Livro em PDF - Racionalismo Cristão
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UM HOMEM QUE VIU A MORTE DE PERTO<br />
Ao grande poeta e meu venerando amigo<br />
Dr. Joaquim Crispiniano Coelho Brandão, de<br />
Belém do São Francisco, Estado de Pernambuco<br />
Quero, nesta ligeira narrativa, contar a história de um hom<strong>em</strong> que se aproximou da<br />
morte.<br />
Leopoldino Santana, que conheço como ninguém mais, adoeceu, no começo deste ano,<br />
de um distúrbio renal, acompanhado de pertinaz h<strong>em</strong>atúria. Ele pensou, no início da<br />
enfermidade, que se tratasse de simples cistite, mas, como a h<strong>em</strong>orragia não cedesse,<br />
procurou um urologista para tratá-lo.<br />
Após o resultado das primeiras radiografias, o médico o aconselhou a internar-se num<br />
hospital para ser submetido a tratamento especializado.<br />
Por ter o facultativo conjeturado, <strong>em</strong>bora veladamente, ser o paciente portador de uma<br />
doença letal, o pobre Santana sentiu-se um tanto angustiado e logo procurou colocar os seus<br />
negócios <strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, escreveu cartas a parentes e amigos, para ser<strong>em</strong> entregues depois de sua<br />
morte, fez recomendações à família e atualizou seu testamento espiritual.<br />
Antes, porém, de partir para o nosocômio, Santana revê o seu velho arquivo, lendo cartas e<br />
poesias de parentes e amigos e as cópias de suas próprias missivas enviadas, sob pseudônimo,<br />
a pessoas que se achavam desenganadas de viver; nessas cartas ele procurava, com palavras<br />
alentadoras e cheias de espiritualidade, levantar-lhes o moral, a fim de que elas vivess<strong>em</strong> os<br />
seus últimos dias com corag<strong>em</strong> e resignação cristã.<br />
SAUDADE<br />
Santana, que a muitos consolara, via-se no terrível dil<strong>em</strong>a de consolar-se a si mesmo,<br />
para ser coerente com as suas convicções metafísicas e filosóficas; portanto, era mister<br />
enfrentar corajosa e resignadamente o fenômeno da morte, que, não obstante ser apenas um<br />
desdobramento natural da vida, a todos amedronta...<br />
No momento de deixar o lar, para ser internado, Santana fixa o seu olhar merencório<br />
nas coisas que lhe são mais caras, detendo-o na fotografia de sua falecida filha, para melhor<br />
gravar na m<strong>em</strong>ória o aspecto de tudo que nesses instantes lhe extasia a alma, e, mentalmente,<br />
dá o seu último adeus à morada <strong>em</strong> que habita há muitos anos entre o amor das filhas queridas<br />
e o desvelo da esposa amada.<br />
Sobre as suas faces macilentas rolam algumas lágrimas ao afastar-se do lar que tanto<br />
ama, como se fora um condenado seguindo para o patíbulo, e no percurso para o hospital ele<br />
vai observando atentamente, como nunca o fizera, os transeuntes, as ruas, as chaminés<br />
fumegantes das fábricas e os arranha-céus do centro da grandiosa e hospitaleira cidade de São<br />
Paulo, orgulho do nosso extr<strong>em</strong>ado Brasil, pensando que não veria mais, com os olhos da<br />
matéria, esse quadro belo e <strong>em</strong>polgante.<br />
No hospital, nas noites insones, o enfermo rel<strong>em</strong>bra a sua terra distante, os seus<br />
parentes e amigos, recordando-se das passagens mais importantes da sua existência, vividas<br />
no torrão natal, e nesse estado de sentimentalismo julga que não mais verá as cidades, as<br />
estradas, os rios e todos os acidentes geográficos dos seus longínquos pagos.