforo" ou "Deixei um livro ali: vá<br />
buscá-lo". O olhar distraído significava que havia um desvio no<br />
pensamento do servidor, de modo que, se nesse momento ele era<br />
incumbido de alguma tarefa, geralmente cometia uma falha. Aí o<br />
Mestre lhe fazia uma severa advertência e ele despertava,<br />
recuperando a atenção. Assim usava freqüentemente esse método<br />
de advertência. Por isso os servidores esforçavam-se para serem<br />
sempre cuidadosos e atentos.”<br />
- Sétima é não perder tempo, certa vez cheguei a ser descortês<br />
numa conversa inútil com um vizinho que armava uma teia de<br />
casos na medida em que ia conversando, dei-lhe as costas e fui<br />
embora sem dar explicação no meio de uma fala com um<br />
conectivo pendente.<br />
- “No que Mestre mais se devotou, foi no sentido de como<br />
expandir a obra Divina para a salvação do mundo e por esse<br />
motivo ele não perdia um só minuto. Foi um homem que se<br />
dedicou de corpo e alma à sua missão.” “Ele planejava as horas<br />
do seu dia, e dava-lhes o melhor uso. Talvez pensasse que de<br />
outra maneira não conseguisse realizar sua grande tarefa. Ele não<br />
permitia conversas inúteis com os que encontrava, mas sempre os<br />
ouvia com boa vontade e seriedade.” “Quando sobrava tempo,<br />
conversava sobre várias coisas comigo. Certo dia, ele me disse.<br />
"O homem deve sempre fazer coisas úteis", e prosseguiu: "Eu sou<br />
um corpo importante que trabalha para Deus. Por isso, mesmo<br />
nas horas de folga, jamais me divirto com coisas improdutivas".”<br />
Ele pára, para dialogar com aquela voz.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (interrupção): Devo parar Mestre? Acha que não,<br />
mas será que isso não vai parecer que estou procurando mostrar a<br />
todos os meus próprios méritos e daí estar revelando mesquinhez<br />
de espírito? O quê! “Deixe de apego. Não importa o que os outros<br />
238
pensem, eles deveriam estar fazendo algo semelhante”. É isso<br />
mesmo o que eu ouvi? Está bem, está bem, vou continuar.<br />
(continuando): - Oitava é ter a pontualidade como algo natural.<br />
Ultimamente tenho dedicado sob intenso cansaço a fim de<br />
cumprir a meta estabelecida. Isso ocorre dormir em torno de<br />
meia-noite e acordar cerca de quatro horas da manhã.<br />
- “Por longo tempo eu julgava que a pontualidade do Mestre era<br />
um hábito natural; mas, mais tarde percebi que ele tinha se<br />
esforçado muito para se disciplinar.” “Era extremamente rigoroso<br />
em relação a horário. Não só por ter inúmeras ocupações, mas<br />
porque ensinava aos fiéis que também o cumprissem à risca,<br />
como Caminho a ser respeitado pelo homem. Assim, seus<br />
trabalhos diários eram divididos com a perfeição dos ponteiros de<br />
um relógio.”<br />
- Nona é ordinariamente ser rápido e enérgico, pondo as coisas<br />
logo em prática sem hesitação. Isso valeu a me tornar líder<br />
estudantil, abrir campo de pesquisa, diretor de Instituto, paraninfo<br />
e patrono de turma, etc.<br />
- “O Mestre trabalhava rápido e energicamente. Estas qualidades<br />
eram características especiais dos edokos, os nascidos e criados<br />
em Tokyo, e assim sendo, era habitual para ele terminar num ano<br />
o que outras pessoas levariam dez para fazer.” “Essa maravilhosa<br />
habilidade era uma das características que o faziam destacar-se.<br />
Enquanto não estávamos ainda na era do espaço, ele fazia as<br />
coisas na velocidade dessa era. Logo que uma idéia lhe ocorria,<br />
imediatamente a punha em prática.” “Aprendi em breve que se<br />
quisesse alguma coisa, tinha que me decidir rapidamente. Quando<br />
o fazia, o Mestre, meu pai, comprava-o para mim. Com isso eu<br />
estava sendo treinada para ter decisões rápidas.”<br />
Décima é de ser bom ouvinte para obter conhecimento e saber<br />
conversar com qualquer pessoa.<br />
- “O Mestre era realmente um bom ouvinte. Quando convidava<br />
alguém, ficava sempre atento para deixar que aquela pessoa<br />
falasse, dando-lhe prioridade no diálogo. Conversava de forma<br />
239
agradável e sorridente, colhendo novos conhecimentos. Em se<br />
tratando de um assunto que ele não conhecia, ficava realmente<br />
muito interessado. Fazia perguntas com seriedade, adotando um<br />
comportamento de quem falava com um mestre. Se ele era assim<br />
nos seus últimos anos de vida, acredito que quando jovem fazia<br />
muito mais do que podemos imaginar.” Messias dizia: “Vocês<br />
precisam aprender a conversar com qualquer pessoa, pois do<br />
contrário não poderão ser chamados de homens modernos; afinal,<br />
o ser humano que não sabe falar, não é ativo e nem progride.”<br />
- Décima primeira regularidade é a criatividade e procurar estar<br />
sempre um passo a frente. Por exemplo, inovar na didática, e a se<br />
envolver em várias situações complicadas, uma delas foi realizar<br />
uma tese que só foi aceita dez anos mais tarde.<br />
- “Desse modo, deste jovem, ele foi um ardoroso inovador, tendo<br />
feito projetos de coisas originais e surpreendentes.”<br />
- Décima segunda é horror a ter que voltar.<br />
- “Para construir as ruas, por exemplo, ele não gostava daquelas<br />
que tinham retorno; mesmo as passagens para pedestres eram<br />
projetadas de tal forma que aquele era omitido.” “Era um andar<br />
muito rápido e, esquecendo-nos até de dobrar a esquina,<br />
seguimos em frente. Como o Mestre não gostava de voltar para<br />
trás, demos uma volta maior e, por fim, chegamos ao cinema e<br />
assistimos ao filme.”<br />
- Décima terceira é não deixar nada pela metade e não perder a<br />
coragem e o poder de adaptação o que me levou a fazer uma<br />
viagem pelo Brasil e alguns países da América do Sul sem<br />
dinheiro nenhum, apenas de carona.<br />
- “Mestre era uma pessoa que se concentrava excessivamente em<br />
qualquer coisa. Não só ele, mas todos os seus familiares eram<br />
habilidosos. Ele dizia freqüentemente: "Não sou muito habilidoso<br />
e isso não é bom". Dessa forma, era uma pessoa que não<br />
abandonava as coisas pela metade, e enquanto não concluía o que<br />
havia iniciado, não se sentia satisfeito.” “Quando algum trabalho<br />
começado não ia bem, Messias mudava imediatamente seu curso.<br />
240
Nessas ocasiões nunca perdia a coragem, seguia sempre um<br />
melhor curso de ação e passo a passo, atingia sua meta. Eu tinha<br />
grande admiração por sua facilidade de adaptação”.<br />
- Décima quarta é ser organizado e irritado ao não encontrar a<br />
coisa no lugar.<br />
- “Numa ocasião, ele nos ensinou calmamente: "As pessoas<br />
devem estar sempre atentas em deixar os seus objetos em ordem<br />
para tê-los à mão quando necessário, de tal modo que possa<br />
apanhá-los livremente, mesmo na escuridão. Não se importar em<br />
deixar as coisas em desordem embota a mente".<br />
Pára novamente.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (interrupção): Estou sem coragem de continuar.<br />
Ah! “Os outros que ...”. Está bem, está bem, não se fala mais<br />
nisso, vou continuar.<br />
(continuando)<br />
- Décima quinta é seguir o programa que acredita, como escrever<br />
um livro, fazer ginástica, principalmente caminhar diariamente<br />
por uma hora.<br />
- “Uma vez ele disse: "Como qualquer outra pessoa, eu me sinto<br />
cansado às vezes e gostaria de descansar em vez de trabalhar.<br />
Mas sempre sigo meu programa. De outro modo eu não estaria<br />
fazendo o que mando meus membros fazer". Assim aprendi que<br />
quando ele dava um Ensinamento aos outros, é que ele sempre o<br />
seguia. Isso tomou-me muito feliz e aumentou o meu respeito<br />
pelo Mestre.” “Por exemplo, se ele achava que as caminhadas<br />
eram boas para regular as condições do corpo e determinara fazêlas<br />
por duas horas diárias, realmente assim praticava.”<br />
- Décima sexta é a de que gosto de comer quero comer todo dia,<br />
vide sorvete de coco, vitamina de banana. Não gostar de maça.<br />
Não comer fora dos horários das refeições.<br />
- “Cadê, o tempura? - Como servi este prato ontem, hoje não<br />
posso repetir o cardápio. - Só porque comi ontem será que não<br />
posso comer hoje também? Tenho vontade de comer todos os<br />
241
dias aquilo de que gosto. Escreva “O Mestre gosta de tempura, e<br />
cole no seu quarto”. Quando eu mandar continue fazendo até que<br />
eu recuse.”. “Tinha uma preferência especial por batata doce<br />
cozida a vapor, que lhe serviam infalivelmente todas as manhãs.”<br />
“Quanto a maçã, ele dizia: ‘A aparência é boa, mas o seu<br />
conteúdo não é bom’”. “Este corpo é meu e ao mesmo tempo não<br />
é. Assim, eu não como nada fora dos horários, pois tenho de zelar<br />
pela minha saúde”.<br />
- Décima sétima é não ter casado mesmo quando os interesses<br />
financeiros, status e poder eram proeminentes.<br />
- “Certo senhor possuidor de considerável fortuna em negócios de<br />
moinho e desejando preservá-la aos seus descendentes, pediu a<br />
ele que ficasse noivo de sua filha e se tornasse seu filho adotivo.<br />
A sua resposta foi categórica: "Eu nunca mudarei o meu<br />
sobrenome e estou determinado a sozinho, ter meu próprio.””<br />
- Décima oitava criar os filhos sem descuido, sem preferência por<br />
nenhum, porém com liberdade deles escolherem sua carreira,<br />
religião, time de futebol, etc. O mesmo quando foi chefe em<br />
relação aos seus subordinados.<br />
- “O Mestre deixava seus filhos à vontade. Em assuntos de crença<br />
religiosa, ele nunca pressionava para aceitarem suas convicções.<br />
Ele nos permitia fazer o que mais gostássemos. Ele nos dizia:<br />
"Cada um deve fazer aquilo que mais deseja: mas, atos errados<br />
nunca devem ser cometidos"”.“Naquela época, o Mestre dava<br />
muita liberdade aos servidores; entretanto, uma vez atribuída<br />
determinada tarefa, sempre verificava o que fora feito, não<br />
permitindo nenhum descuido.” “Ele não praticava a parcialidade<br />
nem deixava passar desleixos, não importando quem estivesse<br />
envolvido, família ou servidores.”<br />
- Décima nona quando tive oportunidade criei plantação e<br />
desenvolvi jardim.<br />
- - “Enquanto o Mestre viveu no Hozan-so em Tamagawa,<br />
converteu as terras espaçosas em jardins de flores, campos para<br />
plantações de chá e legumes, e campos de arroz. Ele encorajava<br />
242
os jovens trabalhadores, tomando parte no trabalho. Ao mesmo<br />
tempo estudava a consistência e a natureza química do solo.”<br />
- Vigésima quando chegava do trabalho ia até a favela juntamente<br />
com os meus filhos pegar os garotos de lá para correrem comigo,<br />
era um momento muito aguardado numa algazarra de<br />
contentamento deles e seus familiares, onde se escutava várias<br />
atenções como a de pôr a camisa para não pegar resfriado,<br />
cuidado ao atravessar a rua. O mesmo acontecia nos banhos de<br />
cachoeira e pedaladas em bicicletas plenas de aventura. Até hoje<br />
meus filhos e essas crianças, hoje adultos, recordam muito feliz<br />
daqueles momentos.<br />
- “Durante seu passeio, nós crianças o seguíamos pulando e<br />
rolando no chão alegremente, às vezes correndo atrás de libélulas<br />
que apareciam perto da tarde com suas asas transparentes,<br />
adejando o ar graciosamente. Eu ainda me lembro da felicidade<br />
que sentia durante esses passeios com ele.”<br />
- Vigésima primeira foi que me dediquei à formação de<br />
missionários a ponto de iniciar escrito intitulado “Dicionário<br />
Epistemológico do Mestre”.<br />
- “Depois da interrupção de sua prática “terapêutica” o Mestre<br />
dedicou-se à formação de missionários que o auxiliariam no<br />
futuro da grande missão.”<br />
Agora é a voz que se pronuncia.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (interrupção): Devo parar, por quê?<br />
Silêncio.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (interrupção): Confessa Mestre, nem o senhor está<br />
agüentando, não é isso?<br />
(recebendo outra incumbência): Dizer tudo que já fiz na minha<br />
vida? Aí é que vão dizer ... Ah sim! “Pare de se preocupar. Eles<br />
sempre vão dizer alguma coisa, se você não disser vão falar que é<br />
teórico sem prática, se disser vão falar que é um prático sem<br />
243
teoria, ou se ficar esperando o que eles querem ouvir ...”. Nossa!<br />
É isso que vai acontecer? Pois bem, então eu gostaria de me ater<br />
apenas a última, ou seja, a formação de missionários, para não ...<br />
“Quando é que vai parar com esse apego de preocupação e<br />
covardia? Os que prestarão atenção com alegria são muitos<br />
poucos, a massa fechará os ouvidos e os olhos de tanto tédio.<br />
Você tem que falar e escrever para poucos, contente-se, aceite e<br />
obedeça.”<br />
(expondo)<br />
Eu gostaria de me ater apenas a formação de missionários, no<br />
entanto para dar uma visão mais abrangente vou registrar os<br />
oferecimentos de entregas de tempo, talento e trabalho, como nos<br />
devotamentos aos serviços religiosos em unidades e solos<br />
sagrados, os cuidados com as orações e cultos, os relatos de<br />
experiências de fé, os estudos e práticas dos ensinamentos, as<br />
ofertas de donativos, os darem assistências religiosas e as<br />
realizações de orientações e encaminhamentos.<br />
No que se refere aos serviços religiosos em unidades e solos<br />
sagrados, em torno de trinta. Como me tornei messiânico no<br />
segundo semestre eu fui nesse período ledor, vigia e jornalista do<br />
Jornal Rio de Luz. No ano seguinte me tornei missionário na<br />
função de assistente de grupo numa unidade de nível um, onde<br />
comecei cuidando de três famílias, depois de moradores de<br />
algumas ruas, bem como dediquei na limpeza dos banheiros desta<br />
unidade e da regional. Próximo ano, a unidade passou para um<br />
nível mais elevado, minha missão aumentou e passei a ser<br />
encarregado de assistentes, bem como no fim de semana onde ia<br />
veranear me tornei responsável pela unidade local. Outro ano, a<br />
unidade atingiu um nível ainda mais alto, e eu coordenador de<br />
encarregados. Mais um ano, sou indicado a ministro, dedico na<br />
construção do solo sagrado brasileiro por uns três anos e vou<br />
peregrinar no solo sagrado no Japão, bem como repito dois anos<br />
depois. Anos posteriores, me torno ministro sendo responsáveis<br />
por diversas áreas, bem como pelos setores da regional. Mais<br />
tarde, fui responsável pela juventude, atividades culturais e<br />
244
artísticas e finalmente pelo que hoje chamamos de Centro<br />
Cultural Paraíso Terrestre no setor de ensino.<br />
No que diz respeito os cuidados com orações e cultos foram para<br />
mais de vinte mil, entre pedidos de graça, agradecimentos,<br />
diários, especiais, cemitérios, levando-se em conta que entronizei<br />
altar de Deus e dos meus antepassados quatro anos depois de me<br />
tornar messiânico.<br />
No que tange aos relatos de experiências de fé. Em sete anos de<br />
membro já havia relatado dezoito experiências entre unidades<br />
religiosas, regional e solo sagrado em cultos de gratidão mensal e<br />
outros. Quando fiz dois anos de membro escrevi “Meus dois<br />
primeiros anos com Deus e Messias”, uma apostila de 92 páginas,<br />
onde relato 70 experiências de fé que vivenciei nestes dois anos.<br />
Eis o que escrevi na introdução desta apostila:<br />
(pausa)<br />
“Através delas compreendi que benefícios inesperados não são<br />
coincidências, mas sim acontecimentos permitidos por Deus e<br />
Messias como comprovei que todas as coisas têm espírito e que<br />
devemos ter muito zelo com o que é sagrado.<br />
Estes dois anos, de 25 de agosto de 1991 a 25 de agosto de 1993,<br />
também foram plenos de experiências pessoais da atuação do<br />
Mundo Espiritual. Uma dessas foi no papel preponderante que<br />
meus antepassados tiveram na minha conversão. Outras em<br />
avisos de falecimentos e riscos de vida que iriam ocorrer e de<br />
aflições que estavam acontecendo. Algumas outras em<br />
informações a respeito da situação de falecidos e de interações<br />
entre linhagens. As demais em orientações e parabenizações por<br />
meio de intuições, fatos e sonhos.<br />
Minhas atividades fundamentais foram em Oração e Culto,<br />
Johrei, Ensinamento e Oferta de Gratidão.<br />
Entendendo qualquer comunicação a Deus e Messias como<br />
oração, diria ter realizado mais de mil orações; em termos de<br />
culto devo ter participado de 300, uns 40 como oficiantes, 30<br />
como ledores e 60 como solicitadores. Realizando estas orações e<br />
participando destes cultos pude observar: abandono de apego,<br />
resposta de como distribuir donativo entre os cultos, superação de<br />
245
estado de coma, eliminação de infecção hospitalar, obtenção de<br />
emprego e casa para alugar, estimulação a conversão,<br />
minimização de perda com acidente, aprovação em exame tida<br />
como impossível, paralisação de som inoportuno, abrandamento<br />
de agonia, encerramento de relação amorosa complicada e<br />
surgimento de mais tempo para dedicar.<br />
O recebimento de mil Johrei, além de ter me afastado da idéia de<br />
loucura e suicídio, proporcionou-me entre outras coisas:<br />
aproximação de meus antepassados e da crença do Mundo<br />
Espiritual. Já a ministração de mais de dois mil Johrei fez-me ver:<br />
cura de câncer, insônia e abscesso de dente, eliminação de crise<br />
de asma, sinusite, psoríase e arteriosclerose, reabilitação física,<br />
reconciliação de casal, liberação aos remédios, aceleração de<br />
purificação, facilitação de parto, desvelamento de tristeza,<br />
expulsão de veneno ingerido secretamente, afastamento de gás<br />
nocivo, encosto, briga e da causa do não funcionamento de carro.<br />
O estudo e prática de ensinamento levaram-me a: encontrar<br />
Messias como salvador; caminhos para a superação de<br />
problemas, atração de pessoas à Obra Divina e aceitação de<br />
doença, conflito, roubo e acidente como purificação; permissão<br />
de limpar imagens do altar e de ultrapassar fobias e mal-estar;<br />
vencer pelo perder e ceder.<br />
Oferta de Gratidão com respeito a donativo culminou no<br />
oferecimento de um terço do salário, com relação à dedicação por<br />
trabalhos em Solo Sagrado Brasileiro e em quatro unidades<br />
religiosas.<br />
O oferecimento de donativo fez-me vencer a pobreza espiritual da<br />
avareza, concretizar materialmente o amor, acabar com a solidão,<br />
preocupação financeira, pressão alta, tensões e dificuldades de<br />
moradia e alimentação, colaborar na construção do Paraíso<br />
Terrestre, salvação de pessoas e até de ganho de mais dinheiro.<br />
Dedicando em Guarapiranga, além de plantar, cavar e transportar,<br />
aprendi que o amor faz crescer e recuperar, bem como senti a<br />
força do local onde será o Templo e a morada dos antepassados.<br />
Dedicando em unidades religiosas, além de pintar, limpar e<br />
entregar jornais messiânicos: prestei duzentas assistências<br />
religiosas; lecionei em 10 cursos entre os de Formação e os de<br />
246
Aprimoramento; colaborei em eventos messiânicos; fiz dois<br />
relatos de experiência de fé - um na minha difusão de origem<br />
sobre minha conversão, e outro na sede da regional sobre<br />
donativo de gratidão -; integrei os congressos nacional e<br />
internacional de jovens; compareci a mais de dez reuniões do lar;<br />
inteirei reuniões missionárias; orientei com êxito pessoas em<br />
relação a donativo, viver com alegria, ter esperança de cura e de<br />
realizar desejos; encaminhei mais de dez, sendo que de sete fui<br />
padrinho de outorga.<br />
Já fiz curso de auto-aprimoramento e de aperfeiçoamento, fora<br />
diversos aprimoramentos. Elaborei duas ikebanas e vivenciei<br />
alimentos da Agricultura Natural.<br />
Estes passos do meu caminho, nestes dois anos de serviço à Deus<br />
e Messias, estão registradas nas 70 estórias de minha fé que se<br />
segue.”<br />
Pronto. Acabei.<br />
Silêncio. Até que ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: O quê! Relatar aquelas duas de experiências de fé<br />
– na difusão de origem e na sede da regional. O senhor não acha<br />
melhor relatar o dobro não, hein?! “Aí vão dizer que você é muito<br />
prático e mais ...”. Ah sim, é isso que vai acontecer. Está bem<br />
então, vou começar com a minha primeira experiência de fé<br />
intitulada “Conversão” que foi relatada na unidade em que me<br />
outorguei membro.<br />
(relatando)<br />
Em 1991 eu era comunista, seguia a doutrina marxista-leninista:<br />
uma concepção materialista acerca do universo, criatura e coisas;<br />
uma visão que nega a existência de Deus, mensageiros divinos,<br />
religiões e vida após a morte.<br />
Deus era para mim, algo criado pela matéria cérebro humano em<br />
decorrência da submissão do homem à natureza e à classe social<br />
dominante; mensageiros divinos e religiões era o ópio ideológico<br />
do povo, criadores da dependência consentida pelos trabalhadores<br />
247
a seus exploradores; vida após a morte seria outra fantasia<br />
cerebral proveniente da perda da razão frente ao inevitável.<br />
Eu não só pensava assim, mas também me expressava por<br />
palavras e agia contra os teístas, líderes religiosos e<br />
espiritualistas, julgando-os supersticiosos e reacionários.<br />
Tudo isto eu fazia com a intenção de colaborar na edificação de<br />
um mundo melhor para todos, o que me fazia sentir altruísta. As<br />
manifestações positivas que recebia de meus companheiros de<br />
luta, bem como de meus colegas de profissão, alunos, familiares e<br />
amigos, confirmavam este meu sentimento de ajudar o próximo.<br />
Na verdade eu não sabia que era egoísta.<br />
Divorciado, com três filhos, prestes a fazer 47 anos de idade e<br />
imaginando em só contar para viver com meu salário de professor<br />
universitário já muito diminuído pelas pensões alimentícias,<br />
receava me casar de novo e ter filhos. Por outro lado, muito<br />
apegado as meus familiares sujeitava-me a quaisquer condições<br />
para vê-los bem.<br />
Minhas frustrações, medos e apegos, me levaram a viver, desde<br />
1983, com uma jovem solteira e sem filhos, em um quarto e<br />
banheiro nos fundos da casa de meus pais.<br />
Tudo me parecia harmonioso na família; todos me pareciam<br />
felizes. Insensível, eu não percebia o que se passava à minha<br />
volta.<br />
Em maio de 1991, dia das mães, minha companheira escreveu<br />
uma carta para minha progenitora dizendo de sua necessidade de<br />
ser mãe e de morarmos sozinhos.<br />
Consciente do seu desejo conversamos a respeito não foi possível<br />
o entendimento. Foi-se a paz aparente e veio o conflito.<br />
Em 4 de junho de 1991, minha companheira sentindo-se<br />
totalmente incompreendida, decidiu arrumar as malas, e ir<br />
embora para a casa de seus pais. Surpreso, diante daquele gesto,<br />
só consegui falar duas coisas: dizer para ajeitar suas roupas com<br />
calma e perguntar se queria que a levasse.<br />
Ela me deu um beijo e partiu, deixando-me com a mão estendida<br />
e o coração desorientado, mas ao mesmo tempo, sem que eu<br />
soubesse, no começo de meu caminho para Deus. A partir desse<br />
momento se iniciaria minha transformação.<br />
248
Passei aquela noite em claro, revendo minha vida com ela.<br />
Observei o quanto tinha sido amado e o quão lamuriento,<br />
covarde, egoísta e apegado as meus pais e filhos tinha sido. Sentime<br />
sozinho e cheguei a conclusão de que esta mulher era a paixão<br />
de minha vida.<br />
Em 7 de junho de 1991 enviei-lhe uma carta, onde dizia: que<br />
seria capaz de violentar minha própria inteligência e até implorar<br />
a um Deus que não acreditava para que ela voltasse.<br />
Uma semana após a separação, comecei a despertar minha<br />
espiritualidade através da religião.<br />
Minha razão até então toda poderosa, estava revelando-se<br />
impotente diante da emoção da perda. Corroído pela ansiedade da<br />
solidão, resolvi considerar a sugestão de minha mãe e procurar<br />
orientação psicológica. A ajuda de uma ciência materialista era,<br />
percebida pela minha consciência, com algo necessário no<br />
momento.<br />
Na Casa de Difusão de Olaria da Igreja Messiânica Mundial do<br />
Brasil, onde minha mãe é membro, havia uma dedicante<br />
psicóloga. Proposto um encontro com esta pessoa, concordei,<br />
desde que fosse com o seu lado profissional e com o seu lado<br />
religioso.<br />
Em 11 de junho de 1991, a psicóloga que iria me atender não<br />
chegou. Cada segundo de ausência era vivido por mim com muita<br />
intranqüilidade, como anos retardados na recuperação da paz<br />
perdida. Nesta agonia fui convidado para assistir o culto que iria<br />
começar. Para passar o tempo, aceitei. Durante o entoar da<br />
Oração Zenguen-Sandji, fui envolvido por uma profunda<br />
sensação de calma. Registrei esse benefício inesperado, apenas,<br />
como uma feliz coincidência.<br />
A psicóloga messiânica chegou e marcamos a consulta. Fiz<br />
questão de não ser na Difusão, por não querer qualquer<br />
orientação religiosa.<br />
No dia de meu aniversário, 12 de junho, encontrei minha amada<br />
pela primeira vez, após a separação. O que me deu esperanças de<br />
uma reconciliação. Mas tudo não passou de um engano. Voltei a<br />
mergulhar nas trevas da solidão.<br />
249
Escrevia cartas, telefonava, dizendo-lhe de meu sofrimento e de<br />
minha transformação, mas de nada adiantava. Ela se mantinha<br />
intransigente pedindo-me um tempo para pensar. E eu, sofria por<br />
querer desesperadamente que ela voltasse para mim.<br />
Duas semanas após a separação, numa sala escura e fria, com as<br />
janelas fechadas, estava eu lá, prostrado no sofá com o rosto<br />
imóvel pensando em loucura e suicídio.<br />
Foi, nesse contexto desolador, que súbita, misteriosamente, fui<br />
me sentindo bem. E como um girassol em busca de luz, fui me<br />
virando como se procurasse a causa daquele milagroso bem estar.<br />
E o que encontrei? Surpreendentemente, minha mãe, sentada<br />
numa poltrona distante do sofá, com a mão levantada estendida<br />
em minha direção. Respeitosamente, aceitei e com entusiasmo<br />
absorvi seus efeitos benéficos.<br />
Rendido à eficácia do poder do Johrei, passei a recebê-lo<br />
diariamente em casa. Assim, finalmente, me curvei diante da<br />
existência do mundo invisível aceitando a vida após a morte,<br />
fortalecendo assim os elos com os meus antepassados.<br />
Uma das poucas coisas anteriores à separação que continuei<br />
fazendo no decorrer dessa depressão, era a caminhada matinal. Só<br />
que após eu ter conhecido a Luz Divina, passei a caminhar sob a<br />
recordação saudosa, trocando o choro da perda amorosa pelas<br />
lágrimas do reencontro com meus antepassados. Durante esta<br />
caminhada me vinha a mente momentos felizes com meus avós,<br />
tios e primos já falecidos.<br />
O interessante é que eu embora já aceitasse a espiritualidade, a<br />
religião messiânica com suas orações e cultos, pedidos de prece,<br />
Johrei e antepassados, não dava a mínima importância ao seu<br />
fundador. Até que me foi entregue por minha mãe, o ensinamento<br />
do Messias intitulado: “Aguarde o Tempo Certo”.<br />
A partir daí compreendi que devia recuar e aguardar respeitando<br />
assim os sentimentos de minha amada. O que desconhecia,<br />
porém, é que também estava sendo elaborado um tempo certo<br />
para mim, para meu encontro como Messias.<br />
Em 10 de julho de 1991, a psicóloga, pretendendo ser honesta<br />
comigo, conta-me que estava deixando de ser messiânica. Eu que<br />
estava ingressando nessa religião como simples freqüentador,<br />
250
pouco inteirado do fundador desta Igreja, ainda dependente desta<br />
analista devido à minha fragilidade emocional, senti-me na<br />
obrigação de ter que tomar uma decisão.<br />
O interessante é que, eu que havia optado inicialmente por uma<br />
analista não religiosa, e, acreditei ter com o passar do tempo<br />
tolerado a psicóloga messiânica, havia sem perceber assumido<br />
uma messiânica psicóloga.<br />
Assim, veio a decisão, foi-se minha psicóloga e ficou a Igreja<br />
Messiânica, seu fundador, e meu mestre.<br />
Mas a decisão fundamental, essencial do ser humano, ainda não<br />
havia tomado. Ou seja, não reconhecia Deus como criador do<br />
universo, criatura e coisas, com seu plano de construir o Paraíso<br />
terrestre. Meu tempo certo para tomar tal decisão estava em<br />
preparação.<br />
Em 17 de julho de 1991, inexplicavelmente me vi percorrendo<br />
um trajeto inteiramente distinto do habitual durante a caminhada<br />
matutina em plena escuridão do inverno. Num dos trechos deste<br />
caminho desconhecido, duas senhoras tentavam cortar, com uma<br />
tesoura, um fio caído de um poste elétrico. Mas, não conseguiam.<br />
Sensibilizado pela frustração das senhoras diante das fracassadas<br />
tentativas, parei para ajudá-las. Alegre engano, naquele momento<br />
eu iria me ajudar como nunca imaginara no caminho da<br />
felicidade.<br />
E tudo isto ocorreria quando após conseguir cortar os fios, elas do<br />
fundo de seus corações e da superfície de seus lábios agradecidos<br />
disseram: “Fique com Deus”. E eu fiquei com Ele até hoje, ou<br />
melhor, para sempre.<br />
Chegando em casa, eufórico com aquele ocorrido, murmurei com<br />
muita emoção: “Encontrei Deus”. Meu pai nada disse, minha mãe<br />
não entendendo direito o que eu falara, perguntou a ele:<br />
“encontrou o quê?”. Sem tirar os olhos do jornal, como se não<br />
houvesse dado muita importância ao fato, respondeu: “Disse ter<br />
encontrado Deus”.<br />
Mais tarde na Difusão, perguntava ao ministro sobre o Ser<br />
Supremo. Ele e meu filho que me acompanhava, respondiam, e<br />
eu só dizia: “Ah! É assim”. Naquela noite, percebi a Era do Dia<br />
iluminar minha alma e consciência. A prova da existência de<br />
251
Deus me atingira. O conflito se despediu de meu espírito, e este<br />
foi invadido pela paz de Deus.<br />
Minha vida sofreu profunda e significativa transformação.<br />
Eu e ela nos reencontramos, e, em 25 de agosto de 1991, ambos<br />
fomos outorgados messiânicos.<br />
Em 13 de outubro do mesmo ano, nos casamos na Igreja<br />
Itabaiana sob a forte comoção de quem teve de sofrer para<br />
merecer abraçar e amar à Deus e Messias.<br />
(pausa)<br />
Agora vou relatar uma segunda, uma que não foi apresentada em<br />
nenhuma unidade religiosa, regional ou solo sagrado em cultos de<br />
gratidão mensal e outros, ficou apenas registrado para mim, como<br />
uma das setenta que mencionei anteriormente. Intitulei-a<br />
“Agradecimento Eterno”.<br />
(relatando)<br />
Uma semana antes do casamento, em outubro de 1991, minha<br />
noiva começou a sentir dores insuportáveis em seu ventre. Após<br />
os exames clínicos de rotina, recomendaram-lhe uma intervenção<br />
cirúrgica para retirada de um cisto ovariano.<br />
Casamos, e, depois, ela foi operada, isso no final de 1991, após o<br />
que, pediu-me para apanhar o resultado da biópsia, fazendo-me<br />
prometer-lhe que não lhe ocultaria, de forma alguma, aquele<br />
diagnóstico.<br />
Sentado no consultório, do qual não passei da ante-sala,<br />
aguardava impaciente, quando senti uma pressão estranha na<br />
cabeça, e, ao fechar os olhos, sentir o local onde o médico s<br />
encontrava e o que me seria dito.<br />
E, infelizmente, o que foi retirado de minha mulher indicava o<br />
pior possível.<br />
Lembrando-me do ensinamento “Honestidade e Mentira”, ao<br />
reencontrá-la guardei segredo, e, foi sob forte emoção que<br />
acompanhei seus outros exames como os de sangue e o da<br />
tomografia, mas confiante no poder infinito do Johrei, ministravao<br />
diariamente em minha esposa.<br />
252
Certo dia, ela descobriu o que tivera, e, descontrolou-se me<br />
chamando de traidor, mas vendo o estado depressivo em que<br />
mergulhei, ergueu suas mãos ministrando-me Johrei.<br />
Após um ano e meio, tempo em que todos os exames de<br />
acompanhamento deram resultados negativos, atestando sua cura,<br />
eu e minha mulher agradecemos e agradeceremos eternamente à<br />
Deus, ao Messias, aos nossos antepassados, a benção de ambos<br />
estarmos no Programa da Luz Divina.<br />
(pausa)<br />
Uma terceira apresentada no solo sagrado, intitulada “Donativo<br />
de Gratidão”.<br />
(relatando)<br />
Antes de ser messiânico, há quatro anos atrás, dedicação<br />
monetária como forma de expressar e desenvolver sentimento de<br />
gratidão, significava doar dinheiro para o partido comunista. Agia<br />
assim porque pensava que tudo, como alimento, roupa, casa,<br />
emprego, sonho, a vida enfim, decorria simplesmente da mãe<br />
natureza e do trabalho de seu filho homem, cuja felicidade<br />
dependia da construção do socialismo terrestre.<br />
Na época, morava com minha atual esposa, num quarto com<br />
banheiro, nos fundos da casa de meus pais, sob preocupação<br />
financeira, pressão alta, distúrbio neuro-vegetativo, pensamento<br />
de que a qualquer momento iria enfartar, ter derrame cerebral,<br />
sofrer intervenção cirúrgica, perder emprego, ser roubado,<br />
acidentado, enfim o fim. Na minha bolsa para que me sentisse<br />
seguro tinha desde seguros propriamente ditos, como o de carro,<br />
até os emergenciais, como registro de tipo sangüíneo, remédios<br />
Izordil, Noam e Adalat.<br />
Em junho de 1991, passei por grande transformação ao receber a<br />
graça da reconciliação com minha companheira e, por esta<br />
benção, outorguei-me messiânico, juntamente com ela, em<br />
agosto, para dois meses depois nos casarmos na Igreja Itabaiana.<br />
Naquela ocasião, o donativo oferecido por mim e por minha<br />
esposa tinha como parâmetro a quantia doada ao partido<br />
comunista. No caso do donativo de outorga, estimamos o valor de<br />
253
sermos messiânicos como o dobro do valor de sermos<br />
comunistas. Como o donativo ao partido era de meio por cento,<br />
depositamos um por cento no envelope do donativo de outorga.<br />
Hoje, refletindo sobre aquele oferecimento, nós o entendemos<br />
mais como um donativo de ingratidão do que de gratidão. Se<br />
nossa vida, que foi salva, pelo menos daquele infernal conflito,<br />
valesse 100%, esta oferta de 1% nos levaria a contrair uma dívida<br />
de 99%.<br />
No caso do donativo mensal, já mais conscientes, estipulamos<br />
que deveríamos doar cinco vezes mais à Deus do que à causa<br />
operária. Doaríamos assim, 25% à Obra Divina. Passaríamos a<br />
dispor de 67.5% do salário, já que 30% estavam comprometidos<br />
com o pagamento da pensão alimentícia para os meus três filhos.<br />
Em vez de dificuldades, pelo contrário, meu sogro cedeu uma de<br />
suas casas no Méier para que nós fôssemos morar, meus pais nos<br />
deram o apartamento de veraneio que possuíam, em Teresópolis,<br />
e, foi-se a tensão, pressão alta, distúrbios neuro-vegetativo e<br />
pensamentos negativos.<br />
A partir de março de 1992, iniciando missão de Assistente na<br />
Igreja, começamos a perder dinheiro de várias maneiras: prejuízo<br />
com batida no carro (que quase me custou a vida), furto no<br />
apartamento (único a ser furtado entre os 25 apartamentos<br />
existentes no prédio), sumiço misterioso de dinheiro ao ir fazer<br />
feira (com certeza não esqueci este em casa e nem fui roubado),<br />
etc.<br />
Alertado pela ministra sobre a possibilidade de insuficiência de<br />
dedicação monetária em relação às bênçãos obtidas, dobraríamos<br />
a oferta de gratidão, ou seja, começamos a oferecer 5%.<br />
Conseqüentemente, passamos a viver com 65% dos vencimentos.<br />
Um mês após, em abril, dois de meus filhos, uma prima e seu<br />
marido, minha cunhada e dois amigos se tornariam messiânicos.<br />
Encaminhamos mais quatro pessoas das quais fomos seus<br />
padrinhos de outorga.<br />
No final do ano de 92, acatando a diretriz para os missionários da<br />
Igreja Itabaiana de dobrar o esforço em prol da construção do<br />
Solo Sagrado de Guarapiranga, aumentamos o donativo para<br />
10%, ficando com 60% para o nosso sustento.<br />
254
Maior oferta, menor percentual de salário para nós. Poderíamos<br />
pensar em enfrentar dificuldades financeiras. Mas pelo contrário,<br />
nunca nos alimentamos, vestimos, moramos, trabalhamos e<br />
sonhamos tão bem. Chegamos a poder contribuir com ajudas<br />
econômicas significativas, como: construção do Altar da Luz<br />
Divina da Casa de Johrei, onde éramos missionários e na viagem<br />
à Europa de um de meus filhos, em razão de sua preparação<br />
profissional.<br />
A partir de 1993, passo a Encarregado e minha esposa assume<br />
missão de Assistente. Aumentando missão, o desenvolvimento da<br />
nossa gratidão progrediria ainda mais. Ao colocarmos em prática<br />
a orientação do Messias de oferecermos de maneira que<br />
poderíamos vir a passar por dificuldades e comprovarmos, em<br />
vez de aperto, o retorno de dez vezes mais dinheiro, dobramos o<br />
donativo. Assim, passamos a doar 20% e ficar apenas com 50%, a<br />
metade do vencimento, para viver.<br />
No mês de março de 1993, dedicando com as próprias mãos em<br />
Guarapiranga, no aprimoramento que tivemos relatei as<br />
experiências pelas quais eu e minha esposa estávamos passando<br />
em relação à dedicação monetária. No dia seguinte, fomos<br />
convidados a escrever nossa experiência de fé para ser<br />
apresentada na Igreja Itabaiana.<br />
Voltando ao Rio de Janeiro, antes de escrever a experiência, a<br />
quantia esperada de um resíduo salarial para não passarmos<br />
dificuldades naquele mês, chegou. E junto, a surpresa: veio dez<br />
vezes mais do que aguardávamos, o que proporcionou a alegria<br />
de oferecermos 20% desta quantia inesperada à Obra Divina.<br />
Praticando donativo de 20%, nossa massa salarial cresceu acima<br />
da inflação. Com esse crescimento meus filhos ficaram mais<br />
contentes, pois o valor do que lhes cabia de pensão alimentícia<br />
também foi aumentado.<br />
Sonhando alto em ter Altar no Lar e Mitamaya em Teresópolis,<br />
reformamos nosso apartamento. Nessa ocasião, ajudamos meu<br />
filho e minha filha que ia se casar a montar casa.<br />
Além disso, encaminhamos mais quatro pessoas, sendo uma delas<br />
minha futura nora. Redigi “Meus Dois Primeiros Anos Com Deus<br />
e Messias”, onde registrei 70 sabores de fé vivenciados por nós.<br />
255
Em 1994, meu filho já formado e empregado, deixa de receber<br />
pensão alimentícia de 10%, o que aumenta nossa receita em 10%.<br />
Nessa ocasião, inicia-se o processo de instauração da Casa de<br />
Reunião Méier. Conseguimos, novamente, permissão de poder<br />
contribuir significativamente em termos financeiros na<br />
construção de um novo Altar da Luz Divina, o desta nova<br />
unidade messiânica. Nesta Casa de Reunião que vai começar<br />
recebemos missão maior: eu passo à Coordenador de Área e<br />
minha esposa, à Encarregada.<br />
Considerando a doação como um investimento na “Empresa<br />
Construtora do Novo Mundo”, seguimos o Mestre e oferecemos<br />
um terço dos nossos vencimentos, isto é, 33.3%. Como dávamos<br />
agora 20% de pensão alimentícia, viveríamos com menos da<br />
metade, ou seja, com 46.7%.<br />
Em outubro, com a outorga de meu terceiro e último filho, a<br />
família <strong>Guimarães</strong> torna-se messiânica.<br />
Pedindo permissão à Deus e ao Messias para dedicar na Obra<br />
Divina mais tempo, em novembro já estava aposentado.<br />
No final de 94, fomos orientados de que deveríamos fazer o<br />
pedido de permissão para recebermos, em nosso lar, o Altar de<br />
Deus e o Mitamaya. E para a nossa surpresa, o que pensávamos<br />
que seria em Teresópolis aconteceria em nossa casa do Méier.<br />
Compreendemos então, que a obra que fizemos em nosso<br />
apartamento de veraneio tinha sido mais um presente de Deus e<br />
do Messias para nós. A partir daí, fizemos melhorias na outra<br />
casa que receberia, ficando então, com duas belas casas.<br />
Em 1995, o outro filho já formado e empregado, deixa de receber<br />
pensão, o que aumenta novamente nossa receita em 10%.<br />
Passamos, então, a ofertar 36% à Obra Divina e criamos meta<br />
para, ainda em 95, chegarmos ao percentual de 51%.<br />
Em agosto, tivemos permissão de entronizarmos o Altar no Lar e<br />
o Mitamaya, integrar a 67a. Caravana ao Solo Sagrado do Japão e<br />
de participarmos da campanha do donativo especial para<br />
Guarapiranga, fazendo um esforço extra de 15%, o que nos levou<br />
a ofertar 51% dos nossos vencimentos.<br />
Assim, finalmente, alcançamos a nossa meta de oferecer<br />
mensalmente 51% de donativo, e como ainda ajudamos a minha<br />
256
filha com um percentual de 8%, estamos vivendo bem com 41%.<br />
E pasmem, tudo isso, mesmo sendo professores! O que prova<br />
mais uma vez que tudo é permissão de Deus.<br />
Hoje, nas vésperas da inauguração do Solo Sagrado de<br />
Guarapiranga, donativo para mim e para minha esposa é o nosso<br />
milagre mensal, é uma prova de expressarmos e desenvolvermos<br />
o sentimento de gratidão à Deus e ao Messias pela permissão que<br />
nos foi dada em servir, juntamente com nossos antepassados, em<br />
prol do avanço da natureza e da humanidade no caminho da<br />
construção do Paraíso Terrestre.<br />
Muito obrigado.<br />
(pausa)<br />
Uma quarta apresentada na regional, intitulada “Atuação de<br />
Antepassados”.<br />
(relatando)<br />
Em quase seis anos de messiânico tenho vivenciado intensamente<br />
a atuação de antepassados. Na minha vida missionária, em<br />
coordenação de área ou setor de orientação, constantemente vejo<br />
a presença dos antepassados das pessoas ao encaminhá-las para<br />
se tornarem membro da nossa Igreja, protege-las de situações e<br />
solucionar seus problemas. Na minha vida pessoal também tem<br />
sido freqüente a atuação de meus antepassados e pediria<br />
permissão aos senhores para relatar algumas experiências.<br />
No meu processo de conversão.<br />
Em junho de 1991 fui salvo por Deus e o Messias, em agosto era<br />
outorgado e em outubro relatava num culto mensal de gratidão<br />
meu processo de conversão. Num trecho desta experiência de fé,<br />
falei:<br />
“Uma das poucas coisas anteriores à separação que continuei<br />
fazendo no decorrer dessa depressão, era a caminhada matinal. Só<br />
que após eu ter conhecido a Luz Divina, passei a caminhar sob a<br />
recordação saudosa, trocando o choro da perda amorosa pelas<br />
lágrimas do reencontro com meus antepassados. Durante esta<br />
caminhada me vinha a mente momentos felizes com meus avós,<br />
tios e primos já falecidos.”<br />
257
Fui avisado de que meu pai iria falecer.<br />
Às dez horas da noite, em 16 de agosto de 1992, inesperadamente<br />
comecei a tremer sem motivo. Minha esposa, ao mesmo tempo<br />
em que me ministrava Johrei, aquecia-me, envolvendo-me com<br />
cobertores, gorros e meias de lã, e dava-me água quente para<br />
beber.<br />
Depois de umas duas horas, parei de tremer de repente, e,<br />
assaltou-me o pressentimento de que meu pai iria falecer. De<br />
pronto afastei esse pensamento.<br />
Passado dois dias, visitei meu pai, e, nos divertimos muito, tendo<br />
eu a certeza de estarmos nos despedindo.<br />
No dia seguinte aconteceu o que eu pressentira, ou o que me fora<br />
avisado!<br />
As respostas que encontrei na peregrinação ao Solo Sagrado do<br />
Japão.<br />
Em toda minha vida só psicografei duas vezes. Uma foi na noite<br />
de 30 de setembro de 1995, em Atami, onde recebi a seguinte<br />
mensagem:<br />
“É o início da vida que se inicia, em todo lugar há sinal, não<br />
perca tempo nem esperança, há lua e sol para todo mundo se<br />
esquentar no peito enorme do mestre Korim.”<br />
“Quem sou eu?”, me pergunto.<br />
“Você está sozinho para descobrir isso. Procure aquela primeira<br />
caravanista que você se aproximou, ela tem a resposta.”<br />
Através dela pude entender: minha afinidade com o Messias em<br />
outras reencarnações, minha missão futura e meu tronco familiar<br />
desde o final do século passado. Por entender tive, entre outras<br />
coisas, de pedir perdão no Altar de Atami pelo o que meu tronco<br />
fez a um de seus membros: deixou-o bastardo. Este filho de mãe<br />
solteira veio da Europa, construiu a vila onde moro e ele nada<br />
mais é do que o falecido avô paterno de minha esposa. Só para<br />
ficar claro adiante, registro que ele e seu filho, que é meu sogro,<br />
tem o mesmo nome, qual seja: Orlando.<br />
Meu pai foi outorgado no Mundo Espiritual.<br />
Em um culto do Paraíso Terrestre de 15 de junho de 1993 fui as<br />
lágrimas, ao sonhar acordado com meu pai falecido acariciado<br />
258
pelo Messias. Senti que ele havia se tornado messiânico no<br />
Mundo Espiritual.<br />
Um por um de meus antepassados, um a um de meus familiares<br />
vivos, entrava naquele acontecimento para reverenciar o<br />
Fundador e parabenizar meu pai.<br />
No mês de agosto, quando iria fazer um ano de falecido, ele daria<br />
seu donativo de outorga. Na sua conta bancária havia um<br />
montante significativo desde dezembro do ano passado, só que<br />
seu cartão magnético além de danificado estava desaparecido.<br />
Minha mãe, que há muito já tinha prometido essa quantia para a<br />
Igreja, iria se deparar com este cartão num lugar ultra-visível.<br />
Minha esposa chega dizendo que vai, aonde raramente ia, ao<br />
banco onde estava aquela conta bancária de meu pai.<br />
O que há poucos momentos atrás estava desaparecido, também<br />
não estava sequer danificado. E o donativo é feito.<br />
No sonho de minha mãe, num caminhão de operários construtores<br />
do Solo Sagrado do Brasil, ia meu pai abraçado a um amigo<br />
acenando muito feliz.<br />
Esta experiência de Fé foi relatada por minha mãe no Culto<br />
Mensal de Gratidão na Sede Central.<br />
Obrigado pai, por esse presente tão bonito.<br />
Estranho! O rádio do carro que nunca funcionava bem, parecia<br />
novo e tão perfeito. Estaciono-o frente à casa de minha mãe e<br />
lembro-me de que meu pai estava fazendo um ano de falecido.<br />
Nesse momento, daquele rádio vai saindo uma música tão bela<br />
cujas notas tocam profundamente em minha alma. Elas vão<br />
entrando, me incendiando por dentro, e quanto mais eu choro<br />
mais sou levado a um estado de alegria intensa.<br />
Na mente só vem este pensamento: “Obrigado pai, por esse<br />
presente tão bonito.”<br />
Mensagens de meu pai na Cerimônia de Entronização do Altar no<br />
Lar.<br />
Após significativa reforma em nosso apartamento de fim de<br />
semana em Teresópolis para receber a Luz Divina, a Ministra de<br />
minha difusão orientou-nos que este deveria ser entronizado<br />
aonde residimos. Para isso começamos a reforma da casa do<br />
Méier, que vim a descobrir no Solo Sagrado do Japão ter sido<br />
259
construída por aquele bastardo do meu tronco familiar que é o<br />
falecido avô paterno de minha esposa.<br />
Após várias tentativas de entronizarmos o Altar, este só ocorreria<br />
no dia em que meu pai fazia três anos de falecido.<br />
Na véspera tive um sonho onde todos, exceto eu, pensavam que a<br />
Ministra de minha difusão havia se afogado. Acordei, luz se<br />
acendeu, apaguei-a. Na escuridão, impulsionado a escrever,<br />
peguei de forma rara a caneta e, sem enxergar, psicografei pela<br />
primeira vez.<br />
Nas palavras do chefe da família disse:<br />
“Para finalizarmos deixaremos duas mensagens de meu pai<br />
recebidas por mim: uma, por meio de um registro escrito recebida<br />
ontem de madrugada e outra, através de uma música, recebida<br />
quando estava completando um ano de seu falecimento.<br />
Primeiramente, o escrito:<br />
“Hoje aqui reunidos estamos tão contentes por termos recebido<br />
esta oportunidade maravilhosa de olharmos no fundo a Imagem<br />
da Luz Divina. Vocês estão fazendo um trabalho magnífico. Dá<br />
lembrança ao meu filho salvador e seu Orlando.<br />
Trabalhem bastante pela Causa de Deus. Essa é a época, parece<br />
mistério, mas é tão simples. Vocês merecem ser felizes. As<br />
pessoas aqui presentes todas têm afinidades. Tornem-se logo<br />
messiânicos e levantem a mão para o mundo. Não se preocupe<br />
com o afogamento que você presenciou no sonho. Isso não lhe diz<br />
respeito; fique calmo e tranqüilo. Isso quer dizer que o engolido<br />
é o mal.”<br />
E agora ouviremos a música ...<br />
Esperando a voz se manifestar, até que ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (dialogando): Sim, apresentei quatro em vez de<br />
duas. Sim, em termos de encaminhamento, até hoje, foram mais<br />
de cem. Agora posso falar sobre a formação de missionários?<br />
Posso? Ótimo, então vamos lá.<br />
(expondo)<br />
260
Três anos de me tornar messiânico senti a necessidade de ter no<br />
meu computador todos os ensinamentos do Messias e dos demais<br />
líderes espirituais da Messiânica, isso me levou a três anos de<br />
digitação por estar ainda trabalhando como professor e<br />
pesquisador, bem como estar dedicando na Igreja. Depois disso,<br />
desenvolvi cerca de 200 atividades em 10 tópicos em relação à<br />
formação de missionários, quais sejam: oito apresentações e<br />
programações; cinco coleções (num total de 69 livros); oito<br />
cursos; 19 DVD’s; três sobre lei orgânica ideal; seis leituras<br />
dramatizadas; 79 livros; 24 palestras; nove viagens nas paisagens,<br />
46 entre artigos, escritos e messiânica. Em resumo foi o que foi<br />
realizado.<br />
Silêncio, até que ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (expondo): Diante da ausência de som desconfio<br />
que não estejam querendo apenas o resumo. Então, agüentem.<br />
- 8 apresentações e programações: Manual da Casa de Difusão<br />
Méier, 1996; Manual da Área Interna Atendimento da Igreja<br />
Itabaiana, 1997; Manual da Área Externa Grajaú-Andaraí, 1999;<br />
Manual do Johrei Center Vila Isabel, 2001; Relatório de 2001 do<br />
Atividades Culturais e Artísticas do MMO, 2001; Apresentação e<br />
Programação de 2002 do ACA do Movimento Mokiti Okada,<br />
2002; Apresentação e Programação de 2005 do Grupo de Estudos<br />
Cultura da Nova Era, 2005; Apresentação e Programação do<br />
Centro do Paraíso Terrestre, 2009.<br />
- 5 coleções num total de 69 livros.<br />
Em Busca de Crescimento (nove livros, todos publicados em<br />
1998): Evolução e Religião; Religiões no Brasil; Igreja<br />
Messiânica Mundial; Doença; Pobreza; Conflito; Antepassado;<br />
Messias; Deus.<br />
Áreas de Conhecimento - Cultura da Nova Era (18 livros,<br />
publicados entre 2000 e 2001): Teologia; Geografia;<br />
Antropologia; Mokiti Okada; Religião; Cultura; Ciência;<br />
Agronomia; Arte; Política; Direito; Administração; Economia;<br />
Filosofia; Medicina; Pedagogia; Sociologia; Psicologia.<br />
261
Leituras Dramatizadas – Cultura da Nova Era (12, entre 2005 e<br />
2006): 1°, 2º, 3º e 4º Ato. Um Ponto na Medicina; Ato I, II, III e<br />
IV. O Messias; Ato 1, 2, 3 e 4. A(s) Religião(ões).<br />
Vol. I - A(as) Religião(ões) – Iniciação à Cultura da Nova Era<br />
(12 entre 2004 e 2005): Fundamentos; Áreas de Estudos;<br />
Primitivismo; Mediterranismo; Judaísmo; Hinduísmo; Budismo;<br />
Jainismo, Siquismo, Taoísmo e Confucionismo; Cristianismo;<br />
Islamismo; Xintoísmo; Modernismo.<br />
Filosofia Religiosa do Messias: Deus ao Reino dos Céus na Terra<br />
(18 em 2008): Deus; Mundo Espiritual; Homem; Messias;<br />
Religião; Cultura; Johrei; Agricultura Natural; Belo; Governo;<br />
Economia; Ideologia; Saúde; Prosperidade; Paz; Felicidade;<br />
Cidade da Nova Era; Reino dos Céus na Terra.<br />
- 8 cursos: Em Busca de Crescimento, 2000; Cultura da Nova<br />
Era, 2001; Encontro de Profissionais por um Mundo Melhor,<br />
2002; Evolução do Universo, Sistemas e Reinos, 2003/2-2004/1;<br />
Iniciação a Cidadão da Nova Era, 2004/2; Temas em Reflexão,<br />
2005; Religião (ões), 2006-2007; Filosofia Religiosa do Messias:<br />
Deus ao Reino dos Céus na Terra, 2008-2010/1.<br />
19 DVD’s: Uma Peregrinação ao País da Luz do Oriente, 1997;<br />
02) Direções para 1998 (Filosofia da Salvação, etc.), 1998; Uma<br />
Iniciação às Belas-Artes, Dez/1999; Empresa: Passado, Presente<br />
e Futuro, Jun./2000; Viajando com a Música pelo Mundo,<br />
Set/2000; Viajando com a Música nestes Três Mil Anos (em<br />
forma apenas de roteiro); Melhores Momentos do Ciclo de<br />
Palestra CNE, Dez/2002; Cidade da Nova Era, Set/2003;<br />
Evolução, Out./2003; Viajando nas Paisagens do Estado do Rio<br />
de Janeiro (1ª fita), Abr./2005; Viajando nas Paisagens do Estado<br />
do RJ, 2005; Como Viveremos nesta Última Etapa da Transição,<br />
Ago./2005; Verdades Religiosas de P, M e J, Set/2005;<br />
Antepassados, Out./2005; Por um Mundo com Cidades rumo ao P<br />
Terrestre (apenas roteiro), Nov./2005; Verdades Religiosas dos<br />
demais (apenas roteiro), Abr./2006; Viajando nas Paisagens pelas<br />
Regiões Terra, Água e Fogo do RJ, 2006/2; Felicidade (mero<br />
início), Maio/2006; Uma Introdução às Artes e Artistas ,<br />
2006/2.<br />
262
3 sobre lei orgânica ideal: Projeto da Cidade da Nova Era,<br />
2003/1; Ciclo de Palestras sobre a Cidade, 2003/1; Curso de<br />
Iniciação à Cidadão da Nova Era, 2003/2.<br />
6 leituras dramatizadas:Produção de Um Ponto na Medicina,<br />
2003/2; Produção de O Messias, 2004/1; Produção de Filme A(s)<br />
Religião(ões), 2006/1; Produção de A Ultra-Religião e as<br />
Colunas de Salvação, 2006/1; Produção de Filme Um Grande<br />
Bem e os Poderes, 2006/2; Programa de Um Ponto na Medicina,<br />
2003/2; Programa de O Messias, 2004/1; Programa de A(s)<br />
Religião(ões), 2006/1.<br />
10 livros: Uma Iniciação às Belas-Artes, 1999; Iniciação a<br />
Cidadão da Nova Era , 2004; Evolução, Out./2003; Verdades<br />
Religiosas de P, M e J, Set/2005; Temas em Reflexão, 2006; O<br />
Respeito, 2007; Jovita, 2007; Procura-se o Oposto Parecido,<br />
2007; Espírito de Busca num Pai de Santo, 2008; O estranho,<br />
2009.<br />
24 palestras: 18 sobre Cidade da Nova Era (Agricultura; Arte;<br />
Ciência e Tecnologia; Comunicação e Som; Educação; Energia;<br />
Filosofia; Indústria-Serviço; Lazer; Meio Ambiente; Poder<br />
Legislativo; Preâmbulo; Saúde; Segurança; Trabalho; Transporte;<br />
Turismo; Urbanismo) e 6 sobre Cultura e Arte (A Missão da<br />
Arte; Culto do Paraíso Terrestre; Cultura 12092001; Mokiti<br />
Okada e o Humor Brasileiro; Nova Cultura para a Cidade da<br />
Nova Era; Paradigmas da Cultura Atual.<br />
9 Viagens nas Paisagens: Viajando ao País da Luz do Oriente,<br />
1997; Viajando com a Música pelo Mundo, 1998; Viajando com<br />
a Música nestes Três Mil Anos (CD), 2004; Viajando com a<br />
Música nestes Três Mil Anos (apenas roteiro), 2004; Viajando<br />
nas Paisagens do Estado do Rio de Janeiro – Introdução, 2005;<br />
Viajando nas Paisagens do Estado do Rio de Janeiro, 2005;<br />
Viajando nas Paisagens das Regiões da Terra, Água e Fogo do<br />
RJ, 2006; Uma Peregrinação ao País da Luz do Oriente (apenas<br />
roteiro), 2006; Por um Mundo com Cidades rumo ao Paraíso<br />
Terrestre (apenas roteiro), 2007.<br />
46 diversos: 9 artigos - Cara Jenny, 1991; Tempo Já, 2004;<br />
Corrupção e Inflação, 2005; Educação na Democracia, 2005; Por<br />
um Povo Brasileiro Evoluído, 2005; Vem Dançar Comigo, 2006;<br />
263
Obrigado pelo que ainda a de fazer, 2006; Motivacional, 2007;<br />
Relacionamento, 2008 -; 28 escritos - Aos 50 anos de idade,<br />
1994; Cerimônias de Entronizações do Altar no Lar e Mitamaya,<br />
1995; Diário de uma Peregrinação ao Solo Sagrado do Japão,<br />
25/10/1995; Dia dos Pais em 05081999, 1999; Cidade da Nova<br />
Era (publicação – Jornal Rio de Luz), Abr./2000; Juventude<br />
(publicação – Jornal Rio de Luz), Maio/2000; O Belo (publicação<br />
– Jornal Rio de Luz), Jun./2000; A Arte (publicação – Jornal Rio<br />
de Luz), Jul./2000; Pré-História até a Última Era do Dia (pub. –<br />
Jornal Rio de Luz), Ago./2000; Juventude na Fé, Família e<br />
Trabalho (pub. – Jornal Rio de Luz), Out./2000; JC Vila Isabel –<br />
Cultos Mensais de Out. 2000 até Maio de 2001; JC Vila Isabel –<br />
Diferenças do casal em 13042001; JC Vila Isabel – Recebendo<br />
Recém-Outorgados, 2001; Palestra – Cultura 12092001; Cultura<br />
(publicação – Jornal Rio de Luz), Jul./2001; Palestra sobre<br />
Cultura (publicação – Jornal Rio de Luz), Ago./2001; Atividades<br />
Culturais e Artísticas (publicação – Jornal Rio de Luz), Set/2001;<br />
Mokiti Okada e o Humor, 17/09/2001; Palestra – A Missão da<br />
Arte 19/10/2001; Cultura Atual (publicação – Jornal Rio de Luz),<br />
Out./2001; O Setor de expansão é Arte (publicação – Jornal Rio<br />
de Luz), Dez/2001; Relacionamento Amoroso de um Casal, 2001;<br />
Ciclo de Palestras sobre a Nova Cultura para a Cidade da Nova<br />
Era, 2002/2; CEMES - 19/07/1999; Palestras 2° Ciclo – Cultura<br />
da Nova Era, 2003/2; GECNE – Análise de um fato em<br />
05042005; Palestra – Arte e Artistas no Juízo Final, 2005;<br />
Palestra – Culto do Paraíso Terrestre -; 9 Messiânica - Atividades<br />
e Obras, 2009; Cerimônias de Entronizações do Altar no Lar e<br />
Mitamaya, 1995; Currículo para Faculdade Messiânica; Cursos<br />
para a Faculdade Messiânica; Dias dos Pais em 05081999; Diário<br />
Viagem Japão; Homenagem aos Antepassados – Aniversários;<br />
Meus Anos de 1994 até 1999; Meus Anos de JVCI de 2000-2001.<br />
(interrupção): Devo parar, já sei senão ninguém agüenta ... Não!<br />
Ah, sim, mas não é pelo que estou pensando, então por quê?<br />
“Eles não têm uma razão fundamental de porque devem viver”.<br />
Não acredito?! “Então por que não procura pesquisar?”. Mas, isso<br />
demanda algum tempo. Acha que não? “Basta fazer umas cem<br />
264
entrevistas sem levar em conta o povão senão o que vem de ...”.<br />
Ah, sim! “Apenas os fervorosos dedicados, os familiares mais<br />
próximos e alguns vizinhos”. Assim, eu acho razoável. Está bem,<br />
está bem, aguarde só algumas horas, que eu vou dar uns<br />
telefonemas.<br />
Meio dia se passa e ele traz o resultado da pesquisa.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (comunicando): Realmente a grande maioria não<br />
tem pensado seriamente nesta questão. Alguns chegam a dizer:<br />
“que pergunta, sei lá”, “porque Deus quer, eu acho”, “a fim de<br />
agradecer a vida”, “ter por que existir”, “por gostar de viver” e<br />
“para passar o tempo”. Boa parte dos demais não tem<br />
comprometimento com o como e a prática. Por exemplo, os que<br />
egocentricamente afirmam: “fazer a diferença para a<br />
humanidade”, “deixar marca”, “efetuar maravilhas”, “lutar pelos<br />
meus objetivos” e “buscar a felicidade, harmonia e amor”. Os que<br />
apenas validam o que fazem: “dedicar na fé”, “trabalhar muito”,<br />
“estar junto na família” e “aumentar amizades”. Os que querem<br />
colaborar ou transformar: “auxiliar as pessoas”, “mudar a<br />
sociedade” e “ajudar o planeta”. Os que desejam cumprir missão:<br />
“resgatar dívidas de outras vidas”, “criar e educar filhos”,<br />
“edificar nova cultura”, “construir paraíso terrestre” e “evoluir<br />
espiritualmente”. Ou seja, qualquer indagação do tipo “como<br />
você busca a felicidade?” ou “está praticando em prol disso?” é<br />
motivo de silêncio ou simplesmente ter como resposta um “não<br />
sei”.<br />
O apego de preocupação e covardia volta a se manifestar.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (procurando dialogar com a voz): Qual a imagem<br />
que estou perante os fora deste sonho neste momento?<br />
Praticamente nenhuma! Por quê? A maioria nem sabe que este<br />
sonho existe, os que tiveram acesso quase todos não tiveram<br />
tempo para ... você sabe, a vida está ... quem sabe algum dia ...<br />
quando os filhos tiverem criado, se aposentar ... a maior parte dos<br />
que começaram a se inteirar se desinteressaram ou cochilaram, os<br />
265
que realmente só não conseguiram totalmente por causa daquela<br />
fatalidade. Enfim, quem sabe aquele que lhe deve um favor não ...<br />
(jogando a última cartada): Mas, digamos, que num passe de<br />
mágico, todos tivessem cônscio da existência desse sonho, o que<br />
esses de sonen positivo, sonolentos, acordados, despertos,<br />
percebem de minha imagem?<br />
O QUÊ!!!!!!!!!! UM <strong>ESTRANHO</strong> DESCONHECIDO!!!!!!!!!!<br />
(por conta): Ah é!!!!! Sabe de uma coisa eu já fui ameaçado por<br />
tanta coisa, mas igual a dessa voz do além não tem comparação.<br />
Então, já que a proximidade com a realidade não vale nada, já<br />
que sou um destinado sem poder de reverter o pré-conceito,<br />
vamos para o último estágio desse último período deste sonho,<br />
onde vale tudo que é imaginação, onde alguém é considerado ...<br />
266
DO LADO FINAL<br />
267
268
O DIFERENTE<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Essa foi a história de um brasileiro poliglota que<br />
não fala espanhol, uma história de dez anos atrás que contei para<br />
saberem quem sou eu de fato.<br />
VOZ EM ESPERANTO: De fato, a sua história teve dez<br />
personagens secundários que vivenciaram por várias partes do<br />
mundo em países populosos e/ou cujos idiomas estão entre os<br />
mais falados, eles foram contados de maneira humorada em<br />
diversos aspectos desde a economia no mato, a justiça na favela,<br />
a segurança na delegacia, a saúde no hospício, a educação na<br />
sarjeta, a guerra no campo de batalha, o lazer na casa de<br />
tolerância, a religião na árvore sagrada, a política no comício, a<br />
ideologia na nave numa viagem espacial, a ultra-religião num<br />
local sagrado e finalmente da premiação alternativa neste<br />
parlamento suéco. Então, esse finalmente é o que está<br />
acontecendo nesse momento, agora?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim.<br />
VOZ EM INGLÊS: De fato, o personagem principal ganhou<br />
vários papéis dos personagens secundários como: selvagem,<br />
santo, traficante, maluco, mendigo, tããão esperado ansiosamente,<br />
gigolô, parturiente, candidato nerd, espião, convertido e seguidor.<br />
Então, o que se pode concluir que o seu papel nesse instante é o<br />
de seguidor, provavelmente daquele Mestre.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim.<br />
VOZ EM PORTUGUÊS: De fato, foi ameaçado por algema,<br />
AR15, soco inglês, seringa, cassetete, punhal, pincel, livrinho<br />
vermelho de Mao Tse-tung, lixo espacial e voz do além. Mas,<br />
também, foi ameaçador com inteligência, conhecimento,<br />
experiência e exposição de filosofias ocidental e oriental,<br />
chegando até a abalar os alicerces dos que adotam a cultura<br />
269
vigente. Por um lado, foi um real embaraçado na fisionomia por<br />
se ver barbado, algemado, desdentado, cueiroado, marcado,<br />
herniado, chateado, pintado, engarrafado, acorrentado, espetado e<br />
destinado. Por outro lado, também, foi um potencial colaborador<br />
na destruição e construção em prol da civilização.<br />
Os personagens secundários apresentaram deficiências físicas e<br />
psicológicas e tiveram papéis pertinentes aos aspectos<br />
mencionados como: auditor fiscal da receita federal, policial,<br />
gerente de tóxico, ajudante de ordem, delegado, escrivão, doutor,<br />
enfermeira, professor, senador, comandante de tropa, ladrão,<br />
mulher da vida, segurança e astronauta.<br />
(pausa): Agora, é impressão minha ou eles ficaram se implicando<br />
o tempo todo? Agora, é impressão minha ou se quisesse poderia<br />
ter sido ameaçador com mais cultura, como a arte?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim.<br />
VOZ EM INDIANO: Não seria bom acrescentar citando<br />
também os figurantes, como a gente aqui neste parlamento suéco<br />
com as nossas vozes, a onça, os favelados, os policiais militares,<br />
o caminhoneiro, o anão, o fugitivo, o rapaz de roupas<br />
espalhafatosas, os malucos, os soldados com canhões e espadas<br />
sarracenas, o camelo real, o frequentador da zona com salgari, os<br />
fanáticos, o chinesinho, os componentes do bando dos quatro,<br />
fora os que foram citados desde o filho do judeu coletor, os<br />
diversos filósofos, cientistas, escritores, líderes espirituais e até<br />
mesmo o Mestre?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim.<br />
VOZ EM FRANCÊS: De fato, a essência estranha foi até<br />
profetizada em termos de isento, desligado, suspeito, arredio,<br />
destituído, malfeito, estrangeiro, peregrino, bizarro, desconhecido<br />
e hoje um ponto de interrogação que seria explicitado por<br />
diferente. Confirma que agora será o diferente?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim.<br />
270
VOZ EM ÁRABE: Está tudo muito bem, cheio de sim, de fato,<br />
mas, você declarou que sua história começou a vinte anos<br />
passados e não dez como você narrou. Afinal, como tudo<br />
começou para saberem quem é você de fato<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ah! Há vinte anos atrás, eu saia pelas portas desse<br />
parlamento suéco com corpo todo flácido, com uma cor de cera<br />
bem branca e postura para lá de fora do prumo, entretanto, por<br />
outro lado, muito bem barbeado, vestido com roupas novas, caras<br />
e elegantes, sendo cumprimentado sem parar, aplaudido, dando<br />
autógrafo, tudo isso com um sorriso preso numa sem gracisse<br />
devidamente incomodado.<br />
Lembro perfeitamente de quando consigo me desvencilar daquela<br />
multidão entrando num automóvel de fazer inveja a qualquer<br />
milionário, com chofer e tudo, sou recebido no seu interior,<br />
inesperadamente, por ela ... ela, a minha amante. Finjo alegria<br />
com aquela surpresa. Só que o carro anda e ela corre com muito<br />
mais velocidade na sua fala. O tempo passa e a minha outrora<br />
paixão não pára nem por um segundo. Nesse instante confesso de<br />
ter tido saudades de minha esposa atual e talvez até de minhas exesposas.<br />
Porém, por incrível que pareça, naquele dia, um grande<br />
congestionamento de automóveis se faz presente naquele país<br />
com tanta intensidade a ponto de me lembrar das stresses e<br />
amolações com as prisões constantes pelas vias da minha pátria.<br />
Era a gota d’água que faltava, não suportava voltar para aquelas<br />
ruas engarrafadas, daquela esposa limitada, nem ficar nesta nação<br />
com essa concubina a tagarelar. Como tudo estava bloqueado<br />
mesmo, então, como um gentleman, pedi educadamente<br />
permissão aquela ao meu lado que cederia aos meus impulsos e<br />
iria comprar um ramalhete de flores e um anel de brilhantes para<br />
ela. Avisei apenas pró forma ao motorista que me aguardasse, o<br />
que era algo inevitável diante daquela retenção.<br />
Sorrindo fui, fui andando, fui me distanciando, fui desaparecendo<br />
e nunca mais apareci, para aquela amante, para aquele carro, para<br />
aquele motorista, para aquele país, todavia, contudo, no entanto,<br />
... retornei ao ...<br />
271
VOZ EM MANDARIM: Retornou para que país, para que<br />
esposa?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Brasil, para nenhuma.<br />
VOZ EM MANDARIM: Então, está só?<br />
VOZ EM ESPANHOL: Que pasa?<br />
Todos riem.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: No! Mi novia es una hermosa estudiante de<br />
español.<br />
Mais risos. No entaaannntttoooooo ...<br />
VOZ EM ESPERANTO: Pessoal, se foi há vinte anos atrás, ele<br />
é aquele fabuloso ...<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Quem diria que mais tarde um brasileiro iria<br />
conseguir ganhar Nobel em todas as categorias, e esse fui eu, um<br />
progressista e revolucionário.<br />
TODOS: NÃO É POSSÍVEL!!!!!!!!!! O QUE IRÁ<br />
ACONTECER??????<br />
VOZ EM ESPERANTO (arrependido): E eu que disse “se o<br />
estranho que julgamos ser um ET”.<br />
VOZ EM INGLÊS (mais arrependido): Pior fui eu que falei:<br />
“prepare-se ô etezinho canarinho para ser sabatinado<br />
culturalmente”.<br />
VOZ EM MANDARINO (muito mais arrependido): Caramba e<br />
eu exigindo: “o que continuou sendo?”<br />
272
<strong>ESTRANHO</strong> (respondendo): Eu continuei sendo o que sempre<br />
fui desde criança - um estranho -, agora, por último, considerado<br />
o diferente, e é sobre isso que gostaria de comentar. Permitamme?<br />
Posso?<br />
A platéia já não tanto fofoqueira, mais com espírito de busca,<br />
balança a cabeça em sinal de concordância.<br />
<strong>ESTRANHO</strong> (contando): Por que eu sou diferente?<br />
Sou diferente porque eu não desejo ser igual nem semelhante a<br />
nenhum canibal, mesmo que honesto, bem-mandado e mãoaberta,<br />
nem a nenhum vegetariano, que seja corrupto,<br />
desobediente e pão-duro.<br />
Sou diferente porque eu não pretendo ser distinguido por ser<br />
mulher ou homem, preto ou branco, baixo ou alto, fraco ou forte,<br />
magro ou gordo, bigodudo ou raspado, novo ou velho, instrutor<br />
ou senador, cegueta e estrábico ou padrão normal dos olhos na<br />
visão e direção correta, atlético confuso ou sedentário<br />
trambiqueiro, culto ajudante de ordem de marginal ou místico<br />
bandido fixado em livros sem abri-los, chorão ou insensível,<br />
ciumento ou bruto, chato ou discreto, ex-heterossexual ou ex-gay,<br />
transtorno obsessivo compulsivo ou satisfação desinteressante<br />
liberalizante, estressado ou descansado, supersticioso ou<br />
visionário, mancha moral da tara ou primor indecente do não<br />
desejo, metade comum, capaz, conservada, moderada elegância,<br />
democrática e fria ou meia anormal, burra, acabada, perua,<br />
autoritária e melosa.<br />
Sou diferente porque eu não tenho intuito de ter raros momentos<br />
na minha vida em que conhecimento e cultura sejam apreciados<br />
por intelectuais do establishment, ou seja, da ordem política,<br />
econômica e ideológica que constitui uma sociedade ou Estado.<br />
Pois é interessante notar que o aparecimento de algumas teorias<br />
um pouco acima do nível da época tendo por base os conceitos da<br />
cultura atual são sempre bem aceitas, aplaudidas e elogiadas, a<br />
ponto dos autores de tais princípios recebem, muitas vezes, até o<br />
prêmio Nobel, como foi o meu caso por diversas vezes. Enquanto<br />
os que se propõem preceitos altamente inovadores sugerindo<br />
273
mudanças nas posturas preestabelecidas, seus autores são vítimas<br />
de perseguições e ataques cruéis, chegando, muitas vezes, a<br />
fatalidades irreversíveis, vide Jesus, Sócrates e Galileu, além de<br />
outros.<br />
VOZ DO MESTRE: Você ainda quer continuar diferente?<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Sim, quero continuar diferente porque eu vou<br />
receber esse Prêmio Nobel Alternativo de Ciência Espiritualista<br />
em seu nome, meu Mestre, que escreveu há quase um século: “A<br />
propósito, comecei a escrever, há cerca de seis meses, um livro<br />
intitulado “A criação da Civilização”. Meu objetivo é esclarecer<br />
que a civilização atual não é a verdadeira civilização e que, nesta<br />
a Medicina, a Política, a Educação, a Arte, etc. serão bem<br />
diferentes. Quando o livro estiver concluindo, pretendo traduzi-lo<br />
para o inglês e tomar providências para que ele seja lido por<br />
professores, universitários, cientistas, enfim, por intelectuais do<br />
mundo inteiro. Vou enviá-lo, também, à Comissão Examinadora<br />
do Prêmio Nobel que, no início, não o receberão bem, pois a<br />
Comissão é integrada por eminentes personalidades da cultura<br />
material. Todavia, como se trata de um livro que aborda<br />
justamente aquilo que as pessoas eminentes estão buscando,<br />
acredito que os integrantes da Comissão não deixarão de entendêlo<br />
e exclamar: “É isto!” Assim, poderiam conceder-me dez ou<br />
vinte prêmios Nobel. Quando esse livro for publicado, eu gostaria<br />
que todos os povos o lessem”.<br />
VOZ EM INGLÊS: Prestei muita atenção no que você disse:<br />
“Eu continuei sendo o que sempre fui desde criança - um<br />
estranho” e no que confirmou que o seu papel nesse instante é o<br />
de seguidor desse Mestre e que iria receber seu prêmio Nobel<br />
Alternativo em nome dele. Daí, a minha curiosidade, querer saber<br />
o que o seu Mestre acha estranho.<br />
<strong>ESTRANHO</strong>: Ih! Tem muitos ensinamentos ...<br />
274
VOZ DO MESTRE (interrompendo, chamando a atenção): ...<br />
já vai começar, é?!<br />
O <strong>ESTRANHO</strong> (rapidamente): Vou sim, vou sim. Eu começo<br />
por ele achar estranho que: “Apesar de haver uma estreita relação<br />
entre Religião e Política, é estranho que isso não tenha despertado<br />
muito interesse”. Por ele achar que: “Não deixa de ser estranho<br />
falar, agora, que Deus é Justiça. Mas se deve insistir nesse ponto<br />
porque não só o povo, mas também os fiéis e os ministros<br />
geralmente tendem a esquecê-lo”. Por ele achar que: “O estranho<br />
é as pessoas serem acometidas de doenças com tanta facilidade,<br />
ou seja, ficarem em estado anormal, [pois] a condição<br />
fundamental para a execução dessa obra grandiosa é a saúde.<br />
Deus atribuiu uma missão a cada pessoa, concedendo-lhe,<br />
logicamente, a saúde necessária para cumpri-la. Com efeito, se o<br />
homem estiver doente, significa que o sagrado objetivo de Deus<br />
não será alcançado. Tomando este princípio por base, conclui-se<br />
que a saúde é inerente ao homem, devendo ser o seu estado<br />
normal”. Por ele: “Conhecendo as causas, não é nada estranho o<br />
aparecimento de crianças-prodígio. Entretanto, nem todas elas se<br />
tornarão grandes músicos, grandes pintores, etc. Algumas o serão<br />
até certa idade, depois se tornarão pessoas normais. É o que<br />
acontece no caso de encosto de espírito, porque ele só tem<br />
permissão de encostar até certa época, devido à missão dada por<br />
Deus ou ao desejo de seus ancestrais”. Ele: “O natural é haver<br />
milagres; se não houver é que se pode achar estranho”.<br />
“Costuma-se falar em doenças causadas pelo encosto do espírito<br />
de um ancestral, porém é estranho que um ancestral faça o seu<br />
descendente adoecer e sofrer, encostando nele”. “Quando achar<br />
que está um pouco estranho, deve-se analisar se está ou não em<br />
concordância [...] com seu rendimento, sua condição [inclusive<br />
física, um médico gordo incentivando alguém a perder peso] e<br />
sua posição social”.<br />
(pausa): “Na história do Japão, existe um episódio muito famoso<br />
ocorrido com um indivíduo chamado Nassu-no-Yoiti. Ao mirar a<br />
alvo um leque e invocar a divindade Nassu Gonguen segurando a<br />
flecha pelo arco com todas as suas forças, ele viu surgir uma<br />
275
criança que correu no espaço empunhando uma flecha e acertou o<br />
leque. Obviamente, Yoiti viu em espírito. Aí soltou a flecha e<br />
acertou alvo. Como foi uma grande evidência espiritual, erigiu-se<br />
um novo nicho de Nassu Gonguen, e, pelo resto da vida ele<br />
adorou fervorosamente essa divindade. O fato consta nos<br />
registros de Nassu Gonguen. E não é nada estranho. No Mundo<br />
Espiritual as coisas acontecem antes.”<br />
“Desde épocas remotas fala-se em pessoas que ocasionalmente<br />
vêem fantasmas, mas na maioria dos casos trata-se de espíritos<br />
com poucos dias de desencarnados. O grau de densidade das<br />
células espirituais dos recém falecidos é elevado, razão pela quais<br />
esses espíritos podem ser vistos por algumas pessoas. Nada há de<br />
estranho, portanto, no fato de muitos terem visto a Ressurreição e<br />
Ascensão de Cristo. Porém, como o espírito de Cristo era<br />
elevado, Divino, ascendeu ao Céu. Com o passar do tempo, o<br />
espírito é purificado, ficando menos denso, e, assim, mais difícil<br />
de ser visto.”<br />
(pausa): Estranhas são “pessoas de aura fina [que] emitem, ao<br />
redor de si, um estado de tristeza, insatisfação, frieza, fazendo<br />
com que todos percam a vontade de permanecer por muito tempo,<br />
num ambiente tão estranho”.<br />
Silêncio.<br />
VOZ DO MESTRE: Não vai começar, aliás, parar, não é?!<br />
O <strong>ESTRANHO</strong> (rapidamente): Não, Não. Eu continuo com<br />
alguém comentando com o Mestre ter ouvido dizer que há<br />
espíritos que se encostam às pessoas para poderem se entrevistar<br />
com ele, e indagando se isso é verdade. Ele respondeu: “É<br />
Verdade, sim. Isso acontece o ano todo. A razão é que, sem<br />
encostar em alguém, os espíritos não podem vir aqui. É estranho,<br />
mas eles não podem vir sem permissão. As pessoas vivas podem<br />
fazê-lo quando quiserem. No Mundo Espiritual existem regras. Se<br />
não houver motivo para encostarem não podem fazer isso sem<br />
licença, a bel-prazer.”<br />
276
Outros ensinamentos do Mestre: “Após a radiação da Luz do<br />
Johrei, a dor e os demais sintomas da doença desaparecem, mas<br />
ainda permanecem os resíduos das impurezas queimadas. Como,<br />
porém, são elementos mortos, não têm poder de ação.<br />
Assemelham-se a cadáveres. Não mais conseguem irritar,<br />
provocar dores, ou coceiras. Apesar disso, o corpo humano vai ter<br />
que expelir esses elementos estranhos. Para tanto, possui, em si<br />
mesmo, um poder ativo capaz de expulsar do seu interior tudo o<br />
que não lhe for compatível”.<br />
“Sempre atingem os resultados previstos quando praticados<br />
segundo a lógica divina da serenidade. É por isso que, ao planejar<br />
algo, nunca se apressava. Estudava o projeto sob todos os ângulos<br />
e submetia-o à contínua e rigorosa reflexão. Quando ele se<br />
convencia de que se trata de um plano justo em todos os<br />
pormenores e útil à humanidade inteira, executava os<br />
preparativos e esperava chegar o tempo. Essa sua atitude já levou<br />
algumas pessoas a se irritarem e outras a julgarem-lhe bastante<br />
estranho, pois, de fato, nunca entenderam por que ele tardava a<br />
executar planos que lhe eram propostos, embora os tivesse<br />
acatado e prometido utilizá-los”.<br />
“Tendo em vista tantos fatos aparentemente estranhos, fica claro<br />
que prodígios acontecem porque a causa que os determina se<br />
encontra no Mundo Espiritual”.<br />
“Parece-me estranho que aqueles grandes religiosos - Cristo,<br />
Maomé e Sakyamuni - nada tenham falado de si mesmos. É como<br />
se estivessem trajados com magníficas vestes e não quisessem<br />
tirá-las; desse modo, não podemos conhecer suas impressões e<br />
confissões. Talvez eles não nos tenham revelado seu íntimo por<br />
não terem vontade de fazê-lo, mas acho isso realmente<br />
lamentável. Quanto a mim, acontece o contrário. Desejo escrever<br />
tudo a meu respeito, com todos os detalhes. Provavelmente<br />
encontrarão pontos incompreensíveis em minhas explanações,<br />
fatos que lhes parecerão inverossímeis, grandes ou pequenos,<br />
claros ou obscuros, finitos ou infinitos, etc. Saboreando minhas<br />
palavras, conseguirão a sabedoria da vida e tornar-se-ão<br />
possuidores de espírito inabalável.”<br />
277
“Naquela época, quando criança me via frente a qualquer pessoa,<br />
sempre tinha a impressão de que ela era mais inteligente e<br />
importante que eu. Todavia, comparando o que eu era com que<br />
sou atualmente, eu mesmo estranho a enorme diferença”.<br />
“No dia seguinte, respondeu ao interrogatório caracterizado pela<br />
parcialidade e brutalidade. Caso as respostas não<br />
correspondessem aos desejos dos investigadores, eles apelavam<br />
para a agressão, puxando seus cabelos ou ameaçando-o com uma<br />
espada de bambu. Na ocasião, ocorreram fatos estranhos, como<br />
por exemplo, a repentina dor de cabeça sentida pelo policial que o<br />
agredira, dor tão forte que o obrigou a sair da sala”.<br />
“Sempre digo que a pessoa que consegue fazer exatamente como<br />
falo, é um herói. É um grande homem. Porém, a maioria age<br />
quase sempre de forma diferente. Isso não acontece apenas na fé.<br />
Na obra do jardim, também, é a mesma coisa. Não há sequer um<br />
jardineiro que faça o trabalhe como eu peço. Se digo para pôr<br />
determinada coisa em determinado lugar, não há uma pessoa que<br />
coloque no lugar indicado: ou coloca mais para cá ou para lá. Se<br />
digo para pôr mais para cá, ela acaba colocando mais para lá. Por<br />
isso, não sei o que fazer com esses jardineiros profissionais. Mas<br />
é muito mais fácil fazer de acordo com o que eu falo. É estranho,<br />
pois as pessoas não gostam de fazer as coisas do modo mais<br />
fácil”.<br />
“Quando estava preso na penitenciária, começou a sentir dor de<br />
barriga, a qual foi se intensificando e, à tarde, tornou-se<br />
insuportável. Ministrou Johrei em si mesmo e a dor amenizou um<br />
pouco. Mas na manhã do dia 14, achando estranho, perguntou a<br />
Deus o que aquilo significava e recebeu a seguinte resposta: ‘Isso<br />
se deve à grande providência e não pode ser evitado, portanto<br />
agüente um pouco.’ Naquele momento, se deu conta de que o dia<br />
seguinte seria a data em que recebera a Revelação sobre a<br />
Transição e falou: “Não há dúvidas de que meu ventre está sendo<br />
purificado para providenciar o progresso da Obra Divina.”<br />
(pausa): Ufa! Sobre o próprio Mestre tem muita coisa.<br />
VOZ DO MESTRE: E daí?!<br />
278
O <strong>ESTRANHO</strong> (rapidamente): Daí que a sua esposa conta a<br />
respeito da estadia dele no Templo Muroji: “- Nosso Líder<br />
Espiritual deseja visitar o templo, seria recebido no salão nobre? -<br />
Para os senhores ele pode ser um Líder Espiritual muito<br />
importante, mas nós só poderemos deixá-lo entrar no salão se o<br />
reconhecermos digno dessa honraria. - [No dia combinado,<br />
quando Mestre chegou ao templo, o Bonzo Responsável foi<br />
recepcioná-lo vestido cerimoniosamente e, além de encaminhá-lo<br />
ao salão nobre, tratou-o com a maior gentileza possível. Achando<br />
isso estranho, perguntaram a razão e obtiveram a seguinte<br />
explicação:] Naquela noite, Mestre revelou uma parte do mistério<br />
que ocorrera: “Eu estive muito contente o dia todo e talvez<br />
ninguém entenda minha alegria. A chuva que hoje caiu foi<br />
mandada pelos dragões. Eles querem ajudar a Deus na construção<br />
do Mundo de Miroku, entretanto, na condição de dragão, não o<br />
conseguem. Para tanto, precisam voltar à sua qualificação divina<br />
original, o que só conseguirão banhando-se de Luz. Assim, hoje,<br />
aproveitando minha vinda a este lugar, milhares de dragões<br />
expressaram sua gratidão com a chuva que caía à frente do meu<br />
carro. Essa gratidão é transmitida a mim, e por isso me sinto tão<br />
feliz que não consigo conter as lágrimas.”<br />
Daí que No dia 11 de novembro de 1954, assim que foi concluído<br />
o Palácio de Cristal, disse: “Finalmente entramos no verdadeiro<br />
eixo da Obra Divina. Daqui para frente acontecerão muitos fatos<br />
estranhos, por isso não vacilem.” Naquele mesmo dia um fiel,<br />
que se tornou dirigente da Messiânica, descreveu: “Terminada a<br />
recepção, eu ia seguindo em direção ao Palácio de Cristal, pelo<br />
caminho íngreme situado do lado leste da Colina das Azaléias.<br />
Por causa das plantas, não conseguia enxergá-lo do lugar onde<br />
estava, mas, subitamente, ouvi gritarem: ‘Olhem! É Luz! ...”<br />
Olhando para cima, vi, no centro do telhado do Palácio de Cristal<br />
e um pouco para a esquerda (lado do Templo Messiânico), uma<br />
Luz bem forte cujos raios, formando como que uma coluna,<br />
alcançavam o céu, brilhando ofuscadamente. Fiquei realmente<br />
impressionado. Os fiéis que me acompanhavam também puderam<br />
ver o fenômeno, o qual durou apenas alguns instantes, talvez dois<br />
minutos. Foi um breve espaço de tempo, mas ainda me lembro<br />
279
como se fosse hoje. O aspecto majestoso daquela Coluna de Luz<br />
era algo não só emocionante, mas irresistível, que fez com que eu<br />
me curvasse. Na ocasião, eu estava sofrendo muito, devido a um<br />
problema de relacionamento humano, mas, com o grande milagre<br />
ocorrido nesse dia, meu sofrimento voou para longe. E não foi só,<br />
essa experiência é, até hoje, o sustentáculo de minha fé.”<br />
Daí quando ele viu o futuro disse: “Achando estranho, olhei bem<br />
e notei que a rua parecia estar forrada com cortiço. Observando<br />
melhor, percebi tratar-se de um material elástico e bastante<br />
macio, que parecia ter sido preparado com a mistura de borracha<br />
e pó de serra. O silêncio era tão grande que não parecia estar-se<br />
numa metrópole. Que passeio agradável!”<br />
“Vou dar isto a você?” E entregou entre os objetos que lhe<br />
haviam sido oferecidos, um deles a um dos discípulos. Este achou<br />
estranho, não entendendo essa atitude. Ao abrir o pacote<br />
encontrou um cartão junto ao objeto, constatando que se tratava<br />
de um presente ganho pelo ofertante. Compreendeu que o<br />
Fundador sem abrir pacote, sabia seu conteúdo.<br />
“- Nunca vi Líder Espiritual como o senhor. Já me encontrei com<br />
vários Líderes Espirituais de outras religiões, mas alguns, assim<br />
que me viam, faziam ameaças, e outros oravam “Nam-myo-horen-gue-kyo”.<br />
- Detesto terminantemente esse tipo estranho de líder espiritual<br />
ou fundador de religião. É muito mais cômodo manter-me como<br />
uma pessoa comum, e acredito que essa é a maneira correta.<br />
Embora nos digamos religiosos, também somos homens, não é<br />
verdade?”<br />
“Não sei se devo chamar de costume estranho, mas quando corria<br />
algum boato injurioso a seu respeito, ao invés de se zangar, como<br />
normalmente aconteceria, Mestre ria a ponto de verter lágrimas.”<br />
“Alguns, talvez, achem estranhos os meus pontos de vista, mas<br />
não há razão para isso. Tudo que estou dizendo tem muita lógica.<br />
Minhas idéias só parecerão estranhas a quem não estiver voltado<br />
para a Verdade. Quanto mais absurdas elas parecerem, mais<br />
evidente se tornará a distância do mundo em relação à Verdade.”<br />
(pausa): Ufa! Sobre o próprio Mestre tem muita coisa.<br />
280
VOZ DO MESTRE: E fora dele?!<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Não há sentido uma religião apresentar-se com<br />
o nome de nova e seu conteúdo não corresponder a essa<br />
designação. Se a religião apenas mudar ou acrescentar, de acordo<br />
com o entendimento do seu fundador, algumas interpretações ou<br />
sentidos às palavras que há muito tempo vêm sendo ditas em<br />
livros ou ensinamentos muito conhecidos, revelados pelo<br />
fundador de uma religião antiga, não se poderá dizer que ela é<br />
uma religião nova. Aliás, conservando as mesmas formas e<br />
construções e chegando ao ponto de aconselhar a volta aos<br />
ensinamentos desse fundador, ela se distancia cada vez mais da<br />
época atual. É impressionante haver quem não ache estranho esse<br />
procedimento. Ora, devendo-se voltar à origem, é porque se saiu<br />
do caminho certo; caso o fato se repita várias vezes, não se<br />
progride nada, ficando em total desacordo com a cultura. Se tiver<br />
de lidar com pessoas inteligentes, de nível cultural elevado,<br />
principalmente entre a camada jovem, certamente elas não<br />
aceitarão uma doutrina cheirando a mofo. Assim, pode-se dizer<br />
que, atualmente, a maioria dos seguidores das religiões<br />
tradicionais é arrastada apenas pelas tradições e costume”.<br />
“Por outro lado, nem toda fé que busca obter graças imediatas é<br />
de nível inferior, pois se alguém se queixa de dores físicas é<br />
estranho retrucar que o homem deve superar a vida e a morte,<br />
pensar que se conseguiu tal coisa é enganar a si próprio”.<br />
Um caso:<br />
“- Você está lendo o “Alicerce do Paraíso”?<br />
- Sim estou lendo.<br />
- Estranho, acho que você não está lendo.<br />
Como eu lia com afinco, achei esquisito e retruquei:<br />
- Li várias vezes.<br />
Então, ele me perguntou:<br />
- Com que parte do corpo você lê?<br />
Ante uma pergunta tão estranha, pois só podia ser com os olhos,<br />
por um momento não entendi o significado da pergunta e, sem<br />
jeito, respondi:<br />
- Leio com os olhos.<br />
281
- Então está lendo com isto - apontou o olho - não é?<br />
- Sim, senhor.<br />
- Assim não adianta. Você diz que está lendo, mas não vejo isso<br />
se manifestar na prática. Se você não aplica o que lê, é como se<br />
não estivesse lendo. Portanto, não adianta ler só com a cabeça.<br />
Leia com o coração, avidamente”.<br />
Outro caso:<br />
“- Uma estudante de 17 anos, jogadora de voleibol, teve,<br />
repentinamente, uma contração no corpo e o diagnóstico dado<br />
pela Faculdade de Medicina de Nagoya foi Doença de São Vito,<br />
apresentando caroços desde o ombro direito até a medula. Ela<br />
tem a Imagem da Luz Divina entronizada; a mãe e essa filha são<br />
membros, mas o pai ainda não. Devido às circunstâncias, estão<br />
falando em interná-la, e a mãe dela está pedindo assistência de<br />
Johrei no hospital.<br />
- De maneira alguma. É esquisito você me perguntar esse tipo de<br />
coisa. É estranho que até hoje não esteja sabendo disso. O fato de<br />
ir ao hospital está errado, uma vez que a moça foi entregue à<br />
responsabilidade do médico”.<br />
Um outro caso:<br />
“- Ingressei na Fé, por isso, cure-me.<br />
- É algo estranho. Desse modo está menosprezando à Deus.”<br />
“É bem estranho que a cultura espiritual não tenha evoluído na<br />
mesma proporção da cultura científica; e não obstante esta<br />
realidade, cultiva-se cada vez mais a civilização materialista”.<br />
Respirando fundo.<br />
VOZ DO MESTRE: E fora dele?!<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Nos casos em que não estiver ocorrendo um<br />
efeito positivo, como resultado da prática do Johrei, é preciso<br />
verificar cuidadosamente se não está sendo empregada a força<br />
física na canalização da Luz. Eu mesmo sempre presto muita<br />
atenção a esse ponto. Quando o problema não se resolve com<br />
relativa facilidade, acho estranho. Verificando a causa, descubro<br />
que estava colocando esforço físico.”<br />
282
“- Por que há pessoas que, ao receberem Johrei, não bocejam;<br />
mas, quando ministram em alguém, começam a bocejar?<br />
- É estranho. Normalmente quem recebe é que boceja. Acho que<br />
a pergunta não está bem formulada”.<br />
“Conforme já disse muitas vezes, o solo é, por si mesmo,<br />
formado pela aglomeração de elementos os quais constituem o<br />
próprio adubo. Então, quando se acrescenta a ele algum outro<br />
organismo estranho, a sua capacidade vital fica diminuída, porque<br />
esse acréscimo significa um obstáculo ao desenvolvimento<br />
natural das plantas. Incidência de quebra dos caules é mínima, e<br />
não ocorre queda das flores nem apodrecimento dos caules após a<br />
irrigação. Mesmo quando as outras áreas de plantio são afetadas<br />
consideravelmente, as da Agricultura Natural sofrem danos<br />
irrisórios, o que as pessoas acham muito estranho”.<br />
“Agora também todas as mulheres usam batom, pois acham que<br />
os lábios estão sem cor ou, outras vezes, muito escuros. Na face,<br />
usam um creme para deixá-la rosada. Tudo isso, porém, a mim<br />
me parece muito estranho, pois, a pessoa saudável e com bastante<br />
vitalidade tem uma face rosada por natureza”.<br />
“Parece que ninguém achou estranho que eu não tivesse<br />
comprado nenhuma obra de arte falsa, entre tantas que consegui<br />
colecionar. Apesar de gostar muito de arte desde jovem, isso não<br />
foi o suficiente para eu entender todas as obras. Depois que<br />
construí o Museu de Hakone, decidi colecionar obras de arte, e é<br />
até estranho eu dizer, mas aprendi muito. Essa aprendizagem<br />
estendeu-se a todos os tipos de arte; aprendi teoricamente, e<br />
também com os próprios objetos; e quando surgia oportunidade,<br />
com humildade, pedia a orientação dos chamados “experts” de<br />
cada área. Estudei avidamente, dia e noite, nas horas vagas do<br />
servir à Obra Divina. Foi através desse esforço, que acredito que<br />
eu, talvez vocês não consigam entender, pude cultivar a<br />
sensibilidade artística.”<br />
(pausa): Vou passar para a estranheza na medicina.<br />
VOZ DO MESTRE: Ótimo.<br />
283
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Há dois ou três dias, o jornal publicou um<br />
artigo comentando sobre a ineficácia curativa da penicilina,<br />
dizendo que ela já não tem tanto poder quanto antigamente. No<br />
começo, era um remédio de efeito extraordinário e, por isso, se<br />
tornou muito popular. Em outras palavras, significa que tinha<br />
uma poderosa força solidificadora o que, para a medicina,<br />
corresponde à cura.<br />
Vejo, porém, nessa situação algo estranho. Há vinte anos, era<br />
uma medicação eficaz; hoje não mais. Pelo que consta, não houve<br />
transformações genéticas no ser humano. Por que então um<br />
mesmo remédio, depois de algum tempo, não surte mais efeito?<br />
Na opinião médica, foram os micróbios que ficaram mais<br />
resistentes. Segundo meu pensamento, entretanto, o que ocorreu<br />
foi que a penicilina enfraqueceu o organismo humano e os<br />
micróbios, por sua vez, ganharam um campo mais amplo para<br />
manifestar a sua força venenosa.<br />
A verdade profunda a respeito desse assunto, contudo, é que<br />
nenhum especialista conhece o porquê da ação tão forte desses<br />
microorganismos. Há muitos casos de pessoas que tomam, pela<br />
primeira vez, a penicilina e também não conseguem resultados<br />
satisfatórios.<br />
Todos esses argumentos apresentados pelas autoridades médicas<br />
servem apenas para que elas não percam a notoriedade. Então,<br />
sem muita lógica, procuram justificar a ineficácia dos<br />
medicamentos e não fazem esforço algum para perceber as falhas<br />
que já estão ficando muito claras. Com isso, o povo vive<br />
continuamente sendo enganado.<br />
Até agora tinha sido a penicilina que não estava mais<br />
conseguindo ser eficaz. Já tenho ouvido, porém, que a<br />
Streptomicina também não é tão eficiente quanto se supunha.<br />
Logo mais, certamente o mesmo comentário surgirá a respeito da<br />
Aureomicina e Terramicina.”<br />
“Suponhamos que alguém da família de um médico adoeça. É<br />
interessante observar que, na maioria das vezes, o médico não<br />
trata do doente, passando a tarefa a um colega. Até mesmo pelo<br />
senso comum, é estranho que a vida de um familiar, tão<br />
importante para ele, não fique sob seus cuidados e, sim, ao<br />
284
encargo de outra pessoa. Certamente o médico age dessa maneira<br />
por não confiar nas suas habilidades. Por experiência, ele sabe<br />
que os resultados são melhores quando se coloca o doente sob<br />
cuidado de mãos alheias. Os médicos certamente não conseguirão<br />
dar explicações a esse respeito, mas eu penso da seguinte<br />
maneira: A Medicina é um método de impedir a purificação;<br />
assim quanto mais tratamentos se aplicam, mais a doença se<br />
agrava. Uma vez que o doente é pessoa de sua família, o médico<br />
quer para ele o melhor tratamento possível e, naturalmente, iria<br />
escolher os remédios da mais alta qualidade. Como esses<br />
remédios são os mais tóxicos, os resultados são ruins. Sendo um<br />
médico estranho, irá fazer um tratamento comum, e por isso a<br />
pessoa não piora tanto. Por conseguinte, ele se sai melhor.<br />
Também é muito freqüente o doente custar a melhorar quando o<br />
médico se empenha demais em curá-lo; ao contrário, aqueles com<br />
quem o médico não se preocupa muito, melhoram rápido.<br />
Provavelmente isso acontece pelos motivos já expostos.”<br />
“Ultimamente, em relação à compreensão da doença, têm usado<br />
com freqüência a expressão “luta contra a doença”, mas, visto por<br />
nós, não há coisa mais equivocada que isso. Realmente, é devido<br />
ao desconhecimento da causa fundamental da doença, mas<br />
baseado no nosso ponto de vista, gostaríamos de dizer que<br />
“amamos a doença”, ou seja, o correto é ter o pensamento de que<br />
a doença é algo que devemos amar, é algo gratificante, é algo que<br />
devemos agradecer. No entanto, quando a pessoa contrai doença,<br />
logo a Medicina interpreta de forma negativa e fica preocupado<br />
como se o demônio estivesse penetrado no interior do corpo.<br />
Acredito que nesse sentido usam-se freqüentemente a expressão<br />
“o diabo da doença”. Também creio que a expressão, “luta contra<br />
a doença” é usada no sentido de que, devido à penetração do<br />
inimigo no corpo, devemos lutar o máximo aliado ao corpo<br />
físico; e isso é algo realmente estranho.”<br />
“A saúde é inerente ao homem, devendo ser o seu estado normal.<br />
O estranho é as pessoas serem acometidas de doenças com tanta<br />
facilidade, ou seja, ficarem em estado anormal. Sendo assim,<br />
apreender claramente os princípios da saúde e fazer o homem<br />
retornar ao estado normal está coerente com o objetivo de Deus.”<br />
285
“Mas por que o sangue se suja? A causa é bastante surpreendente:<br />
são os remédios, que paradoxalmente ocupam a posição de maior<br />
destaque nos tratamentos médicos. Como todo remédio é veneno,<br />
só de ingeri-lo o sangue já se suja e os fatos são a maior prova do<br />
que estamos dizendo. Portanto, não há nada de estranho em que,<br />
estando a pessoa sob tratamento médico, a doença se prolongue<br />
ou piore, ou que até surjam outras doenças.”<br />
“A propósito de os medicamentos se tornarem a causa de<br />
doenças, existe um ponto que as pessoas em geral não percebem.<br />
É o aparecimento de complicações, apesar de o doente estar se<br />
submetendo aos tratamentos médicos. Casos estes fossem<br />
realmente eficazes, a pessoa, com o decorrer do tratamento,<br />
deveria melhorar progressivamente, não havendo motivos para<br />
surgirem complicações. Se alguém, por exemplo, tem três<br />
doenças, deveria ficar com duas, depois com uma e sarar<br />
completamente. A seqüência dos fatos, no entanto, é justamente o<br />
contrário: uma doença acarreta duas, três doenças, em total<br />
desacordo com a lógica. E é estranho que nem os médicos nem os<br />
doentes tenham a menor desconfiança. Isso nos faz ver o quanto<br />
as pessoas confiam na Medicina, já chegando a ser uma espécie<br />
de superstição, o que eu não posso deixar de lamentar um instante<br />
sequer. Se a humanidade conseguir eliminar os medicamentos,<br />
não há dúvida de que as doenças irão desaparecendo<br />
gradativamente.”<br />
“Talvez achem estranho falar em depressão a propósito de bebês<br />
e crianças pequenas; trata-se, no entanto, de um fato real, pois,<br />
assim que o enrijecimento dos ombros é eliminado, a criança fica<br />
bem-humorada e volta à normalidade.”<br />
“Costuma-se dizer que, se a febre é alta, a pulsação também é, e<br />
isso porque, para absorver o elemento fogo, ou seja, o calor, o<br />
coração trabalha intensamente. Contudo, dependendo da doença,<br />
há casos em que a pulsação é baixa, nem sempre acompanhando a<br />
febre alta. Numa pessoa debilitada, se a pulsação é fraca e rápida,<br />
está sendo absorvido o elemento fogo, mas a força é insuficiente.<br />
Por isso, a melhor forma de se saber a intensidade da debilitação<br />
é através da pulsação. Quando esta é muito leve, a pessoa está<br />
bem debilitada. Isso pode ser percebido através dos sentidos. Às<br />
286
vezes a pessoa está fraca e o seu pulso bate lentamente. Ao invés<br />
de uma batida, parecem duas. É uma montanha, mas parecem<br />
duas. À primeira vista, parece normal, mas, observando melhor,<br />
há pontos estranhos. Isso acontece porque o coração está fraco,<br />
sendo mais freqüente em pessoas que sofrem de bronquite<br />
crônica.”<br />
“Por outro lado, por mais estranho que pareça, quem tem<br />
problemas nos braços ou nas pernas, ao receber Johrei<br />
direcionado aos gânglios linfáticos do pescoço, apresenta uma<br />
melhora fantástica. Realmente, isso é algo bem misterioso e<br />
interessante!”<br />
(pausa): Ufa! Também sobre medicina se tem muita coisa.<br />
VOZ DO MESTRE: Também, e daí?<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Embora se fale que ultimamente a medicina<br />
progrediu e que o avanço da cirurgia, em especial, é motivo de<br />
grande orgulho, pelo meu ponto de vista, não há engano maior.<br />
Não é necessária maior reflexão para se ver que o progresso da<br />
cirurgia significa, na realidade, a derrocada da medicina. Poderão<br />
achar isso estranho, mas, obviamente, a cirurgia é um método de<br />
extrair o órgão afetado pela doença, e não um método de extrair a<br />
doença em si.”<br />
“Acredito que as pessoas que lerem o título acima [A Medicina<br />
que se opõe ao Criador] vão achar um tanto estranho. Porém, não<br />
há o que fazer uma vez que se trata de uma realidade implacável.<br />
Atualmente, a medicina está falando de forma exagerada sobre o<br />
progresso da cirurgia, mas não existe algo tão equivocado como<br />
este. Por exemplo, suponhamos que alguém venha a sofrer de<br />
apendicite. Nesse caso, a medicina extrai o órgão imediatamente.<br />
“A razão disto - dizem os médicos - é que o apêndice é um órgão<br />
inútil para a saúde do corpo, e como existe tal órgão ocorre a<br />
apendicite, por isso é melhor extraí-lo.” Mas isso, na realidade é<br />
um fato pavoroso. A razão da sua existência está em Deus,<br />
Criador de todas as coisas. Acho que Ele não deve ter criado<br />
sequer uma única coisa inútil, na sua obra de criação de maior<br />
importância, que é o corpo humano. Mesmo que seja uma única<br />
287
unha ou um fio de cabelo, não há nada que seja inútil, cada qual<br />
está cumprindo suas funções. No entanto, o fato de simplesmente<br />
determinar como algo inútil, é porque a medicina não entende o<br />
fundamento dos órgãos do corpo humano. Assim sendo, a<br />
medicina cirúrgica atual se resume no termo “selvagem”. Neste<br />
sentido, a verdadeira medicina é aquela que não causa nenhum<br />
dano aos órgãos, e na forma original, consegue eliminar por<br />
completo o pus e o sangue tóxico que são as causas das<br />
enfermidades. Acho que a verdadeira medicina é aquela que se<br />
desenvolve passo a passo com esse objetivo. Por isso, a medicina<br />
cirúrgica atual é apenas um meio de aliviar temporariamente o<br />
sofrimento, não sendo uma medicina. Falando rigorosamente, não<br />
passa de um método cômodo de aliviar temporariamente o<br />
sofrimento. Não se limitando a isso, a conseqüência do alivio<br />
temporário faz com que todo o corpo fique debilitado e<br />
naturalmente acaba encurtando a vida. Realmente, isso significa<br />
ferir a obra do Criador, portanto, acho que isso é uma ação de<br />
traição ao Criador. Mesmo nesse sentido, o Johrei da nossa Igreja<br />
está de acordo com a Vontade do Criador e não é nenhum<br />
exagero dizer que ele é a Verdadeira Medicina.”<br />
“É tão estranho<br />
o mundo acreditar na medicina!<br />
Não debela definitivamente os males.<br />
Querendo curar,<br />
a droga do remédio fez aparecer,<br />
na verdade, um mundo repleto de doenças.”<br />
(pausa): Ufa!<br />
VOZ DO MESTRE: Vamos.<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Se pensarmos um pouco mais, vamos verificar<br />
que o processo de fabricação de remédios não mudou muito.<br />
Estão, sendo elaborados, mais ou menos, como antigamente.<br />
Acho que esse fato deveria proporcionar aos médicos algum<br />
motivo de dúvida; contudo, só acha muito estranho que o efeito<br />
não seja tão compensador quanto em outros tempos. É certo,<br />
porém, que, mesmo surgindo dúvida, nunca vão descobrir a<br />
288
verdade. Muitas vezes até constatam que doentes considerados<br />
definitivamente incuráveis pela medicina, são recuperados com<br />
facilidade pelo Johrei. Entretanto, só acham estranhas tais<br />
ocorrências. Nada mais, além disso. Contudo, do meu ponto de<br />
vista, considero realmente absurdo esse comportamento<br />
incrédulo. É mesmo difícil entender o pensamento da medicina”.<br />
“Comparada aos remédios, a guerra e a fome são insignificantes.<br />
Estas palavras podem parecer exageradas, mas eu asseguro que<br />
estou expondo apenas a verdade, claramente, tal qual tomei<br />
conhecimento, sem o mínimo exagero. E o que acho mais<br />
estranho é que os países considerados altamente civilizados ainda<br />
não a tenham percebido. Apesar de terem descoberto o principio<br />
da bomba atômica, não conseguiram descobrir os erros da<br />
Medicina”.<br />
“Por outro lado, observando-se a história humana, percebe-se que<br />
o enfraquecimento do corpo começou com a chegada da<br />
civilização materialista. Mesmo assim, em todas as partes do<br />
mundo, há um acentuado incentivo ao uso de medicamentos. Não<br />
lhes parece um fato estranho? É interessante observar também<br />
que são encontradas muitas pessoas com saúde perfeita e<br />
extraordinária vitalidade porque nunca tomaram espécie alguma<br />
de remédios.”<br />
“Se tudo que ocorre no Universo está fundamentado na<br />
precedência do espírito sobre a matéria, não há nada de estranho<br />
nos inúmeros milagres que acontecem. Para entender esses<br />
milagres, precisamos conhecer a relação entre o Mundo Espiritual<br />
e o Mundo Material.”<br />
“Também é importante entender que o corpo humano não mudou<br />
de vinte ou trinta anos para cá. Continua funcionamento dentro da<br />
mesma lógica com que foi criado há milhares de anos. Então não<br />
lhes parece estranho que o efeito das medicações não seja igual<br />
ao de alguns anos atrás? Até entre os médicos ouve-se dizer que<br />
antigamente os remédios curavam muito mais. Será que ocorreu<br />
alguma mudança no organismo do ser humano? Ou existe agora<br />
outra causa para não estar havendo curas como antes?”<br />
(pausa): Ufa!<br />
289
VOZ DO MESTRE: Vamos.<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Eu mesmo sempre presto muito atenção a esse<br />
ponto. Quando o problema não se resolve com relativa facilidade,<br />
acho estranho. Verificando a causa, descubro que estava<br />
colocando esforço físico. Portanto, cura-se muito bem e com<br />
rapidez, quando o Johrei for canalizado sem apego, sem o uso de<br />
força, com o ministrante num estado de concentração,<br />
permanecendo apenas como instrumento da Vontade de Deus.”<br />
“As pessoas ministram o Johrei na parte da frente uma vez que o<br />
paciente reclama de dor no estômago, mas esse procedimento é<br />
de certa forma fora do alvo. Por isso, mesmo que ocorra a<br />
redução da dor esta não desaparece por completo. Isto ocorre<br />
porque a verdadeira causa está na parte posterior, ou seja, nas<br />
costas. Se ministrar Johrei nas costas, exatamente atrás do<br />
estômago, a dor passará por completo. Pode achar isso um tanto<br />
estranho, mas na realidade há uma razão justa para isso, que vem<br />
a ser a seguinte: O homem, quando sente algum mal-estar no<br />
estômago logo procura tomar remédio. Toma o remédio e deita-se<br />
de costas, por isso, o remédio que ingeriu passa pela parede do<br />
estômago e dirige-se na parte posterior onde fica sedimentado”.<br />
“Qual o motivo desse atrofiamento? Conforme foi dito<br />
anteriormente, quando os rins procedem à separação das<br />
substâncias úteis e não úteis, há casos em que a elas se mistura<br />
um corpo muito estranho. Nem é preciso dizer que esse corpo<br />
estranho é a toxina dos remédios.”<br />
“Uma moça de mais ou menos 20 anos sentia muita dor num<br />
dente do lado direito e, ao lhe ministrar Johrei, logo passou. No<br />
dia seguinte, ela veio dizendo que doía novamente. Se fosse uma<br />
dor de dente comum, sararia com uma única ministração de<br />
Johrei. Entretanto, como ainda não havia sarado, pensei que<br />
deveria haver algum motivo. Então fui apalpado na região<br />
inferior do dente, cada vez mais para baixo até que, na região do<br />
peito, encontrei uma solidificação. Ela disse que sentia dor nesse<br />
local; assim que dissolvi essa solidificação ela sarou<br />
imediatamente. Entretanto, no dia seguinte ela veio novamente<br />
com dores. Achei estranho e novamente fui apalpando mais para<br />
290
aixo até que ela disse que a região do apêndice doía muito. Ao<br />
lhe ministrar Johrei nesse local, ela sarou completamente; como<br />
eu perguntasse, ela me disse que, anteriormente, havia feito<br />
operação do apêndice. Com isso, entendi que a dor era causada<br />
pelo desinfetante usado nessa ocasião. Ele se solidificara e, com a<br />
purificação passara pelo peito, até ser expelido pela gengiva.<br />
Como foi visto, era realmente inimaginável que a causa da dor de<br />
dentes estivesse na região do apêndice."<br />
“Sobre a tuberculose, o que relativamente não incita muito<br />
interesse é sua parte psicológica, que, no entanto, é uma das<br />
coisas mais importantes. Como todos sabem, quando uma pessoa<br />
recebe o comunicado de que ela é portadora de tuberculose, quem<br />
quer que seja, psicologicamente, recebe um grande choque; perde<br />
as esperanças no futuro e para ela o mundo se transforma numa<br />
escuridão total. É exatamente como se tivessem recebido uma<br />
pena de morte sem a definição do dia da execução. O estranho é<br />
que, talvez na tentativa de evitar isso, atualmente, as autoridades<br />
competentes e os médicos divulgam ativamente a teoria de que da<br />
cura da tuberculose depende da dieta e dos tratamentos; creio que<br />
a maioria das pessoas não leva isso a sério.”<br />
“O fato mais estranho é que segundo os resultados das estatísticas<br />
realizadas pela medicina, entre cem pessoas, cerca de noventa<br />
pessoas mostram vestígios de terem contraído tuberculose e estão<br />
curadas. Diz-se que descobriram isso através das autópsias. Por<br />
isso, a medicina deve estar a par daquilo que mencionei acima.<br />
Sendo assim, sempre penso como diminuiria o número de<br />
tuberculosos caso não se fizessem exames médicos. Entretanto,<br />
os médicos dirão: se a tuberculose não fosse transmissível, não<br />
haveria necessidade, mas como ela é uma doença contagiosa,<br />
uma vez possuindo a semente do vírus é muito perigoso. Para<br />
evitar o perigo, é preciso descobri-lo logo, pois descobrindo a<br />
doença na fase inicial, os tratamentos são mais eficazes.”<br />
"Um rapaz de vinte e poucos anos estava com tuberculose de<br />
terceiro grau e lhe saía muita tosse e catarro. Como sempre, lhe<br />
ministrei Johrei na cabeça, pescoço, ombros, etc., mas não surtia<br />
efeito. Examinando melhor, inesperadamente vi que ele tinha<br />
solidificações nas duas axilas e nas virilhas e havia bastante febre<br />
291
nesses locais. Apertando a região, ele sentia muita dor. "Ah, então<br />
é aqui"- pensei, e ministrei Johrei nesse local. Com um mês ele<br />
melhorou por completo. Naquele momento lhe disse brincando:<br />
"Seu pulmão tinha ido para os dois lados das axilas." Entretanto,<br />
houve uma coisa engraçada a esse respeito. Falei sobre esse caso<br />
com um médico famoso e ele duvidou. Então lhes falei: "Para<br />
experimentar, deixe-me ver as suas axilas." Ele se deitou e ao<br />
apertar o local, havia uma solidificação e também um pouco de<br />
febre. Assim que passei a ministrar Johrei ele começou a tossir e<br />
a expelir catarro, e ficou espantado, dizendo apenas que era muito<br />
estranho. Esse médico ainda hoje trabalha como professor de uma<br />
universidade."<br />
(pausa): Caramba! Também sobre medicina se tem muita coisa.<br />
VOZ DO MESTRE: E fora dela?!<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Pela teoria dietética acima, se ingerimos<br />
sangue, vitaminas, etc., qual será o resultado? Na realidade,<br />
haverá um enfraquecimento do corpo. Quem ler isto, achará<br />
estranho, mas, analisando mais profundamente, conseguirá<br />
entender. Se os órgãos digestivos produzem vitaminas a partir de<br />
alimentos que não as contém e nós comermos vitaminas, não<br />
haverá espaço para a atividade da função digestiva e,<br />
consequentemente, o aparelho digestivo enfraquecerá. Com o<br />
enfraquecimento de uma atividade tão importante como essa, é<br />
óbvio que a atividade dos outros órgãos que têm funções<br />
conjuntas, também enfraquecerá. Por conseguinte, praticando<br />
fielmente a teoria dietética da atualidade, obteremos resultados<br />
contrários.”<br />
“Parece estranho que se goste de comer arroz puro, mas há uma<br />
explicação para isso. O organismo do ser humano está constituído<br />
de modo a se adaptar ao ambiente; se a pessoa tiver<br />
continuamente uma alimentação simples, seu paladar sofrerá uma<br />
mudança - fato que não é muito conhecido - e a comida lhe<br />
parecerá saborosa. Ao contrário, quando a pessoa se habitua a<br />
uma alimentação requintada, acha esse tipo de alimentação cada<br />
vez mais saboroso e, por isso, procura pratos ainda mais<br />
292
equintados. É o que se vê com freqüência entre aqueles que<br />
levem uma vida luxuosa.”<br />
“Há um outro exemplo ainda. Os médicos recomendam às mães<br />
que tem pouco leite tomem leite de vaca, mas isso também é algo<br />
estranho, pensam que o leite que a mulher toma vai direto para o<br />
seio, mas isso é um absurdo”.<br />
(pausa): Puxa! Daqui a pouco se chega a cem ensinamentos.<br />
VOZ DO MESTRE: Tem razão, complemente com mais alguns.<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: “Mas por que motivo os espíritos de raposa<br />
encostam no homem? Encostam porque sentem prazer em<br />
enganá-lo e, ao mesmo tempo, porque quanto maior for sua<br />
habilidade nesse sentido, mais prestígios terão entre os<br />
companheiros. O assunto é por demais estranho, e os leitores<br />
poderão não acreditar, mas trata-se de uma realidade evidente,<br />
sem a menor parcela de erro ou falsidade.”<br />
“Nem seria necessário dizer, de tão óbvio, que o objetivo da<br />
religião é construir um mundo de paz, um mundo sem conflitos.<br />
Sendo assim, acho muito estranho o absoluto silêncio que, talvez<br />
por não saberem o que fazer, os religiosos mantêm atualmente,<br />
ante o perigo da Terceira guerra Mundial. Naturalmente, sem o<br />
apoio do Governo e por não poderem pegar em armas, devido à<br />
idade, eles deveriam, através de métodos pacíficos, compatíveis<br />
com a sua condição de religiosos, trabalhar para que a guerra seja<br />
evitada”.<br />
“Dizendo isso, começou a lhe apertar a garganta, e, nessa agonia,<br />
ela acabou acordando. Se fosse apenas isso, seria um sonho<br />
comum, porém houve um fato surpreendente: o aperto de<br />
garganta deixara-lhe marcas bem nítidas de unhas na pele, a qual<br />
ficara avermelhada, inchada e dolorida. O fato de o sonho, um<br />
processo espiritual, provocar um ferimento material, é algo<br />
estranho e inimaginável.”<br />
“Entretanto, quando observamos a realidade, notamos que são<br />
mais numerosos os exemplos de infelicidade do que de felicidade<br />
pelo amor. As brigas entre os homens, sofrimentos sem solução,<br />
destruição do destino, suicídio por amor, homicídios e outros<br />
293
fatos, desagradáveis, quase sem exceção, têm a causa no amor.<br />
Podemos dizer que se trata de algo realmente terrível. Sendo<br />
assim, escreverei, pelo ponto de vista religioso, a maneira correta<br />
de se lidar com o amor. Esse problema não é tão difícil assim. É<br />
muito fácil. Podem achar isso estranho, mas, em suma, o amor, na<br />
realidade, deve ser inteligente, corajoso e verdadeiro.”<br />
“O que é pior? Submeter-se a tratamento médico ou causar<br />
problema? Causar problema é bem pior. Deixar que a pessoa se<br />
submeta ao tratamento médico é melhor. Não causar problema é<br />
primordial. Se achar um pouco estranho, deve mostrar primeiro<br />
ao médico. Uma ou duas injeções não é nada grave; não tem<br />
problema. Mesmo que se diga que a injeção não é boa, ela é<br />
temporária, portanto, procedendo assim, no mais, deve-se pensar<br />
de forma adequada.”<br />
“A verdadeira religião deve fundamentar-se no universalismo.<br />
Não será verdadeira se for limitada a um país, povo ou classe,<br />
porque tal limitação provoca disputa de poderes, o que contraria a<br />
própria essência das religiões, cuja missão é eliminar conflitos e<br />
promover a paz. Qualquer hostilidade significa afastar-se do<br />
objetivo da Religião. Por isso, é estranho que a História registre<br />
tantas lutas religiosas.”<br />
“Por isso, para que possamos construir um mundo isento de<br />
doentes, basta que o número de ‘médicos messiânicos’ cresça e<br />
que ensinemos como não ficar doente. De que forma faremos<br />
isto? Fazendo com que as pessoas leiam os nossos livros. Neles<br />
apresentaremos os equívocos cometidos por todos os métodos de<br />
tratamento de saúde como também, os dos métodos de higiene e<br />
sanitarismo e ensinaremos o verdadeiro método. Basta que as<br />
pessoas o compreendam e o pratiquem conforme ensinamos.<br />
Futuramente escreveremos esses livros e faremos com que sejam<br />
lidos por toda a sociedade e quanto mais aumentar o número de<br />
‘médicos messiânicos’, melhor. Isto não é nada complicado e tão<br />
pouco estranho.”<br />
Ele se joga ao chão, todo suado, nada descansado, esperando<br />
apenas pela finalização.<br />
294
VOZ DO MESTRE: Depois disso tudo, você ainda quer<br />
continuar ...<br />
O deitado interrompe quem fala por este vê-lo aquele exausto se<br />
pondo de pé e abrindo um sorriso e assinalando positivamente.<br />
O <strong>ESTRANHO</strong>: Sim, quero continuar sendo diferente,<br />
simplesmente, porque eu aspiro a ser idêntico a todos os<br />
estranhos que algum dia irá se reunir e nenhum deles será mais<br />
considerado ...<br />
O <strong>ESTRANHO</strong><br />
FIM<br />
295
296
ÍNDICE<br />
DO LADO INICIAL 005<br />
O ET 007<br />
DO LADO OCIDENTAL 017<br />
O ISENTO 019<br />
O DESLIGADO 042<br />
O SUSPEITO 065<br />
O ARREDIO 085<br />
O DESTITUÍDO 105<br />
DO LADO ORIENTAL 121<br />
O MALFEITO 123<br />
O ESTRANGEIRO 143<br />
O PEREGRINO 165<br />
O BIZARRO 183<br />
DO LADO ESPACIAL 203<br />
O LUNÁTICO 205<br />
DO LADO ESPIRITUAL 231<br />
O DESCONHECIDO 233<br />
DO LADO FINAL 267<br />
O DIFERENTE 269<br />
297
298