O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

CANA-DURA (pensando com preocupação): Esse negócio dele
falar o que ele está vivendo, não é um bom negócio.
ESTRANHO: Um que eu já usei foi o discurso de Sócrates em
sua defesa.
CANA-DURA (pensando ainda com preocupação): Ele começa
assim na defesa e daqui a pouco parte para o ataque que nem o
jogador do São Paulo fazia. Deixe embaralhá-lo.
(dirigindo-se a ele): Discurso de brasileiros é o que importa.
ESTRANHO: José Bonifácio de Andrade e Silva, patriarca da
independência, em seu discurso na Assembléia Geral,
Constituinte e Legislativa, de 1824, um libelo contra escravidão,
que não isenta nem a Igreja.
CANA-DURA: Viu! Não disse doutor auditor fiscal Ele está
protestando novamente e agora é contra as algemas que coloquei
no bicho apetitoso.
DOUTOR AUDITOR FISCAL: É, mas você não prestou
atenção que ele meteu o pau na Igreja, não dá isenção para ela.
Prossiga, por favor.
ESTRANHO: Joaquim Nabuco com seu discurso que propõe a
abolição; Rui Barbosa com seu discurso de um ano após a
promulgação da Lei Áurea; Orlando Villas-Boas em 1972, época
em que a ditadura militar alegava que os índios não poderiam se
constituir num entrave ao desenvolvimento do país, ele com uma
coragem pessoal irretocável fez um discurso contrário a essa
política integracionista, de modo a ...
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Tá bom, tá bom, vamos para os
de fora.
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