O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

(ordenando): Algeme imediatamente esse isento impertinente e
infeliz que com sua moradia está atrapalhando os planos do
magnífico proprietário de trazer imediatamente suas cortadeiras e
queimadas da prosperidade eterna, os seus gados exterminadores
da gula infinita dos golas de ponta branca e, acima de tudo,
aumento de arrecadação na economia promovedor da felicidade
da elite e do governo, bem como do calmante do mercado
neurótico nervoso.
ESTRANHO (pausadamente): O quanto de isento sou se estou
atado e preso, se oprimem o meu pensamento e aprisionam as
minhas mãos?
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Boa idéia. Aproveite e
amordace-o também.
ESTRANHO (pausadamente): Que venha então a cidade, pois
agora estou preparado a ir até as minúsculas estrelinhas em
termos de dedicação e relação.
CANA-DURA: Isso é um baita de um barbudo subversivo, deve
ser parente do Fidel Castro. Fica o dia inteiro a meditar nessa
espelunca, notou doutor auditor fiscal que nestas frases tem muita
coisa nas entrelinhas.
ESTRANHO (pausadamente): De fato, o autor delas quer
meditar para a subversão.
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ridicularizando): É, o
subversivo é esse autor mesmo. Estou quase acreditando, fala
mais uma vez para eu acreditar.
(passando-lhe um pito): O que eu tenho certeza é que o estranho
com seu comportamento não é contrário à ordem, você apenas
não age certo quando quer permanecer isento.
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