O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

que eu fosse dar beliscões nas nádegas dos garotos maiores do
outro bairro. Por sorte, desenvolvi criança, caboclo e preto-velho,
ficando bons anos naquela religião brasileira que sincretiza
catolicismo, espiritismo e seitas afro-brasileiras.
Seu rosto esboça um sorriso.
ESTRANHO (continuando): Quando jovem e estudante, já
muito esforçado, observava todas as aulas da minha escola numa
sub-cidade ou eventual periferia urbana, atendo-me de maneira
determinada a ser expulso de todos os colégios como protesto
pela baixíssima qualidade de ensino. Também pudera, aquelas
lições!
Rindo.
ESTRANHO (continuando): Na segunda idade – maturidade –
quando adulto e profissional, já pesquisador e professor
acadêmico e militante político, comprovava todas as alienações e
omissões do meu trabalho, do meu povo e do meu país, levandome
a ser um perdedor de empregos, status, convívios e
serenidades.
Seus olhos agora consentem algumas lágrimas.
ESTRANHO (continuando): Na terceira idade – velhice –
quando idoso e ultra-religioso, já com muitíssimo espírito de
busca, percebi da minha consciência ter estado numa aventura
existencial de resultado incerto, encaminhando-me a ser um
involucionista reacionário, e não um progressista revolucionário.
Sua face impõe uma contração.
ESTRANHO (continuando): E agora! O que tenho é verdadeiro,
mas o que eu sou é falso. Como fazer?
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