O ESTRANHO - Charles Guimarães Filho

(emocionado): Sim meu santo que tudo sabe, eu sou de Ogum
Iara. Tô ligado.
Fica todo arrepiado e começa a chorar e cantar, acompanhado
evidentemente de Dumalzinha.
DUMAL E DUMALZINHA: “Se meu Pai é Ogum, Ogum.
Vencedor de demanda. Quando chega ao reino é para salvar
filhos de Umbanda. Ogum, Ogum Iara. Ogum, Ogum Iara.”
(agachando as cabeças e batendo nos peitos): “Saravá São Jorge
que trabalha com orixá feminino.”
ESTRANHO (pensando): Interessante. Por um lado, chorou com
o que eu disse, chegou a cantar. Por outro, eu não entendo nada
do que ele diz.
(cheio de dúvida): Será que ele diz coisa com coisa? Será que na
gramática japonesa eu disse algum verbo que apresenta mais de
uma forma para um ou mais tempos ou pessoas? Vou tentar uma
expressão latina.
(tenta mais uma): Quid abundat non nocei.
DUMAL (desconfiado): Abundat? Se esse santo pelo menos
soubesse falar português. Pois, essa língua, modesta a parte, eu
aprendi direitinho com meu amigo Carioca do tráfico. Aliás, até
minha mãe que é uma tapada conseguiu aprender português
comigo por correspondência. Quem sabe espanhol é fácil
aprender português. Assim, como o contrário, esse meu amigo
brasileiro aprendeu facilzinho o espanhol. Só um burro é que não
consegue. Por isso, eu acho que esse barbado algemado não é
brasileiro, e muito menos espanhol.
O barbado algemado ao se esforçar para traduzir aquela
expressão latina para aquele tão maçante na sua presença, o
morro do piolho esquenta de modo que nessa energia intensa sua
cabeça estala e a sua língua irrompe na versão portuguesa.
46