O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

pela liberdade – mas com a mesma emoção passional, odiamos
sua superficialidade, sua artificialidade, sua corrupção, e o louco
e inescrupuloso culto ao altar do “Bezerro Dourado”.”
Eles recordando sua juventude, no tempo em que queriam mudar
o mundo, começam a chorar.
ESTRANHO (continuando o discurso dela): “Seu veredicto, é
claro, pode nos afetar temporariamente, num sentido físico – não
afetará de maneira nenhuma nosso espírito. Porque mesmo se
formos declarados culpados e condenados a enfrentar o pelotão,
gritaríamos as mesmas palavras do grande Lutero: “Aqui estou, e
aqui ficarei, porque sou incapaz de agir de outra maneira.””
Os dois abraçados choram copiosamente.
ESTRANHO (continuando o discurso dela): “Nada neste mundo
me fará mudar de idéia exceto uma coisa: se vocês me provarem
que minha posição está errada, indefensável, ou faltando com a
verdade. Posso lhes lembrar de dois grandes americanos, sem
dúvida conhecidos por vocês, senhores do júri: Ralph Waldo
Emerson e Henry David Thoreau. Quando Thoreau foi preso por
se negar a pagar impostos, foi visitado por Ralpho Waldo
Emerson que lhe perguntou: “David, o que você está fazendo
nesta cela?” e Thoreau respondeu: “Ralph, o que é que você está
fazendo aí fora, quando toda pessoa honesta está presa por causa
de seus ideais?””.
CANA-DURA: É isso aí. Honestidade.
DOUTOR AUDITOR FISCAL: É isso aí como? Agora quem
pergunta sou eu: já pensou se todos os honestos aqui no Brasil
não pagassem imposto? Fatalmente, seríamos o país mais
miserável da face da Terra. Era capaz de nem haver mais
corrupção por falta de dinheiro.
CANA-DURA: É tem razão, bordoada nele.
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