O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

fazê-lo se defronta com uma fronte aparentemente solitária num
visível corpo asseado, musculado, corado, alinhado, porém ultra
barbado, inserido em vestuários finos bem desgastados. Fixando
mais os olhos ele observa que o ESTRANHO está em meditação.
Como não cabem dois corpos naquele pardieiro, ele sai
demoradamente do interior por estar arquitetando a atitude que
deveria ser tomada. Posto de fora ela já estava em sua boca, ou
melhor, iria estar na boca do policial antropófago.
DOUTOR AUDITOR FISCAL (ordenando): Cana-Dura dá um
sacode neste orante psíquico que habita este orate.
CANA-DURA (desapontado, sem entender): Só um sacode!
Orate?
DOUTOR AUDITOR FISCAL (impaciente): É Orate ... o
mesmo que casa de maluco.
Vendo o esforço de compreensão que o seu serviçal estava
fazendo, procura esmiuçar sua ordem.
DOUTOR AUDITOR FISCAL: Traduzindo: traga o demente
que está fazendo oração de mente neste hospício.
Prontamente, um braço uniformizado leva a mão na direção do
qualificado doido e o puxa para fora. Este atirado ao chão
desperta da contemplação e que, por incrível, sem se abalar, não
perde a paz por nenhum segundo. Ele volta a meditar. Só que ...
CANA-DURA (babando): Que presuntão!
DOUTOR AUDITOR FISCAL (pisca o olho para o policial e
dirige sua visão para aquele decaído): Já acabou de curtir seu
matutar nesse vazio?
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