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abordagem psicossocial do trabalho penoso: estudo ... - Fundacentro

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LENY $ATO<br />

ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DO TRABALHO PENOSO:<br />

ESTUDO DE CASO DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO<br />

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL<br />

PUC-SP<br />

1991


LENYSATO<br />

ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DO TRABALHO PENOSO:<br />

ESTUDO DE CASO DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO<br />

Dissertação apresentada como<br />

exigência parcial para obtenção <strong>do</strong><br />

titulo de mestre em Psicologia Social à<br />

Comissão Examina<strong>do</strong>ra da Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo,<br />

sob orientação <strong>do</strong> Professor Doutor<br />

Peter K. Spink.<br />

PUC-SP<br />

1991


Agradecimentos<br />

Ao professor Peter Spink, mais <strong>do</strong> que orienta<strong>do</strong>r, foi um acompanhante<br />

imprescindível e surpreendente nesse <strong>trabalho</strong>, por estimular minha autonomia,<br />

respeitar meu ritmo, meu jeito e minhas dificuldades;<br />

Nilton B.B. Freitas, grande companheiro de <strong>trabalho</strong>, então chefe <strong>do</strong><br />

Departamento de Medicina e Segurança <strong>do</strong> Trabalho da CMTC, que abriu as<br />

portas para a realização deste <strong>trabalho</strong>;<br />

Dra. Michiko Shiroma de Carvalho, então diretora de Recursos Humanos da<br />

CMTC;<br />

Sr. Chachete, então chefe da garagem estudada;<br />

À CIPA da garagem estudada;<br />

À Comissão de Garagem da unidade estudada;<br />

À diretoria e aos membros <strong>do</strong> Departamento de Saúde <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s<br />

Condutores de Veículos e Anexos de São Paulo e Itapeciríça da Serra;<br />

Lenine, técnico de Segurança da unidade estudada;<br />

Aos cobra<strong>do</strong>res, fiscais, trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Plantão e principalmente aos<br />

motoristas da garagem estudada por tefém me ensina<strong>do</strong> muitas coisas,<br />

permitiram-me partilhar o seu dia a dia, às vezes a intimidade de suas casas e,<br />

principalmente o seu saber rico e complexo que se expressa com simplicidade;<br />

MaryJane Paris Spink por ter me ajuda<strong>do</strong> a desatar alguns nós desse <strong>trabalho</strong>;<br />

Francisco Antônio de Castro Lacaz pela força em to<strong>do</strong>s os momentos e<br />

bibliografia fornecida;<br />

William Sato pela assessoría em computação, pela diagramaçào e impressão<br />

desse <strong>trabalho</strong>;<br />

Luiz Antônio Fernandes pela revisão da redação;<br />

Aparecida de Fátima Pianta Frederico pelas transcrições das entrevistas;<br />

Aos funcionários <strong>do</strong> Restaurante Tamanduá por terem cedi<strong>do</strong> o espaço para a<br />

realização de entrevistas.


A meu pai, William,<br />

Chico Lacaz e aos motoristas que,<br />

através de caminhos bastante<br />

distintos, me ajudaram a construir<br />

esse <strong>trabalho</strong>.


SUMÁRIO<br />

Partimos da constatação inicial que o termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />

não tem uma conceituação clara. Por este motivo esta pesquisa visa<br />

contribuir para a sua delimitação, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong><br />

motorista de ônibus urbano sobre o seu <strong>trabalho</strong>. Esse conhecimento foi<br />

analisa<strong>do</strong> sob a ótica das representações sociais.<br />

O estu<strong>do</strong> de campo teve duração aproximada de quatro meses<br />

onde foram realizadas observações, conversas, acompanhamento da rotina<br />

de <strong>trabalho</strong> e entrevistas com os motoristas de uma garagem e duas linhas<br />

de ônibus da empresa municipal de transporte coletivo urbano de São Paulo.<br />

Utilizamos como material de análise a linguagem e as práticas.<br />

Concluímos que o Trabalho Penoso refere-se a contextos de<br />

<strong>trabalho</strong> gera<strong>do</strong>res de incômo<strong>do</strong>, esforço e sofrimento físico e mental,<br />

senti<strong>do</strong>s como demasia<strong>do</strong>s, sobre os quais o motorista não tem controle. O<br />

exercício <strong>do</strong> controle é sustenta<strong>do</strong> pela familiaridade, poder e limite<br />

subjetivo. A impossibilidade de exercê-lo pode levar à "rupíura".<br />

Para operacionalizar o controle os motoristas lançam mão de<br />

"ações adaptativas" coletivamente criadas e praticadas. Elas visam o ajuste<br />

motorista-<strong>trabalho</strong> e existem em to<strong>do</strong>s os contextos de <strong>trabalho</strong>, inclusive<br />

quan<strong>do</strong> se dá a "ruptura".<br />

O conceito de Trabalho Penoso permite refletir sobre o<br />

processo saúde-<strong>do</strong>ença em sua relação com o <strong>trabalho</strong> como a busca de<br />

conforto e melhor sintonia entre <strong>trabalho</strong> e trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Embora tenhamos focaliza<strong>do</strong> apenas a categoria <strong>do</strong>s<br />

motoristas de ônibus urbano, as conclusões desse estu<strong>do</strong> podem ser<br />

utilizadas no estu<strong>do</strong> da penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> para outras categorias<br />

profissionais.


ÍNDICE<br />

ÇTy Introdução QJ<br />

II- As Representações Sociais Como Teoria <strong>do</strong><br />

Conhecimento Prático <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r 17<br />

III-Méto<strong>do</strong> 27<br />

IV - O Trabalho <strong>do</strong> Motorista de<br />

Ônibus Urbano 45<br />

[V) As Representações Sociais <strong>do</strong><br />

Trabalho Penoso 5g<br />

|Vl/ O Trabalho Penoso e a Ação Adaptativa 78<br />

VH-Conclusões 192<br />

Bilbiografia 108<br />

Anexos


Introdução


Pág. 2<br />

XLím 1971 Deyl Ozono de OLIVEIRA (1971),<br />

representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos e Anexos de<br />

Nova Iguaçu (RJ) reivindicou, no X Congresso Nacional de Prevenção<br />

de Acidentes <strong>do</strong> Trabalho, a criação de um "adicional de penosidade"<br />

e a redução de jornada diária de <strong>trabalho</strong> para 6 horas, em benefício<br />

<strong>do</strong>s motoristas profissionais.<br />

A reivindicação para a criação <strong>do</strong> "adicional de<br />

penosidade", naquela época, teve um caráter inova<strong>do</strong>r e levantou<br />

alguns pontos que merecem reflexão. Não se tratou apenas, de<br />

reivindicar um adicional qualquer ao salário, pois se assim fosse,<br />

OLIVEIRA (1971) poderia ter reivindica<strong>do</strong> o enquadramento da<br />

atividade profissional <strong>do</strong> motorista aos adicionais então existentes<br />

legalmente na Consolidação das Leis <strong>do</strong> Trabalho, que são os<br />

adicionais de insalubridade e de periculosidade. Isso implica que para"<br />

ele o <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista envolve uma dimensão da relação saúde e<br />

<strong>trabalho</strong> não contemplada pelos conceitos legais de insalubridade e<br />

periculosidade, que ele denominou de "penosidade".<br />

Como des<strong>do</strong>bramentos desses pontos seguem as seguintes<br />

questões: Qual o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" existente?; O que faz<br />

com que determinadas condições de <strong>trabalho</strong> sejam sentidas como<br />

"penosas"? e Quan<strong>do</strong> o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>"?


Pág. 3<br />

Para esclarecê-las, vale sistematizar aqui como a<br />

penosidade é abordada na lei, na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e no<br />

significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

A Penosidade na Lei<br />

A primeira constatação, já para a categoria <strong>do</strong>s motoristas,<br />

é a existência <strong>do</strong> direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial após 25 anos de<br />

<strong>trabalho</strong>, por ser esta profissão considerada "penosa". Esse direito é<br />

garanti<strong>do</strong> através da legislação previdenciária, no capítulo sobre<br />

Aposenta<strong>do</strong>ria Especial, de 1960 (lei n 9 3.807, capítulo V, artigo 31)<br />

que diz:<br />

"A aposenta<strong>do</strong>ria especial será concedida ao segura<strong>do</strong> que,<br />

contan<strong>do</strong> no mínimo 50(cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos<br />

de contribuição, tenha trabalha<strong>do</strong> durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou<br />

25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional,<br />

em serviços que, para esse efeito, forem considera<strong>do</strong>s <strong>penoso</strong>s,<br />

insalubres ou perigosos, por Decreto <strong>do</strong> Poder Executivo".<br />

Outras duas leis - n s 5.527 de 8 de novembro de 1968 e<br />

n 9 5.890 de 8 de junho de 1973 - modificam a primeira eliminan<strong>do</strong> a<br />

restrição de idade mínima (50 anos) e reduzin<strong>do</strong> de 15 para 5 anos o<br />

perío<strong>do</strong> de contribuição para adquirir o direito à aposenta<strong>do</strong>ria<br />

especial.<br />

A regulamentação da lei 3.807 é realizada mediante os<br />

decretos n s 53.831 de 25 de março de 1964, n s 63.230 de 10 de setembro<br />

de 1968 e de n s 72.771 de 6 de setembro de 1973 que são<br />

acompanha<strong>do</strong>s de quadros que classificam as atividades, grupos<br />

profissionais e agentes nocivos presentes nos ambientes de <strong>trabalho</strong>,<br />

determinan<strong>do</strong> para cada um o tempo de <strong>trabalho</strong> mínimo (15,20 ou 25<br />

anos) para gozar o direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial.


Pág. 4<br />

Esses quadros contemplam um número limita<strong>do</strong> de<br />

atividades, grupos profissionais e agentes nocivos, não haven<strong>do</strong> em<br />

qualquer deles, exposição das premissas e critérios a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para<br />

enquadramento <strong>do</strong>s mesmos. Apenas o quadro anexo ao decreto de<br />

n s 53.831 de 25 de março de 1964 (anexo I) fornece indicações sobre<br />

os pressupostos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, auxilian<strong>do</strong> a apreensão da lógica da<br />

classificação, pois ao la<strong>do</strong> de cada grupamento de atividade, setor ou<br />

agentes nocivos designa se o <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>", perigoso ou insalubre.<br />

Um mesmo grupamento de atividades profissionais pode ser<br />

classifica<strong>do</strong> em mais de uma categoria. Dessa forma é possível<br />

entender porque aqueles trabalha<strong>do</strong>res que desempenham "<strong>trabalho</strong>s<br />

permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de<br />

acidentes - eletricistas, cabistas, monta<strong>do</strong>res e outros", gozam <strong>do</strong><br />

direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial aos 25 anos de <strong>trabalho</strong>, pois estão<br />

submeti<strong>do</strong>s à condições consideradas perigosas. Raciocínio análogo<br />

pode ser feito para aqueles que trabalham com "germes infecciosos ou<br />

parasitários - animais - serviços de assistência médica, o<strong>do</strong>ntológica e<br />

hospitalar em que haja contato obrigatório com organismos <strong>do</strong>entes<br />

ou com materiais infecto-contagiantes - assistência médica,<br />

o<strong>do</strong>ntológica, hospitalar e outras atividades afins", os quais gozam <strong>do</strong><br />

direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial ao completarem 25 anos de <strong>trabalho</strong>,<br />

pois sua atividade profissional é considerada insalubre, ou seja, causa<br />

<strong>do</strong>ença.<br />

Esse mesmo raciocínio, no entanto, não pode ser<br />

desenvolvi<strong>do</strong> com relação às atividades consideradas apenas<br />

"penosas", como é o caso <strong>do</strong>s motoristas e condutores de bondes,<br />

motoristas e cobra<strong>do</strong>res de ônibus, professores e recentemente, a<br />

atividade profissinal da telefonista(i). Isto porque não são<br />

especifica<strong>do</strong>s os agentes ou condições que definam o "<strong>trabalho</strong><br />

•<strong>penoso</strong>".<br />

1. cm 1989, através da lei n° 7.850, regulamentada pelo decreto no. 99.351 de 1990, a<br />

profissão de telefonista foi considerada penosa para fins de aposenta<strong>do</strong>ria especial.


Pág. 5<br />

A Constituição Federal, em 1988, em seu artigo 7 5 <strong>do</strong><br />

Capítulo <strong>do</strong>s Direitos Sociais prevê o adicional de remuneração para<br />

as atividades "penosas", perigosas e insalubres, porém, até o momento<br />

não há uma lei que regulamente esse direito, não haven<strong>do</strong>, qualquer<br />

menção sobre o conceito em questão.<br />

Apesar de figurar juridicamente não existe, nesses textos<br />

legais, uma conceituação de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". O que existe são<br />

proposições através de projetos de lei; como mostra um levantamento<br />

realiza<strong>do</strong> por SATO (1991). Nele é identificada a existência de uma<br />

série de projetos de leis envia<strong>do</strong>s ao Congresso Nacional sobre o<br />

"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>", quer para efeitos de concessão de aposenta<strong>do</strong>ria<br />

especial, quer visan<strong>do</strong> regulamentar o direito ao adicional de<br />

remuneração. Apenas três, de um total de 46 projetos, propõem uma<br />

definição de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>".<br />

O primeiro projeto de lei propõe: "Serão consideradas<br />

atividades penosas aquelas que, por sua natureza, condições e méto<strong>do</strong>s<br />

de <strong>trabalho</strong>, exijam <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s esforço e condicionamento físicos,<br />

concentração excessiva, atenção permanente, isolamento e<br />

imutabilidade da tarefa desempenhada em níveis acima <strong>do</strong>s limites de<br />

tolerância fixa<strong>do</strong>s em razão da natureza e da intensidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />

a que estão submeti<strong>do</strong>s" (P.L. n a 1019/88, deputa<strong>do</strong> Paulo Paim). Esse<br />

projeto de lei associa o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" a esforço físico, esforço<br />

mental e a situações de <strong>trabalho</strong> que levem ao isolamento e<br />

imutabilidade da tarefa. Aponta ainda para a existência de um limite<br />

de tolerância, ou seja, um nível acima <strong>do</strong> qual as condições de <strong>trabalho</strong><br />

que exijam tais esforços, sejam consideradas "penosas".<br />

O segun<strong>do</strong> projeto de lei propõe a seguinte redação:<br />

"atividade penosa é aquela que, em razão de sua natureza ou da<br />

intensidade com que é exercida, exige <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> esforço fatigante,<br />

capaz de diminuir-lhe significantemente a resistência física ou a<br />

produção intelectual"( P.L. n a 1808/1989, deputa<strong>do</strong> Paes Landim).


HQ. Ü<br />

Nessa proposição também fica evidente a associação da penosidade a<br />

esforço físico ou mental, emergin<strong>do</strong> outro componente: a fadiga.<br />

Para o projeto de lei proposto pelo deputa<strong>do</strong> Daso Coimbra<br />

(P.L n s 2168/1989) as atividades são "penosas quan<strong>do</strong> demandem<br />

esforço físico fatigante ou superior ao normal, exijam uma atenção<br />

contínua e permanente ou resultem em desgaste mental ou stress". À<br />

semelhança <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is outros, esse projeto de lei também associa a<br />

penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> a esforço físico e mental, geran<strong>do</strong> fadiga física<br />

ou desgaste mental.<br />

Os outros projetos de lei arrolam situações de <strong>trabalho</strong><br />

cujas exigências e repercussões à saúde coincidem com as proposições<br />

acima.<br />

Ainda no âmbito da legislação, verificou-se que na<br />

Espanha, desde 1957 é contemplada, para fins de prevenção, a<br />

identificação de atividades "penosas". Essa identificação, à semelhança<br />

da legislação brasileira de aposenta<strong>do</strong>ria especial por insalubridade<br />

e/ou periculosidade, é realizada mediante quadros onde, ao la<strong>do</strong> das<br />

atividades, operações e agentes nocivos, estão arrola<strong>do</strong>s os tipos de<br />

risco e suas conseqüências para a saúde. O "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" é<br />

identifica<strong>do</strong> como aquele que demanda esforço físico, tais como os<br />

<strong>trabalho</strong>s em escavação, cortes de tronco, forja de metais com martelo,<br />

dentre outros.<br />

O que se apreende através de <strong>do</strong>cumentos legais é a<br />

tendência generalizada em não conceituar o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>",<br />

caben<strong>do</strong> essa tentativa a alguns projetos de lei, até o momento não<br />

aprova<strong>do</strong>s, os quais associam essa categoria de <strong>trabalho</strong> a esforço físico<br />

ou mental. O esforço mental aproxima-se <strong>do</strong> esforço cognitivo,<br />

haven<strong>do</strong> apenas um deles, de n 2 2168/1989 que, através da palavra<br />

stress, aponta para a existência de repercussões emocionais. Além<br />

disso, as repercussões para a saúde englobam a fadiga física e o desgaste<br />

mental. Tanto o esforço como a fadiga e o desgaste mental apenas<br />

caracterizarão o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> estes forem acima de um<br />

nível supostamente tolerável.


A Penosidade na Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r<br />

Pág. 7<br />

Passan<strong>do</strong> agora para as contribuições da literatura em<br />

Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r, também identificamos a inexistência de um<br />

conceito claro sobre "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". O que existe é a adjetivação de<br />

condições de <strong>trabalho</strong> como "penosas", mediante basicamente quatro<br />

abordagens distintas. A primeira relaciona as condições "penosas" de<br />

<strong>trabalho</strong> à determinações macro-sociais; a segunda associa o "<strong>trabalho</strong><br />

<strong>penoso</strong>" a esforços físicos ; a terceira <strong>abordagem</strong> o relaciona a<br />

sofrimento mental e a última a esforço e exigências físicas e psíquicas.<br />

São exemplos da primeira <strong>abordagem</strong> estu<strong>do</strong> da<br />

Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalho (1986), que relaciona a<br />

penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> às conseqüências geradas pelo desemprego, e<br />

DESOILLE (1974) que identifica na introdução de novas tecnologias<br />

a possibilidade de diminuição ou de extinção de "<strong>trabalho</strong>s <strong>penoso</strong>s",<br />

embora esses não sejam melhor detalha<strong>do</strong>s.<br />

A grande quantidade de contribuições em pesquisas sobre<br />

"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" concentra-se na área da Fisiologia <strong>do</strong> Trabalho e da<br />

Ergonomia. Para esses estu<strong>do</strong>s, a penosidade está associada, em sua<br />

grande parte, à atividades profissionais que exijam esforço físico, ten<strong>do</strong><br />

como técnicas de avaliação as medidas de freqüência cardíaca,<br />

consumo de oxigênio, gasto de energia, gasto calórico associadas a<br />

fadiga física (2). A título de exemplo desses estu<strong>do</strong>s, engloba<strong>do</strong>s na<br />

segunda <strong>abordagem</strong>, citemos os de ANDERSON(1986.),<br />

ASTRAND(1988), KOSKELA e cols.(1983), UNDEUTSCH e<br />

GAERTNER(1982), haven<strong>do</strong> muitos outros que, por empregarem a<br />

mesma <strong>abordagem</strong>, consideramos desnecessário referi-los<br />

exaustivamente.<br />

2.- o levantamento bibliográfico que permitiu identificar essa tendência foi realiza<strong>do</strong> a partir<br />

das bases de da<strong>do</strong>s CISDOC, NIOSHTIC e HSELINE, a partir das palavras-chaves "hcavy<br />

work", "difficult work" c "slrcnuous work".


Pág. 8<br />

A terceira <strong>abordagem</strong> conta como exemplos com os<br />

estu<strong>do</strong>s de COOPER e SUTHERLAND(1987) e de<br />

DEJOURS(1980). A contribuição de COOPER e SUTHERLAND<br />

(1987), classificada em uma das bases de da<strong>do</strong>s sob a palavra-chave<br />

"heavy work", aborda a saúde mental em trabalha<strong>do</strong>res da indústria de<br />

extração de óleo e gás na plataforma, cuja atividade é reconhecida<br />

como perigosa, árdua e socialmente isolada. Os autores relacionam<br />

esta condição laborai com alto nível de stress, manifesta<strong>do</strong>s através da<br />

insatisfação no <strong>trabalho</strong> e bem estar mental reduzi<strong>do</strong>, o que conduz à<br />

maior vulnerabilidade para a ocorrência de acidentes de <strong>trabalho</strong>.<br />

j<br />

DEJOURS(1980), concentran<strong>do</strong>-se sobre o estu<strong>do</strong> da<br />

psicopatologia <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, a<strong>do</strong>ta como objeto privilegia<strong>do</strong> as<br />

repercussões para a vida psíquica relacionadas à organização <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong>. Utilizan<strong>do</strong> a psicanálise como base teórica, o autor evidencia<br />

que os trabalha<strong>do</strong>res, para enfrentarem o sofrimento psíquico advin<strong>do</strong><br />

da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, constróem defesas coletivas que,<br />

funcionan<strong>do</strong> como mecanismo adaptativo, lhes possibilitam continuar<br />

trabalhan<strong>do</strong>. Tais defesas podem adquirir o caráter de ideologia,<br />

quan<strong>do</strong> conjugam uma série de valores para coletivos específicos de<br />

trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Em sua obra DEJOURS(1980) utiliza-se <strong>do</strong> adjetivo<br />

"<strong>penoso</strong>" em pelo menos <strong>do</strong>is momentos de sua reflexão. No primeiro<br />

ao situar a questão da adaptação a uma tarefa repetitiva e nova,<br />

acrescentan<strong>do</strong> que nada é mais "<strong>penoso</strong>" para o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que<br />

vivenciar esta fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Neste contexto, o autor parece<br />

utilizar-se <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>", para qualificar o esforço e o sofrimento<br />

psíquico, a partir <strong>do</strong> qual se coloca a necessidade de manter as defesas<br />

coletivas, inclusive durante o tempo fora <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

Num outro momento o autor aponta para a limitação das<br />

defesas coletivas erigidas pelos trabalha<strong>do</strong>res para enfrentarem o<br />

sofrimento mental advin<strong>do</strong> da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, afirman<strong>do</strong> que<br />

as defesas contra os efeitos "<strong>penoso</strong>s" da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> são<br />

dinamizadas sobretu<strong>do</strong> individualmente.


Pág. 9<br />

Vale ressaltar três aspectos quanto à <strong>abordagem</strong> desse<br />

autor em relação à utilização <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>". O primeiro<br />

refere-se à delimitação da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> como foco<br />

privilegia<strong>do</strong> de análise das condições de <strong>trabalho</strong>. O segun<strong>do</strong> diz<br />

respeito ao objeto de estu<strong>do</strong> - sofrimento psíquico - mais<br />

especificamente as estratégias psicológicas de defesa coletivamente<br />

a<strong>do</strong>tadas pelos trabalha<strong>do</strong>res. Em terceiro lugar o autor qualifica como<br />

"<strong>penoso</strong>s" os efeitos psicológicos e não o <strong>trabalho</strong>, ou melhor, a<br />

organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Mais precisamente, DEJOURS refere-se a<br />

efeitos "<strong>penoso</strong>s" da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e não a efeitos da<br />

organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> "penosa" para a saúde mental.<br />

É compreensível que ele não se refira a condições de<br />

<strong>trabalho</strong> "penosas" pois está preocupa<strong>do</strong> em investigar a vivência <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r e não em analisar a condição de <strong>trabalho</strong>, embora dela se<br />

utilize para subsidiar a investigação da vivência <strong>do</strong> coletivo de<br />

trabalha<strong>do</strong>res. Nessa perspectiva a qualidade "penosa" é identificada<br />

na vivência psicológica <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e não na organização <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong>.<br />

A última <strong>abordagem</strong>, a qual entende o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />

como aquele que demanda esforço físico e psíquico, é representada<br />

pelo <strong>trabalho</strong> de DESSORS(1985), quan<strong>do</strong> emprega o adjetivo<br />

"<strong>penoso</strong>" para referir-se às exigências físicas e psíquicas <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e<br />

de SELIGMANN SILVA(1986), reportan<strong>do</strong>-se a estu<strong>do</strong> de MARTINS<br />

RODRIGUES(1978) quan<strong>do</strong> relaciona "importantes repercussões a<br />

nível da fadiga e sofrimento psíquico"(p.88) a "condições laborais<br />

extremamente penosas."(p. 88).<br />

No âmbito da saúde mental e <strong>trabalho</strong>, é o mesmo estu<strong>do</strong><br />

de SELIGMANN SILVA(1986) quem nos confirma a inexistência da<br />

a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" como conceito. Nele a autora faz<br />

um apanha<strong>do</strong> <strong>do</strong>s conceitos mais utiliza<strong>do</strong>s por diversas abordagens -<br />

Ergonomia, Psicopatologia <strong>do</strong> Trabalho, Psicofísiologia <strong>do</strong> Trabalho,<br />

Epidemiologia Social, Psicologia e Sociologia. O "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" não<br />

é arrola<strong>do</strong> como um deles.


Pág. 10<br />

To<strong>do</strong>s estes <strong>trabalho</strong>s tem em comum o fato de não<br />

elegerem à categoria de conceito a expressão "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Além<br />

disso, na medida em que a palavra "<strong>penoso</strong>" é empregada como<br />

adjetivo, é natural que não exista precisão quan<strong>do</strong> de sua utilização.<br />

 Penosidade no significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Trabalho<br />

Em função da variedade de significa<strong>do</strong>s e contextos com<br />

que o adjetivo "<strong>penoso</strong>" é emprega<strong>do</strong>, e devi<strong>do</strong> à falta de precisão <strong>do</strong><br />

mesmo na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, consideramos importante<br />

identificar a relação da penosidade com o <strong>trabalho</strong>, através <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> lingüístico da palavra "<strong>penoso</strong>" bem como sua relação com<br />

o substantivo "<strong>trabalho</strong>".<br />

"Penoso", enquanto símbolo lingüístico, é um adjetivo que<br />

imputa a algo a causa de pena, sofrimento, incômo<strong>do</strong> e <strong>do</strong>r e lhe<br />

confere o caráter de dificuldade e complicação. "Penoso" é aquilo que<br />

causa impressão desagradável, que aflige, que atormenta. Aquilo que<br />

é "<strong>penoso</strong>" implica em contenção e repressão. Pena é castigo, punição,<br />

padecimento, aflição.<br />

Na língua Inglesa e Francesa o adjetivo "<strong>penoso</strong>" - lâborious<br />

e laborieux - e o substantivo Trabalho - labour e labeur, compartilham<br />

da raiz latina" labore", cujo significa<strong>do</strong> é "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>", fadiga ou<br />

ainda simplesmente <strong>trabalho</strong>.<br />

GOGUELIN (1980) acompanha a evolução histórica <strong>do</strong><br />

substantivo "<strong>trabalho</strong>" e verifica que sua origem latina "tripalium "<br />

está relacionada a castigo, pois designava um instrumento de suplício<br />

aplica<strong>do</strong> aos escravos que se recusassem a trabalhar. Modifica<strong>do</strong>, mas


Pág. 11<br />

ainda em latim, "tripaliare " significava torturar os escravos para que<br />

trabalhassem. Na Idade Média, em Francês, " travail " nomeava o<br />

aparelho utiliza<strong>do</strong> para conter os animais enquanto operavam.<br />

MORAES FILHO (1986) reconstitui a história da palavra<br />

"<strong>trabalho</strong>" copilan<strong>do</strong> contribuições de vários outros autores e constata<br />

a existência de entendimentos distintos quanto à sua origem, mas<br />

encontra como denomina<strong>do</strong>r comum a conclusão de que ela está<br />

envolta com a idéia de castigo, pena, tarefa "penosa", fadiga e esforço,<br />

sen<strong>do</strong>, ainda nos dias de hoje o <strong>trabalho</strong> caracteriza<strong>do</strong> pela noção de<br />

esforço "<strong>penoso</strong>". Porém, como acrescenta ainda a reflexão desse autor,<br />

além da noção de esforço, o <strong>trabalho</strong> tem ainda o caráter de obrigação,<br />

e encontra-se contextualiza<strong>do</strong> por sua finalidade econômica.<br />

Esse autor discute ainda a tarefa que algumas ciências e<br />

a filosofia tem procura<strong>do</strong> cumprir:" o de diminuir o máximo possível<br />

a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, tornan<strong>do</strong>-o uma atividade espontânea,<br />

alegre e feliz."(p. 129).<br />

FERREIRA (Ia. edição, 4a. impressão), ao buscar<br />

sinônimos para a palavra Trabalho, refere-se ao Mito de Sísifo:" Segun<strong>do</strong><br />

a lenda grega, Sísifo, rei de Corinto, ten<strong>do</strong> escapa<strong>do</strong><br />

astuciosamente a Tânatos, o deus da morte, envia<strong>do</strong> por Zeus para<br />

castigá-lo, foi leva<strong>do</strong> por Hermes ao Inferno, onde o condenaram ao<br />

suplício de rolar uma rocha até o cimo de um monte, <strong>do</strong>nde ela se<br />

despencava, deven<strong>do</strong> o condena<strong>do</strong> recomeçar incessantemente o<br />

<strong>trabalho</strong>" (p.1404). O mito revela que aquele que escapa da morte é<br />

condena<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong> força<strong>do</strong> como castigo, como pena.<br />

CAMUS (s.d.) objetivan<strong>do</strong> refletir sobre o absur<strong>do</strong><br />

reporta-se ao mito de Sísifo e atribui sabe<strong>do</strong>ria aos deuses por<br />

a<strong>do</strong>tarem como o" castigo mais terrível" (p.107) o <strong>trabalho</strong> inútil e sem<br />

esperança. O filósofo conclui que o mito só é trágico porque Sísifo tem<br />

consciência de sua condição, de que seu <strong>trabalho</strong> é inútil e de que não<br />

terá fim. " Onde estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a<br />

esperança de conseguir o ajudasse ? " (p.149). E transporta para o<br />

trabalha<strong>do</strong>r de hoje a mesma condição <strong>do</strong> mito:" O operário de hoje


Pág. 12<br />

trabalha to<strong>do</strong>s os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino<br />

não é menos absur<strong>do</strong>. Mas só é trágico nos raros momentos em que<br />

ele se torna consciente" (p.149). Porém, CAMUS vislumbra momentos<br />

de alegria vivi<strong>do</strong>s por Sísifo nesse trágico castigo que lhe foi imputa<strong>do</strong>.<br />

NOSELLA(1987) analisa as várias visões sobre o <strong>trabalho</strong><br />

e sua relação com a ideologia vigente a cada momento histórico<br />

analisa<strong>do</strong>. Para algumas visões o <strong>trabalho</strong> é castigo, para outras o<br />

<strong>trabalho</strong> está intrinsecamente liga<strong>do</strong> à estruturação <strong>do</strong> homem,<br />

poden<strong>do</strong> ser positivo e saudável. FOUCAULT(1978) identifica que o<br />

<strong>trabalho</strong> tem um significa<strong>do</strong> moral, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> como um<br />

remédio para a loucura. Segun<strong>do</strong> WISNER (1987) "O <strong>trabalho</strong> está<br />

envolto com a noção geral de pena, de sofrimento (Bíblia). O que não<br />

é <strong>penoso</strong> não é <strong>trabalho</strong>, aos olhos de alguns" (p.ll).<br />

Em síntese, temos através da análise lingüística que a<br />

palavra "<strong>trabalho</strong>" está intimamente vinculada à palavra "<strong>penoso</strong>".<br />

Além disso temos, através da contribuição histórica, uma vertente que<br />

reforça essa visão e outra que busca o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> substantivo<br />

"<strong>trabalho</strong>" mediante a análise da correlação de forças políticas, as idéias<br />

e interesses vigentes em diferentes momentos históricos,<br />

desvinculan<strong>do</strong> o íntimo parentesco entre o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> substantivo<br />

"<strong>trabalho</strong>" e o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>".<br />

Se a<strong>do</strong>tarmos a primeira dessas vertentes admitiremos<br />

também que to<strong>do</strong>s os <strong>trabalho</strong>s são "<strong>penoso</strong>s" es consequentemente,<br />

que o "<strong>trabalho</strong>" confortável ou prazeroso não existe. Mas essa<br />

concepção é contraditória com a própria existência e utilização da<br />

expressão "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" e pudemos demonstrar que, embora não<br />

se tenha um conceito claro, legisla<strong>do</strong>res, líderes sindicais e estudiosos<br />

da área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, a utilizam.<br />

Pelo que vimos discutin<strong>do</strong> até o momento, compreende-se<br />

que o <strong>trabalho</strong> em si implica em esforço, no entanto, quan<strong>do</strong><br />

qualifica<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>", quer-se dizer que além <strong>do</strong> esforço<br />

característico <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> há um "a mais" que o transforma em castigo,


Pág. 13<br />

punição, desconforto e sofrimento. Parece, portanto, que o "<strong>trabalho</strong><br />

<strong>penoso</strong>" comporta uma dimensão quantitativa - a mais - e outra<br />

qualitativa, da<strong>do</strong> que a característica <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é transformada.<br />

Retornemos então ao que diz Deyl Ozório de OLIVEIRA<br />

(1971), o representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos<br />

Ro<strong>do</strong>viários e Anexos de Nova Iguaçu, para quem o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />

diz respeito ao " <strong>trabalho</strong> desumano, força<strong>do</strong> " (p. 314). Além disso,<br />

ele arrola uma série de elementos da condição de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />

motorista, que nos parece traduzir a concepção de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>":<br />

" Não só para os técnicos em medicina <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, como também para<br />

os leigos atentos ao desenvolvimento social, evidencia-se sem grande<br />

esforço de observação, que os motoristas profissionais, pelas<br />

peculiaridades de sua atividade profissional, desenvolvem intensa<br />

atividade física e mental, simultâneas, não só pela realização <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong> em si como também, ante a complexidade <strong>do</strong> tráfego<br />

ro<strong>do</strong>viário urbano e de estradas, que os submetem a uma permanente<br />

concentração <strong>do</strong> sistema nervoso, à fixação da atenção, à<br />

responsabilidade pelas vidas e pelo patrimônio sob sua guarda,<br />

cotidianamente.<br />

" O sistema nervoso <strong>do</strong>s profissionais <strong>do</strong> volante está sujeito<br />

a pressões simultâneas e várias, das quais estão isentos os outros<br />

trabalha<strong>do</strong>res. O eleva<strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s veículos, as vidas sob sua<br />

responsabilidade, a vida <strong>do</strong>s pedestres afoitos, a sinalização muitas<br />

vezes defeituosa, o excesso de ruí<strong>do</strong>s, muito acima da taxa de decibéis<br />

além <strong>do</strong> suportável pelo organismo humano, o calor que se desprende<br />

<strong>do</strong> motor, o ar vicia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s coletivos, a fumaça <strong>do</strong>s canos de<br />

escapamento, a conformação anti-anatômica das poltronas <strong>do</strong>s<br />

motoristas, são entre outros, fatores de cansaço e fadiga"(p. 312).<br />

Depreendemos que para ele o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" &stà<br />

relaciona<strong>do</strong> a um conjunto de fatores constitutivos da condição de<br />

<strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista profissional, engloban<strong>do</strong> desde a presença de<br />

agentes de natureza física como ruí<strong>do</strong> e calor; química, como a fumaça<br />

<strong>do</strong> escapamento; de adequação <strong>do</strong> equipamento como as poltronas; as<br />

condições das estradas e vias; a responsabilidade com o carro, com os


Pág. 14<br />

passageiros e pedestres; o tráfego, dentre outros. Não é possível<br />

identificar e eleger um agente específico da condição de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />

motorista profissional, capaz de sintetizar a noção de "<strong>trabalho</strong><br />

<strong>penoso</strong>". Além disso está relaciona<strong>do</strong> com o desgaste físico e mental,<br />

desencadean<strong>do</strong> o cansaço e a fadiga.<br />

Esta condição de <strong>trabalho</strong> é por ele relacionada às<br />

ocorrências de acidentes de trânsito, dada a fadiga que ela engendra<br />

"ocasionan<strong>do</strong> o retardamento <strong>do</strong> reflexo, a redução da acuidade<br />

sensorial, diminuin<strong>do</strong> a produtividade no <strong>trabalho</strong> e conduz à<br />

subestimação <strong>do</strong> perigo." (OLIVEIRA, 1971, p. 314).<br />

Subjacente à reivindicação de Deyl Ozório de<br />

OLIVEIRA(1971) está a noção de que o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" provoca<br />

sensações de desgaste, enquanto desconforto, incômo<strong>do</strong>, pressão e<br />

sofrimento que atingem simultaneamente a dimensão física e<br />

psicológica <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e estes sentimentos têm sua causa imputada<br />

à condição de <strong>trabalho</strong> como um to<strong>do</strong>. Tal concepção parece<br />

aproximar-se mais da <strong>abordagem</strong> de DESSORS(1985) e<br />

SELIGMANN SILVA (1986) discutida anteriormente e afastar-se<br />

daquelas concepções que relacionam este conceito exclusivamente a<br />

esforço físico ou exclusivamente a esforço e sofrimento mental.<br />

Distancia-se também, daquelas abordagens onde elegem-se apenas<br />

elementos isola<strong>do</strong>s e específicos da condição de <strong>trabalho</strong> pois solicita<br />

que seja analisada como um to<strong>do</strong> para a apreensão de sua dimensão<br />

"penosa".<br />

Objetivo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />

Constatamos que nem sempre se observa coincidência no<br />

significa<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> ao termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" pelos representantes<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, pelos estudiosos em saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e<br />

legisla<strong>do</strong>res. Identificamos também que essa expressão tem si<strong>do</strong><br />

empregada com pouca precisão na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.


Pág. 16<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> na legislação para compreender a relação saúde e <strong>trabalho</strong>,<br />

também se mostrará limita<strong>do</strong> para estudar a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

É bem possível que justamente porque a "penosidade" <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong> envolve a dimensão subjetiva, por remeter ao sofrimento, que<br />

ela não tenha si<strong>do</strong> definida legalmente para fins de prevenção, como<br />

ocorre com a insalubridade e com a periculosidade. Isto porque seu<br />

estu<strong>do</strong> e caracterização legal demandaria a incorporação de outros<br />

aportes teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos. Na legislação de prevenção uma das<br />

normas intitulada Ergonomia (N.R. 17) regulamenta condições que<br />

demandam esforço físico, como carregamento de peso, posturas e<br />

ritmo de <strong>trabalho</strong>. Essa norma parece ter como subsídio os estu<strong>do</strong>s<br />

classifica<strong>do</strong>s sob a palavra-chave "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" nas bases de da<strong>do</strong>s<br />

consultadas, que restringem o caráter "<strong>penoso</strong>" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> ao esforço<br />

físico estuda<strong>do</strong>s através de méto<strong>do</strong>s de avaliação objetiva e quantitativa<br />

de esforço. Estes são os <strong>trabalho</strong>s da Fisiologia <strong>do</strong> Trabalho e da<br />

Ergonomia que, frize-se, contribuem com a maior quantidade de<br />

estu<strong>do</strong>s empíricos. Apesar de haver uma tendência em, ao legislar, de<br />

restringir-se à dimensão objetiva, perguntamos se é possível delimitar<br />

o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" prescindin<strong>do</strong> da dimensão subjetiva?


Capítulo II<br />

Âs Representações<br />

Sociais como<br />

Teoria <strong>do</strong><br />

Conhecimento<br />

Prático<br />

<strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r


Pág. 18<br />

Importante proposta meto<strong>do</strong>lógica de avaliação das<br />

condições de <strong>trabalho</strong> e de saúde é aquela desenvolvida pelo<br />

movimento sindical italiano, denominada de "Modelo Operário". Essa<br />

proposta foi gerada como uma das práticas <strong>do</strong> movimento sindical<br />

italiano quan<strong>do</strong>, no finai da década de 60 e mea<strong>do</strong>s da década de 70,<br />

ele desenvolvia intensa luta pela melhoria das condições de <strong>trabalho</strong> e<br />

de saúde.<br />

O "Modelo Operário" é uma meto<strong>do</strong>logia que está voltada<br />

prioritariamente à identificação de questões que norteassem as<br />

reivindicações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Sua principal característica é<br />

marcada pela a<strong>do</strong>ção de uma nova ótica no processo de investigação<br />

da relação saúde e <strong>trabalho</strong>. Essa nova ótica pressupõe que o<br />

trabalha<strong>do</strong>r tem um saber e que é a partir dele que o processo de<br />

avaliação das condições de <strong>trabalho</strong> deve partir. Por este motivo o<br />

"Modelo Operário" tem si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> como referência em vários outros<br />

países, inclusive no Brasil.<br />

Os princípios nortea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> "Modelo Operário" são: não<br />

delegação, experiência ou subjetividade operária, grupo homogêneo e<br />

validação consensual.


Pág. 19<br />

Dentro desses princípios "o processo parte da observação<br />

espontânea realizada pelos operários com respeito a suas condições de<br />

<strong>trabalho</strong> e que existe uma experiência acumulada primária depositada<br />

no grupo"(LAURELL, 1984, p. 68). Trabalha-se com grupos<br />

homogêneos para garantir que emerjam os conteú<strong>do</strong>s da experiência<br />

coletiva e não apenas individual. "O grupo operário homogêneo é<br />

caracteriza<strong>do</strong> por uma mesma situação geográfica dentro <strong>do</strong> local de<br />

<strong>trabalho</strong>, uma mesma posição na organização taylorista de <strong>trabalho</strong> e<br />

exposição aos mesmos fatores de risco. Ele é a unidade mínima <strong>do</strong><br />

coletivo de trabalha<strong>do</strong>res "(MALLET, 1988, p. 59). No entanto, esses<br />

critérios de homogeneidade <strong>do</strong> grupo mereceram questionamentos<br />

por parte de BERLINGUER e BIOCCA(1987) e MALLET(1988),<br />

pois neles não são considera<strong>do</strong>s fatores relativos a tempo e tipo de<br />

experiência, exposição e responsabilidades no <strong>trabalho</strong> e, tampouco,<br />

aqueles fatores externos como mobilidade, educação e condições de<br />

vida.<br />

Após o levantamento de da<strong>do</strong>s através <strong>do</strong> grupo<br />

homogêneo, procede-se à sua categorização em quatro grupos de<br />

risco. "O primeiro grupo compreende os fatores presentes também no<br />

ambiente em que os homem vive fora <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> (nos locais de<br />

habitação): luz, barulho, temperatura, ventilação e<br />

umidade."(ODDONE e cols., 1986, p. 21); "O segun<strong>do</strong> grupo<br />

compreende os fatores característicos <strong>do</strong> ambiente de <strong>trabalho</strong>:<br />

poeiras, gases, vapores e fumaças. Por exemplo: poeira de sílica, de<br />

amianto, vapores de benzeno, gás de sulfeto de carbono."(ODDONE<br />

e cols., 1986, p. 22); o terceiro grupo refere-se ao <strong>trabalho</strong> físico e por<br />

fim, "O quarto grupo de fatores nocivos compreende cada condição de<br />

<strong>trabalho</strong>, além <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> físico, capaz de provocar stress, por<br />

exemplo: monotonia, ritmos excessivos, ocupação <strong>do</strong> tempo,<br />

repetitividade, ansiedade, responsabilidade, posições incômodas,<br />

etc."(ODDONE e cols., 1986, p. 24).<br />

Posteriormente essas informações são analisadas por<br />

técnicos mediante medições e da<strong>do</strong>s bio-estatísticos, buscan<strong>do</strong><br />

quantificá-los. Realiza-se, ainda, a representação gráfica <strong>do</strong>s riscos e,


Pág. 20<br />

por fim, avalidação consensual, feita pelo grupo de trabalha<strong>do</strong>res, pois<br />

objetiva-se, desta forma, evitar as tendências individuais.<br />

Os questionamentos aponta<strong>do</strong>s à proposta <strong>do</strong> Modelo<br />

Operário por BERLINGUER e BIOCCA (1987), LAURELL (1984)<br />

e MALLET(1988), embora não expressem diretamente, estão<br />

buscan<strong>do</strong> respostas para a natureza da experiência-subjetividade<br />

operária, quanto à relação indivíduo-grupo e quanto à sua lógica.<br />

Identifica-se que "a concepção que se perfila mais claramente nos<br />

textos é a subjetividade-experiência operária, como conhecimento<br />

latente acumula<strong>do</strong>, resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> viver e atuar numa determinada<br />

realidade, cujo porta<strong>do</strong>r é o grupo homogêneo, ou seja, a coletividade<br />

que compartilha dessa realidade"(LAURELL e NORIEGA, 1989,<br />

p. 88). Porém, não há uma discussão pormenorizada sobre a natureza<br />

da experiência-subjetividade operária, sobre a sua construção, nem<br />

sequer sobre sua relação com as condições objetivas de <strong>trabalho</strong>.<br />

Outra contribuição que incorpora o saber <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res é a de GRIMBER(1988) quan<strong>do</strong> investiga a construção<br />

social <strong>do</strong>s processos de saúde e <strong>do</strong>ença nos trabalha<strong>do</strong>res gráficos. Para<br />

a autora, "os processos de saúde-<strong>do</strong>ença são objeto de uma construção<br />

social que se expressa em mo<strong>do</strong>s de perceber, categorizar e significar<br />

a saúde e a enfermidade e em uma série de práticas em torno das<br />

mesmas. E por sua vez, esta construção implica sobretu<strong>do</strong> uma<br />

articulação de mo<strong>do</strong>s de representar o <strong>trabalho</strong>, isto é, esta construção<br />

supõe determina<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de relacionar o <strong>trabalho</strong> e a saúde-<strong>do</strong>ença.<br />

"Isto conduz a propor que estes saberes e práticas não foram<br />

gera<strong>do</strong>s só por especialistas (médicos e técnicos), nem são atributos<br />

exclusivos deles. Pelo contrário, os trabalha<strong>do</strong>res foram e são sujeitos<br />

ativos nesta construção."(p.03). No entanto, embora conceba a<br />

participação ativa <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res neste processo de construção,<br />

parte também <strong>do</strong> pressuposto de que ele é o resulta<strong>do</strong> de relações de<br />

hegemonia na sociedade, onde o saber e a prática médica jogam papel<br />

importante nessa articulação.


Pág. 21<br />

A autora avança na discussão sobre as representações que<br />

os trabalha<strong>do</strong>res têm sobre a relação <strong>trabalho</strong> e saúde acrescentan<strong>do</strong> :<br />

"... o conjunto de representações com respeito à relação <strong>trabalho</strong>-saúde<br />

conforma um saber que não se reduz ou se esgota nos aspectos comuns<br />

às categorias médicas, tampouco nos parece que pode ser pensa<strong>do</strong> em<br />

termos de limitação ou de versão empobrecida <strong>do</strong> saber médico - ainda<br />

quan<strong>do</strong> efetivamente nos casos individuais este saber possa a<strong>do</strong>tar essa<br />

forma"(p. 10). Ou seja, as representações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res seguem<br />

uma lógica própria, diferencian<strong>do</strong>-se daquelas a<strong>do</strong>tadas pelas ciências<br />

atinentes à saúde e <strong>trabalho</strong>.<br />

Outro relato de pesquisa na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r<br />

parte <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r para estudar a representação<br />

<strong>do</strong> risco entre operários. Nele HARRISON(1988) não aprofunda a<br />

noção de representação empregada, mas entende que, "o risco é uma<br />

noção onde a representação depende tanto <strong>do</strong> contexto social onde ela<br />

se constrói como da natureza <strong>do</strong> risco propriamente"(p. 78). Nessa<br />

<strong>abordagem</strong> não é considerada a dimensão subjetiva, que, no caso <strong>do</strong><br />

Modelo Operário, merece atenção e cuida<strong>do</strong>s especias a fim de evitar<br />

que as particularidades individuais sejam relevadas.<br />

Embora essas abordagens utilizem-se de noções como<br />

"subjetividade-experiência operária", "construção social" e<br />

"representações", identifica-se que, da<strong>do</strong> o não aprofundamento<br />

teórico sobre elas, não se pode delimitar claramente a concepção de<br />

cada uma e, embora identifiquemos pontos divergentes entre elas,<br />

mostram-se como noções que partem de uma nova ótica, a <strong>do</strong> saber<br />

<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.<br />

Como estudamos o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" através da<br />

perspectiva <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r cabe-nos expor a<br />

concepção que a<strong>do</strong>tamos nesta investigação, a fim de que possamos<br />

respeitar a sua lógica.<br />

A primeira questão a ser debatida refere-se à natureza<br />

desse conhecimento, especialmente quanto à relação que mantém com


Pág. 22<br />

a realidade objetiva e a realidade subjetiva. Com relação a esse aspecto<br />

há entendimentos distintos. Uma das abordagens existentes filia-se à<br />

tradição behaviorista, para a qual o mun<strong>do</strong> real está da<strong>do</strong>, de certa<br />

forma é natural e o conhecimento consiste em apreendê-lo tal qual ele<br />

é (BRUNER.1988). De outro la<strong>do</strong>, numa concepção idealista, o<br />

conhecimento é um ato de imaginação, essencialmente de natureza<br />

subjetiva, desvincula<strong>do</strong>, portanto, da realidade objetiva. Subjacente a<br />

essas duas abordagens há o pressuposto de que o mun<strong>do</strong> objetivo e o<br />

mun<strong>do</strong> subjetivo estão dicotomiza<strong>do</strong>s.<br />

Uma terceira vertente, à qual nos filiamos, entende que o<br />

mun<strong>do</strong> objetivo e o mun<strong>do</strong> subjetivo estão intimamente e<br />

dinamicamente articula<strong>do</strong>s. Nessa articulação, a realidade da vida<br />

cotidiana é construída coletivamente, a qual, por sua vez, produz o<br />

homem. Nesse senti<strong>do</strong> não se concebe uma natureza humana<br />

biológica, mas, ao contrário, é concebida como dinamicamente<br />

construída no mun<strong>do</strong> social, onde "o processo de tornar-se homem se<br />

efetua na correlação com o ambiente" (BERGER e LUCKMANN,<br />

1987, p. 71).<br />

Nessa concepção, a realidade da vida cotidiana é, para o<br />

homem comum, <strong>do</strong>tada de senti<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong> assim um mun<strong>do</strong><br />

coerente e ordena<strong>do</strong>. Para ele não há dúvida de que esse senti<strong>do</strong> é<br />

partilha<strong>do</strong> pelos outros homens, sen<strong>do</strong>, portanto, um mun<strong>do</strong><br />

intersubjeíivo. A coerência e o significa<strong>do</strong> desse mun<strong>do</strong> além de<br />

partilha<strong>do</strong> é socialmente construí<strong>do</strong>, caracterizan<strong>do</strong> o conhecimento<br />

<strong>do</strong> senso comum ou o conhecimento prático.<br />

Consonante a essa concepção, a teoria das Representações<br />

Sociais nos fornece elementos para refletir sobre a funcionalidade, a<br />

dinâmica e a estrutura <strong>do</strong> conhecimento prático, o qual engloba a visão<br />

<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r sobre a realidade <strong>do</strong> seu <strong>trabalho</strong>. As representações<br />

sociais são formas de pensamento prático cuja funcionalidade reside<br />

em orientar a comunicação e a prática <strong>do</strong> dia a dia. Elas "dizem respeito<br />

aos conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong> pensamento cotidiano e ao suprimento de idéias que<br />

dá coerência às nossas crenças religiosas, às idéias políticas e às<br />

conexões que criamos tão espontaneamente como respirar. Elas nos


Pág. 24<br />

mostran<strong>do</strong>-nos que temos uma falta e isso pode provocar sentimentos<br />

desagradáveis.<br />

Situadas enquanto fenômeno psícosocial, as<br />

representações sociais também são definidas através <strong>do</strong>s processos que<br />

a engendram, na medida em que visam tornar familiar os fenômenos<br />

estranhos da vida cotidiana e na medida em que a vida cotidiana<br />

apresenta novidades a to<strong>do</strong> momento, as representações sociais são<br />

categorias de conhecimento que estão sempre em construção. Essa<br />

construção envolve <strong>do</strong>is processos: a ancoragem que incorpora<br />

organicamente os elementos estranhos no sistema de pensamento e<br />

de valores pré-existentes, nas representações já construídas ; a<br />

objetivação, processo através <strong>do</strong> qual as representações ganham<br />

autonomia e passam a se incorporar na realidade social, passagem que<br />

identificamos como aquela que está voltada para a construção da<br />

realidade da vida cotidiana.<br />

Além desses <strong>do</strong>is processos, as representações sociais são<br />

definidas por seu conteú<strong>do</strong>, para o qual podem convergir idéias,<br />

imagens, atitudes e opiniões sobre algo. Esse conteú<strong>do</strong> é composto de<br />

dupla face: significa<strong>do</strong> e imagem. Sobretu<strong>do</strong> a face icônica expressa a<br />

criatividade das representações sociais, evidencian<strong>do</strong> mais uma vez<br />

que elas não são mera cópia de um mun<strong>do</strong> objetivo (SPINK, 1989).<br />

Da<strong>do</strong> o seu poder simbólico, elas possibilitam estabelecer a<br />

comunicação sobre coisas ausentes nessa relação. Por este motivo, as<br />

representações tornam a ausência presente e para isso utilizam-se de<br />

veículos para expressá-las e torná-las comuns.<br />

Contan<strong>do</strong> as representações sociais com as características<br />

acima discutidas o seu estu<strong>do</strong> pode ser realiza<strong>do</strong> por várias vertentes,<br />

privilegian<strong>do</strong> uma ou outra característica. JODELET (1984) ressalta<br />

enquanto tendência <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, que tem se utiliza<strong>do</strong> da teoria das<br />

representações sociais, a opção por estudar os seus processos ou os<br />

seus conteú<strong>do</strong>s, mas observa a tendência ao privilegiamento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s processos.


Pág. 25<br />

Nesse estu<strong>do</strong>, abordamos os conteú<strong>do</strong>s das representações<br />

sociais sobre o <strong>trabalho</strong>, enfocan<strong>do</strong> aqueles significa<strong>do</strong>s que remetem<br />

ao seu caráter "<strong>penoso</strong>". Buscamos, em outras palavras, investigar de<br />

que forma aquilo que pode ser chama<strong>do</strong> de "penosidade" Se manifesta<br />

na maneira como os trabalha<strong>do</strong>res constróem o seu mun<strong>do</strong>. Não<br />

queremos saber o que eles pensam sobre a "penosidade", mas se a<br />

"penosidade" existe para eles.<br />

Para operacionalizar o estu<strong>do</strong> foi necessário ainda<br />

delimitar quais os seus canais de expressão. "Sabemos que as<br />

representações sociais correspondem, por um la<strong>do</strong>, à substância<br />

simbólica que entra na elaboração e, por outro à prática que produz a<br />

dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma<br />

prática científica e mítica." (MOSCOVICI, 1978, p. 41). Sen<strong>do</strong> assim,<br />

elas podem a<strong>do</strong>tar várias formas de expressão dentre as quais temos a<br />

linguagem pictórica, verbal, dramatúrgica e escrita e o fazer <strong>do</strong> dia a<br />

dia. A<strong>do</strong>tamos a linguagem verbal e as práticas de <strong>trabalho</strong> (o fazer <strong>do</strong><br />

dia a dia no <strong>trabalho</strong>) como o material para a leitura das<br />

representações sociais.<br />

As práticas de <strong>trabalho</strong> são os fazeres que materializam o<br />

<strong>trabalho</strong>. Elas são aqui entendidas como a expressão de mo<strong>do</strong>s de<br />

representar o <strong>trabalho</strong> e de se relacionar com ele, ou seja, as práticas<br />

estão sustentadas por um conhecimento prévio, haven<strong>do</strong> desta forma,<br />

íntima relação entre o pensar, sentir, conhecer e o fazer. As<br />

representações sociais são "usadas pelos indivíduos para compreender<br />

e agir na sociedade, serve para eles como uma estrutura de referência<br />

para seus pensamentos e decisões, e colore a sua imaginação"<br />

(MOSCOVICI, 1984, p. 952). Por sua vez, as práticas tornam-se parte<br />

da realidade da vida cotidiana, material das representações sociais.<br />

O conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r tem uma natureza<br />

própria de construção, um senti<strong>do</strong> e se expressa de várias formas. Para<br />

entendê-lo, devemos apreender a sua lógica interna, reconhecen<strong>do</strong> e<br />

respeitan<strong>do</strong> suas especificidades. Para MOSCOVICI (1984), "O termo<br />

'representação' deve ser reserva<strong>do</strong> para uma categoria especial de


Pág. 26<br />

conhecimentos e crenças, principalmente aquelas que emergem na<br />

comunicação e cuja estrutura corresponde a esta forma de<br />

comunicação"( p. 952). Assim, eles não incluem as concepções<br />

filosóficas e científicas.


Capítulo III<br />

\***w**#m*^tyí^*it^*tol^'+Aww<br />

üiwwg.iaKiaft. jMLmmiiMBaiM<br />

Méto<strong>do</strong>


Pág. 28<br />

nn<br />

J. en<strong>do</strong> o nosso estu<strong>do</strong> o objetivo de delimitar um conceito,<br />

situa-se dentre aqueles que visam fornecer da<strong>do</strong>s para construir um<br />

objeto de estu<strong>do</strong>, no caso, na área de Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r e em<br />

Psicologia Social. Em função disso situa-se dentre os estu<strong>do</strong>s que<br />

buscam adquirir maior familiaridade, maior discernimento e levantar<br />

questões sobre um determina<strong>do</strong> assunto, Esses aspectos foram<br />

considera<strong>do</strong>s na definição <strong>do</strong> méto<strong>do</strong>.<br />

 base empírica<br />

Para delimitar o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" a partir <strong>do</strong><br />

conhecimento prático <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res sobre o seu <strong>trabalho</strong>,<br />

poderíamos a<strong>do</strong>tar como base empírica trabalha<strong>do</strong>res de qualquer<br />

categoria profissional. Elegemos uma categoria específica porque isso<br />

nos permitiu um maior aprofundamento e, por conseguinte, uma<br />

melhor compreensão da linguagem e <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em si.<br />

Escolhemos os motoristas de ônibus urbano pelo fato de<br />

ter si<strong>do</strong> um representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos e<br />

Anexos quem reivindicou a criação <strong>do</strong> "adicional de penosidade", o que


 trajetória <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo<br />

Pág. 30<br />

O desenho <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo foi traça<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> que<br />

pudéssemos apreender o conhecimento prático <strong>do</strong>s motoristas de<br />

ônibus urbano sobre o seu <strong>trabalho</strong>, necessitan<strong>do</strong>, portanto,<br />

conhecê-los enquanto grupo profissional que tem peculiaridades,<br />

conhecer o <strong>trabalho</strong> em si e a sua linguagem.<br />

1 -A garagem<br />

Iniciamos o <strong>trabalho</strong> de campo na garagem escolhida com<br />

uma breve exposição, aberta aos funcionários que lá trabalhavam,<br />

sobre a pesquisa. Seqüencialmente iniciou-se o perío<strong>do</strong> no qual<br />

conhecemos as instalações físicas da garagem, a divisão <strong>do</strong>s espaços, as<br />

atividades desenvolvidas, os trabalha<strong>do</strong>res e as funções que<br />

desempenham.<br />

Dentro da garagem existe a Reserva.o espaço destina<strong>do</strong><br />

aos opera<strong>do</strong>res (motoristas, cobra<strong>do</strong>res, fiscais). Nesse espaço<br />

concentramos por alguns perío<strong>do</strong>s nossas atenções, conversan<strong>do</strong> com<br />

os opera<strong>do</strong>res e os observan<strong>do</strong> sem um roteiro prévio para tanto, pois<br />

consideramos necessário, nesse primeiro momento, estarmos abertos<br />

para entendermos a própria organização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res.<br />

Esses contatos eram precedi<strong>do</strong>s de explicações sobre a investigação,<br />

bem como <strong>do</strong>s procedimentos de coleta de da<strong>do</strong>s a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s.<br />

Invariavelmente, quan<strong>do</strong> citávamos que após essas conversas e<br />

observações se daria o acompanhamento de uma "linha boa" e de outra<br />

"ruim", os motoristas e cobra<strong>do</strong>res sempre tinham algo a dizer sobre<br />

elas, principalmente sobre aquelas consideradas "ruins". Citar a fase<br />

de acompanhamento das linhas parecia servir de mote para<br />

desencadear a discussão entre eles. Essas discussões eram enriquecidas<br />

com relatos de situações diretamente vivenciadas, observadas e<br />

relatadas por outros companheiros.


Pág. 31<br />

Nesse perío<strong>do</strong> inicial começamos a identificar que os<br />

opera<strong>do</strong>res têm uma linguagem própria e algumas das expressões nos<br />

pareciam comunicar tipos de relacionamento deles com o <strong>trabalho</strong><br />

(com passageiros, tipologias de linhas, condições <strong>do</strong>s carros,<br />

procedimentos disciplinares, dentre outros). Assim, começavam a ser<br />

repetidas com freqüência as expressões "linhapesada", "Unha de índio",<br />

"linha de peixe", "vira-vira", "misturar", "chapéu de bico".<br />

Uma vez ten<strong>do</strong> identifica<strong>do</strong> que os opera<strong>do</strong>res em regra<br />

geral tinham sempre algo a dizer sobre as "linhas boas" e "ruins"<br />

espontaneamente, e que tinham também indicações das mesmas,<br />

procedemos, em seguida, a uma pequena enquete, sem pretensões de<br />

seguir rigores estatísticos, sobre as indicações desses <strong>do</strong>is tipos de linha,<br />

bem como ao aprofundamento <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> das expressões que<br />

empregavam para descrever e avaliar as condições de <strong>trabalho</strong>. Esta<br />

fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> foi realizada em aproximadamente quatro perío<strong>do</strong>s<br />

de quatro a cinco horas cada.<br />

A partir dessa iniciação no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s motoristas,<br />

escolhemos, dentre as linhas arroladas na enquete como "boas" e como<br />

"ruins", uma de cada tipo onde deu-se a fase seguinte <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de<br />

campo. A escolha da "linha ruim" deu-se em função de ser uma das<br />

mais citadas e por haver uma série de histórias que a caracterizavam<br />

como tal. São histórias de agressão, de superlotação, de quebra-quebra<br />

por parte <strong>do</strong>s passageiros e de falta de infra-estrutura. A escolha da<br />

"linha boa" deu-se em função de seu ponto final ser no mesmo local da<br />

"linha ruim", já que, distintamente <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> da enquete para "linha<br />

ruim", o da "linha boa" não apresenta aquelas que se destacam por<br />

terem si<strong>do</strong> mais freqüentemente citadas.<br />

Servem, ambas, a zona leste <strong>do</strong> município e apresentam<br />

características distintas. A "linha ruim" é servida por um número maior<br />

de carros, trafega por avenidas largas e estradas com poucos semáforos.<br />

O itinerário não é, na sua grande parte, tortuoso, apresentan<strong>do</strong><br />

geralmente tráfego pouco intenso e o ponto final é situa<strong>do</strong> em um<br />

grande conjunto habitacional popular, com poucos recursos para


Pág. 32<br />

alimentação e sem infra-estrutura sanitária para os opera<strong>do</strong>res. A<br />

duração das pausas, exceto aos finais de semana e feria<strong>do</strong>s, era<br />

suficiente para os opera<strong>do</strong>res saírem <strong>do</strong> ônibus, tomar café e descansar<br />

um pouco. A "linha boa" tem um número menor de carros, trafega<br />

quase que exclusivamente por ruas e avenidas estreitas, de intensa<br />

movimentação, passan<strong>do</strong> por vários cruzamentos com semáforos.<br />

Atravessa um centro comercial e financeiro da zona leste e o ponto<br />

final situa-se em bairro de classe média. A duração das pausas é em<br />

geral bastante restrita, haven<strong>do</strong> horários em que os opera<strong>do</strong>res têm o<br />

tempo suficiente apenas para mudar o letreiro <strong>do</strong> ônibus e marcar o<br />

horário de chegada e saída daquele ponto.<br />

2 - O convívio na Unha<br />

A segunda fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo é onde se deram as<br />

observações e as conversas com os motoristas, cobra<strong>do</strong>res e fiscais nos<br />

pontos finais e iniciais das duas linhas e o acompanhamento da jornada<br />

de <strong>trabalho</strong> de alguns motoristas durante as viagens, pausas e refeições.<br />

Esse foi um perío<strong>do</strong> de convívio onde pudemos compartilhar o<br />

cotidiano de <strong>trabalho</strong> com os motoristas nas linhas, com duração<br />

aproximada de três meses numa média de três dias por semana, nos<br />

perío<strong>do</strong>s de manhã, tarde e parte da noite. Partilhamos o <strong>trabalho</strong> em<br />

dias de semana e aos sába<strong>do</strong>s.<br />

As observações e conversas, de início, não seguiam um<br />

roteiro prévio, mas com o decorrer desse tempo de convívio<br />

identificamos a existência de alguns aspectos que mereciam uma<br />

exploração mais focalizada, principalmente quanto às expressões<br />

empregadas, aos assuntos discuti<strong>do</strong>s entre os motoristas e às práticas<br />

comuns e singulares a<strong>do</strong>tadas na linha, tanto nos momentos em que<br />

estavam conduzin<strong>do</strong> os ônibus como naqueles em que se reuniam em<br />

pequenos grupos, nos pontos finais e iniciais.<br />

Identificamos que à medida em que começamos a nos<br />

tornar familiar, por assim dizer, parte <strong>do</strong> grupo, mais e mais


Pág. 33<br />

informações, mais e mais avaliações surgiam. É espera<strong>do</strong> que, de início<br />

existam informações e assuntos não tratáveis na presença de uma<br />

pessoa alheia ao grupo, não pertencimento claramente mostra<strong>do</strong> por<br />

ser uma mulher, pesquisa<strong>do</strong>ra, num mun<strong>do</strong> quase que exclusivamente<br />

masculino, de "chapéu de bico" (4).<br />

O acompanhamento da jornada de <strong>trabalho</strong> deu-se em<br />

perío<strong>do</strong>s distintos de <strong>trabalho</strong>, mediante prévia aceitação <strong>do</strong>s<br />

motoristas. Sentávamos, invariavelmente, no primeiro banco de<br />

passageiros ao la<strong>do</strong> da porta de desembarque ou postávamo-nos, em<br />

pé, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> motorista, com quem trocávamos algumas palavras no<br />

decorrer da viagem. Durante as pausas entre viagens, tomávamos café<br />

juntos, encontrávamos com outros opera<strong>do</strong>res e por vezes<br />

almoçávamos ou jantávamos juntos, dentro <strong>do</strong>s ônibus. Ao término da<br />

jornada, íamos para a garagem ou entregávamos o carro para outra<br />

dupla no ponto final ou inicial.<br />

Os da<strong>do</strong>s de campo desta fase não eram apenas as<br />

verbalizações, mas também os gestos, os olhares que procuravam<br />

transmitir algo não publicamente declarável, as particularidades que<br />

compreendiam os pertences trazi<strong>do</strong>s na pequena maleta, as<br />

brincadeiras e as preferências individuais.<br />

Essa fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo nos inseriu, de fato, no<br />

universo de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas. A condição de inserção é dada<br />

quan<strong>do</strong> se está no campo e não quan<strong>do</strong> se vai ao campo. Quan<strong>do</strong><br />

estamos no campo podemos compartilhar a vivência <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />

no <strong>trabalho</strong>; podemos inclusive nos identificar com eles pois<br />

acompanhamos o seu dia a dia. É nessa condição que podemos<br />

conhecer com mais profundidade suas práticas, entender sua<br />

linguagem e porque são criadas e a<strong>do</strong>tadas. Também é nessa condição<br />

que podemos captar pequenos detalhes desse dia a dia, talvez não<br />

apreensíveis de outra forma.<br />

4. dcniminaçao dada aos opera<strong>do</strong>res de transporte coletivo.


Pág. 34<br />

Ao final dessa fase, já estávamos familiariza<strong>do</strong>s com a<br />

rotina de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas, com sua linguagem, com o seu<br />

significa<strong>do</strong>, com as práticas e os motivos pelos quais eram a<strong>do</strong>tadas. Os<br />

da<strong>do</strong>s de campo coleta<strong>do</strong>s no espaço da garagem e da linha foram<br />

registra<strong>do</strong>s em diário de campo.<br />

3 - As entrevistas<br />

As entrevistas foram realizadas com o objetivo de<br />

aprofundar alguns aspectos já identifica<strong>do</strong>s durante as observações,<br />

conversas e acompanhamento da rotina de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas.<br />

Elas seguiram um roteiro prévio onde alguns <strong>do</strong>s tópicos foram<br />

incluí<strong>do</strong>s toman<strong>do</strong>-se como base as informações obtidas nas fases<br />

anteriores <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo, principalmente aqueles referentes às<br />

expressões empregadas pelos motoristas (ver anexo II).<br />

Foram entrevista<strong>do</strong>s quatro motoristas de cada linha, onde<br />

tomamos como critério o tempo de <strong>trabalho</strong> como motorista de<br />

coletivo urbano (mínimo de 3 anos) e o perío<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong> (manhã,<br />

tarde e noite).<br />

As entrevistas foram realizadas na casa <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s<br />

em <strong>do</strong>is casos e as outras em um restaurante próximo ao ponto final<br />

das linhas estudadas, devi<strong>do</strong> à facilidade de acesso e horário. Elas<br />

tiveram duração de 1 a 3 horas, foram gravadas e posteriormente<br />

transcritas.


Ânáiise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

Pág. 35<br />

O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em sua relação com a saúde tem si<strong>do</strong><br />

realiza<strong>do</strong> por várias áreas com abordagens e objetivos distintos. Cada<br />

uma delas a<strong>do</strong>ta noções singulares para operacionalizar o estu<strong>do</strong> dessa<br />

relação.<br />

A Medicina <strong>do</strong> Trabalho a<strong>do</strong>ta a noção de riscos para<br />

operacionalizar as investigações da relação condições de <strong>trabalho</strong><br />

(condições ambientais) e as <strong>do</strong>enças profissionais. Os riscos são<br />

categoriza<strong>do</strong>s em físicos, químicos, biológicos e mecânicos, haven<strong>do</strong><br />

algumas variantes que acrescentam a esses os ergonômicos.<br />

LAURELL e NORIEGA (1989) criticam a utilização dessa noção por<br />

entenderem que ela restringe a compreensão da relação entre saúde e<br />

<strong>trabalho</strong> a uma <strong>abordagem</strong> monocausal.<br />

A Ergonomia de linha francesa a<strong>do</strong>ta a noção de carga de<br />

<strong>trabalho</strong> para estudar os esforços exigi<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>. São<br />

identifica<strong>do</strong>s três grupos de carga: física, cognitiva e psíquica<br />

(WISNER, 1987). A carga física compreende o consumo de oxigênio,<br />

o gasto calórico, a freqüência cardíaca, dentre outras; medidas essas<br />

que permitem avaliar o "custo fisiológico" (WISNER, 1987, p.110).<br />

Estão compreendidas como componentes da carga cognitiva, ou<br />

mental, como designa DEJOURS(1980), os fenômenos de "ordem<br />

neurofisiológica e psicofisiológicas: variáveis psicosensoriais,<br />

sensoriomotoras, perceptivas, cognitivas, etc. e os fenômenos de ordem<br />

psicológica, psicosociológica" (p.45). Por carga psíquica, noção<br />

desenvolvida por DEJOURS (1980) compreende-se os "elementos<br />

afetivos e relacionais"(p. 45), sen<strong>do</strong> que sua avaliação dá-se através da<br />

possibilidade de descarga da energia pulsional, no senti<strong>do</strong> psicanalítico<br />

<strong>do</strong> termo.<br />

Objetivan<strong>do</strong> estudar a relação entre processo de <strong>trabalho</strong><br />

e saúde LAURELL & NORIEGA (1989) a<strong>do</strong>tam, à semelhança da<br />

Ergonomia, a noção de carga de <strong>trabalho</strong>. No entanto, o seu emprego,<br />

para os autores, visa "ressaltar na análise <strong>do</strong> processo de <strong>trabalho</strong> os


Pág. 36<br />

elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo<br />

<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.geran<strong>do</strong> aqueles processos de adaptação que se<br />

traduzem em desgaste..."(p.HO), significan<strong>do</strong> portanto, que através <strong>do</strong><br />

conceito de carga de <strong>trabalho</strong> analisa-se as condições de <strong>trabalho</strong> e a<br />

sua interação com o corpo <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. As cargas de <strong>trabalho</strong> são<br />

agrupadas em físicas, químicas, biológicas, mecânicas, fisiológicas e<br />

psíquicas. As quatro primeiras têm materialidade externa e as últimas<br />

apenas adquirem materialidade no corpo humano.<br />

As noções de risco, empregada pela Medicina <strong>do</strong> Trabalho<br />

e de carga de <strong>trabalho</strong>, tanto segun<strong>do</strong> o entendimento da Ergonomia<br />

como no de LAURELL & NORIEGA, que se filiam à Medicina Social,<br />

buscam delimitar precisamente os efeitos <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> sobre a saúde,<br />

segun<strong>do</strong> concepções de <strong>do</strong>ença profissional, esforço e sofrimento e de<br />

desgaste, respectivamente, através de visões distintas da categoria<br />

<strong>trabalho</strong>.<br />

O emprego destas noções tem em comum o fato de<br />

predefinirem recortes da relação saúde e <strong>trabalho</strong>, quer partin<strong>do</strong> das<br />

condições de <strong>trabalho</strong>, como o faz a Medicina <strong>do</strong> Trabalho, quer<br />

partin<strong>do</strong> das demandas para a saúde <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>r como o faz a<br />

Ergonomia. A <strong>abordagem</strong> de LAURELL e NORIEGA(1989) a<strong>do</strong>ta<br />

noções que, parece-nos, busca sintetizar as duas abordagens. Tais<br />

noções possibilitam inclusive quantificar causas e efeitos na relação<br />

saúde e <strong>trabalho</strong>, através de medidas ambientais e de manifestações<br />

somáticas e psíquicas.<br />

O Modelo Operário a<strong>do</strong>ta como ponto de partida a<br />

subjetividade-experiência operária, mas ao analisar os acha<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

levantamento das condições de <strong>trabalho</strong> a<strong>do</strong>ta a perspectiva teórica da<br />

Medicina <strong>do</strong> Trabalho e da Ergonomia, já que os categoriza nos quatro<br />

grupos de risco, conforme ODDONE e cols.(1986). Por esse motivo,<br />

LAURELL(1984) e LAURELL e NORIEGA (1989) entendem que o<br />

Modelo Operário contém uma contradição "... pois ao mesmo tempo<br />

que se enfatiza a potencialidade da subjetividade-experiência operária<br />

de revelar a realidade de um mo<strong>do</strong> diferente da ciência formal, ordena


Pág. 37<br />

a experiência no mesmo molde desta "(LAURELLe NORIEGA, 1989,<br />

p. 87).<br />

GRIMBER(1988) e HARRISON(1988) partem <strong>do</strong> saber<br />

to trabalha<strong>do</strong>r mas não se detêm na discussão acerca da análise das<br />

"construções sociais" <strong>do</strong> processo saúde e <strong>do</strong>ença e das<br />

"representações" <strong>do</strong>s riscos, respectivamente.<br />

DEJOURS(1987) mediante perspectiva psicanalítica<br />

estuda a "relação <strong>do</strong> coletivo com o <strong>trabalho</strong> e os efeitos mascara<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong>s sistemas coletivos de defesa em relação ao sofrimento. In<strong>do</strong> além,<br />

visa descrever as modalidades de ação da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e<br />

seus efeitos nocivos à saúde psíquica"(p. 145). O material de análise é<br />

a palavra, mas sobretu<strong>do</strong> o comentário "... que inclui concepções<br />

subjetivas, hipóteses sobre o porquê e o como da relação<br />

vivência-<strong>trabalho</strong>, interpretações e até mesmo citações, tipo piadas,<br />

etc..."(p. 149). O procedimento de análise e coleta de da<strong>do</strong>s dá-se<br />

simultaneamente, empregan<strong>do</strong> a técnica de interpretação psicanalítica<br />

para testar hipóteses no decorrer da coleta de da<strong>do</strong>s. Além disso, a<br />

observação comentada <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r também constitui-se em<br />

material de análise, pois a intersubjetividade é concebida como o canal<br />

de acesso ao sofrimento, ao prazer, enfim, à vivência.<br />

No nosso estu<strong>do</strong> tomamos como caminho de acesso às<br />

representações sociais a linguagem e as práticas. Para a coleta de da<strong>do</strong>s<br />

não foram utiliza<strong>do</strong>s instrumentos previamente estrutura<strong>do</strong>s. Esse<br />

desenho meto<strong>do</strong>lógico ofereceu maior liberdade e ao mesmo tempo<br />

solicitou um certo rigor a fim de resguardar os objetivos previamente<br />

coloca<strong>do</strong>s, durante o processo de análise.<br />

Frente a esse tipo de da<strong>do</strong> coube-nos identificar no<br />

universo de da<strong>do</strong>s, quais os recortes que nos levariam ao objetivo<br />

proposto e quais dele\tos afastariam. No caso da linguagem, coube-nos<br />

definir como lê-la. Consideramo-la como ten<strong>do</strong> múltipla<br />

determinação - individual e coletiva, objetiva e subjetiva - pois as<br />

representações sociais situam-se na interface individual/social,<br />

objetivo/ subjetivo. Conforme PAGES(1987) "o discurso é ao mesmo


Póy. 30<br />

tempo coletivo e individual. O discurso é coletivo, a medida que cada<br />

indivíduo revela de maneira exemplar estruturas, relações entre<br />

fenômenos, presentes de diferentes formas nos outros indivíduos... O<br />

discurso também é coletivo pelas complementariedades e não mais<br />

pelas semelhanças <strong>do</strong>s diferentes discursos"(p. 201). Ele também é<br />

individual pois, dada a situação e história particular de cada pessoa,<br />

esta imporá especificidades à visão <strong>do</strong> real compartilha<strong>do</strong> com seus<br />

pares. A linguagem não se reduz a um veículo de comunicação. Ela<br />

expressa também uma forma de compreensão, de construção e de<br />

reapresentação da realidade.<br />

Para resguardar o rigor necessário na análise da linguagem<br />

utilizamos as técnicas de análise de conteú<strong>do</strong>, já que elas<br />

possibilitam-nos apreender o seu significa<strong>do</strong>. BARDIN (1988) assim<br />

identifica a utilidade das técnicas de análise de conteú<strong>do</strong>: "Apelar para<br />

estes instrumentos de investigação laboriosa de <strong>do</strong>cumentos, é<br />

situar-se ao la<strong>do</strong> daqueles que, de Durkheim a P. Bourdieu passan<strong>do</strong><br />

por Bachelard, querem dizer não 'à ilusão da transparência* <strong>do</strong>s factos<br />

sociais recusan<strong>do</strong> ou tentan<strong>do</strong> afastar os perigos da compreensão<br />

espontânea. É igualmente 'tornar-se desconfia<strong>do</strong>' relativamente aos<br />

pressupostos, lutar contra a evidência <strong>do</strong> saber subjetivo, destruir a<br />

intuição em proveito <strong>do</strong> 'construí<strong>do</strong>', rejeitar a tentação da sociologia<br />

ingênua, que acredita poder apreender intuitivamente as significações<br />

<strong>do</strong>s protagonistas sociais, mas que somente atinge a projecção da sua<br />

própria subjectividade. Esta atitude de 'vigilância crítica', exige o<br />

rodeio meto<strong>do</strong>lógico e o emprego de 'técnicas de ruptura' e afigura-se<br />

tanto mais útil para o especialista das ciências humanas, quanto mais<br />

ele tenha sempre uma impressão de familiaridade face ao seu objeçto<br />

de análise. É ainda dizer não 'à leitura simples <strong>do</strong> real', sempre<br />

sedutora, forjar conceitos operatórios, aceitar o caracter provisório de<br />

hipóteses, definir planos experimentais ou de investigação (a fim de<br />

despitar as primeiras impressões, como diria P.H. Lazarsfeld)."(p.28).<br />

Buscamos, através da a<strong>do</strong>ção de determina<strong>do</strong>s<br />

procedimentos de análise de conteú<strong>do</strong> recuperar a presença perdida,<br />

nos dizeres de LEFEBVRE (1983) e, nos dizeres de BARDIN (1988),<br />

o senti<strong>do</strong> que convém desvendar.


Pág. 39<br />

Como primeiro passo identificamos se o adjetivo "<strong>penoso</strong>"<br />

faz parte <strong>do</strong> vocabulário utiliza<strong>do</strong> no dia a dia pelo trabalha<strong>do</strong>r. Em<br />

conversas que tivemos oportunidade de travar com motoristas e<br />

ex-cobra<strong>do</strong>res de ônibus, antes de realizarmos este <strong>trabalho</strong> de campo,<br />

pudemos observar que a nada eles se referem como sen<strong>do</strong> "<strong>penoso</strong>".<br />

Entretanto, pudemos observar também a consideração de que tanto o<br />

motorista como o cobra<strong>do</strong>r "pastam prá caramba", "são castiga<strong>do</strong>s",<br />

"não agüentam", "vivem no sufoco", sentem que o <strong>trabalho</strong> "não é fácil,<br />

édesgastantee nervoso".<br />

Algumas dessas formas de expressão, além de qualificar a<br />

vivência, quantificam a intensidade da mesma, como é o caso de<br />

"pastam prá caramba" e "não agüentam". "Caramba" é utiliza<strong>do</strong> com o<br />

significa<strong>do</strong> de muito, bastante, enquanto "não agüentar" uma situação<br />

ou algo significa não poder suportá-la. A expressão "pastar" nos remete<br />

ao que Deyl Ozório de OLIVEIRA (1971) identifica como <strong>trabalho</strong><br />

desumano e força<strong>do</strong>.<br />

Essas constatações preliminares evidenciou a necessidade<br />

de nos voltarmos para as formas através das quais os motoristas<br />

referem-se ao "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Assim, passamos a identificar, nos<br />

discursos <strong>do</strong>s motoristas, o que denominamos de palavras-índice. São<br />

expressões extraídas da linguagem criada pelos motoristas que<br />

remetem a vivências de sintonia com o <strong>trabalho</strong>, como o conforto, o<br />

incômo<strong>do</strong>, o sofrimento dentre outras. Para identificar quais seriam as<br />

palavras-índice que nos levariam à delimitação <strong>do</strong> conceito<br />

utilizamo-nos das indicações já obtidas através da literatura sobfè o<br />

assunto e da compreensão sobre o universo simbólico <strong>do</strong>s motoristas<br />

alcançada no decorrer <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo. A linguagem <strong>do</strong>s<br />

motoristas tem uma especificidade, apesar de não se tratar de uma<br />

outra língua, já que empresta as palavras <strong>do</strong> português fala<strong>do</strong> por nós.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, existe uma interface entre a linguagem <strong>do</strong>s motoristas<br />

e a nossa. Essa linguagem foi criada porque existe algo que é<br />

significativo e merece ser nomina<strong>do</strong>.


Pág. 41<br />

determinadas expressões prestam-se a traduzir as vivências subjetivas<br />

e que ao mesmo tempo têm expressão coletiva, sen<strong>do</strong> portanto,<br />

empregadas por to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s para expressar a penosidade <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong>. Outras têm seu emprego restrito a um ou outro entrevista<strong>do</strong><br />

por melhor expressar um significa<strong>do</strong> particular atribuí<strong>do</strong> à penosidade<br />

<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> ten<strong>do</strong> também sua sustentação em experiências individuais<br />

articuladas no conhecimento coletivo.<br />

O dicionário de palavras-índice que obtivemos foi<br />

composto das seguintes expressões e de suas derivações:<br />

- linha pesada;<br />

- linha problemática;<br />

- linha irritante;<br />

- problemalespinho;<br />

- <strong>trabalho</strong> ruim;<br />

- complicação/complica<strong>do</strong>;<br />

- desumano;<br />

- <strong>trabalho</strong> muito pesa<strong>do</strong>;<br />

- <strong>trabalho</strong> força<strong>do</strong>;<br />

- duro de agüentar;<br />

- profissão muito sacrificada;<br />

- fácil de trabalhar;<br />

-dia bom de <strong>trabalho</strong>;<br />

- serviço leve;<br />

• irrita/irrita muito;<br />

- incomoda/incomoda demais/incomoda, muito;<br />

- desgasta/ desgasta demais;<br />

- cansa/cansa demais;<br />

- nervoso/ nervosismo/ sistema nervoso/ nervo abala<strong>do</strong>;<br />

• tensão;


- castigo;<br />

-sofrer;<br />

- sacrifício;<br />

- magoar;<br />

-força muito/força demais;<br />

- gastar muito;<br />

• transpassar,\<br />

- esquentar a cabeça;<br />

- sofrer;<br />

- ficar mais tranqüilo;<br />

- trabalhar sossega<strong>do</strong>;<br />

- gostoso de trabalhar;<br />

r trabalhar brincan<strong>do</strong>;<br />

-contente;<br />

- raiva;<br />

- misturar;<br />

Pág. 42<br />

Através dessas palavras-índice foi possível identificar<br />

categorias essenciais, as quais nos permitiram delimitar o conceito de<br />

Trabalho Penoso apartir <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong>s motoristas sobre<br />

o seu <strong>trabalho</strong>. Passamos então a identificar os significa<strong>do</strong>s que estavam<br />

em torno das palavras-índice e procuramos detectar quan<strong>do</strong><br />

apareciam no discurso, qual era o tipo de relação <strong>do</strong>s motoristas com<br />

o <strong>trabalho</strong> que mereciam essas nominações; quais as regularidades, as<br />

contradições e as exceções existentes. Esse procedimento foi realiza<strong>do</strong><br />

para cada entrevista individualmente e posteriormente para o conjunto<br />

delas.<br />

Nesse tipo de análise nem sempre as tendências se<br />

repetem. Pode haver uma única ocorrência mas que nos possibilita<br />

entender as repetições, as concordâncias, as contradições e outros tipos<br />

de relação já presentes, cujo senti<strong>do</strong> não se mostra completo.


Pág. 43<br />

Quanto às práticas, nós as analisamos mediante <strong>do</strong>is<br />

procedimentos. O primeiro restringiu-se à descrição <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />

motorista de ônibus urbano. O segun<strong>do</strong> privilegiou aqueles fazeres<br />

específicos que possibilitaram entender o caráter "<strong>penoso</strong>" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />

no qual buscamos basicamente responder às seguintes questões: por<br />

quê, para quê e quan<strong>do</strong> tais fazeres específicos são pratica<strong>do</strong>s. Para<br />

tanto, os analisamos à luz <strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong> onde se davam.<br />

Esse procedimento nos possibilitou apreender o seu conteú<strong>do</strong><br />

significativo.<br />

No processo global de análise as práticas e a linguagem<br />

foram mutuamente explicativas.<br />

Entendemos que a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> esse referencial e esses<br />

procedimentos de análise podemos tomar o conhecimento prático <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r não só como ponto de partida, mas também como ponto<br />

de chegada, ou seja, respeitamos a sua lógica em to<strong>do</strong> o processo de<br />

análise, trabalhan<strong>do</strong> com categorias emergentes desse mesmo<br />

conhecimento que se expressassem como operacionais. Talvez esse<br />

caminho proposto possa estar trazen<strong>do</strong> elementos para a elaboração<br />

de uma outra concepção teórica acerca da relação saúde e <strong>trabalho</strong><br />

quan<strong>do</strong> se pretende partir <strong>do</strong> saber <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, no senti<strong>do</strong> em que<br />

aponta o questionamento de LAURELL(I984) e LAURELL e<br />

NORIEGA (1989) quanto ao alcance e limitações <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

pelo Modelo Operário, que a<strong>do</strong>ta como ponto de partida a<br />

experiência-subjetividade operária e como ponto de chegada a<br />

Medicina <strong>do</strong> Trabalho e a Ergonomia. Parece-nos que o salto<br />

epistemológico reside em respeitar a lógica <strong>do</strong> conhecimento prático<br />

<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r que, como já assinalou GRIMBER (1988) é distinta das<br />

ciências que têm contribuí<strong>do</strong> para o entendimento da relação saúde e<br />

<strong>trabalho</strong>.


Pág. 44<br />

Devolução e discussão <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s com os<br />

condutores<br />

Por iniciativa nossa e com o apoio da Comissão de<br />

Garagem, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e da<br />

chefia da garagem estudada, após análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, realizamos três<br />

reuniões na garagem para devolver e discutir os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa.<br />

Convidamos, mediante carta, os opera<strong>do</strong>res das linhas estudadas, a<br />

CIPA, a Comissão de Garagem, a chefia da garagem, a chefia de<br />

Recursos Humanos e de Segurança <strong>do</strong> Trabalho da empresa e o<br />

Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de São Paulo.<br />

Nessas reuniões estavam presentes opera<strong>do</strong>res,<br />

funcionários da manutenção e da administração da garagem estudada.<br />

Para duas dessas reuniões a chefia da garagem convocou especialmente<br />

os opera<strong>do</strong>res das duas linhas estudadas.<br />

Nesses eventos foi possível checar a validade <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s da análise e concluímos que faziam senti<strong>do</strong> para os<br />

opera<strong>do</strong>res, não apenas para os motoristas.<br />

Realizamos, posteriormente, uma reunião com o mesmo<br />

intuito no Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de São Paulo, onde estiveram<br />

presentes diretores da entidade, assessores <strong>do</strong> departamento de saúde<br />

e membros de CIPAs de várias garagens da empresa estudada.


Capítulo IV<br />

iiwiwwiMBiWBBw»wn)WMM»^^riiiwnnfTrriifii^ MIM raiir—ICTI—E<br />

O Trabalho<br />

<strong>do</strong> Motorista<br />

de Ônibus<br />

Urbano


Pág. 46<br />

Jara melhor compreender a análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s de campo<br />

sobre a temática <strong>do</strong> Trabalho Penoso é necessário proceder<br />

inicialmente à descrição <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus urbano.<br />

Esse <strong>trabalho</strong> dá-se na garagem e na linha e em ambos os<br />

espaços ele é defini<strong>do</strong> por uma organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> específica que<br />

define setores, formas de funcionamento, funções e tarefas. Por esse<br />

motivo detalharemos a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> nesses <strong>do</strong>is espaços.<br />

 organização na Garagem<br />

De mo<strong>do</strong> bastante esquemático, podemos dizer que a<br />

organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> na garagem ocorre em função <strong>do</strong> número de<br />

linhas a serem servidas por uma determinada quantidade de carros<br />

disponíveis e por um determina<strong>do</strong> quadro de opera<strong>do</strong>res (motoristas,<br />

cobra<strong>do</strong>res, fiscais e inspetores). Esse tripé é sustenta<strong>do</strong> pelos setores<br />

de Administração, Operação e Manutenção de cada garagem e pelo<br />

setor de Programação que centraliza o planejamento das linhas de<br />

todas as garagens da empresa.


Pág. 47<br />

A Programação predetermina o número de carros e de<br />

opera<strong>do</strong>res por linha, bem como os horários de saída e chegada de cada<br />

carro para cada uma das linhas servidas, identifican<strong>do</strong>, inclusive,<br />

através <strong>do</strong> número de prontuário (registro na empresa), a dupla que<br />

deverá operar o carro, tembém identifica<strong>do</strong> por um número. A<br />

Programação prevê também as férias e folgas de opera<strong>do</strong>res, bem<br />

como a revisão de manutenção <strong>do</strong>s carros. É específica para cada linha<br />

e prevê to<strong>do</strong>s os intervalos entre ônibus, o número de opera<strong>do</strong>res e'o<br />

tempo de duração de cada meia-viagem ( que corresponde ao trecho<br />

percorri<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto inicial ao ponto final e vice-versa.)<br />

A concretização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> planeja<strong>do</strong> pela Programação<br />

é efetuada, na garagem, pelo Plantão que diariamente adequa a<br />

organização planejada para cada uma das linhas à disponibilidade de<br />

carros em bom esta<strong>do</strong> e à presença de opera<strong>do</strong>res; portanto, o Plantão<br />

faz a ponte de ligação entre Programação, Operação e Manutenção,<br />

com a incumbência de servir todas as linhas da garagem com carros e<br />

opera<strong>do</strong>res. A partir daí, a continuidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> da operação se dá<br />

na linha.<br />

 organização na Linha<br />

A equipe de <strong>trabalho</strong> na linha é composta pelos fiscais - um<br />

no ponto inicial e outro no ponto final - e as várias duplas de opera<strong>do</strong>res<br />

(motorista e cobra<strong>do</strong>r). A função <strong>do</strong> fiscal é adequar ao máximo o<br />

andamento real da linha à Programação previamente planejada,<br />

observan<strong>do</strong> a duração da jornada de <strong>trabalho</strong>, os locais de início e<br />

término da jornada, as pausas entre as meias-viagens e os intervalos<br />

para refeição de cada uma das duplas.<br />

Da mesma forma que existe a Programação que prevê a<br />

distribuição e fluxo de carros para cada linha, existe para cada dupla<br />

de opera<strong>do</strong>res, a Tabela, que prevê os horários de início e final da


Pág. 48<br />

jornada, número de viagens, horários de saída e de chegada de cada<br />

meia viagem, pausas entre elas e intervalo de refeição.<br />

Cada linha tem o itinerário principal fixa<strong>do</strong>,<br />

compreenden<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os trechos por onde o ônibus deve passar e<br />

locais onde há pontos de parada. Esse itinerário somente deve sofrer<br />

alterações caso existam eventos que interditem o caminho, como é o<br />

caso das feiras-livres semanais ou quan<strong>do</strong> a própria administração<br />

assim determinar.<br />

Há linhas em que existem três tipos de itinerário e de locais<br />

de paradas - o principal, o expresso e o "vira". O ônibus normal de linha<br />

é aquele que segue o itinerário principal, mais freqüentemente<br />

segui<strong>do</strong>; o expresso segue itinerário por vias expressas e tem menos<br />

pontos de parada, objetivan<strong>do</strong> transportar os passageiros mais<br />

rapidamente <strong>do</strong> ponto inicial ao final e o "vira" que percorre apenas<br />

um trecho <strong>do</strong> itinerário principal, objetivan<strong>do</strong> garantir transporte aos<br />

passageiros que embarcam no meio <strong>do</strong> trajeto, os quais, devi<strong>do</strong> à<br />

lotação, não poderiam embarcar naquele carro que vem transportan<strong>do</strong><br />

passageiros desde o ponto inicial.<br />

Cada linha de ônibus comporta características bastante<br />

peculiares que as distinguem, não apenas pela organização imprimida<br />

pela programação de horários, itinerário e tipo de carro e esquema de<br />

folgas, mas também pelas particularidades advindas da organização <strong>do</strong><br />

espaço urbano que determina o tipo de passageiro, quanto à sua<br />

condição social, cultural e econômica, a rotatividade de passageiros por<br />

viagem, a condição de tráfego nas vias, adequação e conforto <strong>do</strong>s locais<br />

para alimentação e pausas, dentre outras.


Âs funções <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res<br />

Pág. 49<br />

Para dar conta da programação das linhas, das folgas, férias<br />

e absenteísmo <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res, bem como da imprevisibilidade de<br />

recolhimento de carros por problemas de manutenção, existem três<br />

funções distintas para os opera<strong>do</strong>res: "escala<strong>do</strong>", "folguista/tornante"<br />

e "reserva".<br />

O opera<strong>do</strong>r "escala<strong>do</strong>", como o próprio nome indica, é<br />

escala<strong>do</strong> para uma determinada linha, numa determinada Tabela.<br />

Somente será transferi<strong>do</strong> para outra linha ou para a função de "reserva"<br />

ou de "folguista/tornante", caso haja necessidade por parte da empresa<br />

ou, em alguns casos, por solicitação <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r. Nessa função ele sabe<br />

de antemão local, horário e linha que servirá, sen<strong>do</strong> estas sempre as<br />

mesmas.<br />

O opera<strong>do</strong>r "folguista/tornante" é designa<strong>do</strong> para substituir<br />

opera<strong>do</strong>res escala<strong>do</strong>s que gozam férias ou folga, sen<strong>do</strong> ambas as<br />

situações já previstas pela Programação. Nesse caso o opera<strong>do</strong>r pode<br />

saber previamente os locais, horários e linhas a serem por ele servidas<br />

a cada dia, mas a linha poderá variar diariamente e, consequentemente,<br />

o local e horário para início e final da jornada.<br />

Na função de "reserva", o opera<strong>do</strong>r deverá servir linhas<br />

onde haja faltas não previstas de opera<strong>do</strong>res, bem como<br />

intercorrências onde exista a necessidade de substituição de ônibus.<br />

Seu local para início da jornada é a garagem, de onde pode partir para<br />

qualquer uma das linhas daquela garagem ou, dependen<strong>do</strong> da<br />

necessidade, para linhas de outras garagens. Nessa função o opera<strong>do</strong>r<br />

pode permanecer vários dias sem sair da garagem, operar to<strong>do</strong>s os dias,<br />

alguns dias da semana ou algumas horas de sua jornada de <strong>trabalho</strong>.<br />

Na reserva o opera<strong>do</strong>r nunca sabe de antemão se vai operar e se for,<br />

tampouco sabe em qual linha, em qual horário e em qual local.


Pág. 50<br />

A organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de<br />

ônibus urbano<br />

Na operação há três perío<strong>do</strong>s de <strong>trabalho</strong> distintos.<br />

Primeiro perío<strong>do</strong> ( da madrugada até o final da manhã), Segun<strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> (<strong>do</strong> final da manhã até o final da tarde) e Terceiro perío<strong>do</strong>( <strong>do</strong><br />

final da tarde até a madrugada) O horário de início e término nâo é o<br />

mesmo para to<strong>do</strong>s os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mesmo perío<strong>do</strong>, diferin<strong>do</strong> de um<br />

para o outro por minutos, segun<strong>do</strong> a necessidade de suprimento e<br />

recolhimento <strong>do</strong>s carros das linhas.<br />

A época em que iniciamos o <strong>trabalho</strong> de campo - agosto de<br />

1989 - a jornada diária de <strong>trabalho</strong> prevista para motorista era de sete<br />

horas, intervalo de trinta minutos para refeição e uma folga semanal,<br />

mas em novembro <strong>do</strong> mesmo ano a duração da jornada diária havia<br />

si<strong>do</strong> reduzida para seis horas e quarenta minutos, manten<strong>do</strong>-se os<br />

mesmos esquemas de intervalo para refeição e folga semanal. Em<br />

função dessa redução de jornada, acordada em Convenção Coletiva de<br />

Trabalho (1989), aumentou-se o número de perío<strong>do</strong>s de três para<br />

quatro.<br />

A folga semanal não segue o mesmo esquema para to<strong>do</strong>s<br />

os opera<strong>do</strong>res, depende de sua função e da linha onde trabalha. Ela<br />

pode ser "corrida" onde a cada semana o opera<strong>do</strong>r folga em um dia (<br />

corrida porque na primeira semana folga na segunda-feira, na segunda<br />

semana folga na terça-feira e assim sucessivamente), como também a<br />

pode ser aos finais de semana (sába<strong>do</strong> ou <strong>do</strong>mingo).<br />

A ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus urbano caracteriza-se<br />

basicamente por transportar passageiros dentro <strong>do</strong> perímetro urbano,<br />

executan<strong>do</strong>, para tanto, uma série de procedimentos técnicos e<br />

disciplinares em relação aos colegas, superiores e passageiros, como<br />

descrito pela Classificação Brasileira de Ocupações (C.B.O.). A<br />

descrição da ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus é a seguinte: "Dirige<br />

ônibus de empresas particulares, municipais ou interestaduais,<br />

acionan<strong>do</strong> os coman<strong>do</strong>s de marcha e direção e conduzin<strong>do</strong>-o no


Pág. 51<br />

itinerário previsto, segun<strong>do</strong> as regras de trânsito, para transportar<br />

passageiros dentro de uma localidade ou a longa distância: vistoria o<br />

veículo, verifican<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pneus, o nível <strong>do</strong> combustível, água e<br />

óleo <strong>do</strong> carter e testan<strong>do</strong> freios e parte elétrica, para certificar-se de<br />

suas condições de funcionamento; examina as ordens de serviço,<br />

verifican<strong>do</strong> o itinerário a ser segui<strong>do</strong>, os horário, o número de viagens<br />

e outras instruções, para programar sua tarefa; ligar o motor <strong>do</strong> ônibus,<br />

giran<strong>do</strong> a chave de ignição, para aquecê-lo e possibilitar a<br />

movimentação <strong>do</strong> veículo; dirige o Ônibus, manipulan<strong>do</strong> seus<br />

coman<strong>do</strong>s de marcha e direção e observan<strong>do</strong> o fluxo <strong>do</strong> trânsito e a<br />

sinalização, para transportar os passageiros; zela pelo bom andamento<br />

da viagem, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> as medidas cabíveis na prevenção ou solução de<br />

qualquer anomalia, para garantir a segurança <strong>do</strong>s passageiros,<br />

transeuntes e outros veículos; providencia os serviços de manutenção<br />

<strong>do</strong> veículo, comunican<strong>do</strong> falhas e solicitan<strong>do</strong> reparos, para assegurar<br />

seu perfeito esta<strong>do</strong>; recolhe o veículo após a jornada de <strong>trabalho</strong>,<br />

conduzin<strong>do</strong>-o à garagem da empresa, para permitir sua manutenção e<br />

abastecimento. Pode cobrar e entregar os bilhetes aos passageiros,<br />

pode efetuar reparos de emergência no veículo." (BRASIL, 1982,<br />

p. 473).<br />

Essa descrição da C.B.O., mesmo sen<strong>do</strong> bastante<br />

detalhada, não contempla todas as variações <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista<br />

de ônibus urbano e, embora existam regras a serem seguidas pela<br />

empresa e pelo motorista, na realidade constata-se a existência de uma<br />

prática distinta, em muitos aspectos, daquela planejada.


Pág. 52<br />

O dia a dia de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus<br />

escala<strong>do</strong><br />

A prática cotidiana <strong>do</strong> motorista de ônibus escala<strong>do</strong> é<br />

definida por um FAZER situa<strong>do</strong> em um determina<strong>do</strong> contexto (social,<br />

organizacional e ambiental), caracteriza<strong>do</strong> como as condições e<br />

organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

Essa prática desenvolve-se em meio a uma série de<br />

condicionantes a qual, identificamos, dizem respeito a três ordens: a<br />

primeira refere-se à organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>; a segunda definida pelas<br />

peculiaridades de cada linha e instrumento de <strong>trabalho</strong> e, finalmente<br />

a terceira que está relacionada às necessidades e características <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Por esta razão, apesar de existir um conjunto de parâmetros<br />

que enquadram teoricamente a ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus<br />

urbano, não se pode transportá-la imediatamente para a prática real<br />

desses trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Uma vez que existem condicionantes presentes para a<br />

coletividade de motoristas de ônibus escala<strong>do</strong>s e outros que são<br />

pessoais é praticamente impossível falar em uma rotina comum para<br />

eles nas duas linhas estudadas. Por outro la<strong>do</strong>, pode-se falar em<br />

semelhanças e particularidades no conjunto de práticas observadas e<br />

relatadas. Os próprios motoristas relatam que cada um tem um jeito<br />

de trabalhar, limita<strong>do</strong> pela organização mínima exigida para que o<br />

sistema de transporte coletivo funcione, associa<strong>do</strong> às peculiaridades da<br />

linha.<br />

Procuramos, neste tópico, assinalar e descrever alguns<br />

aspectos <strong>do</strong> dia a dia de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus escala<strong>do</strong>,<br />

consideran<strong>do</strong>-se as ressalvas anteriores e acrescentan<strong>do</strong> ainda que,<br />

mesmo para um único motorista, não se pode falar em uma rotina de<br />

<strong>trabalho</strong> previsível durante toda a sua jornada de <strong>trabalho</strong> e mesmo<br />

durante os vários dias da semana.


Pág. 53<br />

Como foi dito anteriormente, cada motorista tem uma<br />

Tabela que planeja o seu <strong>trabalho</strong> na sua linha. Por ela o motorista<br />

identifica se deve apresentar-se, para iniciar a jornada, na Garagem,<br />

dirigin<strong>do</strong>-se ao Plantão, ou diretamente na linha, dirigin<strong>do</strong>-se ao ponto<br />

inicial ou final, apresentan<strong>do</strong>-se ao fiscal. Em um ou outro íocal<br />

ser-lhe-á entregue a Ficha-Repórter (espécie de cartão de ponto) a<br />

qual deve assinar e onde serão anota<strong>do</strong>s os horários de saída e chegada<br />

de cada meia-viagem, o horário de refeição e final da jornada, bem<br />

como as intercorrências durante o dia de <strong>trabalho</strong>.<br />

Posteriormente ser-lhe-á designa<strong>do</strong> o carro com o qual<br />

deverá operar e, caso o cobra<strong>do</strong>r não seja, como o motorista, escala<strong>do</strong>,<br />

ele também será designa<strong>do</strong>.<br />

Esses procedimentos, quan<strong>do</strong> o motorista, o cobra<strong>do</strong>r e o<br />

fiscal são escala<strong>do</strong>s na linha, ocorrem sem formalidades pois se<br />

transformaram em rotina. O fiscal pode procurar o motorista, este<br />

pode apresentar-se simplesmente colocan<strong>do</strong>-se em lugar visível ou<br />

reunir-se aos demais opera<strong>do</strong>res com os quais diariamente encontra-se<br />

em algum <strong>do</strong>s ônibus estaciona<strong>do</strong>s. Da mesma forma, assumir o<br />

coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro, na maioria das vezes, independe de uma ordem <strong>do</strong><br />

fiscal, pois o motorista, saben<strong>do</strong> antecipadamente a qual colega deverá<br />

substituir - "render" - assim o fará, o mesmo ocorren<strong>do</strong> com o cobra<strong>do</strong>r.<br />

Ao assumir o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro, o motorista inicia a<br />

verificação de uma série de quesitos, manten<strong>do</strong> o motor <strong>do</strong> carro<br />

liga<strong>do</strong>: óleo, água, pneus, freios, embreagem, sinaliza<strong>do</strong>res,<br />

acelera<strong>do</strong>r, espelhos, bancos, forro de banco, cortina, limpam o<br />

pára-brisa, alguns adaptam um prolongamento da alavanca de câmbio,<br />

outros colocam o radinho no painel e afixa sua ficha funcional na<br />

parede <strong>do</strong> carro. To<strong>do</strong>s os objetos instala<strong>do</strong>s no carro são pessoais e<br />

trazi<strong>do</strong>s pelo motorista e nem to<strong>do</strong>s procedem da mesma forma.<br />

Além disso alguns lavam o piso <strong>do</strong> ônibus, tiram o pó <strong>do</strong><br />

painel e tomam outros cuida<strong>do</strong>s com o carro não previstos como parte


Pág. 54<br />

de sua atribuição oficial. Em geral, a relação que o motorista mantém<br />

com o carro de escala é de zelo. Porém nem sempre é possível trabalhar<br />

com carro de escala.<br />

Já no início da jornada algumas intercorrências podem<br />

acontecer: o carro atrasar, constatar-se problemas no carro que<br />

inviabilizem sua permanência na linha , falta de cobra<strong>do</strong>r, atraso na<br />

programação, falta de outros carros na linha. Estas intercorrências<br />

implicam em mudança da rotina estabelecida na Tabela de cada<br />

opera<strong>do</strong>r. O <strong>trabalho</strong> na operação de transporte urbano é organiza<strong>do</strong><br />

de forma que o <strong>trabalho</strong> de cada dupla (motorista-cobra<strong>do</strong>r) determina<br />

e é determina<strong>do</strong> pelo <strong>trabalho</strong> das outras da mesma linha, sem contar<br />

as influências da manutenção e <strong>do</strong> espaço de <strong>trabalho</strong> que, por ser<br />

externo, sofre as interferências <strong>do</strong> trânsito, das vias e <strong>do</strong>s passageiros.<br />

Desta forma, as fontes e as formas de determinação são<br />

múltiplas, e variadas. A denominação "linha" parece bastante adequada<br />

pois o andamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de cada dupla está liga<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong> de<br />

todas as outras, numa relação de interdependência.<br />

Ao iniciar cada meia-viagem o motorista ou o cobra<strong>do</strong>r<br />

muda o letreiro que indica o destino <strong>do</strong> ônibus. A cada início e final de<br />

meia-viagem o fiscal anota na Ficha-Repóater <strong>do</strong> motorista e <strong>do</strong><br />

cobra<strong>do</strong>r os respectivos horários. De mo<strong>do</strong> geral essas fichas ficam de<br />

posse <strong>do</strong> cobra<strong>do</strong>r até o final da jornada.<br />

A dupla motorista-cobra<strong>do</strong>r, uma vez sen<strong>do</strong> constante, cria<br />

algumas regras de relacionamento profissional, cria códigos de<br />

comunicação e uma divisão de <strong>trabalho</strong>.<br />

A primeira meia-viagem em geral é aquela onde o<br />

motorista verifica as condições <strong>do</strong> carro, mesmo sen<strong>do</strong> o seu carro de<br />

escala, pois, como cada carro é conduzi<strong>do</strong> por pelo menos <strong>do</strong>is<br />

motoristas na linha, é revisa<strong>do</strong> pelo setor de manutenção e pode ser<br />

por outros motoristas na garagem e utiliza<strong>do</strong> para transportar<br />

opera<strong>do</strong>res durante a madrugada.


Pág. 55<br />

Também durante a primeira meia-viagem o motorista tem<br />

uma idéia de como será o seu <strong>trabalho</strong> naquele dia, tanto no que se<br />

refere a aspectos <strong>do</strong> andamento da linha (maior ou menor aproximação<br />

com a Programação), como no que se refere ao trânsito, itinerário e<br />

condições <strong>do</strong> carro. Mesmo assim, cada meia-viagem tem<br />

características singulares. Podem ocorrer incidentes que se<br />

prolonguem ou repercutam para toda a sua jornada , como podem<br />

ocorrer outros que influenciem apenas momentaneamente.<br />

A cada meia-viagem também mudam os passageiros, a<br />

quantidade, o tipo de fluxo, as relações que se estabelecem entre os<br />

passageiros e entre os passageiros e os opera<strong>do</strong>res.<br />

Quan<strong>do</strong> a Programação é seguida os motoristas conhecem<br />

os passageiros que transportam, conhecem o fluxo de passageiros por<br />

ponto de parada e também os tipos de passageiros.<br />

Quan<strong>do</strong> a Programação não pode ser seguida há um certo<br />

andamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> também conheci<strong>do</strong> pelo motorista. Ele<br />

conhece as situações que prejudicam o desenvolvimento de seu<br />

<strong>trabalho</strong>, o tipo de relação mantida com o passageiro que poderá lhe<br />

aborrecer e assim por diante.<br />

Os motoristas desenvolvem a habilidade para lidar com o<br />

passageiros, pois a própria natureza de sua ocupação assim exige. Eles<br />

sabem como se portar perante ao passageiro de mo<strong>do</strong> a evitar atritos<br />

ou de mo<strong>do</strong> a minimizá-los. Os procedimentos recomendam não<br />

brigar com os passageiros, cuidar da integridade física <strong>do</strong>s mesmos e<br />

<strong>do</strong>s pedestres. No entanto, mesmo esses cuida<strong>do</strong>s nem sempre podem<br />

ser toma<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> às super-lotações e ao comportamento <strong>do</strong>s<br />

próprios passageiros nos ônibus. Como procedimento também existe<br />

a regra de impedir que os passageiros desembarquem pela porta<br />

trazeira, mas se o motorista e o cobra<strong>do</strong>r levarem esses procedimentos<br />

ao pé da letra, estarão descumprin<strong>do</strong> aquele que os proíbe de entrar<br />

em conflito com os passageiros. Assim, os opera<strong>do</strong>res, com relação a<br />

esse aspecto, estabelecem a relação possível com os passageiros, os


Pág. 56<br />

quais, por sua vez, apresentam características específicas dependen<strong>do</strong><br />

da linha.<br />

A duração das pausas entre as meias-viagens variam de<br />

linha para linha, de perío<strong>do</strong> para perío<strong>do</strong> e de dia para dia. Ela pode<br />

inexistir como pode estender-se por 15 minutos.<br />

Quan<strong>do</strong> o andamento da linha está muito distante <strong>do</strong><br />

programa<strong>do</strong> o fiscal procura aproximá-lo <strong>do</strong> planeja<strong>do</strong> atrasan<strong>do</strong><br />

alguns carros, adiantan<strong>do</strong> outros, indican<strong>do</strong> que algum carro dirija-se<br />

ao seu destino sem transportar passageiros - Reserva<strong>do</strong> - ou indican<strong>do</strong><br />

que vá Reserva<strong>do</strong> até determina<strong>do</strong> trecho a partir <strong>do</strong> qual iniciará o<br />

transporte de passageiros, ou ainda que faça o "vira".<br />

O intervalo para refeição é de 30 minutos e é preenchi<strong>do</strong><br />

distintamente por cada motorista.Alguns fazem refeição outros não.<br />

Alguns tomam lanche, outros trazem marmita, outros utilizam seus<br />

tickets-refeição, outros, ainda, como residem próximo ao ponto inicial<br />

da linha, vão às suas casas para se alimentar.<br />

Não há um local apropria<strong>do</strong> para tomar refeições que faça<br />

parte da infra-estrutura construída pela empresa, assim os opera<strong>do</strong>res<br />

dependem daquela existente no bairro. Por isso alguns trazem<br />

engenhocas adaptadas para aquecer a marmita e a preparação é feita<br />

dentro <strong>do</strong> próprio coletivo, outros comem a alimentação fria e outros<br />

trazem marmitas térmicas.<br />

Embora os trabalha<strong>do</strong>res da empresa tenham direito ao<br />

ticket-refeição, para muitos não é a garantia da alimentação adequada<br />

durante a jornada de <strong>trabalho</strong>, pois é preciso que além dele exista, nos<br />

pontos iniciais das linhas, infra-estrutura que possibilite a sua<br />

utilização. Alguns desses são situa<strong>do</strong>s em bairros onde tem-se apenas<br />

um modesto bar escassamente aparelha<strong>do</strong> para essa finalidade, com<br />

condições higiênicas precárias.<br />

Há linhas onde os opera<strong>do</strong>res encontram-se nos pontos<br />

finais e/ou iniciais, pois as pausas são suficientes para que isso ocorra,


Pág. 57<br />

porém, há outras em que os motoristas cruzam-se apenas durante as<br />

viagens.<br />

Entre os opera<strong>do</strong>res os apeli<strong>do</strong>s, os chistes e os códigos de<br />

comunicação são bastante utiliza<strong>do</strong>s. Muitos deles não se conhecem<br />

pelo nome próprio, mas pelo apeli<strong>do</strong>, pelo número <strong>do</strong> prontuário (ficha<br />

funcional) ou pelo número <strong>do</strong> carro quan<strong>do</strong> este é de escala.<br />

Cada fiscal tem um jeito para se comunicar ou definir o<br />

<strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res. Essa relação pode ser amistosa ou<br />

conflituosa, o mesmo ocorren<strong>do</strong> entre os outros opera<strong>do</strong>res.<br />

Embora exista como procedimento técnico a exigência de<br />

parada em to<strong>do</strong>s os pontos fixa<strong>do</strong>s, bem como a exigência de que<br />

apenas seja permiti<strong>do</strong> o embarque e desembarque de passageiros<br />

nesses mesmos pontos, o motorista pode não fazê-lo, quer porque o<br />

ônibus já esteja lota<strong>do</strong>, quer porque o passageiro sinalizou<br />

tardiamente, ou ainda porque o motorista já está atrasa<strong>do</strong>.<br />

O horário para finalizar a jornada de <strong>trabalho</strong> , como<br />

também depende <strong>do</strong> andamento da linha, nem sempre é o mesmo e<br />

observamos que, em geral, ela é prolongada. Há motoristas que fazem<br />

horas extraordinárias por solicitação <strong>do</strong> fiscal ou por solicitação<br />

própria. Ela pode ser feita na linha de escala <strong>do</strong> motorista ou em outra,<br />

quan<strong>do</strong> há mais de uma cujos pontos finais sejam próximos.<br />

Da mesma forma que ocorre ao início da jornada, o local<br />

para terminá-la pode ser na linha, caso haja outro motorista para<br />

substituí-lo ou na garagem, quan<strong>do</strong> a linha prescinde daquele^carro,<br />

determinação prevista na Programação e na Tabela de cada opera<strong>do</strong>r.<br />

Ao finalizar o <strong>trabalho</strong> o motorista recolhe os seus<br />

pertences e se for necessário comunica ao setor de manutenção a<br />

existência de problemas que requerem reparos.


Capítulo V<br />

As Representações<br />

Sociais <strong>do</strong><br />

Trabalho Penoso


Pág. 59<br />

.inicialmente identificamos que os motoristas demarcam<br />

as condições de <strong>trabalho</strong> em <strong>do</strong>is grupamentos - "linha boa" e "linha<br />

ruim" - e o detalhamento dessa demarcação é procedi<strong>do</strong> mediante o<br />

emprego de outras palavras-índice que nos aproximavam cada vez<br />

mais <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

Essas outras palavras expressam de um la<strong>do</strong> a<br />

reapjesentação social <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, pois falam das condições objetivas<br />

<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em si e, de outro, expressam a vivência que dessa relação<br />

emerge como sentimentos de sofrimento e como identificação de<br />

<strong>do</strong>enças. Todas elas fazem parte da mesma teia simbólica que delimita<br />

a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

To<strong>do</strong>s os motoristas têm uma listagem de linhas "boas" e<br />

"ruins". Essa demarcação é procedida mediante um critério valorativo.<br />

Os motivos, varia<strong>do</strong>s, vão desde as condições de infra-estrutura nos<br />

pontos iniciais, passan<strong>do</strong> pela duração das meias-viagens até o tipo de<br />

trânsito. Mas o motivo que sobresai é a figura <strong>do</strong> passageiro como<br />

parâmetro de avaliação mais importante. Finalmente, o que se<br />

identificou é a polêmica sobre a avaliação das linhas. Uma mesma linha<br />

pode ser "boa" para uns e "ruim" para outros, pelos mesmos motivos.


Pág. 60<br />

Por isso um <strong>do</strong>s motoristas alertou: "A senhora não vai<br />

chegara conclusão nenhuma. Cada um acha de um jeito". Ele tem razão,<br />

caso nos ativessemos apenas aos motivos que se mostram na superfície<br />

das avaliações. Porém, subjacente a eles identificamos a existência de<br />

outras razões, agora comuns, que sustentam a eleição de motivos<br />

diversos, variáveis, mutáveis e por vezes aparentemente inconciliáveis.<br />

Das falas, discussões e polêmicas que os motoristas travam,<br />

constata-se que existem <strong>do</strong>is méto<strong>do</strong>s que eles empregam para avaliar<br />

as linhas. O primeiro é construí<strong>do</strong> mediante a troca de informações e<br />

apreciação da experiência <strong>do</strong> grupo de motoristas e da observação, e<br />

o segun<strong>do</strong> através da experiência pessoal vivida no desempenho da<br />

atividade ocupacional como motorista de ônibus urbano. Esses <strong>do</strong>is<br />

méto<strong>do</strong>s de avaliação <strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong> são interrelaciona<strong>do</strong>s,<br />

intersustenta<strong>do</strong>s e instrumentalizam o conhecimento <strong>do</strong>s motoristas<br />

sobre eles. Eles fazem parte da lógica que perpassa esse conhecimento.<br />

Optamos pelo emprego <strong>do</strong> termo contatos de <strong>trabalho</strong>por<br />

termos evidencia<strong>do</strong> que os motoristas concebem o <strong>trabalho</strong> em si como<br />

unidade, como totalidade, cuja configuração é determinada pela<br />

interação dinâmica entre os seus componentes, significan<strong>do</strong> também<br />

que cada um desses componentes apresenta-se sempre na sua<br />

interação com to<strong>do</strong>s os demais. Por este motivo seria fictício atribuir<br />

apenas a componentes isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> a causa da penosidade.<br />

Epjdemiologia <strong>do</strong> Senso Comum<br />

O primeiro méto<strong>do</strong> que os motoristas empregam pode ser<br />

denomina<strong>do</strong> de "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum", pois lida<br />

basicamente com indica<strong>do</strong>res. Segun<strong>do</strong> BERQUÓ, E., MILANESI,<br />

M.L. e LAURENTI, R.(1972) os indica<strong>do</strong>res de saúde ou indica<strong>do</strong>res<br />

sanitários são "elementos propostos internacionalmente no senti<strong>do</strong><br />

de medir saúde" (p.209). Tais indica<strong>do</strong>res de saúde são da<strong>do</strong>s<br />

populacionais sobre <strong>do</strong>enças, mortes, distribuição <strong>do</strong>s serviços de


Pág. 61<br />

saúde, dentre outros, que permitem entender relações e causas de<br />

padrões de comprometimento da saúde pois, entende aEpidemioJogia,<br />

existem fenômenos passíveis de compreensão apenas através de grupos<br />

populacionais, não o sen<strong>do</strong> através da Clínica que foca a análise sobre<br />

o indivíduo.(FORATTINI,O.P., 1976).<br />

Em nosso estu<strong>do</strong> os indica<strong>do</strong>res construí<strong>do</strong>s pelos<br />

motoristas de ônibus lhes permitem compreender relações existentes<br />

entre as condições de <strong>trabalho</strong> e o incômo<strong>do</strong> ou conforto , ou ainda,<br />

entre estas condições e os problemas de saúde que se estruturam em<br />

patologias dentre eles. Tais indica<strong>do</strong>res se caracterizam por serem<br />

mostras indiretas dessas relações, expressan<strong>do</strong> comportamentos que<br />

consistem em reações por parte <strong>do</strong>s motoristas a condições de <strong>trabalho</strong><br />

"boas" e "ruins".<br />

Para a Epidemiologia os indica<strong>do</strong>res de saúde são<br />

coeficientes que se expressam em quantidades numéricas. Para os<br />

motoristas de ônibus os indica<strong>do</strong>res de sua Epidemiologia prática<br />

também têm um caráter quantitativo, muito embora seus coeficientes<br />

não sejam expressos através de números. Tal caráter assim se configura<br />

pelo senso <strong>do</strong> grupo. A freqüência é extraída pela noção de repetição<br />

<strong>do</strong> evento no grupo. Muito, pouco, bastante, demais também são<br />

coeficientes, como o é dez em mil.<br />

São indica<strong>do</strong>res o absenteísmo, a recusa ou solicitação para<br />

trabalhar em determinadas linhas, a rotatividade de opera<strong>do</strong>res, a<br />

freqüência com que os motoristas-reserva trabalham em determinadas<br />

linhas e a recusa <strong>do</strong> motorista escala<strong>do</strong> em ser troca<strong>do</strong> de linha.<br />

Esses indica<strong>do</strong>res expressam a sintonia - maior ou menor -<br />

existente na relação motorista-condição de <strong>trabalho</strong> e são fontes de<br />

informação que possibilitam aos motoristas lidarem com a penosidade<br />

<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, na medida em que criam uma predisposição a procurar<br />

determinadas linhas e a evitar outras, pois os indica<strong>do</strong>res caracterizam<br />

o perfil da linha "ruim" e o da "linha boa".


l J ây. 62<br />

No entanto, apenas a "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum"<br />

não nos permitiu identificar as razões essenciais que conformam essas<br />

tendências aos indica<strong>do</strong>res. Faltam-nos informações que nos<br />

possibilitem apreender como se dá a relação motorista-<strong>trabalho</strong> que<br />

conduz o coletivo de motoristas a se comportar de mo<strong>do</strong> tal que esses<br />

indica<strong>do</strong>res sejam observa<strong>do</strong>s.<br />

Famiiiaridade, Poder e Limite Subjetivo: Requisitos<br />

para o exercício <strong>do</strong> Controle<br />

O segun<strong>do</strong> méto<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> pelos motoristas para<br />

avaliar as linhas é o que denominamos de "Subjetivo-Existencial" pois<br />

pressupõe a vivência direta <strong>do</strong> motorista no <strong>trabalho</strong>. Através dele<br />

aparecem outros elementos que elucidam a presença da penosidade<br />

no <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas, complementan<strong>do</strong> as informações obtidas<br />

através da "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum". Eles aparecem através<br />

de palavras-índice de "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

Identificamos, através deste segun<strong>do</strong> méto<strong>do</strong> que o<br />

Trabalho Penoso está sustenta<strong>do</strong> por um tripé forma<strong>do</strong> pela<br />

famiiiaridade, pelo poder e pelo limite subjetivo, os quais, por sua vez,<br />

possibilitam o exercício <strong>do</strong> controle sobre o <strong>trabalho</strong>.<br />

1 - Famiiiaridade<br />

A famiiiaridade é um processo de aproximação gradativa<br />

com o <strong>trabalho</strong>, elabora<strong>do</strong> mediante a construção de um conhecimento<br />

específico <strong>do</strong>s motoristas. Uma das suas expressões objetivas é a<br />

linguagem própria <strong>do</strong>s motoristas. Nessa linguagem, aqueles que não<br />

estão familiariza<strong>do</strong>s com o <strong>trabalho</strong>, os novatos, recebem uma<br />

denominação específica - "calça branca".


Pág. 63<br />

A essencialidade desse aspecto para a compreensão da<br />

penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é indubitável, da<strong>do</strong> que os motoristas relatam<br />

experiências de <strong>trabalho</strong> associadas ao sofrimento quan<strong>do</strong> da entrada<br />

na profissão: "Ah, a pessoa fica nervosa porque ele passou a motorista<br />

esses dias, então a pessoa fica com me<strong>do</strong> de andar, não tem experiência,<br />

não tem nada. Eu mesmo quan<strong>do</strong> comecei a trabalhar fiquei meio<br />

cisma<strong>do</strong> assim. Não tinhaprática, então a gente fica com receio de andar,<br />

então é numa dessa que os passageiros começam a chiar com agente e a<br />

gente fica nervoso." A familiaridade é um conhecimento que se adquire<br />

e se constrói com a experiência de <strong>trabalho</strong>.<br />

Acostumar-se com o <strong>trabalho</strong> e adquirir prática no <strong>trabalho</strong><br />

são expressões empregadas para designar esse processo de<br />

familiarização gradativa que ocorre durante o exercício da profissão:<br />

"no começo houve um pouco de nervosismo devi<strong>do</strong> ao trânsito, devi<strong>do</strong><br />

né, falta de costume,pâra-pára, então não estava adapta<strong>do</strong> a essas coisas,<br />

né, então eu estranhei". Outros referem que no início <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />

tinham o desejo de sair, devi<strong>do</strong> ao estranhamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>:<br />

"...aconteceu um tempo atrás, eu fui na garagem pediprá me mandar<br />

embora, eu achei que não estava suportan<strong>do</strong>, sabe?" Esses depoimentos<br />

corroboram a afirmação de DEJOURS(1980) de que o perío<strong>do</strong> de<br />

adaptação é "<strong>penoso</strong>".<br />

O processo que visa tornar familiar aquilo que é estranho<br />

implica na tentativa de acomodação, de ajuste entre o trabalha<strong>do</strong>r e o<br />

<strong>trabalho</strong>, envolven<strong>do</strong> também o esforço de tornar-se familiar ao<br />

<strong>trabalho</strong>.<br />

A familiarização com o <strong>trabalho</strong> não é um processo de<br />

aprendizagem que se dá passivamente, não é um caminho de mão<br />

única. Ela se constrói entrelaçan<strong>do</strong>-se ao conhecimento que o<br />

trabalha<strong>do</strong>r já possui. Além disso, não é um processo visan<strong>do</strong> apenas<br />

tornar o <strong>trabalho</strong> familiar, pois, ao mesmo tempo, é um processo de<br />

auto-conhecimento, conhecimento de seus iimites subjetivos, <strong>do</strong>s<br />

limites impostos pelo <strong>trabalho</strong> e de interfaces trabalha<strong>do</strong>r-<strong>trabalho</strong><br />

onde se experiência maior ou menor conforto no <strong>trabalho</strong>. Um <strong>do</strong>s


Pág. 64<br />

motoristas assim sintetizou a avaliação das linhas: "geralmente são<br />

aqueles mesmos passageiros to<strong>do</strong>s os dias, então por isso eles se adaptam<br />

- 'não, o motorista é bacana, né?'... mesmo o passageiro sen<strong>do</strong> ruim, então<br />

ele não se toma ruimprá gente, ele se toma uma pessoa compreensiva...<br />

então muitas vezes o passageiro vai se adaptan<strong>do</strong> com a gente, vai se<br />

acostuman<strong>do</strong>, então agente se toma uma pessoa boa pro passageiro e o<br />

passageiro umapessoa boapro motorista e o cobra<strong>do</strong>r... então geralmente<br />

tem linha que agente se adapta melhor, outras agente não se adapta, mas<br />

eu acho que é tu<strong>do</strong> em termos da gente trabalhar nela. Se a pessoa<br />

trabalha nela escala<strong>do</strong> então a pessoa vai se adaptar... então eu não<br />

acredito que existe linha ruim nem linha boa. No meu mo<strong>do</strong> de pensar,<br />

tu<strong>do</strong> depende da pessoa se adaptar com a linha e com os passageiros, né.<br />

Então não existe linha nem boa nem ruim, todas elas se toma igual. Existe<br />

aqueles motoristas que são um pouco mais agita<strong>do</strong>, outros mais calmos<br />

né, então tu<strong>do</strong> depende muito <strong>do</strong> jeito da pessoa agir." Nesse processo de<br />

adaptação, de familiarização, está envolvida a dimensão subjetiva <strong>do</strong><br />

quanto é possível ao motorista ajustar-se ao <strong>trabalho</strong>.<br />

É tranqüilo trabalhar quan<strong>do</strong> é possível prever o desenrolar<br />

<strong>do</strong>s acontecimentos no <strong>trabalho</strong>:"... até os pontos que os passageiros vão<br />

descer a gente sabe, a gente acostuma né, então até os pontos... que o<br />

passageiro vaipr'aquele lugar você já sabe, então quer dizer que fica mais<br />

tranqüilo" Torna-se "fácil trabalhar" e sen<strong>do</strong> assim, o "motorista não se<br />

irrita muito, não se desgasta muito".<br />

Por sua vez, por gerar a possibilidade de prever os<br />

acontecimentos, a familiaridade também gera expectativas e uma<br />

acomodação subjetiva para as quais se preparam íanto o motorista<br />

como os passageiros e não tê-las concretizadas suscita a vivência de<br />

sofrimento e incômo<strong>do</strong>. Daí porque um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s ter referi<strong>do</strong><br />

que o incômo<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> reside no fato de ter que realizar uma<br />

quantidade de viagens além das previstas em sua tabela, incômo<strong>do</strong> este<br />

não associa<strong>do</strong> diretamente ao cansaço gera<strong>do</strong> pelas horas de <strong>trabalho</strong><br />

pois a seu ver não está relaciona<strong>do</strong> à duração da jornada de <strong>trabalho</strong> e<br />

sim à expectativa <strong>do</strong> quanto terá que trabalhar. Espera-se um<br />

determina<strong>do</strong> desenrolar <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e quan<strong>do</strong> isto não ocorre gera<br />

sofrimento: "passageiros que fazem algazarra, entram pela janela, pela


Pág. 65<br />

porta da frente, não pagam passagem, rasgam o banco <strong>do</strong> ônibus,<br />

escrevem na parede e no teto". O imprevisto incomoda pois nem sempre<br />

sé sabe como lidar com ele.<br />

Desconhecer o <strong>trabalho</strong> é uma das razões que estão<br />

subjacentes à concepção <strong>do</strong> Trabalho Penoso. Por outro la<strong>do</strong>, estar<br />

familiariza<strong>do</strong> com o <strong>trabalho</strong> , por si só não significa a ausência de<br />

contextos de <strong>trabalho</strong> identifica<strong>do</strong>s como "<strong>penoso</strong>s", pois há uma outra<br />

dimensão que diz respeito à possibilidade de materializar as<br />

expectativas geradas, em parte, pelo conhecimento.<br />

O conhecimento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e <strong>do</strong> limite subjetivo gera<br />

expectativas de duas ordens, pelo menos: cumprir com regras<br />

pré-estabelecidas pela empresa ou criadas pelos motoristas no<br />

decorrer <strong>do</strong> processo de familiarização e respeitar o seu limite<br />

subjetivo.<br />

No entanto, tais expectativas, para serem concretizadas,<br />

dependem da detenção de algum grau de poder para atuar: " tem<br />

itinerário que é mais desagradável prá gente, né. Trânsito né, irrita<br />

bastante. Geralmente o trânsito é uma calamidade prá irritar a gente. As<br />

vezes você não tem condição de fazer aquele horário, o passageiro fala:<br />

'vamo embora motorista... não anda nada!' O outro: 'o que que é isso,<br />

você é mole?'Então aquilo né, não tem condições né. Você pede passagem<br />

prá um carro eles fazem gesto feio prá gente. Então isso vai acarretan<strong>do</strong><br />

bastante nervo na gente". No processo de familiarização está envolvi<strong>do</strong><br />

também o conhecimento sobre o poder que individualmente detém<br />

para atuar sobre o <strong>trabalho</strong> e, mesmo conhecen<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong>, as expectativas <strong>do</strong>s passageiros e as suas, experimenta-se<br />

sentimentos de irritação e nervosismo associadas à submissão.<br />

A familiaridade com o <strong>trabalho</strong> capacita o motorista a<br />

prever as conseqüências de cada tipo de problema. São os "imprevistos"<br />

que têm conseqüências previsíveis, mas nem sempre controláveis.


Pág. 66<br />

Trabalha-se sossega<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> " com carro de escala você<br />

trabalha com uma coisa que você está confiante nela, aí você usa aquilo<br />

que você sabe". Para usar aquilo que se sabe é preciso ter poder.<br />

2 - Poder<br />

A limitação <strong>do</strong> poder sobre o <strong>trabalho</strong> faz com que os<br />

motoristas o considerem "complica<strong>do</strong>, problemático e ruim demais."<br />

Essa adjetivação conferida a determina<strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong><br />

deve-se a um conhecimento prévio sobre as possibilidades e limitações<br />

<strong>do</strong> poder que detém sobre eles. Assim, "às vezes a manutenção acaba<br />

causan<strong>do</strong> problema pro passageiro também e ele cai em cima <strong>do</strong><br />

motorista, o motorista é o culpa<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong> e o motorista é um verdadeiro<br />

herói sem valor." Ou seja, sabe-se de antemão quais os des<strong>do</strong>bramentos<br />

de problemas localiza<strong>do</strong>s, suas conseqüências para a prestação de<br />

serviço e para o próprio motorista, mas não há como modificá-los de<br />

imediato.<br />

Ocorre ainda de o motorista experienciar situações de<br />

conflito, onde a irritação ocorre justamente devi<strong>do</strong> à impossibilidade<br />

de responder a todas as solicitações simultaneamente, como por<br />

exemplo: "existe carro que é tu<strong>do</strong> duro e você pisa e ele não desenvolve,<br />

não deslancha a velocidade dele, então aquilo acarreta bastante...tanto<br />

nervo como cansaço no motorista né. Traz bastante irritação na gente,<br />

por quê? Você tá ven<strong>do</strong> o horário aproxima<strong>do</strong> e você não pode, não tem<br />

condições... Então você sai <strong>do</strong> ponto...o carro não deslancha e já o<br />

passageiro vai descer naquele e o carro não desenvolveu nada a<br />

velocidade. Então aquilo acarreta esforço no corpo né, canseira no corpo,<br />

na mente e tu<strong>do</strong>, enquanto um carro que você pisa e ele desenvolve a<br />

velocidade então aquilo te...né...te alivia bastante." A irritação, o<br />

nervosismo e o cansaço , portanto, a "penosidade", é vivida quan<strong>do</strong><br />

trabalhar significa ter que suportar, tolerar uma situação incômoda ou<br />

que demande esforço e perceber que o poder de interferência na<br />

situação é restrita ou inexiste.


Pág. 67<br />

Reconhecer a limitação <strong>do</strong> poder de modificação ou de<br />

interferência nos contextos "<strong>penoso</strong>s" de <strong>trabalho</strong> gera a conformação<br />

<strong>do</strong> motorista a esse limite:" o meu carro chega num limite ele corta o<br />

óleo e não adiante eu pisar mais, você vai acaban<strong>do</strong> o que., você vai ter<br />

que apertar mais o acelera<strong>do</strong>r, você vai cansar logicamente né. Então não<br />

adianta eu querer batalhar, é remar contra a maré, eu tenho que me<br />

conformar com aquilo dali. Então tem hora que pega outro carro, o carro<br />

anda a 70por hora, enquanto o outro anda a 80, outro anda a 60, ele não<br />

deslancha mais <strong>do</strong> que aquilo. Então não adianta, eu vou cansar tanto a<br />

mente como o corpo".<br />

Reconhecen<strong>do</strong> a limitação para o exercício <strong>do</strong> poder é que<br />

um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s considerou o seu <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>": "é meio<br />

<strong>penoso</strong> por agüentar todas essas conseqüências que a gente agüenta né,<br />

mas se toma mais <strong>penoso</strong> se a gente levar aquilo assim, né, se a gente for<br />

pensar naquilo, mas se a gente procurar meio que disfarçar então se torna<br />

menos <strong>penoso</strong>... então é uma coisa bastante prejudicial no serviço da<br />

gente isso aí, porque você vai ser obriga<strong>do</strong> a se fazer de bobo prá poder<br />

viver". Ao fazer-se de bobo ele expressa a existência de um<br />

conhecimento prévio não aplicável, inclusive das limitações de seu<br />

poder sobre o <strong>trabalho</strong>. Fazer-se de bobo remete ainda à reflexão de<br />

CAMUS(s.d.) sobre o <strong>trabalho</strong> de Sísifo, onde o castigo existe quan<strong>do</strong><br />

o trabalha<strong>do</strong>r tem consciência de sua situação. Isto se relaciona à<br />

questão da alienação onde o disfarce, o esquecimento, a não<br />

consciência sobre a sua condição, sobre o seu poder levam ao menor<br />

sofrimento.<br />

O poder inexiste em duas situações - não ter o<br />

conhecimento da prática e tê-lo mas mão ter instrumentos para<br />

exercitá-lo. Quan<strong>do</strong> isto ocorre o <strong>trabalho</strong> é "duro de agüentar", pois o<br />

motorista é obriga<strong>do</strong> a suportar, a submeter-se a situações complicadas<br />

e difíceis.


3 - O Limite Subjetivo<br />

Pág. 68<br />

O processo de familiarização com o <strong>trabalho</strong> é também um<br />

processo de auto-conhecirnento, que diz respeito ao limite subjetivo<br />

<strong>do</strong> quanto e quan<strong>do</strong> é possível agüentar as estimulações <strong>do</strong>s contextos<br />

de <strong>trabalho</strong>.<br />

A objetivação <strong>do</strong> limite subjetivo é procedida mediante o<br />

emprego de palavras-índice que indicam uma ação<br />

estimula<strong>do</strong>ra/provoca<strong>do</strong>ra sobre o motorista.<br />

A palavra-índice irritar, suas derivações e compostos<br />

mostra-se adequada para sinalizar que há contextos de <strong>trabalho</strong><br />

gera<strong>do</strong>res de incômo<strong>do</strong>. É plástica o suficiente para expressar diversas<br />

formas difusas de vivências indesejadas, não prazerosas física e<br />

mentalmente. Tal propriedade desta palavra-índâce, coincide com a<br />

constatação de DUARTE (1986) de que a irritação designa uma<br />

"sensibilidade difusa por toda a superfície corporal, um pouco como<br />

capacidade de recepção e reação a estímulos, um pouco como a<br />

experiência eletrostática"(p.l66) Irritar significa tornar colérico,<br />

exasperar, agastar, exaltar, excitar, provocar.<br />

Quan<strong>do</strong> são empregadas encadeadamente com irritar,<br />

outras palavras-índice como nervoso, cansaço, desgaste, incômo<strong>do</strong>,<br />

prejudicar, atrapalhar, a provocação sentida passa a ganhar contornos<br />

mais claros, indican<strong>do</strong> através de quais espaços o limite subjetivo é<br />

detectável.<br />

Distingue-se basicamente o emprego de três conjuntos de<br />

expressões. O primeiro onde o espaço da irritação está circunscrita à<br />

dimensão emocional, onde as expressões compostas ou derivadas dessa<br />

palavra-índice são utilizadas isoladamente ou com aquelas compostas<br />

ou derivadas de nervoso e tensão. O segun<strong>do</strong> onde essa palavra-índice<br />

é utilizada encadeadamente com desgaste, cansaço, força muito<br />

mentalmente e fisicamente e esforço, indican<strong>do</strong> que o limite subjetivo é<br />

detectável simultaneamente no espaço físico e mental. Por fim, o


Pág. 69<br />

terceiro onde a irritação associada a incomoda muito aponta para um<br />

excesso ou inconveniência de estímulos (DUARTE, 1986) sensoriais<br />

e físicos, sinalizan<strong>do</strong> que há desconforto.<br />

Assim, a irritação associada a outras palavras-índice<br />

constituem-se em sinaliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> limite subjetivo <strong>do</strong> suportável nas<br />

dimensões física e mental (estan<strong>do</strong> incluídas aqui a dimensão cognitiva<br />

e emocional).<br />

A irritação sentida pelo motorista sofre determinações<br />

objetivas e subjetivas, pois depende ao mesmo tempo <strong>do</strong>s contextos de<br />

<strong>trabalho</strong> e das características de cada motorista, significan<strong>do</strong> que o<br />

limite subjetivo <strong>do</strong> suportável sofre dupla determinação. No entanto,<br />

as de ordem objetiva parecem ser determinantes na vivência da<br />

irritação: "existem aqueles opera<strong>do</strong>res que são mais calmos e outros que<br />

são mais agita<strong>do</strong>s né. Toda classe tem esse tipo de gente, uns são mais<br />

irrita<strong>do</strong>s... então, mesmo aquele que não é tão irrita<strong>do</strong> ele se sente irrita<strong>do</strong><br />

porque faz parte daquela profissão né, às vezes é o carro que não anda<br />

bem, éruim, é pesa<strong>do</strong>, os passageiros irritan<strong>do</strong>, então você se sente mal".<br />

O sentir-se mal indica que o excesso ou a inconveniência de<br />

estimulações está atingin<strong>do</strong> o iimite <strong>do</strong> suportável ou que este limite<br />

já foi ultrapassa<strong>do</strong>, geran<strong>do</strong> o que denominamos de Ruptura.<br />

Incômo<strong>do</strong>s, esforços e irritações existem em to<strong>do</strong>s os<br />

contextos de <strong>trabalho</strong>: "espinho tem em todas as linhas". A simples<br />

identificação da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> à existência de provocações<br />

não nos leva ao conceito em questão. Daí a necessidade de lançar mão<br />

de outras formas de expressão, também através da linguagem, onde a<br />

sinalização <strong>do</strong> limite subjetivo passa também por um crivo quantitativo,<br />

objetiva<strong>do</strong> através <strong>do</strong> emprego associa<strong>do</strong> a palavras-asidice de<br />

advérbios de intensidade como muito, demais, ou outras expressões<br />

que denotam uma quantificação como prá caramba. O mesmo ocorre<br />

ainda com algumas expressões bastante corriqueiras na linguagem <strong>do</strong>s<br />

motoristas. Linha Pesada é uma das que denota quantificação<br />

subjacente. É onde tem "muito passageiro", "muito trânsito", "paradas<br />

demais". Para que algo seja senti<strong>do</strong> como excessivo pressupõe-se que<br />

o motorista tenha a noção de um limite subjetivo <strong>do</strong> que é possível


Pág. 70<br />

suportar. A "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> assim entendida aponta para um<br />

excesso além desse limite. É o desrespeito a esse limite.<br />

O <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> se dá mais <strong>do</strong> que é possível,<br />

por excesso ou por inconveniência de estímulos: "um <strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong><br />

que eu acho é o seguinte: na minha opinião seria o funcionário trabalhar<br />

10, 12 horas por dia e não ganhar um salário justo. É assim, ele tá<br />

deixan<strong>do</strong> o sangue dele né, e ele não tem recompensa, ele não tem como<br />

cobrir aquilo, como se alimentar prá poder ter força de novo prá<br />

trabalhar". Quan<strong>do</strong> isso ocorre há o prejuízo para a saúde.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o limite subjetivo não é uma demarcação<br />

rígida e absoluta, pois relaciona-se a contextos de <strong>trabalho</strong> e não a<br />

agentes ou fatores. Exemplifican<strong>do</strong>, para um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s o<br />

trânsito é um fator de incômo<strong>do</strong> mas, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto no qual<br />

se inseria poderia ser suportável : "a linha A era uma linha que tinha<br />

trânsito, mas era um trânsito que você, você dá só uma viagem e meia ou<br />

duas. Você se colocava dentro de uma forma que você tinha paciência de<br />

ir e voltar e era uma linha que o pessoal era bem mais compreensivo, que<br />

não andava com o carro cheio".<br />

Uma nova dimensão também emerge para delimitar o nível<br />

de suportabilidade de contextos de <strong>trabalho</strong>. É a interferência de<br />

posturas a<strong>do</strong>tadas pelo motorista. Na citação acima, o entrevista<strong>do</strong><br />

relativiza o peso das condições objetivas mediante a incorporação <strong>do</strong><br />

tipo de postura que ele a<strong>do</strong>ta para trabalhar. Em suas palavras: "você<br />

se colocava dentro de umaforma que você tinhapaciência de ire voltar..".<br />

Assim, a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é definida pela relação estabelecida<br />

entre as condições objetivas de <strong>trabalho</strong> e a disponibilidade subjetiva.<br />

O limite subjetivo é o limite <strong>do</strong> quanto e quan<strong>do</strong> o<br />

motorista pode suportar. O poder diz respeito a quanto e quan<strong>do</strong> ele<br />

pode atuar modifican<strong>do</strong> os contextos incômo<strong>do</strong>s e difíceis de <strong>trabalho</strong>.


4 - O Controle<br />

Pág. 71<br />

O <strong>trabalho</strong> é complica<strong>do</strong>, ruim demais, problemático<br />

quan<strong>do</strong> há descontrole sobre o seu ritmo, geran<strong>do</strong> alterações e<br />

contextos de <strong>trabalho</strong> não familiares e consequentemente não<br />

<strong>do</strong>mináveis, poden<strong>do</strong> ou não estar dentro <strong>do</strong>s limites de<br />

suportabilidade.<br />

A percepção de descontrole sobre o <strong>trabalho</strong> na linha tem<br />

por referência o conhecimento anterior de que a programação e a<br />

tabela planejadas prevêem um andamento diferente <strong>do</strong> andamento<br />

real. A restrição quanto ao possível exercício <strong>do</strong> controle sobre o<br />

<strong>trabalho</strong> está relacionada à sua própria organização, onde o andamento<br />

de um carro é determina<strong>do</strong> e determina o andamento <strong>do</strong>s outros:"o<br />

motorista <strong>do</strong> carro da frente corre demais, entendeu. Ele passa num local<br />

adianta<strong>do</strong>, com diferença de 5 minutos, já é diferença, então ele sai<br />

daqui-alí, por exemplo... ele adiantan<strong>do</strong> esse percurso aqui, dalíprá lá,<br />

ele, o pessoal que sai, que sairia da fábrica não pega mais o carro dele, já<br />

pega o de trás, então ele adianta muito mais".<br />

O descontrole sobre o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como gera<strong>do</strong>r de<br />

nervosismo, forja<strong>do</strong> por um processo cumulativo.* "vai esgotan<strong>do</strong><br />

demais o cara". Esgotar tem o senti<strong>do</strong> de tirar até a última gota, dan<strong>do</strong><br />

a noção de que não ter possibilidade de exercer controle sobre o<br />

<strong>trabalho</strong> faz com que a pessoa seja exigida além <strong>do</strong> seu limite.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, para que o <strong>trabalho</strong> seja senti<strong>do</strong> como fácil,<br />

menos desgastante, é necessário que existam contextos de <strong>trabalho</strong> que<br />

permitam ao motorista a<strong>do</strong>tar mecanismos de ajuste que lhe permitam<br />

controlar o <strong>trabalho</strong> mediante o conhecimento prévio da rotina e <strong>do</strong><br />

poder que detém, bem como <strong>do</strong> seu limite subjetivo. Assim, um "dia<br />

bom de <strong>trabalho</strong> que eu acho é o seguinte: a ferramenta de <strong>trabalho</strong>, o<br />

carro estan<strong>do</strong> normal, o carro estan<strong>do</strong> em condições de <strong>trabalho</strong>, então<br />

você sai com o carro da garagem você se sente bem, o carro estan<strong>do</strong> em<br />

condições de <strong>trabalho</strong>, então você faz o horário normal, os outros carros<br />

vão vir tu<strong>do</strong> normal, pouco trânsito... diminui o número de passageiros,


Pág. 72<br />

então você vem tranqüilo, vem com a lotação normal <strong>do</strong> carro, o carro<br />

deslancha mais, você pára menos".<br />

O controle sobre o <strong>trabalho</strong> não está apenas articula<strong>do</strong> com<br />

a noção de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Conforme evidências de estu<strong>do</strong><br />

realiza<strong>do</strong> por HARRISON(1988) ele também encontra-se articula<strong>do</strong><br />

com a noção de <strong>trabalho</strong> perigoso : " O perigo se manifesta nos<br />

acontecimentos específicos onde os trabalha<strong>do</strong>res reconhecem que o<br />

controle jamais é absoluto. Existem incertezas em cada situação e os<br />

recursos necessários para conter os efeitos nocivos não estão sempre<br />

disponíveis"(p* 78).<br />

O <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r não tem<br />

conhecimento, poder e instrumentos para controlar os contextos de<br />

<strong>trabalho</strong> que suscitam vivências de desconforto e desprazer, dadas as<br />

características e necessidades e limite subjetivos. Enfim, o <strong>trabalho</strong> é<br />

"<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r não é sujeito da situação. Quan<strong>do</strong> isto<br />

ocorre, o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "desumano, força<strong>do</strong>"(OLIVEIRA,<br />

1971, p. 314).<br />

 Ruptura<br />

Quan<strong>do</strong> não é possível manter o equilíbrio que permite ao<br />

motorista exercer o controle sobre os contextos de <strong>trabalho</strong> que<br />

incomodam, irritam e que exigem esforço a mais dá-se a ruptura; ou<br />

seja, quan<strong>do</strong> há uma exigência <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> maior <strong>do</strong> que é possível<br />

corresponder, haven<strong>do</strong> transgressão <strong>do</strong> ritmo e limite subjetivo.<br />

Para os motoristas a ruptura se expressa diretamente na<br />

saúde. É quan<strong>do</strong> as coisas saem <strong>do</strong>s seus lugares, quan<strong>do</strong>/orça demais,<br />

provoca nervosismo, esta<strong>do</strong> de nervo abala<strong>do</strong>, e o motorista mistura.<br />

Esses esta<strong>do</strong>s emocionais vão sen<strong>do</strong> forja<strong>do</strong>s no decorrer <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />

em determina<strong>do</strong>s contextos, ten<strong>do</strong>, portanto, um caráter cumulativo.<br />

Não haven<strong>do</strong> mecanismos adequa<strong>do</strong>s para lidar com esses esta<strong>do</strong>s


Pág. 74<br />

o cara às vezes começa a falar sozinho e tem bastante misturan<strong>do</strong>,<br />

inclusive o cara com esgotamento nervoso então já não faz a coisa certa,<br />

não fala coisa com coisa, você vê cara falan<strong>do</strong> sozinho por aí, às vezes<br />

começa a xingar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>".<br />

Subjacente àpalavra-índicewüíwrar também está presente<br />

a concepção de que o motorista passa a ser uma pessoa não confiável,<br />

no senti<strong>do</strong> de não ter condição de seguir as regras de <strong>trabalho</strong><br />

necessárias. Isto ocorre devi<strong>do</strong> ao excesso e inconveniência de<br />

estimulações, impotência para lidar com elas e, ainda que tenha<br />

familiaridade com a situação ela não pode ser instrumentalizada, já que<br />

seu ritmo e limite subjetivo foram transgredi<strong>do</strong>s :." ...e/e (motorista)<br />

começa a sair fora <strong>do</strong> ar, ele não se liga no serviço, não presta atenção,<br />

aí ele começa a fazer bobagem, às vezes quan<strong>do</strong> ele acha que está muito<br />

mesmo ele sai corren<strong>do</strong> sozinho na rua...". Outro assim complementou:<br />

"ele fica falan<strong>do</strong> sozinho... não pega os passageiros no ponto, tá com o<br />

carro vazio e não pega os passageiros efica bravo quan<strong>do</strong> sobe um colega<br />

de... quan<strong>do</strong> sobe um colega de serviço, não gosta que fica na frente já<br />

manda irláprá trás, acha ruim <strong>do</strong>s velhinhos subir pela porta da frente".<br />

Finalmente, um entrevista<strong>do</strong> que já foi afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> por<br />

problemas emocionais, deu a seguinte visão sobre esse aspecto: "eu<br />

estava com esgotamento nervoso abala<strong>do</strong>, não tinha condições de espécie<br />

alguma de trabalhar e realmente não tinha, ia pôr em risco a vida de to<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>".<br />

Ser uma pessoa não confiável, portanto, significa não ter<br />

condições para continuar trabalhan<strong>do</strong>, conforme referi<strong>do</strong><br />

anteriormente:" ele (motorista) está emponto deirproJuquerí, emponto<br />

de ficar interna<strong>do</strong>". Outro entrevista<strong>do</strong> diz que quan<strong>do</strong> o motorista está<br />

misturan<strong>do</strong> ele tem que ir prá "caixa" (expressão correntemente<br />

utilizada para designar que o trabalha<strong>do</strong>r está afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />

receben<strong>do</strong> auxílio previdenciário por <strong>do</strong>ença). Em síntese, misturar<br />

tem a conotação de esgotamento da saúde a ponto de tornar o<br />

trabalha<strong>do</strong>r incapacita<strong>do</strong> para o <strong>trabalho</strong>, mesmo que<br />

temporariamente.


Pág. 75<br />

Longe de ser um ato voluntário, misturar é uma<br />

"necessidade", como define um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. É uma necessidade<br />

porque já ultrapassou os limites <strong>do</strong> suportável. É necessário muitas<br />

vezes ter auto-controle para continuar trabalhan<strong>do</strong>, denotan<strong>do</strong> que<br />

quan<strong>do</strong> não é possível controlar os contextos de <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>s", é<br />

necessário controlar a si mesmo.<br />

O espaço de circunscrição daquilo que é designa<strong>do</strong> como<br />

misturar é a mente, a cabeça pois o <strong>trabalho</strong> com coletivos força muito<br />

a mente ou mexe muito com a mente e isto ocorre devi<strong>do</strong> a uma série<br />

de aspectos que vão desde a relação com o passageiro, passan<strong>do</strong> pela<br />

organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> na garagem e na linha, pelas condições de<br />

manutenção <strong>do</strong>s carros até as condições de trânsito. Da mesma forma<br />

que observa<strong>do</strong> em outras palavras-índice, aquilo que força a mente é<br />

a interação de fatores que forja contextos de <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>s"<br />

emocional e cognitivamente. Os motoristas definem o esta<strong>do</strong><br />

emocional misturar como sen<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> eles sentem que foram<br />

irrita<strong>do</strong>s demais, quan<strong>do</strong> eles estão nervosos demais e quan<strong>do</strong> foram<br />

"transpassa<strong>do</strong>s". Ter si<strong>do</strong> transpassa<strong>do</strong> significa ter si<strong>do</strong> viola<strong>do</strong> em seu<br />

limite subjetivo <strong>do</strong> suportável. É o excesso de nervosismo, de irritação,<br />

de tensão e de esforço. Quan<strong>do</strong> o motorista está misturan<strong>do</strong> ele está<br />

expressan<strong>do</strong> sua "revolta".<br />

São emprega<strong>do</strong>s encadeadamente com essa palavra-índice<br />

os seguintes: louco, pira<strong>do</strong>, esgotamento nervoso abala<strong>do</strong>, trauma<br />

nervoso, totalmente confuso, lelé.<br />

O desarranjo da subjetividade ocorri<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o motorista<br />

está nervoso demais, quan<strong>do</strong> está misturan<strong>do</strong> é objetiva<strong>do</strong> em<br />

manifestações psicológicas e fisiológicas, como relata um entrevista<strong>do</strong><br />

que teve esgotamento nervoso: "me deu bem dizer um trauma nervoso<br />

né, fiquei revolta<strong>do</strong>, eu só sabia chorar e tremer, minhas vistas escureciam,<br />

não via nada, não enxergava nada.,, então eu, qualquer coisinha, tava<br />

discutin<strong>do</strong>, brigan<strong>do</strong> com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em casa qualquer coisinha... eu<br />

cheguei a estourar os vidros da porta de casa, cheguei a quebrar tu<strong>do</strong> os<br />

vidros e me dava muita <strong>do</strong>r de cabeça, me <strong>do</strong>ía demais, me atacava outras


Pág. 76<br />

coisas também, me <strong>do</strong>ía o estômago e começava a tremer, então tinha<br />

que <strong>do</strong>rmir, descansar, prápassar...".<br />

Quan<strong>do</strong> a ruptura se expressa não há dicoíomia mente e<br />

corpo. Uma estimulação demasiada pode provocar o corpo, como os<br />

esforços musculares, por exemplo, e a expressão da ruptura dela<br />

advinda ser mental, na forma de nervosismo. Já uma estimulação<br />

demasiada que provoca a mente, como a relação atritosa com o<br />

passageiros, pode expressar-se, enquanto ruptura, em <strong>do</strong>res<br />

musculares e de estômago. Apesar disso, identificamos que o espaço<br />

preferencial para a expressão <strong>do</strong> excesso ou inconveniência de<br />

estímulos é a mente, os nervos e a cabeça.<br />

Aquilo que se exterioriza como descontrole - misturar -<br />

ocorre em função <strong>do</strong> excesso de auto-controle a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong><br />

suportar o máximo possível as irritações;"... ele tem muita preocupação,<br />

qualquerprobleminha no trânsito assim ele já se descontrola né, onde ele<br />

fica nervoso e se descontrola atoa, então a turma fala misturar, então tá<br />

misturan<strong>do</strong>, aí começa falar sozinho, é, eu acho que ele pensa que tá num<br />

outro local, ele esquece o intervalo, eu acho que isso é um problema da<br />

mente mesmo né".<br />

A ruptura <strong>do</strong> equilíbrio ocorre quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s apoios não<br />

está presente. Apesar <strong>do</strong>s três requisitos serem igualmente necessários,<br />

evidenciamos que o poder para interferir no <strong>trabalho</strong> a fim de respeitar<br />

o limite subjetivo é aquele que parece ter maior peso no jogo de forças<br />

que possibilita o controle ou leva à ruptura, talvez por ser aquele que<br />

independe <strong>do</strong> motorista.<br />

A pendência entre o controle e a ruptura nos diversos<br />

contextos de <strong>trabalho</strong> é a essência <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong>s<br />

motoristas que sustenta a avaliação das linhas. A movimentação <strong>do</strong>s<br />

motoristas entre as linhas, ou seja, as reações que a<strong>do</strong>tam frente a elas,<br />

de aproximação e repulsa (rotatividade e absenteísmo), estão<br />

determinadas pelo controle que eles podem exercer, ten<strong>do</strong> em vista a<br />

familiaridade, o poder e o limite subjetivo, este conheci<strong>do</strong> mediante<br />

<strong>do</strong>is parâmetros: inconveniência e excesso de estímulos. É essa mesma


Pág. 77<br />

possibilidade de sustentação <strong>do</strong> controle que nucleia a avaliação das<br />

linhas boas e ruins.


Capítulo V"<br />

e a Ação<br />

Adaptativa


Pág. 79<br />

li o decorrer <strong>do</strong> capítulo anterior ficou evidencia<strong>do</strong> que o<br />

conceito de Trabalho Penoso está articula<strong>do</strong> com a possibilidade de o<br />

motorista controlar o <strong>trabalho</strong>. Essa articulação dá-se a nível da<br />

constituição <strong>do</strong> conceito propriamente. Isso implica que só se pode<br />

conceituar a "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> mediante a incorporação da<br />

noção de controle.<br />

Para que o controle <strong>do</strong> motorista sobre o <strong>trabalho</strong> seja<br />

exerci<strong>do</strong> é necessária a presença simultânea <strong>do</strong>s três requisitos:<br />

familiaridade, poder e limite subjetivo. Porém, a centralização <strong>do</strong><br />

poder é uma das principais características da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />

em nossa sociedade e, por decorrência, das decisões, <strong>do</strong> planejamento,<br />

das metas e <strong>do</strong>s meios para atingi-las. A lógica e as características dessa<br />

forma de organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, bem como as conseqüências,para a<br />

autonomia <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res já foram exaustivamente debatidas e<br />

analisadas por MARGLIN(1980), FRIEDMANN(1983),<br />

BRAVERMAN(1981), NAVILLE(1973), FLEURY e<br />

VARGAS(1983) dentre vários outros.<br />

Também já foram descritas e analisadas as suas<br />

conseqüências para a saúde <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, em nossa sociedade<br />

inclusive, segun<strong>do</strong> aportes teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos distintos. Esses<br />

estu<strong>do</strong>s referem tanto repercussões mentais como físicas e, dentre os


Pág. 80<br />

vários estu<strong>do</strong>s que já demonstraram essa relação, citamos apenas<br />

alguns deles: KALIMO e cols.(1987), DEJOURS e cols.(1985),<br />

SELIGMANN SILVA(1986), DEJOURS(1980),<br />

FRIEDMANN(1983), DIESAT(1989), SELIGMANN SILVA e<br />

cols.(1985), SELIGMANN SILVA e cols. (1986) e BORGES(1990).<br />

Se a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em nossa sociedade planeja<br />

previamente a partir da centralização <strong>do</strong> poder to<strong>do</strong>s os detalhes para<br />

a realização das tarefas e se existem claras evidências de que ela traz<br />

repercussões negativas para a saúde física e mental, segue a pergunta:<br />

como o trabalha<strong>do</strong>r, neste caso, o motorista, poderia exercer o<br />

controle? E, em sen<strong>do</strong> possível, isto significaria que ele tem poder?<br />

GUSTAVSEN (s.d.) sob a ótica da saúde considera<br />

relevante a possibilidade de o trabalha<strong>do</strong>r exercer controle sobre o<br />

<strong>trabalho</strong> pois isso "contribui positivamente para a redução da<br />

insatisfação, <strong>do</strong>enças mentais, etc..(•••) torna as pessoas mais capazes<br />

de agüentar e lidar com praticamente to<strong>do</strong>s os problemas stressantes<br />

<strong>do</strong> ambiente de <strong>trabalho</strong>. O controle torna as pessoas capazes de<br />

enfrentar o problema"(p. 136).<br />

O controle, conforme foi observa<strong>do</strong> nessa investigação, é<br />

realiza<strong>do</strong> através de práticas que vão sen<strong>do</strong> construídas no decorrer da<br />

trajetória profissional e a<strong>do</strong>tadas no dia a dia de <strong>trabalho</strong>.<br />

Isto significa que pensar a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é pensar<br />

sobre as práticas no <strong>trabalho</strong> e a linguagem empregada pelos<br />

motoristas que permite organizá-las e comunicá-las. Esta articulação<br />

explica porque eles constróem nominações específicas, chistes e até<br />

mesmo dita<strong>do</strong>s.<br />

Neste estu<strong>do</strong> identificamos nas falas <strong>do</strong>s motoristas<br />

considerações sobre a possibilidade <strong>do</strong> exercício de controle como:<br />

estar "adapta<strong>do</strong>" ou "acostuma<strong>do</strong>" com o <strong>trabalho</strong>, a existência de<br />

"linhas boas", a existência de contextos em que é "fácil trabalhar". Ou<br />

seja, embora o poder seja centraliza<strong>do</strong>, através da Programação, a<br />

linguagem e as práticas explicitam a possibilidade de exercer o controle


Pág. 81<br />

sobre o incômo<strong>do</strong> e o esforço exigi<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>, bem como sobre<br />

o sofrimento a ele relaciona<strong>do</strong>.<br />

O tema adaptação tem si<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> a partir de aportes<br />

diversos segun<strong>do</strong> diferentes conceituações na área de saúde <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r.<br />

LAURELL e NORIEGA (1989) que entendem o processo<br />

de desgaste da saúde como historicamente determina<strong>do</strong>, conforman<strong>do</strong><br />

perfis de morbidade específicos segun<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> de produção,<br />

consideram a noção de adaptação aquela que permite apreender a<br />

historicidade da biologia humana. Ou seja, os processos particulares<br />

de adaptação atribuem características ao nexo biopsicosocíal que<br />

determina o perfil patológico e o processo de desgaste.<br />

Os autores criticam a visão da noção de adaptação como<br />

processo que invariavelmente conduza ao esta<strong>do</strong> normal <strong>do</strong><br />

organismo. Ao contrário, eles procuram recuperar dessa noção a face<br />

que está associada à sobrevivência em condições precárias e que leva<br />

à estruturação de processos destrutivos.<br />

Embora LAURELL e NORIEGA(1989) enfatizem a<br />

relação entre processo de <strong>trabalho</strong> e desgaste da saúde, consideran<strong>do</strong>-o<br />

como processo biológico e fisiológico, e refiram-se à adaptação nesse<br />

âmbito, pontuam a necessidade de recuperar <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> sua<br />

característica essencialmente humana e por isso consciente. Esse<br />

importante assinalamento recupera o caráter simbólico <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />

envolven<strong>do</strong> a criação de universos de conhecimento. Tais universos,<br />

como será analisa<strong>do</strong> a seguir, também participam <strong>do</strong>s processos<br />

adaptativos.<br />

A adaptação, além de sua face que explica o<br />

desenvolvimento de processos destrutivos, também tem outra face que<br />

explica a construção de mecanismos de resistência. Compreender a<br />

adaptação como bifacetada permite entender porque, nos dizeres <strong>do</strong>s<br />

mesmos autores, "o processo de <strong>trabalho</strong> converte-se num terreno de<br />

contradição quan<strong>do</strong> os trabalha<strong>do</strong>res desenvolvem resistência contra


Pág. 83<br />

tempo como resulta<strong>do</strong> de concordância e interação colusiva, amiúde<br />

inconscientes, entre membros da organização, quanto à forma que ela<br />

irá assumir. Os mecanismos de defesa socialmente estrutura<strong>do</strong>s<br />

tendem, portanto, a tornar-se um aspecto da realidade externa com a<br />

qual novos e antigos membros da instituição devem entrar de<br />

acor<strong>do</strong>."(p.13).<br />

Ten<strong>do</strong> como perspectiva que as organizações são<br />

influenciadas pelas necessidades psicológicas <strong>do</strong>s seus membros, a<br />

autora analisou em seguida como a equipe de enfermagem enfrentava<br />

a ansiedade gerada pela natureza da instituição e, consequentemente,<br />

<strong>do</strong>s serviços que presta.<br />

Vários são os mecanismos cita<strong>do</strong>s e atualiza<strong>do</strong>s na relação<br />

com o paciente, como a "fragmentação <strong>do</strong> relacionamento<br />

enfermeira-paciente", "despersonalização, categorização e negação da<br />

importância <strong>do</strong> indivíduo", "distanciamento e negação de sentimento",<br />

dentre outros.<br />

MENZIES(1970) aprofunda a análise das motivações<br />

intrapsíquicas que dão substrato ao desenvolvimento de tais<br />

mecanismos, entenden<strong>do</strong> que são deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s mecanismos de defesa<br />

psíquicos primitivos.<br />

DEJOURS(1980), também a partir de perspectiva<br />

psicanalítica, estuda o sofrimento mental advin<strong>do</strong> da organização <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong> e identifica a a<strong>do</strong>ção de ideologias defensivas como<br />

estratégia para ocultar o me<strong>do</strong> e a ansiedade gera<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>.<br />

Elas são também estratégias adaptativas e caracterizam-se por: serem<br />

elaboradas por um grupo social particular, no qual se deve buscar a<br />

sua especificidade; serem dirigidas contra perigos e riscos reais; sua<br />

operacionalidade depender da participação de to<strong>do</strong>s os membros <strong>do</strong><br />

grupo; serem <strong>do</strong>tadas de coerência; terem um caráter vital,<br />

fundamental e necessário tornan<strong>do</strong>-se obrigatórias.<br />

MENZIES(1970) e DEJOURS(1980) aprofundam o<br />

estu<strong>do</strong> destes mecanismos adaptativos a partir da dinâmica


Pág. 84<br />

intrapsíquica. Enquanto para o primeiro autor os mecanismos de<br />

defesa socialmente estrutura<strong>do</strong>s derivam de mecanismos de defesa<br />

individuais, para o segun<strong>do</strong> a ideologia defensiva os substitui. Porém,<br />

apesar de serem formas de adaptação não se pode concluir que são<br />

sadias, mas são aquelas que se mostram viáveis para os trabalha<strong>do</strong>res<br />

lidarem com o sofrimento relaciona<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong>.<br />

Assim como MENZIES(1970), DEJOURS(1980)<br />

caracteriza a ideologia defensiva como socialmente elaborada, dirigida<br />

contra ansiedade real e partilhada por to<strong>do</strong>s os membros <strong>do</strong> grupo.<br />

MENZIES refere inclusive que os mecanismos adaptativos tornam-se<br />

aspectos da realidade externa.<br />

Esses autores, no entanto, não aprofundam a discussão de<br />

como se dá a estruturação social destes mecanismos e,<br />

consequentemente, como passam a fazer parte da realidade externa.<br />

O aprofundamento da discussão desses <strong>do</strong>is aspectos vem<br />

complementar a análise por eles realizada, pois consideramos que a<br />

construção de tais mecanismos é sustentada de um la<strong>do</strong> por<br />

motivações intrapsíquicas e, de outro, pela sua dimensão social.<br />

A nosso ver, conforme evidências dessa investigação, a<br />

estruturação social das estratégias adaptativas bem como a sua<br />

incorporação na realidade externa dá-se mediante as práticas e a<br />

linguagem <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.<br />

As práticas são ações que visam controlar o <strong>trabalho</strong>. Elas<br />

são coletivamente criadas e a<strong>do</strong>tadas, haven<strong>do</strong> diferenças individuais<br />

quanto àquilo que deve ser controla<strong>do</strong>, na medida em que a<br />

"penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é definida na interação subjetivo-objetivo.<br />

Tais práticas modificam o <strong>trabalho</strong> prescrito e o próprio<br />

comportamento <strong>do</strong>s motoristas frente a ele. Elas implicam não só numa<br />

conformação, num ajuste deste ao trabalha<strong>do</strong>r, mas também e<br />

simultaneamente, num ajuste <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r a ele. Desse processo<br />

resulta um outro <strong>trabalho</strong>, o <strong>trabalho</strong> real, o que é possível, dadas as


Pág. 85<br />

características e exigências <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> prescrito e as características,<br />

necessidades e limite subjetivo <strong>do</strong> suportável pelo motorista.<br />

Esse processo exige uma ação <strong>do</strong>s motoristas que resulta<br />

no "jeito de cada um trabalhar", o qual visa "adaptar-se", "acostumar-se"<br />

com o <strong>trabalho</strong>. Em função de como se dá esse processo de construção<br />

de práticas é que as denominamos de ação adaptativa , pois implica<br />

em movimento, em ação <strong>do</strong> motorista em direção a algo e, nesse<br />

senti<strong>do</strong>, é um processo ativo.<br />

Também, como vimos no capítulo anterior, a construção e<br />

a prática de ações adaptativas depende, além das condições concretas<br />

de <strong>trabalho</strong>, <strong>do</strong> conhecimento que vai sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> e socializa<strong>do</strong><br />

ao longo da trajetória profissional na empresa, na garagem e na linha.<br />

Daí porque alguns motoristas referirem terem ti<strong>do</strong> o desejo de sair e<br />

mesmo solicita<strong>do</strong> demissão logo nos primeiros meses de empresa, pois<br />

não suportavam o <strong>trabalho</strong>, "não me acostumava".<br />

DANIELLOU, LAVILLE e TEIGER(1989), apontam a<br />

importância <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de adaptação onde nele o trabalha<strong>do</strong>r não<br />

necessita apenas aprender a realizar o <strong>trabalho</strong> mais rapidamente, "mas<br />

de reorganizar as seqüências informativas e gestuais de outra forma. O<br />

que só se pode fazer com experiência, o que leva tempo. Para tanto, é<br />

necessário, muito freqüentemente, ir contra as instruções e as<br />

prescrições fornecidas pela organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>"(p.ll). A essas<br />

observações vale acrescentar, quan<strong>do</strong> se analisa o perío<strong>do</strong> de<br />

adaptação à luz da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, que há uma outra<br />

dimensão que é a da construção e da experiência de práticas que<br />

possibilitem exercer maior controle sobre aquilo que é "<strong>penoso</strong>".<br />

HARRlSON(1988), nesse senti<strong>do</strong>, entende que "os rigores da<br />

atividade profissional preside a estruturação de um código informal<br />

onde as normas são baseadas na experiência, na qualificação da<br />

profissão e nas prescrições <strong>do</strong> grupo de <strong>trabalho</strong>. Este código contribui<br />

para o conhecimento <strong>do</strong>s perigos e cria por sua vez atitudes, valores e<br />

os modelos de comportamento "(p. 78).


Pág. 86<br />

A esse respeito um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s refere que no começo<br />

<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> "a pessoa fica nervosa, então a pessoa fica com me<strong>do</strong> de<br />

andar, não tem experiência, não tem nada. Eu mesmo quan<strong>do</strong> comecei<br />

a trabalhar fiquei meio cisma<strong>do</strong> assim..., não tinha prática, então a gente<br />

fica com receio de andar*'. A não familiaridade, além da novidade <strong>do</strong><br />

<strong>trabalho</strong> em si, mostra que ele não detém o saber sobre as práticas para<br />

lidar com o <strong>trabalho</strong>.<br />

As representações sociais, por sua vez, garantem a esse<br />

conjunto de práticas significação e coerência. É o universo simbólico<br />

que se constitui no conhecimento da prática. São elas que<br />

instrumentalizam a socialização das ações adapíativas, ações essas que<br />

permitem passar <strong>do</strong> não familiar "não adapta<strong>do</strong>", "não acostuma<strong>do</strong>" -<br />

prescrito -, para o familiar - real.<br />

A linguagem é um <strong>do</strong>s canais que permite ingressar no<br />

universo das representações sociais. Sen<strong>do</strong> um conjunto de signos ela<br />

é criada na interação social. É um produto social. Segun<strong>do</strong><br />

BAKHTIN(1990) "os signos só emergem, decididamente, no processo<br />

de interação entre uma consciência individual e uma outra"(p. 34). Mas<br />

para isso, é necessário que esses indivíduos estejam socialmente<br />

organiza<strong>do</strong>s. No caso <strong>do</strong>s motoristas, para traduzir a realidade<br />

construída são criadas novas palavras e conceitos. Assim, o horário de<br />

"rush" é para alguns motoristas o horário <strong>do</strong> "ruge", a adaptação é a<br />

"adabitação".<br />

A linguagem médica também é incorporada e<br />

reapresentada por eles e para eles. Assim, achar que motorista sofre<br />

de "de-pressão" está sustentada pela vivência de pressão sofrida no dia<br />

a dia de <strong>trabalho</strong>. Essas novas palavras não são incorreções da língua<br />

portuguesa ou de tradução de outras e tampouco incompreensões de<br />

conceitos. São novas palavras com conceitos diferentes, mais ou menos<br />

próximos daquelas que derivam.<br />

BOLTANSKI(1989) analisan<strong>do</strong> as representações das<br />

classes populares sobre o corpo e a <strong>do</strong>ença, a partir <strong>do</strong> emprego da


Pág. 87<br />

nomenclatura médica, entende que o discurso fragmenta<strong>do</strong> sobre a<br />

<strong>do</strong>ença e o corpo, emiti<strong>do</strong> por <strong>do</strong>entes das classes populares, deve-se<br />

à forma de comunicação entre o médico e eles. Sem dúvida, esse é um<br />

aspecto importante que explica as razões <strong>do</strong> discurso fragmenta<strong>do</strong>.<br />

Porém, acrescentaríamos que o esforço de compreensão, de tornar o<br />

não familiar em familiar, de incorporar um elemento descola<strong>do</strong> da rede<br />

de conhecimentos já existente em elemento coerentemente integra<strong>do</strong><br />

nessa mesma rede, explica o neologismo cria<strong>do</strong> pelos motoristas. Como<br />

refere MOSCOVICI (1978): "Como os 'curiosos' e os'virtusos''que,<br />

em séculos passa<strong>do</strong>s, povoaram as academias, sociedades filosóficas e<br />

universidades populares, cada um procura manter contato com as<br />

idéias que pairam no ar e responder às interrogações que nos<br />

atormentam. Nenhuma noção é servida com o seu mo<strong>do</strong> de emprego,<br />

nenhum experimento se apresenta com o seu méto<strong>do</strong>, e ao tomar<br />

conhecimento de tais noções e experimentos o indivíduo usa-os como<br />

melhor entende. O importante é poder integrá-los num quadro<br />

coerente <strong>do</strong> real ou a<strong>do</strong>tar uma linguagem que permita falar daquilo<br />

de que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fala. Esse duplo movimento de familiarização com<br />

o real, pela extração de um senti<strong>do</strong> ou de uma ordem através <strong>do</strong> que é<br />

relata<strong>do</strong> e pela manipulação <strong>do</strong>s átomos de conhecimento dissocia<strong>do</strong>s<br />

de seu contexto lógico normal, desempenha um papel capital.<br />

Corresponde a uma constante preocupação: preencher lacunas,<br />

suprimir a distância entre o que se sabe, por um la<strong>do</strong>, e o que se observa,<br />

por outro, completar as 'divisórias vazias', de um saber pelas 'divisórias<br />

cheias' de um outro saber..."(p. 55). O neologismo, portanto, é produto<br />

da interação entre o conhecimento já existente e da incorporação<br />

modificada de novos elementos.<br />

Essa linguagem cria não só novas palavras, mas também<br />

expressões e dita<strong>do</strong>s, que visam garantir significa<strong>do</strong> à criação de novos<br />

objetos, traduzir práticas e padrões de relacionamento <strong>do</strong>s motoristas<br />

com o <strong>trabalho</strong> e <strong>do</strong>s motoristas entre si.<br />

Os opera<strong>do</strong>res são "chapéu de bico"? "virada seca" nomina a<br />

ausência de pausas entre as meias-viagens, "boneco" é o passageiro,<br />

"bater banco" é viajar com carro quase vazio e "muamba" é o excesso<br />

de lotação. "Calça branca" é o opera<strong>do</strong>r novato, "pé de cabra" é a


Pág. 88<br />

passageira com quem o motorista pode ter um relacionamento afetivo,<br />

a última viagem é "a boa" e "mistura/', como já analisa<strong>do</strong>, é o esta<strong>do</strong><br />

emocional altera<strong>do</strong>. "Darnó" é uma expressão que nornina o conjunto<br />

das ações adaptativas que visam controlar o <strong>trabalho</strong> e que altera a<br />

programação da linha.<br />

Dentre os dita<strong>do</strong>s, vale assinalar aquele que diz: "quem<br />

trabalha com pessoa não pode se irritar" e "agente tem que se conformar"<br />

ou "agente tem que se controlar". Eles comunicam a necessidade de criar<br />

formas de relacionamento com o <strong>trabalho</strong> pois este lhes impõe limites.<br />

A linguagem ao mesmo tempo em que é criada para dar<br />

significa<strong>do</strong> e socializar a prática também a sustenta enquanto prática<br />

social que passa a fazer parte da realidade da vida cotidiana.<br />

No universo simbólico <strong>do</strong>s motoristas de ônibus urbano<br />

existem ações adaptativas coletivamente criadas, nominadas e<br />

praticadas que visam controlar várias situações, tenham elas por<br />

refência o passageiro, o trânsito, o carro, a relação hierárquica, o ritmo<br />

de <strong>trabalho</strong>; enfim, a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de uma forma geral.<br />

A Trajetória Informal<br />

O universo simbólico construí<strong>do</strong> pelos motoristas de<br />

ônibus tem sua funcionalidade intimamente articulada com as ações<br />

adaptativas. Elas vão sen<strong>do</strong> desvendadas aos poucos e parecem<br />

naturais para os motoristas. Delineiam os caminhos trilha<strong>do</strong>s pelos<br />

motoristas dentro da empresa, sen<strong>do</strong> estes articula<strong>do</strong>s com as<br />

características e necessidades de cada um, incluin<strong>do</strong> as da dimensão<br />

subjetiva e as condições de vida em geral.<br />

Identificamos que os motoristas de ônibus têm uma<br />

trajetória mais ou menos regular ao entrarem na empresa. Iniciam sua<br />

carreira como funcionários da Reserva, onde, por força da função,<br />

acabam conhecen<strong>do</strong> senão todas, a maioria das linhas servidas pela


Pág. 89<br />

garagem. É neste perío<strong>do</strong> inicial mais ou menos prolonga<strong>do</strong>, mais ou<br />

menos provisório, mais ou menos compulsório, que começam a<br />

adquirir na sua experiência direta e mediante a troca de informações<br />

com os companheiros, o conhecimento sobre o <strong>trabalho</strong>, no que se<br />

refere a temas diversos, dentre eles as características das linhas, as<br />

tabelas, as programações, os tipos de passageiros, o tom imprimi<strong>do</strong> pela<br />

organização da empresa, as condições <strong>do</strong>s carros.<br />

É também nesse perío<strong>do</strong> que vão se conhecen<strong>do</strong> no<br />

<strong>trabalho</strong>, como se sentem, o que é mais ou menos vantajoso, o que é<br />

mais ou menos incômo<strong>do</strong>, como é melhor trabalhar; enfim, como se dá<br />

a relação contextos de <strong>trabalho</strong> e características subjetivas, ten<strong>do</strong> em<br />

vista, nessa relação a importância <strong>do</strong> conhecimento sobre o limite<br />

subjetivo.<br />

Como dizem os motoristas "toda linha tem espinho", ou seja,<br />

não é possível encontrar contextos de <strong>trabalho</strong> que propiciem a total<br />

ausência de incômo<strong>do</strong>s. A questão desloca-se então para outra<br />

direção: Onde e como trabalhar numa situação em que os "espinhos"<br />

não incomodem tanto?, ou, Quais "espinhos" podem ser melhor<br />

controla<strong>do</strong>s e quais não podem?<br />

Essas trajetórias são caminhos que, quan<strong>do</strong> as analisamos<br />

à luz da penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, têm sua funcionalidade voltada para<br />

a evitação <strong>do</strong> incômo<strong>do</strong>, <strong>do</strong> sofrimento e <strong>do</strong> esforço. Para trilhar esses<br />

caminhos os motoristas a<strong>do</strong>tam critérios varia<strong>do</strong>s e lançam mão de<br />

instrumentos também varia<strong>do</strong>s: os socializa<strong>do</strong>s entre os companheiros<br />

e os singulares.<br />

Os motoristas definem esses caminhos mediante a<br />

articulação de critérios diversos, tais como: ser escala<strong>do</strong>, reserva ou<br />

tornante, a linha em si, o tipo de passageiro, características <strong>do</strong><br />

itinerário, o esquema de folgas semanais, a tabela, o perío<strong>do</strong> de<br />

<strong>trabalho</strong>, o local de rendição, distância e condição para o transporte<br />

casa-<strong>trabalho</strong>-casa, a duração de cada meia viagem, o número e<br />

duração de pausas entre as meias-viagens. O que ocorre é a eleição


Pág. 90<br />

de determinada linha em função da articulação desse conjunto de<br />

critérios, que a conformam e a tipificam.<br />

Embora esse seja o mecanismo existente, um ou outro<br />

critério pode ter papei prioritário na escolha. Identificamos alguns<br />

que foram mais freqüentemente cita<strong>do</strong>s: distância <strong>do</strong> local de<br />

residência, fácil acesso de condução para o transporte<br />

casa-<strong>trabalho</strong>-casa, tabela, local de rendição, tipo de passageiros, tipo<br />

de trânsito e perío<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong>.<br />

Os motivos sempre levam em conta obter algum grau de<br />

conforto no <strong>trabalho</strong>: morar próximo ao ponto inicial da linha para<br />

jantar em casa; trabalhar próximo de casa por estar familiariza<strong>do</strong> com<br />

os passageiros ou, ao contrário, trabalhar longe da residência a fim de<br />

evitar que os passageiros se prevaleçam da relação de vizinhança e<br />

amizade existentes para obterem pequenos privilégios no transporte;<br />

operar em linha cujo itinerário seja delinea<strong>do</strong> em sua maior parte por<br />

vias de menor trânsito e poucos cruzamentos; operar em linhas onde<br />

o relacionamento com o passageiro seja mais amistoso.<br />

Evidenciamos nesta investigação a existência, não por<br />

acaso, da coincidência entre as preferências de cada um e as<br />

características da linha. Assim, a tinha ruim, cujas características mais<br />

citadas são o comportamento provoca<strong>do</strong>r <strong>do</strong> passageiro, servir<br />

mora<strong>do</strong>res de um conjunto habitacional popular, trafegar em áreas de<br />

pouco trânsito e poucas paradas, congrega motoristas que não se<br />

incomodam tanto com os passageiros, mas que se incomodam com<br />

"pára-pára" e trânsito congestiona<strong>do</strong>. Para muitos <strong>do</strong>s motoristas dessa<br />

linha os passageiros não são tão provoca<strong>do</strong>res como referem outros<br />

opera<strong>do</strong>res, inclusive motoristas, de outras linhas e da reserva, pois<br />

com o "costume" os passageiros também se adaptam ao motorista e<br />

acabam estabelecen<strong>do</strong> relacionamento de respeito e até de amizade.<br />

De outro la<strong>do</strong>, os motoristas escala<strong>do</strong>s na linha boa, cuja<br />

característica é itinerário traça<strong>do</strong> em vias de grande movimentação e<br />

centros comerciais, servin<strong>do</strong> basicamente a população de classe média,


Pág. 91<br />

congrega motoristas que preferem suportar o trânsito ao<br />

comportamento provoca<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s passageiros.<br />

Para operacionalizar a trajetória os motoristas utilizam-se<br />

de instrumentos formais que passam pela estrutura administrativa da<br />

empresa e os informais, que fazem parte da cultura <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res.<br />

Dentre os instrumentos formais os motoristas podem solicitar os<br />

serviços <strong>do</strong> Plantão, já que este setor mantém contato com grande parte<br />

<strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res da garagem.<br />

Uma outra forma também a<strong>do</strong>tada para evitar trabalhar<br />

em determinadas linhas onde se vivenciou incidentes de risco,<br />

principalmente os relativos a atritos com passageiros, é obter um<br />

comunica<strong>do</strong> da chefia de tráfego ou <strong>do</strong> fiscal de linha autorizan<strong>do</strong>-o a<br />

não operá-las.<br />

Como estas, muitas outras estratégias para operacionalizar<br />

essas trajetórias são utilizadas. Na visão de um <strong>do</strong>s motoristas<br />

escala<strong>do</strong>s: "sempre se dá um jeito para não voltar para a linha". No<br />

entanto, isso não quer significar que os motoristas tenham a total<br />

liberdade para escolher a linha que mais lhe seja adequada. Os limites<br />

existem e têm suas conseqüências.<br />

Dentre os instrumentos informais, eles podem solicitar<br />

"uma troca" com algum companheiro que, através das informações que<br />

circulam, é um possível interessa<strong>do</strong> em proceder à permuta, afixar um<br />

pequeno cartaz no local onde ficam os opera<strong>do</strong>res da reserva,<br />

comunican<strong>do</strong> seu interesse.<br />

As trajetórias informais são ações adaptativas que se<br />

delineiam ao longo <strong>do</strong> tempo de <strong>trabalho</strong> na empresa e que não são<br />

apenas coincidências casuais, mas guardam relação com a penosidade<br />

<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Confluem para a linha ruim os motoristas que conseguem<br />

melhor administrar os incômo<strong>do</strong>s que a caracterizam, o mesmo<br />

ocorren<strong>do</strong> com relação à linha boa. Estas informações também<br />

elucidam como se dá a rotatividade, entre linhas, ativamente


Pág. 93<br />

Dificilmente se vê um motorista sem a sua maleta. Nela são<br />

guarda<strong>do</strong>s o forro <strong>do</strong> banco, a cortina, um toco de madeira e, por vezes,<br />

a marmita, uma lata de sardinha vazia e álcool para substituírem o<br />

fogão, um prolonga<strong>do</strong>r e uma bola para a alavanca de câmbio e um<br />

pequeno rádio. Estes são alguns <strong>do</strong>s objetos que auxiliam o motorista<br />

a realizar o seu <strong>trabalho</strong> diário.<br />

O ritual público ocorre no início e final da jornada de<br />

<strong>trabalho</strong>. Ele cumpre com a finalidade de adequar as condições <strong>do</strong><br />

carro ao jeito de cada um, e guardam semelhanças e diferenças de um<br />

para o outro. No início esse ritual compreende procedimentos técnicos<br />

obrigatórios, como verificação de coman<strong>do</strong>s, nível de óleo, pneus, e<br />

outros que respondem ao objetivo de garantir a segurança para os<br />

opera<strong>do</strong>res e passageiros. Outro conjunto de procedimentos, nem<br />

to<strong>do</strong>s obrigatórios abrangem os seguintes: pendurar a sua cortina,<br />

envolver o banco com o forro, posicionar o banco com ou sem o auxílio<br />

de um toco de madeira ou de um pedaço de cano, testar os coman<strong>do</strong>s<br />

e o posicionamento <strong>do</strong>s espelhos, limpar o painel e o pára-brisa, testar<br />

a campainha de solicitação de paradas. Alguns acoplam um<br />

prolongamento e uma bola de câmbio à alavanca original, outros<br />

instalam seus rádios, diminuem o barulho da campainha de solicitação<br />

de paradas, e há inclusive os que diariamente lavam o piso de "seu"<br />

ônibus.<br />

No caso de o motorista render o carro de outro,<br />

invariavelmente existe a troca de informações sobre as condições da<br />

"máquina" . É geralmente nesse perío<strong>do</strong> que vários opera<strong>do</strong>res se<br />

encontram, trocam informações, conversam sobre assuntos diversos,<br />

relaciona<strong>do</strong>s ou não ao <strong>trabalho</strong>.<br />

Esse ajuste inicial visa propiciar maior segurança e conforto<br />

físico e mental ao motorista. Existem características distintas de um<br />

motorista para o outro. Apenas alguns deixam de instalar a cortina que<br />

os isola <strong>do</strong>s passageiros. Um <strong>do</strong>s motivos para isso, conforme um<br />

entrevista<strong>do</strong>, é não querer presenciar novamente a utilização de sua<br />

cortina por passageiros, como lhe aconteceu, para lustrar os sapatos.


Pág. 94<br />

No outro extremo, relatam alguns opera<strong>do</strong>res da Reserva, há<br />

motoristas que prolongam sua cortina até a lateral direita de seu posto<br />

de <strong>trabalho</strong>, transforman<strong>do</strong>-o numa espécie de cabine.<br />

Para eles esses pertences são pessoais e a escolha <strong>do</strong> padrão<br />

<strong>do</strong> teci<strong>do</strong> da cortina ou <strong>do</strong> motivo encrustra<strong>do</strong> na bola de câmbio é feita<br />

conforme as preferências pessoais. Não é qualquer cortina, não é<br />

qualquer bola, não é qualquer carro e, como vimos, não é qualquer<br />

linha que eles gostam. Assim como existe a preferência pelo "seu"<br />

carro de escala, há também a clara preferência por seguir a "sua" tabela<br />

e manter-se na "sua" linha.<br />

O carro de escala é um fator de grande importância para<br />

eles. Ele é "o meu carro". É consensual entre os motoristas a avaliação<br />

de que se o carro de escala fosse uma regra seria melhor para o<br />

motorista trabalhar, economizaria em manutenção e a durabilidade<br />

<strong>do</strong>s veículos seria maior. É melhor para trabalhar porque o motorista<br />

conhece o seu funcionamento, os seus problemas e, principalmente,<br />

como lidar com eles propician<strong>do</strong>-lhe maior conforto. Além disso,<br />

trabalhar diariamente com o mesmo carro garante ao motorista maior<br />

segurança no seu manejo.<br />

Um <strong>do</strong>s motoristas escala<strong>do</strong>s que não tinha carro de escala,<br />

trazia consigo uma pequena caderneta para anotar o número <strong>do</strong><br />

veículo. Esse procedimento visava proteger-se de possíveis denúncias<br />

de passageiros quanto à qualidade <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong> e de outros<br />

problemas futuros. Da mesma forma que o comunica<strong>do</strong> da chefia<br />

permite ao motorista recusar-se a operar determinadas linhas, essa<br />

caderneta é um pequeno <strong>do</strong>cumento que visa protegê-lo.<br />

Operar diariamente um carro diferente é um <strong>do</strong>s tantos<br />

motivos de incômo<strong>do</strong>. A primeira meia-viagem é aquela onde o<br />

motorista está testan<strong>do</strong> o carro em movimento e com lotação de<br />

passageiros. É a viagem de adaptação. Ela é diferente das outras que a<br />

sucedem, há mais solavancos, freiadas bruscas e ainda no decorrer da<br />

viagem o motorista continua a ajeitar o carro. Para o motorista é uma


Pág. 95<br />

viagem mais tensa e desconfortável o mesmo ocorren<strong>do</strong> para os<br />

passageiros e cobra<strong>do</strong>r.<br />

Para alguns o ajuste recíproco entre motorista e cobra<strong>do</strong>r<br />

também é importante. Cada dupla tem seus códigos de comunicação,<br />

sabe como é o jeito de cada um. Há duplas que se mantém há muito<br />

tempo compartilhan<strong>do</strong> a mesma tabela e, para expressar esse longo<br />

tempo de companheirismo, um <strong>do</strong>s motoristas refere-se ao cobra<strong>do</strong>r<br />

de escala como "minha noiva".<br />

O que se evidenciou, como tratamos no capítulo anterior,<br />

sair da programação planejada pela administração e da rotina já<br />

internalizada pelo motorista é ruim, mesmo que o imprevisto implique<br />

em terminar a jornada de <strong>trabalho</strong> mais ce<strong>do</strong>. Isto ocorre devi<strong>do</strong> não<br />

só às ações adaptativas já a<strong>do</strong>tadas no <strong>trabalho</strong> mas também porque<br />

muitos planejam a utilização <strong>do</strong> tempo de não <strong>trabalho</strong> em função <strong>do</strong><br />

horário e local de <strong>trabalho</strong>.<br />

Dentre essas ações adaptaüvas, existem aquelas que<br />

aparentemente não geram problemas nem para o motorista e nem para<br />

a qualidade <strong>do</strong> transporte ofereci<strong>do</strong>. Uma análise mais aprofundada<br />

sobre o segun<strong>do</strong> aspecto demandaria um estu<strong>do</strong> específico que não nos<br />

coube realizar.<br />

Uma delas são as pequenas mudanças de itinerário que<br />

abreviam o tempo de duração das meias-viagens, realizadas por alguns<br />

motoristas. Elas são possíveis em algumas condições: em trechos onde<br />

não há pontos de parada e naqueles onde o trânsito é pouco intenso.<br />

Os motoristas que assim procedem justificam sua ação basean<strong>do</strong>-se na<br />

expectativa <strong>do</strong> passageiro com relação à brevidade da duração das<br />

viagens e no tempo maior para as pausas.<br />

Essa mesma argumentação também sustenta a prática de<br />

realização das meias-viagens em tempos menores <strong>do</strong> que o previsto.<br />

Em geral os motoristas procuram correr um pouco mais durante a<br />

meia-viagem que antecede o horário de refeição programa<strong>do</strong> para 30


Pág. 96<br />

minutos, garantin<strong>do</strong> assim um perío<strong>do</strong> maior de intervalo e ao mesmo<br />

tempo, entenden<strong>do</strong> que o "negócio <strong>do</strong> passageiro é chegar logo".<br />

Essa explicação, portanto, tem dupla sustentação: de um<br />

la<strong>do</strong> o fato de prestarem serviço à população e de outro a evitação <strong>do</strong><br />

incômo<strong>do</strong>. Em alguns trechos <strong>do</strong> discurso a condição de <strong>trabalho</strong><br />

"penosa" está intimamente relacionada com a qualidade <strong>do</strong> serviço<br />

presta<strong>do</strong>: "quan<strong>do</strong> o motorista se acostuma com a linha ele não faz<br />

besteira, não arrasta passageiro".<br />

O passageiro é motivo de vários fragmentos das<br />

representações sociais. Existem os bons, os ruins; mulheres são mais<br />

educadas, mulheres às vezes são mais inadequadas; "passageiro de<br />

COHAB é tu<strong>do</strong> índio"; passageiro que tem uma condição melhor<br />

destrata o motorista porque tem acesso a políticos. Essas tipologias<br />

estão articuladas com a prática que a<strong>do</strong>tam na relação com o<br />

passageiro.<br />

Frente a passageiros desconheci<strong>do</strong>s não se sabe ao certo em<br />

qual dessas categorias ele se enquadra, daí porque muitos evitam<br />

dirigir-lhe a palavra, uma vez que podem surgir situações indesejadas:<br />

"a gente não sabe se é uma víbora". Mesmo no caso em que é possível<br />

enquadrá-los em alguma dessas tipologias, se a previsão é de que será<br />

gera<strong>do</strong> atrito a partir de uma imposição de limites por parte <strong>do</strong><br />

motorista, eles também procuram evitar. No entanto, existem outras<br />

formas de comunicação não verbal a<strong>do</strong>tadas pelo motorista que<br />

substituem o diálogo.<br />

Para desalojar os passageiros que viajam nos degraus da<br />

entrada trazeira, impedin<strong>do</strong> o fechamento de portas, o motorista tenta<br />

fechá-la várias vezes ou mantêm o veículo para<strong>do</strong> até que os<br />

passageiros percebam que enquanto ele não conseguir mantê-la<br />

fechada não prosseguirão a viagem.<br />

Existem outras práticas a<strong>do</strong>tadas para sensibilizar o<br />

passageiro como a "quebrada de asa", que significa trafegar<br />

rapidamente de uma pista para a outra da via, cujo objetivo é comunicar


Pág. 97<br />

aos passageiros que o motorista não está aprovan<strong>do</strong> sua atitude (parar<br />

nos degraus da entrada trazeira, discutir, batucar, etc). Segun<strong>do</strong> um<br />

deles, esse jeito de trabalhar "irrita o passageiro", o mesmo ocorren<strong>do</strong><br />

com as freiadas bruscas e "saída arrancada". Elas são a<strong>do</strong>tadas quan<strong>do</strong><br />

os passageiros "estão bagunçan<strong>do</strong>".<br />

No dizer de alguns motoristas, tem passageiro que "é<br />

folga<strong>do</strong>, não sabe o lugar dele". Essa foi a avaliação de um deles quan<strong>do</strong><br />

ao iniciar a viagem uma passageira acomo<strong>do</strong>u uma sacola ao la<strong>do</strong> da<br />

alavanca de câmbio e sentou-se no primeiro banco. Na primeira curva<br />

o motorista a contornou de maneira que a sacola caísse junto aos<br />

degraus da porta dianteira. Posteriormente, conversan<strong>do</strong> com ele,<br />

relatou-nos que como o carro estava vazio e a sacola era pequena ela<br />

poderia levá-la no colo e por isso fez a curva "daquele jeito". Essa mesma<br />

atitude da passageira, em outro contexto - carro lota<strong>do</strong>, sacola grande<br />

e pesada e até mesmo carrinho de feira com mantimentos - seria<br />

aceitável para o motorista, como pudemos observar.<br />

Outro motorista sente necessidade de recorrer à imagem<br />

refletida no espelho trazeiro interno (que dá visão <strong>do</strong>s degraus de<br />

entrada no ônibus) para dar prosseguimento à viagem após cada parada<br />

e para fechar a porta trazeira. Ele relata que como os passageiros<br />

mexem no espelho, alteran<strong>do</strong> o seu posicionamento, ele passa graxa no<br />

seu suporte para evitar que isso ocorra.<br />

Se por um la<strong>do</strong> existem ações adapíativas que "irritam" o<br />

passageiro, existem aquelas que lhe propiciam maior conforto, como<br />

por exemplo parar fora de ponto para embarque e desembarque. Esta<br />

prática também tem como funcionalidade para o motorista evitar atrito<br />

com passageiros.<br />

Além das ações adaplaíivas que tomam como referência o<br />

passageiro, existe uma série delas que estão relacionadas mais<br />

diretamente a outros aspectos da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Aqueles<br />

que se sentem incomoda<strong>do</strong>s com as freqüentes paradas, preferem lotar<br />

o ônibus no início da viagem para evitar o "pára-pára". Aqueles que se<br />

sentem incomoda<strong>do</strong>s com a lentidão <strong>do</strong> trânsito trafegam pela pista da


Pág. 98<br />

esquerda. Como estas são a<strong>do</strong>tadas uma série de outras práticas que<br />

visam controlar o incômo<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e que podem alterar a<br />

Programação, repercutin<strong>do</strong> no <strong>trabalho</strong> de to<strong>do</strong>s os opera<strong>do</strong>res da<br />

linha.<br />

No entanto, a liberdade <strong>do</strong> motorista para modificar o<br />

<strong>trabalho</strong>, crian<strong>do</strong> procedimentos, é restrita e, consequentemente, as<br />

ações adaptativas nem sempre evitam o incômo<strong>do</strong> e a ruptura, pois se<br />

o inverso sucedesse não haveria sustentação para as representações<br />

sociais sobre as <strong>do</strong>enças <strong>do</strong>s motoristas.<br />

As ações adaptativas no contexto dai ruptura<br />

A expressão máxima da ruptura é designada como<br />

"misturar", mas além dela existem outras expressões da adaptação que,<br />

nos dizeres de LAURELL e NORIEGA (1989) "significam a<br />

sobrevivência em condições corporais precárias, como também, até,<br />

podem se converter (...) em destrui<strong>do</strong>res da integridade corporal"(p.<br />

101), como úlcera e gastrite, problemas de coluna, problemas no<br />

coração, sistema nervoso abala<strong>do</strong>, abreviação <strong>do</strong> tempo devida e, além<br />

da materialização desses processos adaptativos destrui<strong>do</strong>res no corpo,<br />

há a sua materialização na vida.familiar, como trazer "desavença em<br />

casa".<br />

Esse mesmo perfil de morbidade impressionisticamente<br />

traça<strong>do</strong> pelos motoristas coincide com as evidências encontradas em<br />

diversos estu<strong>do</strong>s, epidemiológicos inclusive , conduzi<strong>do</strong>s junto à<br />

categoria de motoristas de ônibus urbanos e não urbanos, em vários<br />

outros países também (NETTERSTROM e LAURSEN, 1981;<br />

BACKMAN e JARVINEN, 1983; BACKMAN, 1983; BETTA e<br />

COSTA, 1985; CIPPAT, 1972; PICALUGA, 1983; BETTA, s.d.;<br />

NETTERSTROM, 1988, RAGLAND e cols., 1987).<br />

Essas expressões da ruptura traduzem a impossibilidade de<br />

o motorista exercer controle sobre o incômo<strong>do</strong> e o esforço <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.


Pág. 99<br />

Segun<strong>do</strong> GARDELL(1987) os motoristas de ônibus mostram mais<br />

sinais de stress psicológico e fisiológico quanto maior a pressão <strong>do</strong><br />

tempo para realizar o seu <strong>trabalho</strong>. A "pressão <strong>do</strong> tempo está<br />

relacionada com as condições de tráfego, sobre as quais o motorista<br />

não tem controle"(p. 31).<br />

Quan<strong>do</strong> a ruptura ocorre, pode-se dizer que a ação<br />

adaptativa deu-se com um custo para a saúde, de mo<strong>do</strong> que os<br />

motoristas são "conforma<strong>do</strong>s" pelo <strong>trabalho</strong>, são "força<strong>do</strong>s", são<br />

"transpassa<strong>do</strong>s" a ponto de essa tensão motorista-condição de <strong>trabalho</strong><br />

trazer como conseqüência as <strong>do</strong>enças e outros problemas de saúde:<br />

"... força muito a gente, vira e mexe ainda me dó. aquela <strong>do</strong>r de cabeça e<br />

me ataca o estômago... você chega na época de se aposentar, você já não<br />

está agüentan<strong>do</strong> mais e você morre. Tem muitos motoristas que logo que<br />

se aposenta ele não agüenta mais e morre. Porquê? Já tá acaba<strong>do</strong>? Essa<br />

idéia de que motorista morre precocemente traz encadeadamente a<br />

avaliação de que motorista deveria aposentar-se após 15 anos de<br />

<strong>trabalho</strong>. Se isso ocorre é porque a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> não é<br />

flexível o suficiente para ser amoldada pelo trabalha<strong>do</strong>r, a partir de<br />

suas características pessoais e de que as ações adaptativas a<strong>do</strong>tadas<br />

para lidar com a centralização <strong>do</strong> poder não cumpriram com sua função<br />

de mecanismo de resistência.<br />

Além <strong>do</strong> limite na flexibilidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> que pode gerar<br />

<strong>do</strong>enças, ocorre ainda de determinadas ações adapíativas<br />

tornarem-se ineficazes no decorrer <strong>do</strong> tempo ou serem vislumbradas<br />

outras situações de <strong>trabalho</strong> mais vantajosas, demonstran<strong>do</strong> que o<br />

limite subjetivo e as próprias ações adaptativas não são rígidas. Este é<br />

o caso de um entrevista<strong>do</strong> que <strong>trabalho</strong>u escala<strong>do</strong> na "linha ruim" e<br />

posteriormente conseguiu uma troca para a "linha boa" porque não<br />

estava mais agüentan<strong>do</strong> a linha, sentia-se nervoso, a ponto de gerar<br />

problemas nas relações familiares.<br />

A experiência de afastamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> por <strong>do</strong>enças, a<br />

vivência de crises nervosas levam o motorista a rever suas práticas no<br />

<strong>trabalho</strong>:" antes né, qualquer coisinha a gente discutia, brigava com o<br />

passageiro, se o passageiro xingava a gente, a gente também xingava,


Pág. 100<br />

qualquer coisa irritava, Agora não. Agora eu voltei (após o perío<strong>do</strong> de<br />

afastamento) prá fazer um <strong>trabalho</strong> num outro sistema: se o passageiro<br />

xingar, deixo ele xingar, faço que não tô ouvin<strong>do</strong>, às vezes o trânsito tá<br />

tu<strong>do</strong> entupi<strong>do</strong> e eu já não esquento minha cabeça, se tiver que atrasar vai<br />

atrasar, não tô nem aí com o horário prá cumprir nada. Então isso ajuda<br />

um pouco né e aí você não se irrita né. E outra, eu gosto de ligar o rádio,<br />

eu ligo, me distraio, se o trânsito tápara<strong>do</strong> eu me distraio cantan<strong>do</strong> junto<br />

a música, não esquento a cabeça, quem quer descer, se tiver para<strong>do</strong>, desce.<br />

Antes eu não deixava ninguém descer fora de ponto. Agora, se tápara<strong>do</strong>,<br />

desde que não tá no meio da rua, desce" Isso recoloca outro aspecto da<br />

ação adapiaiiva referente à dimensão subjetiva. Existe uma<br />

modificação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r também.<br />

As ações adaptaíivas, além de serem dirigidas para evitar<br />

a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, podem ser praticadas para lidar com a<br />

penosidade presente onde, ao sentir-se irrita<strong>do</strong>, nervoso, cansa<strong>do</strong>,<br />

tenso ou <strong>do</strong>ente, o motorista pode lançar mão de uma série de práticas<br />

que lhes possibilitem continuar trabalhan<strong>do</strong> apesar <strong>do</strong> sofrimento e da<br />

<strong>do</strong>ença: "...ele tá irrita<strong>do</strong> ele maltrata o usuário, ele tá com o carro ruim,<br />

ele maltrata... não tem nada a ver uma coisa com a outra, você tá com o<br />

carro ruim, fica nervoso, vai maltratar o usuário... ele faz isso. Ele<br />

(passageiro) no ponto dá sinal, ele (motorista) deixa ele (passageiro),<br />

maltrata o usuário, você tá com raiva, tá transmitin<strong>do</strong> coisas ruins." Em<br />

função disso é que muitos motoristas associam o "misturar" com o<br />

maltrato ao passageiro, à excessiva velocidade, à transgressão de<br />

procedimentos de <strong>trabalho</strong> e das regras de trânsito. Mas não é só em<br />

relação ao usuário que essas ações adaptativas podem trazer prejuízos.<br />

Elas podem interferir no andamento da linha como um to<strong>do</strong>, uma vez<br />

que o <strong>trabalho</strong> é interdependente e por modificar a Programação,<br />

acaba geran<strong>do</strong> irritação nos outros motoristas.<br />

Nesse senti<strong>do</strong> a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, vista através das<br />

ações adaptativas, remete à complexidade de fatores interferin<strong>do</strong><br />

simultaneamente na saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, na organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />

em si e na qualidade <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong> à população.


Pág. 101<br />

Constatamos, por fim, a construção social e a prática de<br />

estratégias para o exercício <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r sobre o<br />

<strong>trabalho</strong>, de mo<strong>do</strong> a torná-lo menos "<strong>penoso</strong>" e a fim de evitar a ruptura<br />

<strong>do</strong> equilibrio. No entanto, isso não significa que os trabalha<strong>do</strong>res<br />

passem a ter poder, pois as ações adaptaüvas dão-se mediante a<br />

modificação <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> centralizadamente planeja<strong>do</strong>, sem contu<strong>do</strong>,<br />

interferir no seu replanejamento global. Por possibilitarem o exercício<br />

paliativo <strong>do</strong> controle podem contribuir para o adiamento <strong>do</strong><br />

questionamento das relações de poder no local de <strong>trabalho</strong> definidas<br />

pela organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />

Além disso, nem sempre as ações adaplativas são<br />

saudáveis, quer porque levem à desconsideração de aspectos<br />

importantes para a segurança no <strong>trabalho</strong> e para a qualidade <strong>do</strong> serviço<br />

presta<strong>do</strong>, quer porque não evitem a ruptura <strong>do</strong> equilíbrio. Elas são<br />

dinâmicas e expressam a interação subjeüvo-objetivo. Por serem<br />

dinâmicas elas podem tornar-se obsoletas e novas serão criadas para<br />

substituí-las.<br />

. As ações adaptaüvas podem ser analisadas mediante<br />

cortes temporais distintos. O longitudinal, através da "Trajetória<br />

Informal", e o transversal, através <strong>do</strong> "Jeito de Cada um Trabalhar".<br />

Ambos os cortes são complementares. Elas possibilitam analisar o<br />

"Jeito de Cada um Trabalhar" e a 'Trajetória Informal"(rotatividade)<br />

não como inadequação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r ao <strong>trabalho</strong>, mas como o ajuste<br />

possível nas condições de <strong>trabalho</strong> exsitentes, ou seja, como e quan<strong>do</strong><br />

é possível trabalhar.


Capítulo Vlí<br />

Conclusões


Pág. 103<br />

JK.etornamos agora aos questionamentos iniciais: qual o<br />

conceito de Trabalho Penoso, o que faz com que determinadas<br />

condições de <strong>trabalho</strong> sejam sentidas como "penosas" e quan<strong>do</strong> o<br />

<strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>".<br />

Na perspectiva <strong>psicossocial</strong>, o Trabalho Penoso não é<br />

simplesmente a exigência de esforços que provoquem incômo<strong>do</strong> e<br />

sofrimento. A penosidade existe quan<strong>do</strong> os esforços exigi<strong>do</strong>s pelo<br />

<strong>trabalho</strong> provoquem incômo<strong>do</strong> e sofrimento que ultrapassem o limite<br />

<strong>do</strong> suportável. A violação dp limite suportável dá-se quan<strong>do</strong> sobre<br />

esses esforços, senti<strong>do</strong>s como demasia<strong>do</strong>s, o trabalha<strong>do</strong>r não tem<br />

controle. Quan<strong>do</strong> isso ocorre, o <strong>trabalho</strong> recebe a qualificação de<br />

desumano, força<strong>do</strong>, ruim demais, pesa<strong>do</strong> e se transforma em castigo e<br />

pena. Para exercer o controle são necessários três requisitos:<br />

familiaridade, poder e limite subjetivo.<br />

Como a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em nossa sociedade<br />

centraliza o poder, os trabalha<strong>do</strong>res lançam mão de estratégias - ações<br />

adaptativas - que lhes possibilitem manter o equilíbrio dinâmico,<br />

mediante a contínua busca no senti<strong>do</strong> de garantir a presença<br />

simultânea <strong>do</strong>s três requisitos necessários ao controle, tornan<strong>do</strong> assim<br />

o <strong>trabalho</strong> menos "<strong>penoso</strong>". Em última instância, elas visam administrar<br />

a centralização <strong>do</strong> poder, que torna o <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>".


Pág. 104<br />

As ações adaptativas visam a busca <strong>do</strong> conforto baseada na<br />

melhor sintonia entre trabalha<strong>do</strong>r e <strong>trabalho</strong> e a evitação da ruptura<br />

<strong>do</strong> equilíbrio. Elas elucidam como, quan<strong>do</strong> e com qual custo para a<br />

saúde é possível trabalhar. À luz da penosidade no <strong>trabalho</strong>, elas<br />

podem ser compreendidas não como inadequação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r ao<br />

<strong>trabalho</strong> mas como o ajuste possível, cria<strong>do</strong> pelos trabalha<strong>do</strong>res, para<br />

continuar trabalhan<strong>do</strong> nos contextos existentes.<br />

Nem sempre as ações adaptativas são saudáveis. Isso ocorre<br />

por restringirem a visibilidade <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res quanto às reais<br />

motivações que levam à sua a<strong>do</strong>ção, ou por não evitarem a ruptura <strong>do</strong><br />

equilíbrio. No contexto da ruptura as ações adaptativas existem, porém<br />

com claro prejuízo para a saúde, pois os trabalha<strong>do</strong>res são "força<strong>do</strong>s",<br />

são "conforma<strong>do</strong>s" e "transpassa<strong>do</strong>s".<br />

As expressões de custo para a saúde são físicas e psíquicas<br />

não haven<strong>do</strong> dicotomia entre essas duas dimensões, ainda que o espaço<br />

preferencial para a expressão <strong>do</strong> esforço demasia<strong>do</strong> seja a "mente, a<br />

cabeça, os nervos". Disso decorre que não se pode restringir como<br />

âmbito das repercussões <strong>do</strong> Trabalho Penoso para a saúde a dimensão<br />

física, ou a dimensão psíquica, sen<strong>do</strong> necessário considerar ambas.<br />

Além disso a penosidade não está associada a condições de<br />

<strong>trabalho</strong> e sim a contextos d&trábalho. Essa distinção é importante pois<br />

por condição de <strong>trabalho</strong> tem si<strong>do</strong> entendida a somatória de fatores ou<br />

agentes presentes no ambiente de <strong>trabalho</strong>, inclusive a organização de<br />

<strong>trabalho</strong>. O contexto pressupõe a interrelação de diversos aspectos,<br />

onde o peso de cada um somente será obti<strong>do</strong> na relação com os outros.<br />

O conceito de Trabalho Penoso, na perspectiva<br />

<strong>psicossocial</strong>, portanto, é delimita<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> equilíbrio entre a<br />

familiaridade, o poder e o limite subjetivo. Esse equilíbrio, por ser<br />

dinâmico, pode oscilar entre o controle e a ruptura, aproximan<strong>do</strong>-se<br />

mais de um ou outro pólo. Suas variações dependerão da interrelação<br />

entre os três requisitos. Por conseqüência, a caracterização <strong>do</strong>


Pág. 105<br />

"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" poderá ser procedida através de um balanço, pelos<br />

trabalha<strong>do</strong>res, da tendência pre<strong>do</strong>minante da oscilação: ao controle<br />

ou à ruptura.<br />

Quanto à possibilidade de delimitar o conceito de Trabalho<br />

Penoso prescindin<strong>do</strong> da dimensão subjetiva, concluímos que ao<br />

desconsiderá-la torna-se inviável apreender o núcleo <strong>do</strong> conceito - a<br />

oscilação entre o controle e a ruptura - já que um <strong>do</strong>s três requisitos<br />

identifica<strong>do</strong>s é de natureza claramente subjetiva: o limite subjetivo.<br />

Caso nos restringíssemos à dimensão objetiva não alcançaríamos a<br />

abstração que um conceito exige e nos limitaríamos a descrever as<br />

condições objetivas e a arrolar os elementos aponta<strong>do</strong>s como motivos<br />

de sofrimento e incômo<strong>do</strong> demasia<strong>do</strong>s, escapan<strong>do</strong>-nos a possibilidade<br />

de generalização, pois "cada um acha de um jeito".<br />

Quanto à meto<strong>do</strong>logia de estu<strong>do</strong>, por partir de um marco<br />

conceituai onde a subjetividade é uma de suas dimensões constitutivas,<br />

ela trouxe como contribuição importante para a área de saúde <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r a possibilidade de a<strong>do</strong>tar como ponto de partida e ponto<br />

de chegada o conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, por temos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

o referencial das representações sociais para analisá-lo. Entende-se<br />

assim que esse conhecimento tem uma lógica própria e cria conexões<br />

para dar significa<strong>do</strong> à realidade da vida de <strong>trabalho</strong>. Por decorrência,<br />

a operacionalização da análise partiu da eleição de categorias<br />

emergentes <strong>do</strong> próprio conhecimento prático <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.<br />

O conceito de Trabalho Penoso também traz contribuições<br />

importantes para pensarmos o que é saúde por referência ao <strong>trabalho</strong>.<br />

A saúde seria a possibilidade de exercer controle sobre o <strong>trabalho</strong><br />

mediante a detenção real de poder. Como isso não ocorre, os<br />

trabalha<strong>do</strong>res buscam continuamente aproximar-se dessa situação<br />

com os instrumentos disponíveis.<br />

Ten<strong>do</strong> em vista a discussão acima, algumas considerações<br />

podem ser feitas com relação à atuação preventiva na área de saúde <strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>r. Em primeiro lugar ela deve a<strong>do</strong>tar como meta a busca da


Pág. 106<br />

saúde e não apenas a evitação da ocorrência de <strong>do</strong>enças e de acidentes.<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, porque o Trabalho Penoso refere-se a<br />

contextos e não a condições de <strong>trabalho</strong>, a eliminação ou a<br />

miniminação da ação de elementos identifica<strong>do</strong>s como motivo de<br />

penosidade, isoladamente, através de medidas de proteção individual<br />

e coletiva, não garantem o sucesso da atuação preventiva. Modificar os<br />

contextos de <strong>trabalho</strong> requer repensar o <strong>trabalho</strong> na sua totalidade. Por<br />

sua vez, para assim proceder, é necessário considerar simultaneamente<br />

a dimensão objetiva e subjetiva, a saúde física e mental, ten<strong>do</strong>-se por<br />

referência a busca <strong>do</strong> equilíbrio que garante o controle. Por isso, as<br />

formas de organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> deverão ser repensadas de mo<strong>do</strong><br />

decisivo, já que a oscilação entre o controle e a ruptura, para a qual a<br />

centralização <strong>do</strong> poder joga papel importante, nucleia a delimitação <strong>do</strong><br />

conceito de Trabalho Penoso.<br />

Essas conclusões nos aproximam da argumentação de<br />

DEJOURS(1986) de que o <strong>trabalho</strong> pode ser um espaço onde a<br />

natureza da subjetividade seja considerada, sem haver a imposição a<br />

forjá-la a moldes rígi<strong>do</strong>s e padroniza<strong>do</strong>s e isto pode ocorrer quan<strong>do</strong> ele<br />

"é livremente escolhi<strong>do</strong> e quan<strong>do</strong> sua organização é bastante flexível<br />

para que o trabalha<strong>do</strong>r possa adaptá-la a seus desejos, às necessidades<br />

de seu corpo e às variações de seu esta<strong>do</strong> de espírito. É, portanto,<br />

fundamental ressaltar que o <strong>trabalho</strong> não é forçosamente nocivo à<br />

saúde. Ele pode ser tolerável; pode mesmo ser francamente favorável<br />

à saúde física e mental"(p. 10).<br />

To<strong>do</strong>s esses assinalamentos deverão ser considera<strong>do</strong>s no<br />

conjunto das práticas preventivas que abarca a identificação, a<br />

problematização e a resolução de inadequações <strong>do</strong>s contextos de<br />

<strong>trabalho</strong>. Essa argumentação pode ser estendida também a ações<br />

, preventivas em <strong>trabalho</strong>s considera<strong>do</strong>s perigosos, caso tomemos por<br />

referência a conclusão de HARRISON(1988) quanto à relação entre<br />

controle <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e percepção de risco de acidente.


Pág. 107<br />

A incorporação desses assinalamentos implicará na<br />

mudança da prática preventiva baseada na legislação de segurança e<br />

higiene <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, a qual desconsidera a legitimidade <strong>do</strong><br />

conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r supervalorizan<strong>do</strong> a técnica e o<br />

conhecimento científico; lida com a subjetividade como fenômeno<br />

"complica<strong>do</strong>r", pois baseia-se no preceito de normalidade estatística ao<br />

forjar o trabalha<strong>do</strong>r como homem-médio e, portanto, abstrato, que<br />

estaria protegi<strong>do</strong> da ação de fatores de risco dentro de limites de<br />

tolerância fixa<strong>do</strong>s; e onde a quantificação numérica é praticamente<br />

imprescindível(LACAZ, 1983; DIESAT, 1989).<br />

Por fim, passamos a nos referir aos trabalha<strong>do</strong>res e não mais<br />

motoristas de ônibus, pois apesar de termos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> estes como base<br />

empírica de nosso estu<strong>do</strong>, entendemos que as conclusões extraídas<br />

podem ser extrapoladas para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Trabalho Penoso em outras<br />

categorias profissionais.


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OLIVEIRA, Deyl Ozório - "Prevenção de Acidentes nos Serviços de<br />

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO<br />

-BUREAU INTERNATIONAL DU TRAVAIL - Les Facteurs<br />

Psychosociauxau Travai! - Nature, Incidemíes et Pre'veníion. Serie<br />

Securité, Hygiène et Medicine du Travail, 56, Gèneve, 1986,89 pp.


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PICALUGA, Izabel Fontenele - Riscos e Danos. Um estu<strong>do</strong> de saúde<br />

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208-214.<br />

SATO, Leny - Seminário de Penosidade e Perkulosidade - Encontros<br />

Preparatórios Regionais. Texto base: Conceito de Trabalho<br />

Penoso. São Paulo, DIESAT, 1991,7 pp.<br />

SELIGMANN SILVA, Edith e cols. Condições de Trabalho e Saúde<br />

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Relatório de Pesquisa. São Paulo, 1986, mímeo, 343 pp.<br />

SELIGMANN SILVA, Edith - Trabalho e Saúde Mental <strong>do</strong> Bancário.<br />

DIESAT, Relatório de Pesquisa. São Paulo, 1985, mímeo, 190 pp.<br />

SELIGMANN SILVA, Edith - "Crise Econômica, Trabalho e Saúde<br />

Mental" in: ANGERAMI, VA. (org.) Crise, Trabalho e Saúde<br />

Mental no Brasil. São Paulo, Traço, 1986.<br />

SPINK, Mary Jane Paris - As Representações Sociais e sua Aplicação<br />

em Pesquisa na área da Saúde. São Paulo, julho de 1989, mímeo,<br />

14 pp.<br />

UNDEUTSCH,K.; GAERTNER,K.H. and others - "Back Complaints<br />

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1, 92-96.


Pág. 118<br />

WISNER, Alain - Por Dentro <strong>do</strong> Trabalho - Ergonomia: Méto<strong>do</strong> e<br />

Técnica. São Paulo, FTD/Oboré, 1987.<br />

LESS E DECRETOS<br />

Decreto de 26/07/1957 (B.O.E. de 26/08) - Reclamemos de trabajos<br />

prohibi<strong>do</strong>s a mujeresy menores porpeligrosos e insalubres. Espanha.<br />

Lei n a 3.807 - 26 de agosto de 1960 - Dispõe sobre a Lei Orgânica da<br />

Previdência Social - Capítulo V - Da aposenta<strong>do</strong>ria especial - artigo<br />

31.<br />

Decreto n 9 53.831 - 25 de maio de 1964 -Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Decreto n õ 63.230 -10 de setembro de 1968 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Lei n s . 5.527 - 8 de novembro de 1968 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Lei n s 5.890 - 8 de junho de 1973 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Decreto n B 72.771 - 6 de setembro de 1973 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra -15 - Atividades e Operações Insalubres -<br />

Portaria n 9 3.214 de 1978.<br />

Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra - 16 - Atividades e Operações Perigosas -<br />

Portaria n Q 3.214 de 1978.<br />

Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 - Capítulo<br />

<strong>do</strong>s Direitos Sociais - Artigo 7 S<br />

Projeto de Lei n 9 1019/1988, de autoria de Paulo Paim.<br />

Projeto de Lei n 9 1808/1989, de autoria de Paes Landim.


Projeto de Lei n 9 2168/1989, de autoria deDaso Coimbra.<br />

Pág. 119<br />

Convenção Coletiva de Trabalho - Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de<br />

Veículos Ro<strong>do</strong>viários e Anexos de São Paulo e Companhia<br />

Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo -Cláusula quarta-<br />

Redução da Jornada Semanal de Trabalho. São Paulo, maio de<br />

1989, mímeo, 22 pp,<br />

Lei no. 7.850 - 23 de outubro de 1989 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Decreto n s 99.351 - 27 de junho de 1990 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />

Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra -17 - Ergonomia - Portaria n Q 3.214 de 1978,<br />

alterada em 1990.


nvQy.^.«^^''-'-vff^s^^;8ga,^^<br />

Anexos


ANEXO I


Químicos<br />

Ajsênko<br />

Operações com arsCnico c seus compostos.<br />

Berfllo<br />

Operações com o berílio c seus compostos.<br />

Ceiímío<br />

Operações com o cadmio e seus compostos.<br />

Chumbo<br />

Operações com o chumbo, seus compostos.<br />

Cremo<br />

Operações com cromo c seus sais<br />

Fósforo<br />

Operações com o fósforo c seus componentes.<br />

Manganês<br />

Operações com manganês.<br />

1 • Extração Insalubre 20 anos<br />

11- Fabricação de seus compostos e<br />

deriva<strong>do</strong>s - Tintas, parasiticidas e<br />

inseticidas etc.<br />

III - Emprego de deriva<strong>do</strong>s arsenicais -<br />

Pintura, galvanotc"cnica, depilação, cmpaihamento<br />

etc.<br />

Trabalhos permanentes expostos a<br />

poeiras e fumos - Fundição de ligas metálicas.<br />

Trabalhos permanentes expostos a<br />

poeiras e fumos - Fundição de ligas metálicas.<br />

I - Fundição, refino, moldagcns, trcfilação e<br />

laminação.<br />

II -Fabricação de artefatos e de produtos de<br />

chumbo • baterias, acumula<strong>do</strong>rcs, tintas<br />

etc.<br />

III-Limpeza, raspagens cdemais <strong>trabalho</strong>s em<br />

tanques de gasolina conten<strong>do</strong> chumbo,<br />

tetra etil, polimento c acabamento de<br />

ligas de chumbo etc.<br />

IV- Soldagem c dcssoldagem com ligas á<br />

base de chumbo, vulcanizaçâo da borracha,<br />

tinturaria, estamparia, pintura c<br />

outros<br />

Trabalhos permanentes expostos ao<br />

tóxico - Fabricação, tanagem de couros,<br />

cromagem elctrolftica de metais e outras<br />

I • Extração c depuração <strong>do</strong> fósforo branco<br />

e seus compostos<br />

II - Fabricação de produtos fosfora<strong>do</strong>s asfixiantes,<br />

tóxicos, incendia<strong>do</strong>s ou explosivos.<br />

III - Emprego de líqui<strong>do</strong>s, pastas, pós e gases<br />

à base de fósforo branco para destruição<br />

de ratos e parasitas.<br />

Trabalhos permanentes expostos a poeiras<br />

ou fumos <strong>do</strong> manganês e seus<br />

compostos (bióxi<strong>do</strong>s) - Metalurgia, cerâmica,<br />

indústria de vidro e outras.<br />

Insalubre 20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 20 * anos<br />

Insalubre<br />

Perigoso<br />

20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos


Mercúrio<br />

Operações com mercúrio, seus sais c<br />

amálgamas<br />

Outros Tóxicos Inorgânicos<br />

Operações com outros tóxicos Inorgânicos<br />

capazes de fazerem mal â saúde.<br />

I-Extração e tratamento de amálgamas e<br />

compostos • Cloreto e fulminato de Hg.<br />

II - Emprego de amálgamas e deriva<strong>do</strong>s,<br />

galvanoplasüas, estanhagem e outros<br />

Trabalhos permanentes expostos às<br />

poeiras, gases, vapores neblinas e fumos de<br />

outrosw metais, metalóidcs halogcnos e seus<br />

clctrólilos tóxicos - áci<strong>do</strong>s, bases e sais -<br />

Relação das substâncias nocivas publicada no<br />

regulamento Tipo de Segurança<br />

da O. I.T.<br />

Poeiras Minerais Nocivos<br />

I - Tabalhos permanentes no subsolo cm<br />

operações de corte, furacão, desmonte c<br />

Operações industriais com desprendi­<br />

carregamento nas frentes de <strong>trabalho</strong>.<br />

mento de poeiras capazes de fazerem mal â<br />

saúde • Silica, carvão, cimento; asvcslos e<br />

talco.<br />

11 - Trabalhos permanentes cm locais de<br />

subsolo afasta<strong>do</strong>s das frentes de <strong>trabalho</strong>,<br />

galerias, rampas, poços, depósitos, etc.<br />

Com posição tipográfica e mecânica,<br />

LI- nollpla, Estereollpla, Eletrodpla, Litografia<br />

e Off-selt, Fotogravura, Rotogravura e<br />

Gravura, Encadernação c Impressão cm<br />

geral<br />

III-Trabalhos perm. a céu aberto. Cortes,<br />

furacão, desmonte c carregamento,<br />

britalgcm, classificação, carga e descarga<br />

de silos, transp. de correas c Iclcféircos,<br />

moagem, calcinaçâo, ensacamento e<br />

outras.<br />

Trabalhos permanentes nas indústrias<br />

poligráficas: Linolipislas, monotipislas, tipógrafos,<br />

impressores, margea<strong>do</strong>res, monta<strong>do</strong>res,<br />

compositores, pauta<strong>do</strong>res, grava<strong>do</strong>res, granita<strong>do</strong>res,<br />

galvanolipistas, freza<strong>do</strong>res, titulistas.<br />

Estive e Armazenagem Estiva<strong>do</strong>res, Arruma<strong>do</strong>res, Trab. Capatazia,<br />

Conscrta<strong>do</strong>rcs, Confcrcntcs.<br />

Insalubre<br />

Perigoso<br />

20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 20 anos<br />

Insalubre<br />

Perigoso<br />

Penoso<br />

Insulubre<br />

Penoso<br />

15 anos<br />

20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Perigoso 25 anos<br />

Estincão de Fogo, Guarda Bombeiros, Investiga<strong>do</strong>res, Guardas. Perigoso 25 anos<br />

Telegrafia, Telefonia, Rádio Comunicação Tclcgrafistas, telefonistas, rádio opera<strong>do</strong>res<br />

de telecomunicações.<br />

Artexanato e outras ocupações qualificadas<br />

Lavanderia e Tlnluraria Lava<strong>do</strong>res, passa <strong>do</strong>res, calandristas,<br />

tinturciros.<br />

Fundição, Cozimento, Laminacão, Trefilução,<br />

Moldagecn<br />

Trabalha<strong>do</strong>res nas indústrias metalúrgicas,<br />

de vidro, de cerâmica c de pláslicosfundt<strong>do</strong>rcs,<br />

lamina<strong>do</strong>rcs, molda<strong>do</strong>rcs,<br />

trefila<strong>do</strong>res, forja<strong>do</strong>res<br />

Soldagem, Galvanização, Calderaria Tabalha<strong>do</strong>rcs nas indústrias metalúrgicas,<br />

de vidro, de cerâmica c de plásticos •<br />

solda<strong>do</strong>rcs, galvaniza<strong>do</strong>rcs, chapea<strong>do</strong>res, cal*<br />

deirciros.<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Pintura Pintores de pistola. Insalubre 25 anos


Perfurarão, Construção Civil, Assemelha<strong>do</strong>s<br />

Escavações de Subsolo • Túneis Trabalha<strong>do</strong>res cm túneis c galerias Insalubre<br />

Escavações de superfície - Poços Trabalha<strong>do</strong>ra em escavações a céu<br />

aberto.<br />

Edifícios, Barragens, Pontes Trabalha<strong>do</strong>res cm edifícios, barragens,<br />

pontes, torres.<br />

Transportes e Comunicações<br />

Transporte Aéreo Aeronautas, Acroviários de serviços de<br />

pista e de oficinas, de manutenção, de conservação,<br />

de carga c descarga, de recepção c de<br />

despacho de aeronaves.<br />

Transporte Marítimo, Fluvial e Lacustre Marítimos de convés de máquinas de câmaras<br />

e de saúde - Operários de construção e<br />

reparos navais.<br />

Transporte Ferroviário Maquinistas, Guarda-frcios, trabalha<strong>do</strong>res<br />

da via permanente<br />

Transporta Ro<strong>do</strong>viário Motonciros e condutores de bondes<br />

OCUPAÇÕES<br />

Liberais, Técnicas, Assemelhadas<br />

Motoristas c cobra<strong>do</strong>res de Ôniibus<br />

Motoristas c ajudantes de caminhão<br />

Engenharia Engenheiros de Construção Civil, de<br />

minas, de metalurgia, eletricistas.<br />

Perigoso<br />

20 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Perigoso 25 anos<br />

Perigoso 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Penoso 25 anos<br />

Insalubre 25 anos<br />

Química Químicos, Toxicologistas, po<strong>do</strong>logistas. Insalubre 25 anos<br />

Medicina, O<strong>do</strong>ntologia, Enfermagem Médicos, dentistas, enfermeiros Insalubre 25 anos<br />

Magistério<br />

_ - „<br />

Agrícolas, Florestais, Aquáticas<br />

Professores Penoso j 25 anos<br />

Agricultura Trabalha<strong>do</strong>res na agropecuária Insalubre 25 anos<br />

Caça Trabalha<strong>do</strong>res florestais, Caça<strong>do</strong>res Perigoso 25 anos<br />

Pesca Pesca<strong>do</strong>res Perigoso 25 anos


Tóxicus OrgÉnkcs<br />

Operações executadas com deriva<strong>do</strong>s Trabalhos permanentes expostos às po­ Insalubre 25 anos<br />

tóxicos <strong>do</strong> carbono . Nomenclatura Inter­ eiras: gases vapores, neblinas e fumos de<br />

nacional . deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> carbono constantes na Relação<br />

] • Ilidrocarbonctos (ano, eno, ino)<br />

Internacional das Substâncias Nocivas<br />

pulicada no Regulamento Tipo de Segurança da<br />

II- Áci<strong>do</strong>s carboxflicos (ólico) O.l.T. - tais como: cloreto de metila,<br />

III-Alcoois(ol)<br />

tctracloreto de carbono, tricloroctilcno,<br />

cloroformio, bromureto de metila, nitro<br />

IV-Aldchy<strong>do</strong>s (ai)<br />

benzcno.gasolina, alcoóis, acetona, actatos,<br />

pentano, metano, hexano, sulfureto de<br />

V- Cetona(ona) carbono, etc.<br />

nitratos.<br />

VI • Esteres (oxissais em ato - ila)<br />

VII- Éteres (oxi<strong>do</strong>-oxi)<br />

VIII • Amidas - ami<strong>do</strong>s<br />

IX- Aminas - aminas<br />

X - Nitrilas c Isonitrilas (nitrilas c<br />

carbilaminas)<br />

XI • Compostos organo-metálicos ha-<br />

logcna<strong>do</strong>s, metalóidicos e<br />

Biológicos<br />

— i.<br />

Carbúnculo, Brticela Morno e Tétano<br />

Operações industriais com animais ou<br />

produtos oriun<strong>do</strong>s de animais infecta<strong>do</strong>s.<br />

Germes Infecciosos ou parasitários humanos<br />

Animais<br />

Serviços de Assistência Médica, O<strong>do</strong>ntológica<br />

e Hospitalar cm que haja contato<br />

obrigatório com organismos <strong>do</strong>entes ou<br />

com materiais infecto-contagiantes,<br />

Trabalhos permanentes expostos ao<br />

contato direto com germes infecciosos- Asistíncia<br />

Veterinária, serviços cm mata<strong>do</strong>uros,<br />

cavalariças e outros<br />

Trabalhos permanentes expostos ao<br />

contato com <strong>do</strong>entes ou materiais infectocontagiantes<br />

- assisl£ncia médica,<br />

o<strong>do</strong>ntológica, hospitalar e outras atividades<br />

afins.<br />

Insalubre 25 anos<br />

Insalubre 25 anos


ANEXO II


Roteiro de entrevista<br />

• idade<br />

• escolaridade<br />

o naturalidade<br />

® esta<strong>do</strong> civil<br />

o bairro de residência<br />

« tempo e experiência de <strong>trabalho</strong> como motorista<br />

o tempo e experiência de <strong>trabalho</strong> como motorista de ônibus urbanos<br />

• breve relato sobre os <strong>trabalho</strong>s anteriores até o emprego atual<br />

• por quê quis ser motorista? por quê é motorista de coletivo urbano?<br />

• o que é linha ruim e linha boa? por quê?<br />

• o que é um dia bom de <strong>trabalho</strong>? porquê?<br />

» o que é um dia ruim de <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />

• o que mais incomoda no <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />

e o que exige esforço no <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />

» quan<strong>do</strong> você fica irrita<strong>do</strong>? por quê?<br />

« quan<strong>do</strong> você fica nervoso? por quê?<br />

• o que é uma linha pesada, por quê?<br />

• o que significa misturar?<br />

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