abordagem psicossocial do trabalho penoso: estudo ... - Fundacentro
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LENY $ATO<br />
ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DO TRABALHO PENOSO:<br />
ESTUDO DE CASO DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO<br />
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL<br />
PUC-SP<br />
1991
LENYSATO<br />
ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DO TRABALHO PENOSO:<br />
ESTUDO DE CASO DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO<br />
Dissertação apresentada como<br />
exigência parcial para obtenção <strong>do</strong><br />
titulo de mestre em Psicologia Social à<br />
Comissão Examina<strong>do</strong>ra da Pontifícia<br />
Universidade Católica de São Paulo,<br />
sob orientação <strong>do</strong> Professor Doutor<br />
Peter K. Spink.<br />
PUC-SP<br />
1991
Agradecimentos<br />
Ao professor Peter Spink, mais <strong>do</strong> que orienta<strong>do</strong>r, foi um acompanhante<br />
imprescindível e surpreendente nesse <strong>trabalho</strong>, por estimular minha autonomia,<br />
respeitar meu ritmo, meu jeito e minhas dificuldades;<br />
Nilton B.B. Freitas, grande companheiro de <strong>trabalho</strong>, então chefe <strong>do</strong><br />
Departamento de Medicina e Segurança <strong>do</strong> Trabalho da CMTC, que abriu as<br />
portas para a realização deste <strong>trabalho</strong>;<br />
Dra. Michiko Shiroma de Carvalho, então diretora de Recursos Humanos da<br />
CMTC;<br />
Sr. Chachete, então chefe da garagem estudada;<br />
À CIPA da garagem estudada;<br />
À Comissão de Garagem da unidade estudada;<br />
À diretoria e aos membros <strong>do</strong> Departamento de Saúde <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s<br />
Condutores de Veículos e Anexos de São Paulo e Itapeciríça da Serra;<br />
Lenine, técnico de Segurança da unidade estudada;<br />
Aos cobra<strong>do</strong>res, fiscais, trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Plantão e principalmente aos<br />
motoristas da garagem estudada por tefém me ensina<strong>do</strong> muitas coisas,<br />
permitiram-me partilhar o seu dia a dia, às vezes a intimidade de suas casas e,<br />
principalmente o seu saber rico e complexo que se expressa com simplicidade;<br />
MaryJane Paris Spink por ter me ajuda<strong>do</strong> a desatar alguns nós desse <strong>trabalho</strong>;<br />
Francisco Antônio de Castro Lacaz pela força em to<strong>do</strong>s os momentos e<br />
bibliografia fornecida;<br />
William Sato pela assessoría em computação, pela diagramaçào e impressão<br />
desse <strong>trabalho</strong>;<br />
Luiz Antônio Fernandes pela revisão da redação;<br />
Aparecida de Fátima Pianta Frederico pelas transcrições das entrevistas;<br />
Aos funcionários <strong>do</strong> Restaurante Tamanduá por terem cedi<strong>do</strong> o espaço para a<br />
realização de entrevistas.
A meu pai, William,<br />
Chico Lacaz e aos motoristas que,<br />
através de caminhos bastante<br />
distintos, me ajudaram a construir<br />
esse <strong>trabalho</strong>.
SUMÁRIO<br />
Partimos da constatação inicial que o termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />
não tem uma conceituação clara. Por este motivo esta pesquisa visa<br />
contribuir para a sua delimitação, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong><br />
motorista de ônibus urbano sobre o seu <strong>trabalho</strong>. Esse conhecimento foi<br />
analisa<strong>do</strong> sob a ótica das representações sociais.<br />
O estu<strong>do</strong> de campo teve duração aproximada de quatro meses<br />
onde foram realizadas observações, conversas, acompanhamento da rotina<br />
de <strong>trabalho</strong> e entrevistas com os motoristas de uma garagem e duas linhas<br />
de ônibus da empresa municipal de transporte coletivo urbano de São Paulo.<br />
Utilizamos como material de análise a linguagem e as práticas.<br />
Concluímos que o Trabalho Penoso refere-se a contextos de<br />
<strong>trabalho</strong> gera<strong>do</strong>res de incômo<strong>do</strong>, esforço e sofrimento físico e mental,<br />
senti<strong>do</strong>s como demasia<strong>do</strong>s, sobre os quais o motorista não tem controle. O<br />
exercício <strong>do</strong> controle é sustenta<strong>do</strong> pela familiaridade, poder e limite<br />
subjetivo. A impossibilidade de exercê-lo pode levar à "rupíura".<br />
Para operacionalizar o controle os motoristas lançam mão de<br />
"ações adaptativas" coletivamente criadas e praticadas. Elas visam o ajuste<br />
motorista-<strong>trabalho</strong> e existem em to<strong>do</strong>s os contextos de <strong>trabalho</strong>, inclusive<br />
quan<strong>do</strong> se dá a "ruptura".<br />
O conceito de Trabalho Penoso permite refletir sobre o<br />
processo saúde-<strong>do</strong>ença em sua relação com o <strong>trabalho</strong> como a busca de<br />
conforto e melhor sintonia entre <strong>trabalho</strong> e trabalha<strong>do</strong>res.<br />
Embora tenhamos focaliza<strong>do</strong> apenas a categoria <strong>do</strong>s<br />
motoristas de ônibus urbano, as conclusões desse estu<strong>do</strong> podem ser<br />
utilizadas no estu<strong>do</strong> da penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> para outras categorias<br />
profissionais.
ÍNDICE<br />
ÇTy Introdução QJ<br />
II- As Representações Sociais Como Teoria <strong>do</strong><br />
Conhecimento Prático <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r 17<br />
III-Méto<strong>do</strong> 27<br />
IV - O Trabalho <strong>do</strong> Motorista de<br />
Ônibus Urbano 45<br />
[V) As Representações Sociais <strong>do</strong><br />
Trabalho Penoso 5g<br />
|Vl/ O Trabalho Penoso e a Ação Adaptativa 78<br />
VH-Conclusões 192<br />
Bilbiografia 108<br />
Anexos
Introdução
Pág. 2<br />
XLím 1971 Deyl Ozono de OLIVEIRA (1971),<br />
representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos e Anexos de<br />
Nova Iguaçu (RJ) reivindicou, no X Congresso Nacional de Prevenção<br />
de Acidentes <strong>do</strong> Trabalho, a criação de um "adicional de penosidade"<br />
e a redução de jornada diária de <strong>trabalho</strong> para 6 horas, em benefício<br />
<strong>do</strong>s motoristas profissionais.<br />
A reivindicação para a criação <strong>do</strong> "adicional de<br />
penosidade", naquela época, teve um caráter inova<strong>do</strong>r e levantou<br />
alguns pontos que merecem reflexão. Não se tratou apenas, de<br />
reivindicar um adicional qualquer ao salário, pois se assim fosse,<br />
OLIVEIRA (1971) poderia ter reivindica<strong>do</strong> o enquadramento da<br />
atividade profissional <strong>do</strong> motorista aos adicionais então existentes<br />
legalmente na Consolidação das Leis <strong>do</strong> Trabalho, que são os<br />
adicionais de insalubridade e de periculosidade. Isso implica que para"<br />
ele o <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista envolve uma dimensão da relação saúde e<br />
<strong>trabalho</strong> não contemplada pelos conceitos legais de insalubridade e<br />
periculosidade, que ele denominou de "penosidade".<br />
Como des<strong>do</strong>bramentos desses pontos seguem as seguintes<br />
questões: Qual o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" existente?; O que faz<br />
com que determinadas condições de <strong>trabalho</strong> sejam sentidas como<br />
"penosas"? e Quan<strong>do</strong> o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>"?
Pág. 3<br />
Para esclarecê-las, vale sistematizar aqui como a<br />
penosidade é abordada na lei, na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e no<br />
significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
A Penosidade na Lei<br />
A primeira constatação, já para a categoria <strong>do</strong>s motoristas,<br />
é a existência <strong>do</strong> direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial após 25 anos de<br />
<strong>trabalho</strong>, por ser esta profissão considerada "penosa". Esse direito é<br />
garanti<strong>do</strong> através da legislação previdenciária, no capítulo sobre<br />
Aposenta<strong>do</strong>ria Especial, de 1960 (lei n 9 3.807, capítulo V, artigo 31)<br />
que diz:<br />
"A aposenta<strong>do</strong>ria especial será concedida ao segura<strong>do</strong> que,<br />
contan<strong>do</strong> no mínimo 50(cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos<br />
de contribuição, tenha trabalha<strong>do</strong> durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou<br />
25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional,<br />
em serviços que, para esse efeito, forem considera<strong>do</strong>s <strong>penoso</strong>s,<br />
insalubres ou perigosos, por Decreto <strong>do</strong> Poder Executivo".<br />
Outras duas leis - n s 5.527 de 8 de novembro de 1968 e<br />
n 9 5.890 de 8 de junho de 1973 - modificam a primeira eliminan<strong>do</strong> a<br />
restrição de idade mínima (50 anos) e reduzin<strong>do</strong> de 15 para 5 anos o<br />
perío<strong>do</strong> de contribuição para adquirir o direito à aposenta<strong>do</strong>ria<br />
especial.<br />
A regulamentação da lei 3.807 é realizada mediante os<br />
decretos n s 53.831 de 25 de março de 1964, n s 63.230 de 10 de setembro<br />
de 1968 e de n s 72.771 de 6 de setembro de 1973 que são<br />
acompanha<strong>do</strong>s de quadros que classificam as atividades, grupos<br />
profissionais e agentes nocivos presentes nos ambientes de <strong>trabalho</strong>,<br />
determinan<strong>do</strong> para cada um o tempo de <strong>trabalho</strong> mínimo (15,20 ou 25<br />
anos) para gozar o direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial.
Pág. 4<br />
Esses quadros contemplam um número limita<strong>do</strong> de<br />
atividades, grupos profissionais e agentes nocivos, não haven<strong>do</strong> em<br />
qualquer deles, exposição das premissas e critérios a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para<br />
enquadramento <strong>do</strong>s mesmos. Apenas o quadro anexo ao decreto de<br />
n s 53.831 de 25 de março de 1964 (anexo I) fornece indicações sobre<br />
os pressupostos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, auxilian<strong>do</strong> a apreensão da lógica da<br />
classificação, pois ao la<strong>do</strong> de cada grupamento de atividade, setor ou<br />
agentes nocivos designa se o <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>", perigoso ou insalubre.<br />
Um mesmo grupamento de atividades profissionais pode ser<br />
classifica<strong>do</strong> em mais de uma categoria. Dessa forma é possível<br />
entender porque aqueles trabalha<strong>do</strong>res que desempenham "<strong>trabalho</strong>s<br />
permanentes em instalações ou equipamentos elétricos com risco de<br />
acidentes - eletricistas, cabistas, monta<strong>do</strong>res e outros", gozam <strong>do</strong><br />
direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial aos 25 anos de <strong>trabalho</strong>, pois estão<br />
submeti<strong>do</strong>s à condições consideradas perigosas. Raciocínio análogo<br />
pode ser feito para aqueles que trabalham com "germes infecciosos ou<br />
parasitários - animais - serviços de assistência médica, o<strong>do</strong>ntológica e<br />
hospitalar em que haja contato obrigatório com organismos <strong>do</strong>entes<br />
ou com materiais infecto-contagiantes - assistência médica,<br />
o<strong>do</strong>ntológica, hospitalar e outras atividades afins", os quais gozam <strong>do</strong><br />
direito à aposenta<strong>do</strong>ria especial ao completarem 25 anos de <strong>trabalho</strong>,<br />
pois sua atividade profissional é considerada insalubre, ou seja, causa<br />
<strong>do</strong>ença.<br />
Esse mesmo raciocínio, no entanto, não pode ser<br />
desenvolvi<strong>do</strong> com relação às atividades consideradas apenas<br />
"penosas", como é o caso <strong>do</strong>s motoristas e condutores de bondes,<br />
motoristas e cobra<strong>do</strong>res de ônibus, professores e recentemente, a<br />
atividade profissinal da telefonista(i). Isto porque não são<br />
especifica<strong>do</strong>s os agentes ou condições que definam o "<strong>trabalho</strong><br />
•<strong>penoso</strong>".<br />
1. cm 1989, através da lei n° 7.850, regulamentada pelo decreto no. 99.351 de 1990, a<br />
profissão de telefonista foi considerada penosa para fins de aposenta<strong>do</strong>ria especial.
Pág. 5<br />
A Constituição Federal, em 1988, em seu artigo 7 5 <strong>do</strong><br />
Capítulo <strong>do</strong>s Direitos Sociais prevê o adicional de remuneração para<br />
as atividades "penosas", perigosas e insalubres, porém, até o momento<br />
não há uma lei que regulamente esse direito, não haven<strong>do</strong>, qualquer<br />
menção sobre o conceito em questão.<br />
Apesar de figurar juridicamente não existe, nesses textos<br />
legais, uma conceituação de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". O que existe são<br />
proposições através de projetos de lei; como mostra um levantamento<br />
realiza<strong>do</strong> por SATO (1991). Nele é identificada a existência de uma<br />
série de projetos de leis envia<strong>do</strong>s ao Congresso Nacional sobre o<br />
"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>", quer para efeitos de concessão de aposenta<strong>do</strong>ria<br />
especial, quer visan<strong>do</strong> regulamentar o direito ao adicional de<br />
remuneração. Apenas três, de um total de 46 projetos, propõem uma<br />
definição de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>".<br />
O primeiro projeto de lei propõe: "Serão consideradas<br />
atividades penosas aquelas que, por sua natureza, condições e méto<strong>do</strong>s<br />
de <strong>trabalho</strong>, exijam <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s esforço e condicionamento físicos,<br />
concentração excessiva, atenção permanente, isolamento e<br />
imutabilidade da tarefa desempenhada em níveis acima <strong>do</strong>s limites de<br />
tolerância fixa<strong>do</strong>s em razão da natureza e da intensidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />
a que estão submeti<strong>do</strong>s" (P.L. n a 1019/88, deputa<strong>do</strong> Paulo Paim). Esse<br />
projeto de lei associa o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" a esforço físico, esforço<br />
mental e a situações de <strong>trabalho</strong> que levem ao isolamento e<br />
imutabilidade da tarefa. Aponta ainda para a existência de um limite<br />
de tolerância, ou seja, um nível acima <strong>do</strong> qual as condições de <strong>trabalho</strong><br />
que exijam tais esforços, sejam consideradas "penosas".<br />
O segun<strong>do</strong> projeto de lei propõe a seguinte redação:<br />
"atividade penosa é aquela que, em razão de sua natureza ou da<br />
intensidade com que é exercida, exige <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> esforço fatigante,<br />
capaz de diminuir-lhe significantemente a resistência física ou a<br />
produção intelectual"( P.L. n a 1808/1989, deputa<strong>do</strong> Paes Landim).
HQ. Ü<br />
Nessa proposição também fica evidente a associação da penosidade a<br />
esforço físico ou mental, emergin<strong>do</strong> outro componente: a fadiga.<br />
Para o projeto de lei proposto pelo deputa<strong>do</strong> Daso Coimbra<br />
(P.L n s 2168/1989) as atividades são "penosas quan<strong>do</strong> demandem<br />
esforço físico fatigante ou superior ao normal, exijam uma atenção<br />
contínua e permanente ou resultem em desgaste mental ou stress". À<br />
semelhança <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is outros, esse projeto de lei também associa a<br />
penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> a esforço físico e mental, geran<strong>do</strong> fadiga física<br />
ou desgaste mental.<br />
Os outros projetos de lei arrolam situações de <strong>trabalho</strong><br />
cujas exigências e repercussões à saúde coincidem com as proposições<br />
acima.<br />
Ainda no âmbito da legislação, verificou-se que na<br />
Espanha, desde 1957 é contemplada, para fins de prevenção, a<br />
identificação de atividades "penosas". Essa identificação, à semelhança<br />
da legislação brasileira de aposenta<strong>do</strong>ria especial por insalubridade<br />
e/ou periculosidade, é realizada mediante quadros onde, ao la<strong>do</strong> das<br />
atividades, operações e agentes nocivos, estão arrola<strong>do</strong>s os tipos de<br />
risco e suas conseqüências para a saúde. O "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" é<br />
identifica<strong>do</strong> como aquele que demanda esforço físico, tais como os<br />
<strong>trabalho</strong>s em escavação, cortes de tronco, forja de metais com martelo,<br />
dentre outros.<br />
O que se apreende através de <strong>do</strong>cumentos legais é a<br />
tendência generalizada em não conceituar o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>",<br />
caben<strong>do</strong> essa tentativa a alguns projetos de lei, até o momento não<br />
aprova<strong>do</strong>s, os quais associam essa categoria de <strong>trabalho</strong> a esforço físico<br />
ou mental. O esforço mental aproxima-se <strong>do</strong> esforço cognitivo,<br />
haven<strong>do</strong> apenas um deles, de n 2 2168/1989 que, através da palavra<br />
stress, aponta para a existência de repercussões emocionais. Além<br />
disso, as repercussões para a saúde englobam a fadiga física e o desgaste<br />
mental. Tanto o esforço como a fadiga e o desgaste mental apenas<br />
caracterizarão o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> estes forem acima de um<br />
nível supostamente tolerável.
A Penosidade na Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r<br />
Pág. 7<br />
Passan<strong>do</strong> agora para as contribuições da literatura em<br />
Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r, também identificamos a inexistência de um<br />
conceito claro sobre "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". O que existe é a adjetivação de<br />
condições de <strong>trabalho</strong> como "penosas", mediante basicamente quatro<br />
abordagens distintas. A primeira relaciona as condições "penosas" de<br />
<strong>trabalho</strong> à determinações macro-sociais; a segunda associa o "<strong>trabalho</strong><br />
<strong>penoso</strong>" a esforços físicos ; a terceira <strong>abordagem</strong> o relaciona a<br />
sofrimento mental e a última a esforço e exigências físicas e psíquicas.<br />
São exemplos da primeira <strong>abordagem</strong> estu<strong>do</strong> da<br />
Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalho (1986), que relaciona a<br />
penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> às conseqüências geradas pelo desemprego, e<br />
DESOILLE (1974) que identifica na introdução de novas tecnologias<br />
a possibilidade de diminuição ou de extinção de "<strong>trabalho</strong>s <strong>penoso</strong>s",<br />
embora esses não sejam melhor detalha<strong>do</strong>s.<br />
A grande quantidade de contribuições em pesquisas sobre<br />
"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" concentra-se na área da Fisiologia <strong>do</strong> Trabalho e da<br />
Ergonomia. Para esses estu<strong>do</strong>s, a penosidade está associada, em sua<br />
grande parte, à atividades profissionais que exijam esforço físico, ten<strong>do</strong><br />
como técnicas de avaliação as medidas de freqüência cardíaca,<br />
consumo de oxigênio, gasto de energia, gasto calórico associadas a<br />
fadiga física (2). A título de exemplo desses estu<strong>do</strong>s, engloba<strong>do</strong>s na<br />
segunda <strong>abordagem</strong>, citemos os de ANDERSON(1986.),<br />
ASTRAND(1988), KOSKELA e cols.(1983), UNDEUTSCH e<br />
GAERTNER(1982), haven<strong>do</strong> muitos outros que, por empregarem a<br />
mesma <strong>abordagem</strong>, consideramos desnecessário referi-los<br />
exaustivamente.<br />
2.- o levantamento bibliográfico que permitiu identificar essa tendência foi realiza<strong>do</strong> a partir<br />
das bases de da<strong>do</strong>s CISDOC, NIOSHTIC e HSELINE, a partir das palavras-chaves "hcavy<br />
work", "difficult work" c "slrcnuous work".
Pág. 8<br />
A terceira <strong>abordagem</strong> conta como exemplos com os<br />
estu<strong>do</strong>s de COOPER e SUTHERLAND(1987) e de<br />
DEJOURS(1980). A contribuição de COOPER e SUTHERLAND<br />
(1987), classificada em uma das bases de da<strong>do</strong>s sob a palavra-chave<br />
"heavy work", aborda a saúde mental em trabalha<strong>do</strong>res da indústria de<br />
extração de óleo e gás na plataforma, cuja atividade é reconhecida<br />
como perigosa, árdua e socialmente isolada. Os autores relacionam<br />
esta condição laborai com alto nível de stress, manifesta<strong>do</strong>s através da<br />
insatisfação no <strong>trabalho</strong> e bem estar mental reduzi<strong>do</strong>, o que conduz à<br />
maior vulnerabilidade para a ocorrência de acidentes de <strong>trabalho</strong>.<br />
j<br />
DEJOURS(1980), concentran<strong>do</strong>-se sobre o estu<strong>do</strong> da<br />
psicopatologia <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, a<strong>do</strong>ta como objeto privilegia<strong>do</strong> as<br />
repercussões para a vida psíquica relacionadas à organização <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong>. Utilizan<strong>do</strong> a psicanálise como base teórica, o autor evidencia<br />
que os trabalha<strong>do</strong>res, para enfrentarem o sofrimento psíquico advin<strong>do</strong><br />
da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, constróem defesas coletivas que,<br />
funcionan<strong>do</strong> como mecanismo adaptativo, lhes possibilitam continuar<br />
trabalhan<strong>do</strong>. Tais defesas podem adquirir o caráter de ideologia,<br />
quan<strong>do</strong> conjugam uma série de valores para coletivos específicos de<br />
trabalha<strong>do</strong>res.<br />
Em sua obra DEJOURS(1980) utiliza-se <strong>do</strong> adjetivo<br />
"<strong>penoso</strong>" em pelo menos <strong>do</strong>is momentos de sua reflexão. No primeiro<br />
ao situar a questão da adaptação a uma tarefa repetitiva e nova,<br />
acrescentan<strong>do</strong> que nada é mais "<strong>penoso</strong>" para o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que<br />
vivenciar esta fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Neste contexto, o autor parece<br />
utilizar-se <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>", para qualificar o esforço e o sofrimento<br />
psíquico, a partir <strong>do</strong> qual se coloca a necessidade de manter as defesas<br />
coletivas, inclusive durante o tempo fora <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
Num outro momento o autor aponta para a limitação das<br />
defesas coletivas erigidas pelos trabalha<strong>do</strong>res para enfrentarem o<br />
sofrimento mental advin<strong>do</strong> da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, afirman<strong>do</strong> que<br />
as defesas contra os efeitos "<strong>penoso</strong>s" da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> são<br />
dinamizadas sobretu<strong>do</strong> individualmente.
Pág. 9<br />
Vale ressaltar três aspectos quanto à <strong>abordagem</strong> desse<br />
autor em relação à utilização <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>". O primeiro<br />
refere-se à delimitação da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> como foco<br />
privilegia<strong>do</strong> de análise das condições de <strong>trabalho</strong>. O segun<strong>do</strong> diz<br />
respeito ao objeto de estu<strong>do</strong> - sofrimento psíquico - mais<br />
especificamente as estratégias psicológicas de defesa coletivamente<br />
a<strong>do</strong>tadas pelos trabalha<strong>do</strong>res. Em terceiro lugar o autor qualifica como<br />
"<strong>penoso</strong>s" os efeitos psicológicos e não o <strong>trabalho</strong>, ou melhor, a<br />
organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Mais precisamente, DEJOURS refere-se a<br />
efeitos "<strong>penoso</strong>s" da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e não a efeitos da<br />
organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> "penosa" para a saúde mental.<br />
É compreensível que ele não se refira a condições de<br />
<strong>trabalho</strong> "penosas" pois está preocupa<strong>do</strong> em investigar a vivência <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r e não em analisar a condição de <strong>trabalho</strong>, embora dela se<br />
utilize para subsidiar a investigação da vivência <strong>do</strong> coletivo de<br />
trabalha<strong>do</strong>res. Nessa perspectiva a qualidade "penosa" é identificada<br />
na vivência psicológica <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e não na organização <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong>.<br />
A última <strong>abordagem</strong>, a qual entende o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />
como aquele que demanda esforço físico e psíquico, é representada<br />
pelo <strong>trabalho</strong> de DESSORS(1985), quan<strong>do</strong> emprega o adjetivo<br />
"<strong>penoso</strong>" para referir-se às exigências físicas e psíquicas <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e<br />
de SELIGMANN SILVA(1986), reportan<strong>do</strong>-se a estu<strong>do</strong> de MARTINS<br />
RODRIGUES(1978) quan<strong>do</strong> relaciona "importantes repercussões a<br />
nível da fadiga e sofrimento psíquico"(p.88) a "condições laborais<br />
extremamente penosas."(p. 88).<br />
No âmbito da saúde mental e <strong>trabalho</strong>, é o mesmo estu<strong>do</strong><br />
de SELIGMANN SILVA(1986) quem nos confirma a inexistência da<br />
a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" como conceito. Nele a autora faz<br />
um apanha<strong>do</strong> <strong>do</strong>s conceitos mais utiliza<strong>do</strong>s por diversas abordagens -<br />
Ergonomia, Psicopatologia <strong>do</strong> Trabalho, Psicofísiologia <strong>do</strong> Trabalho,<br />
Epidemiologia Social, Psicologia e Sociologia. O "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" não<br />
é arrola<strong>do</strong> como um deles.
Pág. 10<br />
To<strong>do</strong>s estes <strong>trabalho</strong>s tem em comum o fato de não<br />
elegerem à categoria de conceito a expressão "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Além<br />
disso, na medida em que a palavra "<strong>penoso</strong>" é empregada como<br />
adjetivo, é natural que não exista precisão quan<strong>do</strong> de sua utilização.<br />
 Penosidade no significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Trabalho<br />
Em função da variedade de significa<strong>do</strong>s e contextos com<br />
que o adjetivo "<strong>penoso</strong>" é emprega<strong>do</strong>, e devi<strong>do</strong> à falta de precisão <strong>do</strong><br />
mesmo na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, consideramos importante<br />
identificar a relação da penosidade com o <strong>trabalho</strong>, através <strong>do</strong><br />
significa<strong>do</strong> lingüístico da palavra "<strong>penoso</strong>" bem como sua relação com<br />
o substantivo "<strong>trabalho</strong>".<br />
"Penoso", enquanto símbolo lingüístico, é um adjetivo que<br />
imputa a algo a causa de pena, sofrimento, incômo<strong>do</strong> e <strong>do</strong>r e lhe<br />
confere o caráter de dificuldade e complicação. "Penoso" é aquilo que<br />
causa impressão desagradável, que aflige, que atormenta. Aquilo que<br />
é "<strong>penoso</strong>" implica em contenção e repressão. Pena é castigo, punição,<br />
padecimento, aflição.<br />
Na língua Inglesa e Francesa o adjetivo "<strong>penoso</strong>" - lâborious<br />
e laborieux - e o substantivo Trabalho - labour e labeur, compartilham<br />
da raiz latina" labore", cujo significa<strong>do</strong> é "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>", fadiga ou<br />
ainda simplesmente <strong>trabalho</strong>.<br />
GOGUELIN (1980) acompanha a evolução histórica <strong>do</strong><br />
substantivo "<strong>trabalho</strong>" e verifica que sua origem latina "tripalium "<br />
está relacionada a castigo, pois designava um instrumento de suplício<br />
aplica<strong>do</strong> aos escravos que se recusassem a trabalhar. Modifica<strong>do</strong>, mas
Pág. 11<br />
ainda em latim, "tripaliare " significava torturar os escravos para que<br />
trabalhassem. Na Idade Média, em Francês, " travail " nomeava o<br />
aparelho utiliza<strong>do</strong> para conter os animais enquanto operavam.<br />
MORAES FILHO (1986) reconstitui a história da palavra<br />
"<strong>trabalho</strong>" copilan<strong>do</strong> contribuições de vários outros autores e constata<br />
a existência de entendimentos distintos quanto à sua origem, mas<br />
encontra como denomina<strong>do</strong>r comum a conclusão de que ela está<br />
envolta com a idéia de castigo, pena, tarefa "penosa", fadiga e esforço,<br />
sen<strong>do</strong>, ainda nos dias de hoje o <strong>trabalho</strong> caracteriza<strong>do</strong> pela noção de<br />
esforço "<strong>penoso</strong>". Porém, como acrescenta ainda a reflexão desse autor,<br />
além da noção de esforço, o <strong>trabalho</strong> tem ainda o caráter de obrigação,<br />
e encontra-se contextualiza<strong>do</strong> por sua finalidade econômica.<br />
Esse autor discute ainda a tarefa que algumas ciências e<br />
a filosofia tem procura<strong>do</strong> cumprir:" o de diminuir o máximo possível<br />
a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, tornan<strong>do</strong>-o uma atividade espontânea,<br />
alegre e feliz."(p. 129).<br />
FERREIRA (Ia. edição, 4a. impressão), ao buscar<br />
sinônimos para a palavra Trabalho, refere-se ao Mito de Sísifo:" Segun<strong>do</strong><br />
a lenda grega, Sísifo, rei de Corinto, ten<strong>do</strong> escapa<strong>do</strong><br />
astuciosamente a Tânatos, o deus da morte, envia<strong>do</strong> por Zeus para<br />
castigá-lo, foi leva<strong>do</strong> por Hermes ao Inferno, onde o condenaram ao<br />
suplício de rolar uma rocha até o cimo de um monte, <strong>do</strong>nde ela se<br />
despencava, deven<strong>do</strong> o condena<strong>do</strong> recomeçar incessantemente o<br />
<strong>trabalho</strong>" (p.1404). O mito revela que aquele que escapa da morte é<br />
condena<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong> força<strong>do</strong> como castigo, como pena.<br />
CAMUS (s.d.) objetivan<strong>do</strong> refletir sobre o absur<strong>do</strong><br />
reporta-se ao mito de Sísifo e atribui sabe<strong>do</strong>ria aos deuses por<br />
a<strong>do</strong>tarem como o" castigo mais terrível" (p.107) o <strong>trabalho</strong> inútil e sem<br />
esperança. O filósofo conclui que o mito só é trágico porque Sísifo tem<br />
consciência de sua condição, de que seu <strong>trabalho</strong> é inútil e de que não<br />
terá fim. " Onde estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a<br />
esperança de conseguir o ajudasse ? " (p.149). E transporta para o<br />
trabalha<strong>do</strong>r de hoje a mesma condição <strong>do</strong> mito:" O operário de hoje
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trabalha to<strong>do</strong>s os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino<br />
não é menos absur<strong>do</strong>. Mas só é trágico nos raros momentos em que<br />
ele se torna consciente" (p.149). Porém, CAMUS vislumbra momentos<br />
de alegria vivi<strong>do</strong>s por Sísifo nesse trágico castigo que lhe foi imputa<strong>do</strong>.<br />
NOSELLA(1987) analisa as várias visões sobre o <strong>trabalho</strong><br />
e sua relação com a ideologia vigente a cada momento histórico<br />
analisa<strong>do</strong>. Para algumas visões o <strong>trabalho</strong> é castigo, para outras o<br />
<strong>trabalho</strong> está intrinsecamente liga<strong>do</strong> à estruturação <strong>do</strong> homem,<br />
poden<strong>do</strong> ser positivo e saudável. FOUCAULT(1978) identifica que o<br />
<strong>trabalho</strong> tem um significa<strong>do</strong> moral, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> como um<br />
remédio para a loucura. Segun<strong>do</strong> WISNER (1987) "O <strong>trabalho</strong> está<br />
envolto com a noção geral de pena, de sofrimento (Bíblia). O que não<br />
é <strong>penoso</strong> não é <strong>trabalho</strong>, aos olhos de alguns" (p.ll).<br />
Em síntese, temos através da análise lingüística que a<br />
palavra "<strong>trabalho</strong>" está intimamente vinculada à palavra "<strong>penoso</strong>".<br />
Além disso temos, através da contribuição histórica, uma vertente que<br />
reforça essa visão e outra que busca o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> substantivo<br />
"<strong>trabalho</strong>" mediante a análise da correlação de forças políticas, as idéias<br />
e interesses vigentes em diferentes momentos históricos,<br />
desvinculan<strong>do</strong> o íntimo parentesco entre o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> substantivo<br />
"<strong>trabalho</strong>" e o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> adjetivo "<strong>penoso</strong>".<br />
Se a<strong>do</strong>tarmos a primeira dessas vertentes admitiremos<br />
também que to<strong>do</strong>s os <strong>trabalho</strong>s são "<strong>penoso</strong>s" es consequentemente,<br />
que o "<strong>trabalho</strong>" confortável ou prazeroso não existe. Mas essa<br />
concepção é contraditória com a própria existência e utilização da<br />
expressão "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" e pudemos demonstrar que, embora não<br />
se tenha um conceito claro, legisla<strong>do</strong>res, líderes sindicais e estudiosos<br />
da área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, a utilizam.<br />
Pelo que vimos discutin<strong>do</strong> até o momento, compreende-se<br />
que o <strong>trabalho</strong> em si implica em esforço, no entanto, quan<strong>do</strong><br />
qualifica<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>", quer-se dizer que além <strong>do</strong> esforço<br />
característico <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> há um "a mais" que o transforma em castigo,
Pág. 13<br />
punição, desconforto e sofrimento. Parece, portanto, que o "<strong>trabalho</strong><br />
<strong>penoso</strong>" comporta uma dimensão quantitativa - a mais - e outra<br />
qualitativa, da<strong>do</strong> que a característica <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é transformada.<br />
Retornemos então ao que diz Deyl Ozório de OLIVEIRA<br />
(1971), o representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos<br />
Ro<strong>do</strong>viários e Anexos de Nova Iguaçu, para quem o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>"<br />
diz respeito ao " <strong>trabalho</strong> desumano, força<strong>do</strong> " (p. 314). Além disso,<br />
ele arrola uma série de elementos da condição de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />
motorista, que nos parece traduzir a concepção de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>":<br />
" Não só para os técnicos em medicina <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, como também para<br />
os leigos atentos ao desenvolvimento social, evidencia-se sem grande<br />
esforço de observação, que os motoristas profissionais, pelas<br />
peculiaridades de sua atividade profissional, desenvolvem intensa<br />
atividade física e mental, simultâneas, não só pela realização <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong> em si como também, ante a complexidade <strong>do</strong> tráfego<br />
ro<strong>do</strong>viário urbano e de estradas, que os submetem a uma permanente<br />
concentração <strong>do</strong> sistema nervoso, à fixação da atenção, à<br />
responsabilidade pelas vidas e pelo patrimônio sob sua guarda,<br />
cotidianamente.<br />
" O sistema nervoso <strong>do</strong>s profissionais <strong>do</strong> volante está sujeito<br />
a pressões simultâneas e várias, das quais estão isentos os outros<br />
trabalha<strong>do</strong>res. O eleva<strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s veículos, as vidas sob sua<br />
responsabilidade, a vida <strong>do</strong>s pedestres afoitos, a sinalização muitas<br />
vezes defeituosa, o excesso de ruí<strong>do</strong>s, muito acima da taxa de decibéis<br />
além <strong>do</strong> suportável pelo organismo humano, o calor que se desprende<br />
<strong>do</strong> motor, o ar vicia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s coletivos, a fumaça <strong>do</strong>s canos de<br />
escapamento, a conformação anti-anatômica das poltronas <strong>do</strong>s<br />
motoristas, são entre outros, fatores de cansaço e fadiga"(p. 312).<br />
Depreendemos que para ele o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" &stà<br />
relaciona<strong>do</strong> a um conjunto de fatores constitutivos da condição de<br />
<strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista profissional, engloban<strong>do</strong> desde a presença de<br />
agentes de natureza física como ruí<strong>do</strong> e calor; química, como a fumaça<br />
<strong>do</strong> escapamento; de adequação <strong>do</strong> equipamento como as poltronas; as<br />
condições das estradas e vias; a responsabilidade com o carro, com os
Pág. 14<br />
passageiros e pedestres; o tráfego, dentre outros. Não é possível<br />
identificar e eleger um agente específico da condição de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />
motorista profissional, capaz de sintetizar a noção de "<strong>trabalho</strong><br />
<strong>penoso</strong>". Além disso está relaciona<strong>do</strong> com o desgaste físico e mental,<br />
desencadean<strong>do</strong> o cansaço e a fadiga.<br />
Esta condição de <strong>trabalho</strong> é por ele relacionada às<br />
ocorrências de acidentes de trânsito, dada a fadiga que ela engendra<br />
"ocasionan<strong>do</strong> o retardamento <strong>do</strong> reflexo, a redução da acuidade<br />
sensorial, diminuin<strong>do</strong> a produtividade no <strong>trabalho</strong> e conduz à<br />
subestimação <strong>do</strong> perigo." (OLIVEIRA, 1971, p. 314).<br />
Subjacente à reivindicação de Deyl Ozório de<br />
OLIVEIRA(1971) está a noção de que o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" provoca<br />
sensações de desgaste, enquanto desconforto, incômo<strong>do</strong>, pressão e<br />
sofrimento que atingem simultaneamente a dimensão física e<br />
psicológica <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e estes sentimentos têm sua causa imputada<br />
à condição de <strong>trabalho</strong> como um to<strong>do</strong>. Tal concepção parece<br />
aproximar-se mais da <strong>abordagem</strong> de DESSORS(1985) e<br />
SELIGMANN SILVA (1986) discutida anteriormente e afastar-se<br />
daquelas concepções que relacionam este conceito exclusivamente a<br />
esforço físico ou exclusivamente a esforço e sofrimento mental.<br />
Distancia-se também, daquelas abordagens onde elegem-se apenas<br />
elementos isola<strong>do</strong>s e específicos da condição de <strong>trabalho</strong> pois solicita<br />
que seja analisada como um to<strong>do</strong> para a apreensão de sua dimensão<br />
"penosa".<br />
Objetivo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />
Constatamos que nem sempre se observa coincidência no<br />
significa<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> ao termo "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" pelos representantes<br />
<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, pelos estudiosos em saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e<br />
legisla<strong>do</strong>res. Identificamos também que essa expressão tem si<strong>do</strong><br />
empregada com pouca precisão na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.
Pág. 16<br />
a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> na legislação para compreender a relação saúde e <strong>trabalho</strong>,<br />
também se mostrará limita<strong>do</strong> para estudar a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
É bem possível que justamente porque a "penosidade" <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong> envolve a dimensão subjetiva, por remeter ao sofrimento, que<br />
ela não tenha si<strong>do</strong> definida legalmente para fins de prevenção, como<br />
ocorre com a insalubridade e com a periculosidade. Isto porque seu<br />
estu<strong>do</strong> e caracterização legal demandaria a incorporação de outros<br />
aportes teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos. Na legislação de prevenção uma das<br />
normas intitulada Ergonomia (N.R. 17) regulamenta condições que<br />
demandam esforço físico, como carregamento de peso, posturas e<br />
ritmo de <strong>trabalho</strong>. Essa norma parece ter como subsídio os estu<strong>do</strong>s<br />
classifica<strong>do</strong>s sob a palavra-chave "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" nas bases de da<strong>do</strong>s<br />
consultadas, que restringem o caráter "<strong>penoso</strong>" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> ao esforço<br />
físico estuda<strong>do</strong>s através de méto<strong>do</strong>s de avaliação objetiva e quantitativa<br />
de esforço. Estes são os <strong>trabalho</strong>s da Fisiologia <strong>do</strong> Trabalho e da<br />
Ergonomia que, frize-se, contribuem com a maior quantidade de<br />
estu<strong>do</strong>s empíricos. Apesar de haver uma tendência em, ao legislar, de<br />
restringir-se à dimensão objetiva, perguntamos se é possível delimitar<br />
o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" prescindin<strong>do</strong> da dimensão subjetiva?
Capítulo II<br />
Âs Representações<br />
Sociais como<br />
Teoria <strong>do</strong><br />
Conhecimento<br />
Prático<br />
<strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r
Pág. 18<br />
Importante proposta meto<strong>do</strong>lógica de avaliação das<br />
condições de <strong>trabalho</strong> e de saúde é aquela desenvolvida pelo<br />
movimento sindical italiano, denominada de "Modelo Operário". Essa<br />
proposta foi gerada como uma das práticas <strong>do</strong> movimento sindical<br />
italiano quan<strong>do</strong>, no finai da década de 60 e mea<strong>do</strong>s da década de 70,<br />
ele desenvolvia intensa luta pela melhoria das condições de <strong>trabalho</strong> e<br />
de saúde.<br />
O "Modelo Operário" é uma meto<strong>do</strong>logia que está voltada<br />
prioritariamente à identificação de questões que norteassem as<br />
reivindicações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Sua principal característica é<br />
marcada pela a<strong>do</strong>ção de uma nova ótica no processo de investigação<br />
da relação saúde e <strong>trabalho</strong>. Essa nova ótica pressupõe que o<br />
trabalha<strong>do</strong>r tem um saber e que é a partir dele que o processo de<br />
avaliação das condições de <strong>trabalho</strong> deve partir. Por este motivo o<br />
"Modelo Operário" tem si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> como referência em vários outros<br />
países, inclusive no Brasil.<br />
Os princípios nortea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> "Modelo Operário" são: não<br />
delegação, experiência ou subjetividade operária, grupo homogêneo e<br />
validação consensual.
Pág. 19<br />
Dentro desses princípios "o processo parte da observação<br />
espontânea realizada pelos operários com respeito a suas condições de<br />
<strong>trabalho</strong> e que existe uma experiência acumulada primária depositada<br />
no grupo"(LAURELL, 1984, p. 68). Trabalha-se com grupos<br />
homogêneos para garantir que emerjam os conteú<strong>do</strong>s da experiência<br />
coletiva e não apenas individual. "O grupo operário homogêneo é<br />
caracteriza<strong>do</strong> por uma mesma situação geográfica dentro <strong>do</strong> local de<br />
<strong>trabalho</strong>, uma mesma posição na organização taylorista de <strong>trabalho</strong> e<br />
exposição aos mesmos fatores de risco. Ele é a unidade mínima <strong>do</strong><br />
coletivo de trabalha<strong>do</strong>res "(MALLET, 1988, p. 59). No entanto, esses<br />
critérios de homogeneidade <strong>do</strong> grupo mereceram questionamentos<br />
por parte de BERLINGUER e BIOCCA(1987) e MALLET(1988),<br />
pois neles não são considera<strong>do</strong>s fatores relativos a tempo e tipo de<br />
experiência, exposição e responsabilidades no <strong>trabalho</strong> e, tampouco,<br />
aqueles fatores externos como mobilidade, educação e condições de<br />
vida.<br />
Após o levantamento de da<strong>do</strong>s através <strong>do</strong> grupo<br />
homogêneo, procede-se à sua categorização em quatro grupos de<br />
risco. "O primeiro grupo compreende os fatores presentes também no<br />
ambiente em que os homem vive fora <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> (nos locais de<br />
habitação): luz, barulho, temperatura, ventilação e<br />
umidade."(ODDONE e cols., 1986, p. 21); "O segun<strong>do</strong> grupo<br />
compreende os fatores característicos <strong>do</strong> ambiente de <strong>trabalho</strong>:<br />
poeiras, gases, vapores e fumaças. Por exemplo: poeira de sílica, de<br />
amianto, vapores de benzeno, gás de sulfeto de carbono."(ODDONE<br />
e cols., 1986, p. 22); o terceiro grupo refere-se ao <strong>trabalho</strong> físico e por<br />
fim, "O quarto grupo de fatores nocivos compreende cada condição de<br />
<strong>trabalho</strong>, além <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> físico, capaz de provocar stress, por<br />
exemplo: monotonia, ritmos excessivos, ocupação <strong>do</strong> tempo,<br />
repetitividade, ansiedade, responsabilidade, posições incômodas,<br />
etc."(ODDONE e cols., 1986, p. 24).<br />
Posteriormente essas informações são analisadas por<br />
técnicos mediante medições e da<strong>do</strong>s bio-estatísticos, buscan<strong>do</strong><br />
quantificá-los. Realiza-se, ainda, a representação gráfica <strong>do</strong>s riscos e,
Pág. 20<br />
por fim, avalidação consensual, feita pelo grupo de trabalha<strong>do</strong>res, pois<br />
objetiva-se, desta forma, evitar as tendências individuais.<br />
Os questionamentos aponta<strong>do</strong>s à proposta <strong>do</strong> Modelo<br />
Operário por BERLINGUER e BIOCCA (1987), LAURELL (1984)<br />
e MALLET(1988), embora não expressem diretamente, estão<br />
buscan<strong>do</strong> respostas para a natureza da experiência-subjetividade<br />
operária, quanto à relação indivíduo-grupo e quanto à sua lógica.<br />
Identifica-se que "a concepção que se perfila mais claramente nos<br />
textos é a subjetividade-experiência operária, como conhecimento<br />
latente acumula<strong>do</strong>, resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> viver e atuar numa determinada<br />
realidade, cujo porta<strong>do</strong>r é o grupo homogêneo, ou seja, a coletividade<br />
que compartilha dessa realidade"(LAURELL e NORIEGA, 1989,<br />
p. 88). Porém, não há uma discussão pormenorizada sobre a natureza<br />
da experiência-subjetividade operária, sobre a sua construção, nem<br />
sequer sobre sua relação com as condições objetivas de <strong>trabalho</strong>.<br />
Outra contribuição que incorpora o saber <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res é a de GRIMBER(1988) quan<strong>do</strong> investiga a construção<br />
social <strong>do</strong>s processos de saúde e <strong>do</strong>ença nos trabalha<strong>do</strong>res gráficos. Para<br />
a autora, "os processos de saúde-<strong>do</strong>ença são objeto de uma construção<br />
social que se expressa em mo<strong>do</strong>s de perceber, categorizar e significar<br />
a saúde e a enfermidade e em uma série de práticas em torno das<br />
mesmas. E por sua vez, esta construção implica sobretu<strong>do</strong> uma<br />
articulação de mo<strong>do</strong>s de representar o <strong>trabalho</strong>, isto é, esta construção<br />
supõe determina<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de relacionar o <strong>trabalho</strong> e a saúde-<strong>do</strong>ença.<br />
"Isto conduz a propor que estes saberes e práticas não foram<br />
gera<strong>do</strong>s só por especialistas (médicos e técnicos), nem são atributos<br />
exclusivos deles. Pelo contrário, os trabalha<strong>do</strong>res foram e são sujeitos<br />
ativos nesta construção."(p.03). No entanto, embora conceba a<br />
participação ativa <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res neste processo de construção,<br />
parte também <strong>do</strong> pressuposto de que ele é o resulta<strong>do</strong> de relações de<br />
hegemonia na sociedade, onde o saber e a prática médica jogam papel<br />
importante nessa articulação.
Pág. 21<br />
A autora avança na discussão sobre as representações que<br />
os trabalha<strong>do</strong>res têm sobre a relação <strong>trabalho</strong> e saúde acrescentan<strong>do</strong> :<br />
"... o conjunto de representações com respeito à relação <strong>trabalho</strong>-saúde<br />
conforma um saber que não se reduz ou se esgota nos aspectos comuns<br />
às categorias médicas, tampouco nos parece que pode ser pensa<strong>do</strong> em<br />
termos de limitação ou de versão empobrecida <strong>do</strong> saber médico - ainda<br />
quan<strong>do</strong> efetivamente nos casos individuais este saber possa a<strong>do</strong>tar essa<br />
forma"(p. 10). Ou seja, as representações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res seguem<br />
uma lógica própria, diferencian<strong>do</strong>-se daquelas a<strong>do</strong>tadas pelas ciências<br />
atinentes à saúde e <strong>trabalho</strong>.<br />
Outro relato de pesquisa na área de saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r<br />
parte <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r para estudar a representação<br />
<strong>do</strong> risco entre operários. Nele HARRISON(1988) não aprofunda a<br />
noção de representação empregada, mas entende que, "o risco é uma<br />
noção onde a representação depende tanto <strong>do</strong> contexto social onde ela<br />
se constrói como da natureza <strong>do</strong> risco propriamente"(p. 78). Nessa<br />
<strong>abordagem</strong> não é considerada a dimensão subjetiva, que, no caso <strong>do</strong><br />
Modelo Operário, merece atenção e cuida<strong>do</strong>s especias a fim de evitar<br />
que as particularidades individuais sejam relevadas.<br />
Embora essas abordagens utilizem-se de noções como<br />
"subjetividade-experiência operária", "construção social" e<br />
"representações", identifica-se que, da<strong>do</strong> o não aprofundamento<br />
teórico sobre elas, não se pode delimitar claramente a concepção de<br />
cada uma e, embora identifiquemos pontos divergentes entre elas,<br />
mostram-se como noções que partem de uma nova ótica, a <strong>do</strong> saber<br />
<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.<br />
Como estudamos o "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" através da<br />
perspectiva <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r cabe-nos expor a<br />
concepção que a<strong>do</strong>tamos nesta investigação, a fim de que possamos<br />
respeitar a sua lógica.<br />
A primeira questão a ser debatida refere-se à natureza<br />
desse conhecimento, especialmente quanto à relação que mantém com
Pág. 22<br />
a realidade objetiva e a realidade subjetiva. Com relação a esse aspecto<br />
há entendimentos distintos. Uma das abordagens existentes filia-se à<br />
tradição behaviorista, para a qual o mun<strong>do</strong> real está da<strong>do</strong>, de certa<br />
forma é natural e o conhecimento consiste em apreendê-lo tal qual ele<br />
é (BRUNER.1988). De outro la<strong>do</strong>, numa concepção idealista, o<br />
conhecimento é um ato de imaginação, essencialmente de natureza<br />
subjetiva, desvincula<strong>do</strong>, portanto, da realidade objetiva. Subjacente a<br />
essas duas abordagens há o pressuposto de que o mun<strong>do</strong> objetivo e o<br />
mun<strong>do</strong> subjetivo estão dicotomiza<strong>do</strong>s.<br />
Uma terceira vertente, à qual nos filiamos, entende que o<br />
mun<strong>do</strong> objetivo e o mun<strong>do</strong> subjetivo estão intimamente e<br />
dinamicamente articula<strong>do</strong>s. Nessa articulação, a realidade da vida<br />
cotidiana é construída coletivamente, a qual, por sua vez, produz o<br />
homem. Nesse senti<strong>do</strong> não se concebe uma natureza humana<br />
biológica, mas, ao contrário, é concebida como dinamicamente<br />
construída no mun<strong>do</strong> social, onde "o processo de tornar-se homem se<br />
efetua na correlação com o ambiente" (BERGER e LUCKMANN,<br />
1987, p. 71).<br />
Nessa concepção, a realidade da vida cotidiana é, para o<br />
homem comum, <strong>do</strong>tada de senti<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong> assim um mun<strong>do</strong><br />
coerente e ordena<strong>do</strong>. Para ele não há dúvida de que esse senti<strong>do</strong> é<br />
partilha<strong>do</strong> pelos outros homens, sen<strong>do</strong>, portanto, um mun<strong>do</strong><br />
intersubjeíivo. A coerência e o significa<strong>do</strong> desse mun<strong>do</strong> além de<br />
partilha<strong>do</strong> é socialmente construí<strong>do</strong>, caracterizan<strong>do</strong> o conhecimento<br />
<strong>do</strong> senso comum ou o conhecimento prático.<br />
Consonante a essa concepção, a teoria das Representações<br />
Sociais nos fornece elementos para refletir sobre a funcionalidade, a<br />
dinâmica e a estrutura <strong>do</strong> conhecimento prático, o qual engloba a visão<br />
<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r sobre a realidade <strong>do</strong> seu <strong>trabalho</strong>. As representações<br />
sociais são formas de pensamento prático cuja funcionalidade reside<br />
em orientar a comunicação e a prática <strong>do</strong> dia a dia. Elas "dizem respeito<br />
aos conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong> pensamento cotidiano e ao suprimento de idéias que<br />
dá coerência às nossas crenças religiosas, às idéias políticas e às<br />
conexões que criamos tão espontaneamente como respirar. Elas nos
Pág. 24<br />
mostran<strong>do</strong>-nos que temos uma falta e isso pode provocar sentimentos<br />
desagradáveis.<br />
Situadas enquanto fenômeno psícosocial, as<br />
representações sociais também são definidas através <strong>do</strong>s processos que<br />
a engendram, na medida em que visam tornar familiar os fenômenos<br />
estranhos da vida cotidiana e na medida em que a vida cotidiana<br />
apresenta novidades a to<strong>do</strong> momento, as representações sociais são<br />
categorias de conhecimento que estão sempre em construção. Essa<br />
construção envolve <strong>do</strong>is processos: a ancoragem que incorpora<br />
organicamente os elementos estranhos no sistema de pensamento e<br />
de valores pré-existentes, nas representações já construídas ; a<br />
objetivação, processo através <strong>do</strong> qual as representações ganham<br />
autonomia e passam a se incorporar na realidade social, passagem que<br />
identificamos como aquela que está voltada para a construção da<br />
realidade da vida cotidiana.<br />
Além desses <strong>do</strong>is processos, as representações sociais são<br />
definidas por seu conteú<strong>do</strong>, para o qual podem convergir idéias,<br />
imagens, atitudes e opiniões sobre algo. Esse conteú<strong>do</strong> é composto de<br />
dupla face: significa<strong>do</strong> e imagem. Sobretu<strong>do</strong> a face icônica expressa a<br />
criatividade das representações sociais, evidencian<strong>do</strong> mais uma vez<br />
que elas não são mera cópia de um mun<strong>do</strong> objetivo (SPINK, 1989).<br />
Da<strong>do</strong> o seu poder simbólico, elas possibilitam estabelecer a<br />
comunicação sobre coisas ausentes nessa relação. Por este motivo, as<br />
representações tornam a ausência presente e para isso utilizam-se de<br />
veículos para expressá-las e torná-las comuns.<br />
Contan<strong>do</strong> as representações sociais com as características<br />
acima discutidas o seu estu<strong>do</strong> pode ser realiza<strong>do</strong> por várias vertentes,<br />
privilegian<strong>do</strong> uma ou outra característica. JODELET (1984) ressalta<br />
enquanto tendência <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, que tem se utiliza<strong>do</strong> da teoria das<br />
representações sociais, a opção por estudar os seus processos ou os<br />
seus conteú<strong>do</strong>s, mas observa a tendência ao privilegiamento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s processos.
Pág. 25<br />
Nesse estu<strong>do</strong>, abordamos os conteú<strong>do</strong>s das representações<br />
sociais sobre o <strong>trabalho</strong>, enfocan<strong>do</strong> aqueles significa<strong>do</strong>s que remetem<br />
ao seu caráter "<strong>penoso</strong>". Buscamos, em outras palavras, investigar de<br />
que forma aquilo que pode ser chama<strong>do</strong> de "penosidade" Se manifesta<br />
na maneira como os trabalha<strong>do</strong>res constróem o seu mun<strong>do</strong>. Não<br />
queremos saber o que eles pensam sobre a "penosidade", mas se a<br />
"penosidade" existe para eles.<br />
Para operacionalizar o estu<strong>do</strong> foi necessário ainda<br />
delimitar quais os seus canais de expressão. "Sabemos que as<br />
representações sociais correspondem, por um la<strong>do</strong>, à substância<br />
simbólica que entra na elaboração e, por outro à prática que produz a<br />
dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma<br />
prática científica e mítica." (MOSCOVICI, 1978, p. 41). Sen<strong>do</strong> assim,<br />
elas podem a<strong>do</strong>tar várias formas de expressão dentre as quais temos a<br />
linguagem pictórica, verbal, dramatúrgica e escrita e o fazer <strong>do</strong> dia a<br />
dia. A<strong>do</strong>tamos a linguagem verbal e as práticas de <strong>trabalho</strong> (o fazer <strong>do</strong><br />
dia a dia no <strong>trabalho</strong>) como o material para a leitura das<br />
representações sociais.<br />
As práticas de <strong>trabalho</strong> são os fazeres que materializam o<br />
<strong>trabalho</strong>. Elas são aqui entendidas como a expressão de mo<strong>do</strong>s de<br />
representar o <strong>trabalho</strong> e de se relacionar com ele, ou seja, as práticas<br />
estão sustentadas por um conhecimento prévio, haven<strong>do</strong> desta forma,<br />
íntima relação entre o pensar, sentir, conhecer e o fazer. As<br />
representações sociais são "usadas pelos indivíduos para compreender<br />
e agir na sociedade, serve para eles como uma estrutura de referência<br />
para seus pensamentos e decisões, e colore a sua imaginação"<br />
(MOSCOVICI, 1984, p. 952). Por sua vez, as práticas tornam-se parte<br />
da realidade da vida cotidiana, material das representações sociais.<br />
O conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r tem uma natureza<br />
própria de construção, um senti<strong>do</strong> e se expressa de várias formas. Para<br />
entendê-lo, devemos apreender a sua lógica interna, reconhecen<strong>do</strong> e<br />
respeitan<strong>do</strong> suas especificidades. Para MOSCOVICI (1984), "O termo<br />
'representação' deve ser reserva<strong>do</strong> para uma categoria especial de
Pág. 26<br />
conhecimentos e crenças, principalmente aquelas que emergem na<br />
comunicação e cuja estrutura corresponde a esta forma de<br />
comunicação"( p. 952). Assim, eles não incluem as concepções<br />
filosóficas e científicas.
Capítulo III<br />
\***w**#m*^tyí^*it^*tol^'+Aww<br />
üiwwg.iaKiaft. jMLmmiiMBaiM<br />
Méto<strong>do</strong>
Pág. 28<br />
nn<br />
J. en<strong>do</strong> o nosso estu<strong>do</strong> o objetivo de delimitar um conceito,<br />
situa-se dentre aqueles que visam fornecer da<strong>do</strong>s para construir um<br />
objeto de estu<strong>do</strong>, no caso, na área de Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r e em<br />
Psicologia Social. Em função disso situa-se dentre os estu<strong>do</strong>s que<br />
buscam adquirir maior familiaridade, maior discernimento e levantar<br />
questões sobre um determina<strong>do</strong> assunto, Esses aspectos foram<br />
considera<strong>do</strong>s na definição <strong>do</strong> méto<strong>do</strong>.<br />
 base empírica<br />
Para delimitar o conceito de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" a partir <strong>do</strong><br />
conhecimento prático <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res sobre o seu <strong>trabalho</strong>,<br />
poderíamos a<strong>do</strong>tar como base empírica trabalha<strong>do</strong>res de qualquer<br />
categoria profissional. Elegemos uma categoria específica porque isso<br />
nos permitiu um maior aprofundamento e, por conseguinte, uma<br />
melhor compreensão da linguagem e <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em si.<br />
Escolhemos os motoristas de ônibus urbano pelo fato de<br />
ter si<strong>do</strong> um representante <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de Veículos e<br />
Anexos quem reivindicou a criação <strong>do</strong> "adicional de penosidade", o que
 trajetória <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo<br />
Pág. 30<br />
O desenho <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo foi traça<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> que<br />
pudéssemos apreender o conhecimento prático <strong>do</strong>s motoristas de<br />
ônibus urbano sobre o seu <strong>trabalho</strong>, necessitan<strong>do</strong>, portanto,<br />
conhecê-los enquanto grupo profissional que tem peculiaridades,<br />
conhecer o <strong>trabalho</strong> em si e a sua linguagem.<br />
1 -A garagem<br />
Iniciamos o <strong>trabalho</strong> de campo na garagem escolhida com<br />
uma breve exposição, aberta aos funcionários que lá trabalhavam,<br />
sobre a pesquisa. Seqüencialmente iniciou-se o perío<strong>do</strong> no qual<br />
conhecemos as instalações físicas da garagem, a divisão <strong>do</strong>s espaços, as<br />
atividades desenvolvidas, os trabalha<strong>do</strong>res e as funções que<br />
desempenham.<br />
Dentro da garagem existe a Reserva.o espaço destina<strong>do</strong><br />
aos opera<strong>do</strong>res (motoristas, cobra<strong>do</strong>res, fiscais). Nesse espaço<br />
concentramos por alguns perío<strong>do</strong>s nossas atenções, conversan<strong>do</strong> com<br />
os opera<strong>do</strong>res e os observan<strong>do</strong> sem um roteiro prévio para tanto, pois<br />
consideramos necessário, nesse primeiro momento, estarmos abertos<br />
para entendermos a própria organização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res.<br />
Esses contatos eram precedi<strong>do</strong>s de explicações sobre a investigação,<br />
bem como <strong>do</strong>s procedimentos de coleta de da<strong>do</strong>s a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s.<br />
Invariavelmente, quan<strong>do</strong> citávamos que após essas conversas e<br />
observações se daria o acompanhamento de uma "linha boa" e de outra<br />
"ruim", os motoristas e cobra<strong>do</strong>res sempre tinham algo a dizer sobre<br />
elas, principalmente sobre aquelas consideradas "ruins". Citar a fase<br />
de acompanhamento das linhas parecia servir de mote para<br />
desencadear a discussão entre eles. Essas discussões eram enriquecidas<br />
com relatos de situações diretamente vivenciadas, observadas e<br />
relatadas por outros companheiros.
Pág. 31<br />
Nesse perío<strong>do</strong> inicial começamos a identificar que os<br />
opera<strong>do</strong>res têm uma linguagem própria e algumas das expressões nos<br />
pareciam comunicar tipos de relacionamento deles com o <strong>trabalho</strong><br />
(com passageiros, tipologias de linhas, condições <strong>do</strong>s carros,<br />
procedimentos disciplinares, dentre outros). Assim, começavam a ser<br />
repetidas com freqüência as expressões "linhapesada", "Unha de índio",<br />
"linha de peixe", "vira-vira", "misturar", "chapéu de bico".<br />
Uma vez ten<strong>do</strong> identifica<strong>do</strong> que os opera<strong>do</strong>res em regra<br />
geral tinham sempre algo a dizer sobre as "linhas boas" e "ruins"<br />
espontaneamente, e que tinham também indicações das mesmas,<br />
procedemos, em seguida, a uma pequena enquete, sem pretensões de<br />
seguir rigores estatísticos, sobre as indicações desses <strong>do</strong>is tipos de linha,<br />
bem como ao aprofundamento <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> das expressões que<br />
empregavam para descrever e avaliar as condições de <strong>trabalho</strong>. Esta<br />
fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> foi realizada em aproximadamente quatro perío<strong>do</strong>s<br />
de quatro a cinco horas cada.<br />
A partir dessa iniciação no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s motoristas,<br />
escolhemos, dentre as linhas arroladas na enquete como "boas" e como<br />
"ruins", uma de cada tipo onde deu-se a fase seguinte <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de<br />
campo. A escolha da "linha ruim" deu-se em função de ser uma das<br />
mais citadas e por haver uma série de histórias que a caracterizavam<br />
como tal. São histórias de agressão, de superlotação, de quebra-quebra<br />
por parte <strong>do</strong>s passageiros e de falta de infra-estrutura. A escolha da<br />
"linha boa" deu-se em função de seu ponto final ser no mesmo local da<br />
"linha ruim", já que, distintamente <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> da enquete para "linha<br />
ruim", o da "linha boa" não apresenta aquelas que se destacam por<br />
terem si<strong>do</strong> mais freqüentemente citadas.<br />
Servem, ambas, a zona leste <strong>do</strong> município e apresentam<br />
características distintas. A "linha ruim" é servida por um número maior<br />
de carros, trafega por avenidas largas e estradas com poucos semáforos.<br />
O itinerário não é, na sua grande parte, tortuoso, apresentan<strong>do</strong><br />
geralmente tráfego pouco intenso e o ponto final é situa<strong>do</strong> em um<br />
grande conjunto habitacional popular, com poucos recursos para
Pág. 32<br />
alimentação e sem infra-estrutura sanitária para os opera<strong>do</strong>res. A<br />
duração das pausas, exceto aos finais de semana e feria<strong>do</strong>s, era<br />
suficiente para os opera<strong>do</strong>res saírem <strong>do</strong> ônibus, tomar café e descansar<br />
um pouco. A "linha boa" tem um número menor de carros, trafega<br />
quase que exclusivamente por ruas e avenidas estreitas, de intensa<br />
movimentação, passan<strong>do</strong> por vários cruzamentos com semáforos.<br />
Atravessa um centro comercial e financeiro da zona leste e o ponto<br />
final situa-se em bairro de classe média. A duração das pausas é em<br />
geral bastante restrita, haven<strong>do</strong> horários em que os opera<strong>do</strong>res têm o<br />
tempo suficiente apenas para mudar o letreiro <strong>do</strong> ônibus e marcar o<br />
horário de chegada e saída daquele ponto.<br />
2 - O convívio na Unha<br />
A segunda fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo é onde se deram as<br />
observações e as conversas com os motoristas, cobra<strong>do</strong>res e fiscais nos<br />
pontos finais e iniciais das duas linhas e o acompanhamento da jornada<br />
de <strong>trabalho</strong> de alguns motoristas durante as viagens, pausas e refeições.<br />
Esse foi um perío<strong>do</strong> de convívio onde pudemos compartilhar o<br />
cotidiano de <strong>trabalho</strong> com os motoristas nas linhas, com duração<br />
aproximada de três meses numa média de três dias por semana, nos<br />
perío<strong>do</strong>s de manhã, tarde e parte da noite. Partilhamos o <strong>trabalho</strong> em<br />
dias de semana e aos sába<strong>do</strong>s.<br />
As observações e conversas, de início, não seguiam um<br />
roteiro prévio, mas com o decorrer desse tempo de convívio<br />
identificamos a existência de alguns aspectos que mereciam uma<br />
exploração mais focalizada, principalmente quanto às expressões<br />
empregadas, aos assuntos discuti<strong>do</strong>s entre os motoristas e às práticas<br />
comuns e singulares a<strong>do</strong>tadas na linha, tanto nos momentos em que<br />
estavam conduzin<strong>do</strong> os ônibus como naqueles em que se reuniam em<br />
pequenos grupos, nos pontos finais e iniciais.<br />
Identificamos que à medida em que começamos a nos<br />
tornar familiar, por assim dizer, parte <strong>do</strong> grupo, mais e mais
Pág. 33<br />
informações, mais e mais avaliações surgiam. É espera<strong>do</strong> que, de início<br />
existam informações e assuntos não tratáveis na presença de uma<br />
pessoa alheia ao grupo, não pertencimento claramente mostra<strong>do</strong> por<br />
ser uma mulher, pesquisa<strong>do</strong>ra, num mun<strong>do</strong> quase que exclusivamente<br />
masculino, de "chapéu de bico" (4).<br />
O acompanhamento da jornada de <strong>trabalho</strong> deu-se em<br />
perío<strong>do</strong>s distintos de <strong>trabalho</strong>, mediante prévia aceitação <strong>do</strong>s<br />
motoristas. Sentávamos, invariavelmente, no primeiro banco de<br />
passageiros ao la<strong>do</strong> da porta de desembarque ou postávamo-nos, em<br />
pé, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> motorista, com quem trocávamos algumas palavras no<br />
decorrer da viagem. Durante as pausas entre viagens, tomávamos café<br />
juntos, encontrávamos com outros opera<strong>do</strong>res e por vezes<br />
almoçávamos ou jantávamos juntos, dentro <strong>do</strong>s ônibus. Ao término da<br />
jornada, íamos para a garagem ou entregávamos o carro para outra<br />
dupla no ponto final ou inicial.<br />
Os da<strong>do</strong>s de campo desta fase não eram apenas as<br />
verbalizações, mas também os gestos, os olhares que procuravam<br />
transmitir algo não publicamente declarável, as particularidades que<br />
compreendiam os pertences trazi<strong>do</strong>s na pequena maleta, as<br />
brincadeiras e as preferências individuais.<br />
Essa fase <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo nos inseriu, de fato, no<br />
universo de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas. A condição de inserção é dada<br />
quan<strong>do</strong> se está no campo e não quan<strong>do</strong> se vai ao campo. Quan<strong>do</strong><br />
estamos no campo podemos compartilhar a vivência <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />
no <strong>trabalho</strong>; podemos inclusive nos identificar com eles pois<br />
acompanhamos o seu dia a dia. É nessa condição que podemos<br />
conhecer com mais profundidade suas práticas, entender sua<br />
linguagem e porque são criadas e a<strong>do</strong>tadas. Também é nessa condição<br />
que podemos captar pequenos detalhes desse dia a dia, talvez não<br />
apreensíveis de outra forma.<br />
4. dcniminaçao dada aos opera<strong>do</strong>res de transporte coletivo.
Pág. 34<br />
Ao final dessa fase, já estávamos familiariza<strong>do</strong>s com a<br />
rotina de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas, com sua linguagem, com o seu<br />
significa<strong>do</strong>, com as práticas e os motivos pelos quais eram a<strong>do</strong>tadas. Os<br />
da<strong>do</strong>s de campo coleta<strong>do</strong>s no espaço da garagem e da linha foram<br />
registra<strong>do</strong>s em diário de campo.<br />
3 - As entrevistas<br />
As entrevistas foram realizadas com o objetivo de<br />
aprofundar alguns aspectos já identifica<strong>do</strong>s durante as observações,<br />
conversas e acompanhamento da rotina de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas.<br />
Elas seguiram um roteiro prévio onde alguns <strong>do</strong>s tópicos foram<br />
incluí<strong>do</strong>s toman<strong>do</strong>-se como base as informações obtidas nas fases<br />
anteriores <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo, principalmente aqueles referentes às<br />
expressões empregadas pelos motoristas (ver anexo II).<br />
Foram entrevista<strong>do</strong>s quatro motoristas de cada linha, onde<br />
tomamos como critério o tempo de <strong>trabalho</strong> como motorista de<br />
coletivo urbano (mínimo de 3 anos) e o perío<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong> (manhã,<br />
tarde e noite).<br />
As entrevistas foram realizadas na casa <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s<br />
em <strong>do</strong>is casos e as outras em um restaurante próximo ao ponto final<br />
das linhas estudadas, devi<strong>do</strong> à facilidade de acesso e horário. Elas<br />
tiveram duração de 1 a 3 horas, foram gravadas e posteriormente<br />
transcritas.
Ânáiise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />
Pág. 35<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em sua relação com a saúde tem si<strong>do</strong><br />
realiza<strong>do</strong> por várias áreas com abordagens e objetivos distintos. Cada<br />
uma delas a<strong>do</strong>ta noções singulares para operacionalizar o estu<strong>do</strong> dessa<br />
relação.<br />
A Medicina <strong>do</strong> Trabalho a<strong>do</strong>ta a noção de riscos para<br />
operacionalizar as investigações da relação condições de <strong>trabalho</strong><br />
(condições ambientais) e as <strong>do</strong>enças profissionais. Os riscos são<br />
categoriza<strong>do</strong>s em físicos, químicos, biológicos e mecânicos, haven<strong>do</strong><br />
algumas variantes que acrescentam a esses os ergonômicos.<br />
LAURELL e NORIEGA (1989) criticam a utilização dessa noção por<br />
entenderem que ela restringe a compreensão da relação entre saúde e<br />
<strong>trabalho</strong> a uma <strong>abordagem</strong> monocausal.<br />
A Ergonomia de linha francesa a<strong>do</strong>ta a noção de carga de<br />
<strong>trabalho</strong> para estudar os esforços exigi<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>. São<br />
identifica<strong>do</strong>s três grupos de carga: física, cognitiva e psíquica<br />
(WISNER, 1987). A carga física compreende o consumo de oxigênio,<br />
o gasto calórico, a freqüência cardíaca, dentre outras; medidas essas<br />
que permitem avaliar o "custo fisiológico" (WISNER, 1987, p.110).<br />
Estão compreendidas como componentes da carga cognitiva, ou<br />
mental, como designa DEJOURS(1980), os fenômenos de "ordem<br />
neurofisiológica e psicofisiológicas: variáveis psicosensoriais,<br />
sensoriomotoras, perceptivas, cognitivas, etc. e os fenômenos de ordem<br />
psicológica, psicosociológica" (p.45). Por carga psíquica, noção<br />
desenvolvida por DEJOURS (1980) compreende-se os "elementos<br />
afetivos e relacionais"(p. 45), sen<strong>do</strong> que sua avaliação dá-se através da<br />
possibilidade de descarga da energia pulsional, no senti<strong>do</strong> psicanalítico<br />
<strong>do</strong> termo.<br />
Objetivan<strong>do</strong> estudar a relação entre processo de <strong>trabalho</strong><br />
e saúde LAURELL & NORIEGA (1989) a<strong>do</strong>tam, à semelhança da<br />
Ergonomia, a noção de carga de <strong>trabalho</strong>. No entanto, o seu emprego,<br />
para os autores, visa "ressaltar na análise <strong>do</strong> processo de <strong>trabalho</strong> os
Pág. 36<br />
elementos deste que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo<br />
<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.geran<strong>do</strong> aqueles processos de adaptação que se<br />
traduzem em desgaste..."(p.HO), significan<strong>do</strong> portanto, que através <strong>do</strong><br />
conceito de carga de <strong>trabalho</strong> analisa-se as condições de <strong>trabalho</strong> e a<br />
sua interação com o corpo <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. As cargas de <strong>trabalho</strong> são<br />
agrupadas em físicas, químicas, biológicas, mecânicas, fisiológicas e<br />
psíquicas. As quatro primeiras têm materialidade externa e as últimas<br />
apenas adquirem materialidade no corpo humano.<br />
As noções de risco, empregada pela Medicina <strong>do</strong> Trabalho<br />
e de carga de <strong>trabalho</strong>, tanto segun<strong>do</strong> o entendimento da Ergonomia<br />
como no de LAURELL & NORIEGA, que se filiam à Medicina Social,<br />
buscam delimitar precisamente os efeitos <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> sobre a saúde,<br />
segun<strong>do</strong> concepções de <strong>do</strong>ença profissional, esforço e sofrimento e de<br />
desgaste, respectivamente, através de visões distintas da categoria<br />
<strong>trabalho</strong>.<br />
O emprego destas noções tem em comum o fato de<br />
predefinirem recortes da relação saúde e <strong>trabalho</strong>, quer partin<strong>do</strong> das<br />
condições de <strong>trabalho</strong>, como o faz a Medicina <strong>do</strong> Trabalho, quer<br />
partin<strong>do</strong> das demandas para a saúde <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>r como o faz a<br />
Ergonomia. A <strong>abordagem</strong> de LAURELL e NORIEGA(1989) a<strong>do</strong>ta<br />
noções que, parece-nos, busca sintetizar as duas abordagens. Tais<br />
noções possibilitam inclusive quantificar causas e efeitos na relação<br />
saúde e <strong>trabalho</strong>, através de medidas ambientais e de manifestações<br />
somáticas e psíquicas.<br />
O Modelo Operário a<strong>do</strong>ta como ponto de partida a<br />
subjetividade-experiência operária, mas ao analisar os acha<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
levantamento das condições de <strong>trabalho</strong> a<strong>do</strong>ta a perspectiva teórica da<br />
Medicina <strong>do</strong> Trabalho e da Ergonomia, já que os categoriza nos quatro<br />
grupos de risco, conforme ODDONE e cols.(1986). Por esse motivo,<br />
LAURELL(1984) e LAURELL e NORIEGA (1989) entendem que o<br />
Modelo Operário contém uma contradição "... pois ao mesmo tempo<br />
que se enfatiza a potencialidade da subjetividade-experiência operária<br />
de revelar a realidade de um mo<strong>do</strong> diferente da ciência formal, ordena
Pág. 37<br />
a experiência no mesmo molde desta "(LAURELLe NORIEGA, 1989,<br />
p. 87).<br />
GRIMBER(1988) e HARRISON(1988) partem <strong>do</strong> saber<br />
to trabalha<strong>do</strong>r mas não se detêm na discussão acerca da análise das<br />
"construções sociais" <strong>do</strong> processo saúde e <strong>do</strong>ença e das<br />
"representações" <strong>do</strong>s riscos, respectivamente.<br />
DEJOURS(1987) mediante perspectiva psicanalítica<br />
estuda a "relação <strong>do</strong> coletivo com o <strong>trabalho</strong> e os efeitos mascara<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong>s sistemas coletivos de defesa em relação ao sofrimento. In<strong>do</strong> além,<br />
visa descrever as modalidades de ação da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e<br />
seus efeitos nocivos à saúde psíquica"(p. 145). O material de análise é<br />
a palavra, mas sobretu<strong>do</strong> o comentário "... que inclui concepções<br />
subjetivas, hipóteses sobre o porquê e o como da relação<br />
vivência-<strong>trabalho</strong>, interpretações e até mesmo citações, tipo piadas,<br />
etc..."(p. 149). O procedimento de análise e coleta de da<strong>do</strong>s dá-se<br />
simultaneamente, empregan<strong>do</strong> a técnica de interpretação psicanalítica<br />
para testar hipóteses no decorrer da coleta de da<strong>do</strong>s. Além disso, a<br />
observação comentada <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r também constitui-se em<br />
material de análise, pois a intersubjetividade é concebida como o canal<br />
de acesso ao sofrimento, ao prazer, enfim, à vivência.<br />
No nosso estu<strong>do</strong> tomamos como caminho de acesso às<br />
representações sociais a linguagem e as práticas. Para a coleta de da<strong>do</strong>s<br />
não foram utiliza<strong>do</strong>s instrumentos previamente estrutura<strong>do</strong>s. Esse<br />
desenho meto<strong>do</strong>lógico ofereceu maior liberdade e ao mesmo tempo<br />
solicitou um certo rigor a fim de resguardar os objetivos previamente<br />
coloca<strong>do</strong>s, durante o processo de análise.<br />
Frente a esse tipo de da<strong>do</strong> coube-nos identificar no<br />
universo de da<strong>do</strong>s, quais os recortes que nos levariam ao objetivo<br />
proposto e quais dele\tos afastariam. No caso da linguagem, coube-nos<br />
definir como lê-la. Consideramo-la como ten<strong>do</strong> múltipla<br />
determinação - individual e coletiva, objetiva e subjetiva - pois as<br />
representações sociais situam-se na interface individual/social,<br />
objetivo/ subjetivo. Conforme PAGES(1987) "o discurso é ao mesmo
Póy. 30<br />
tempo coletivo e individual. O discurso é coletivo, a medida que cada<br />
indivíduo revela de maneira exemplar estruturas, relações entre<br />
fenômenos, presentes de diferentes formas nos outros indivíduos... O<br />
discurso também é coletivo pelas complementariedades e não mais<br />
pelas semelhanças <strong>do</strong>s diferentes discursos"(p. 201). Ele também é<br />
individual pois, dada a situação e história particular de cada pessoa,<br />
esta imporá especificidades à visão <strong>do</strong> real compartilha<strong>do</strong> com seus<br />
pares. A linguagem não se reduz a um veículo de comunicação. Ela<br />
expressa também uma forma de compreensão, de construção e de<br />
reapresentação da realidade.<br />
Para resguardar o rigor necessário na análise da linguagem<br />
utilizamos as técnicas de análise de conteú<strong>do</strong>, já que elas<br />
possibilitam-nos apreender o seu significa<strong>do</strong>. BARDIN (1988) assim<br />
identifica a utilidade das técnicas de análise de conteú<strong>do</strong>: "Apelar para<br />
estes instrumentos de investigação laboriosa de <strong>do</strong>cumentos, é<br />
situar-se ao la<strong>do</strong> daqueles que, de Durkheim a P. Bourdieu passan<strong>do</strong><br />
por Bachelard, querem dizer não 'à ilusão da transparência* <strong>do</strong>s factos<br />
sociais recusan<strong>do</strong> ou tentan<strong>do</strong> afastar os perigos da compreensão<br />
espontânea. É igualmente 'tornar-se desconfia<strong>do</strong>' relativamente aos<br />
pressupostos, lutar contra a evidência <strong>do</strong> saber subjetivo, destruir a<br />
intuição em proveito <strong>do</strong> 'construí<strong>do</strong>', rejeitar a tentação da sociologia<br />
ingênua, que acredita poder apreender intuitivamente as significações<br />
<strong>do</strong>s protagonistas sociais, mas que somente atinge a projecção da sua<br />
própria subjectividade. Esta atitude de 'vigilância crítica', exige o<br />
rodeio meto<strong>do</strong>lógico e o emprego de 'técnicas de ruptura' e afigura-se<br />
tanto mais útil para o especialista das ciências humanas, quanto mais<br />
ele tenha sempre uma impressão de familiaridade face ao seu objeçto<br />
de análise. É ainda dizer não 'à leitura simples <strong>do</strong> real', sempre<br />
sedutora, forjar conceitos operatórios, aceitar o caracter provisório de<br />
hipóteses, definir planos experimentais ou de investigação (a fim de<br />
despitar as primeiras impressões, como diria P.H. Lazarsfeld)."(p.28).<br />
Buscamos, através da a<strong>do</strong>ção de determina<strong>do</strong>s<br />
procedimentos de análise de conteú<strong>do</strong> recuperar a presença perdida,<br />
nos dizeres de LEFEBVRE (1983) e, nos dizeres de BARDIN (1988),<br />
o senti<strong>do</strong> que convém desvendar.
Pág. 39<br />
Como primeiro passo identificamos se o adjetivo "<strong>penoso</strong>"<br />
faz parte <strong>do</strong> vocabulário utiliza<strong>do</strong> no dia a dia pelo trabalha<strong>do</strong>r. Em<br />
conversas que tivemos oportunidade de travar com motoristas e<br />
ex-cobra<strong>do</strong>res de ônibus, antes de realizarmos este <strong>trabalho</strong> de campo,<br />
pudemos observar que a nada eles se referem como sen<strong>do</strong> "<strong>penoso</strong>".<br />
Entretanto, pudemos observar também a consideração de que tanto o<br />
motorista como o cobra<strong>do</strong>r "pastam prá caramba", "são castiga<strong>do</strong>s",<br />
"não agüentam", "vivem no sufoco", sentem que o <strong>trabalho</strong> "não é fácil,<br />
édesgastantee nervoso".<br />
Algumas dessas formas de expressão, além de qualificar a<br />
vivência, quantificam a intensidade da mesma, como é o caso de<br />
"pastam prá caramba" e "não agüentam". "Caramba" é utiliza<strong>do</strong> com o<br />
significa<strong>do</strong> de muito, bastante, enquanto "não agüentar" uma situação<br />
ou algo significa não poder suportá-la. A expressão "pastar" nos remete<br />
ao que Deyl Ozório de OLIVEIRA (1971) identifica como <strong>trabalho</strong><br />
desumano e força<strong>do</strong>.<br />
Essas constatações preliminares evidenciou a necessidade<br />
de nos voltarmos para as formas através das quais os motoristas<br />
referem-se ao "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Assim, passamos a identificar, nos<br />
discursos <strong>do</strong>s motoristas, o que denominamos de palavras-índice. São<br />
expressões extraídas da linguagem criada pelos motoristas que<br />
remetem a vivências de sintonia com o <strong>trabalho</strong>, como o conforto, o<br />
incômo<strong>do</strong>, o sofrimento dentre outras. Para identificar quais seriam as<br />
palavras-índice que nos levariam à delimitação <strong>do</strong> conceito<br />
utilizamo-nos das indicações já obtidas através da literatura sobfè o<br />
assunto e da compreensão sobre o universo simbólico <strong>do</strong>s motoristas<br />
alcançada no decorrer <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de campo. A linguagem <strong>do</strong>s<br />
motoristas tem uma especificidade, apesar de não se tratar de uma<br />
outra língua, já que empresta as palavras <strong>do</strong> português fala<strong>do</strong> por nós.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, existe uma interface entre a linguagem <strong>do</strong>s motoristas<br />
e a nossa. Essa linguagem foi criada porque existe algo que é<br />
significativo e merece ser nomina<strong>do</strong>.
Pág. 41<br />
determinadas expressões prestam-se a traduzir as vivências subjetivas<br />
e que ao mesmo tempo têm expressão coletiva, sen<strong>do</strong> portanto,<br />
empregadas por to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s para expressar a penosidade <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong>. Outras têm seu emprego restrito a um ou outro entrevista<strong>do</strong><br />
por melhor expressar um significa<strong>do</strong> particular atribuí<strong>do</strong> à penosidade<br />
<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> ten<strong>do</strong> também sua sustentação em experiências individuais<br />
articuladas no conhecimento coletivo.<br />
O dicionário de palavras-índice que obtivemos foi<br />
composto das seguintes expressões e de suas derivações:<br />
- linha pesada;<br />
- linha problemática;<br />
- linha irritante;<br />
- problemalespinho;<br />
- <strong>trabalho</strong> ruim;<br />
- complicação/complica<strong>do</strong>;<br />
- desumano;<br />
- <strong>trabalho</strong> muito pesa<strong>do</strong>;<br />
- <strong>trabalho</strong> força<strong>do</strong>;<br />
- duro de agüentar;<br />
- profissão muito sacrificada;<br />
- fácil de trabalhar;<br />
-dia bom de <strong>trabalho</strong>;<br />
- serviço leve;<br />
• irrita/irrita muito;<br />
- incomoda/incomoda demais/incomoda, muito;<br />
- desgasta/ desgasta demais;<br />
- cansa/cansa demais;<br />
- nervoso/ nervosismo/ sistema nervoso/ nervo abala<strong>do</strong>;<br />
• tensão;
- castigo;<br />
-sofrer;<br />
- sacrifício;<br />
- magoar;<br />
-força muito/força demais;<br />
- gastar muito;<br />
• transpassar,\<br />
- esquentar a cabeça;<br />
- sofrer;<br />
- ficar mais tranqüilo;<br />
- trabalhar sossega<strong>do</strong>;<br />
- gostoso de trabalhar;<br />
r trabalhar brincan<strong>do</strong>;<br />
-contente;<br />
- raiva;<br />
- misturar;<br />
Pág. 42<br />
Através dessas palavras-índice foi possível identificar<br />
categorias essenciais, as quais nos permitiram delimitar o conceito de<br />
Trabalho Penoso apartir <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong>s motoristas sobre<br />
o seu <strong>trabalho</strong>. Passamos então a identificar os significa<strong>do</strong>s que estavam<br />
em torno das palavras-índice e procuramos detectar quan<strong>do</strong><br />
apareciam no discurso, qual era o tipo de relação <strong>do</strong>s motoristas com<br />
o <strong>trabalho</strong> que mereciam essas nominações; quais as regularidades, as<br />
contradições e as exceções existentes. Esse procedimento foi realiza<strong>do</strong><br />
para cada entrevista individualmente e posteriormente para o conjunto<br />
delas.<br />
Nesse tipo de análise nem sempre as tendências se<br />
repetem. Pode haver uma única ocorrência mas que nos possibilita<br />
entender as repetições, as concordâncias, as contradições e outros tipos<br />
de relação já presentes, cujo senti<strong>do</strong> não se mostra completo.
Pág. 43<br />
Quanto às práticas, nós as analisamos mediante <strong>do</strong>is<br />
procedimentos. O primeiro restringiu-se à descrição <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong><br />
motorista de ônibus urbano. O segun<strong>do</strong> privilegiou aqueles fazeres<br />
específicos que possibilitaram entender o caráter "<strong>penoso</strong>" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />
no qual buscamos basicamente responder às seguintes questões: por<br />
quê, para quê e quan<strong>do</strong> tais fazeres específicos são pratica<strong>do</strong>s. Para<br />
tanto, os analisamos à luz <strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong> onde se davam.<br />
Esse procedimento nos possibilitou apreender o seu conteú<strong>do</strong><br />
significativo.<br />
No processo global de análise as práticas e a linguagem<br />
foram mutuamente explicativas.<br />
Entendemos que a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> esse referencial e esses<br />
procedimentos de análise podemos tomar o conhecimento prático <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r não só como ponto de partida, mas também como ponto<br />
de chegada, ou seja, respeitamos a sua lógica em to<strong>do</strong> o processo de<br />
análise, trabalhan<strong>do</strong> com categorias emergentes desse mesmo<br />
conhecimento que se expressassem como operacionais. Talvez esse<br />
caminho proposto possa estar trazen<strong>do</strong> elementos para a elaboração<br />
de uma outra concepção teórica acerca da relação saúde e <strong>trabalho</strong><br />
quan<strong>do</strong> se pretende partir <strong>do</strong> saber <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, no senti<strong>do</strong> em que<br />
aponta o questionamento de LAURELL(I984) e LAURELL e<br />
NORIEGA (1989) quanto ao alcance e limitações <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />
pelo Modelo Operário, que a<strong>do</strong>ta como ponto de partida a<br />
experiência-subjetividade operária e como ponto de chegada a<br />
Medicina <strong>do</strong> Trabalho e a Ergonomia. Parece-nos que o salto<br />
epistemológico reside em respeitar a lógica <strong>do</strong> conhecimento prático<br />
<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r que, como já assinalou GRIMBER (1988) é distinta das<br />
ciências que têm contribuí<strong>do</strong> para o entendimento da relação saúde e<br />
<strong>trabalho</strong>.
Pág. 44<br />
Devolução e discussão <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s com os<br />
condutores<br />
Por iniciativa nossa e com o apoio da Comissão de<br />
Garagem, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e da<br />
chefia da garagem estudada, após análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, realizamos três<br />
reuniões na garagem para devolver e discutir os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa.<br />
Convidamos, mediante carta, os opera<strong>do</strong>res das linhas estudadas, a<br />
CIPA, a Comissão de Garagem, a chefia da garagem, a chefia de<br />
Recursos Humanos e de Segurança <strong>do</strong> Trabalho da empresa e o<br />
Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de São Paulo.<br />
Nessas reuniões estavam presentes opera<strong>do</strong>res,<br />
funcionários da manutenção e da administração da garagem estudada.<br />
Para duas dessas reuniões a chefia da garagem convocou especialmente<br />
os opera<strong>do</strong>res das duas linhas estudadas.<br />
Nesses eventos foi possível checar a validade <strong>do</strong>s<br />
resulta<strong>do</strong>s da análise e concluímos que faziam senti<strong>do</strong> para os<br />
opera<strong>do</strong>res, não apenas para os motoristas.<br />
Realizamos, posteriormente, uma reunião com o mesmo<br />
intuito no Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de São Paulo, onde estiveram<br />
presentes diretores da entidade, assessores <strong>do</strong> departamento de saúde<br />
e membros de CIPAs de várias garagens da empresa estudada.
Capítulo IV<br />
iiwiwwiMBiWBBw»wn)WMM»^^riiiwnnfTrriifii^ MIM raiir—ICTI—E<br />
O Trabalho<br />
<strong>do</strong> Motorista<br />
de Ônibus<br />
Urbano
Pág. 46<br />
Jara melhor compreender a análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s de campo<br />
sobre a temática <strong>do</strong> Trabalho Penoso é necessário proceder<br />
inicialmente à descrição <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus urbano.<br />
Esse <strong>trabalho</strong> dá-se na garagem e na linha e em ambos os<br />
espaços ele é defini<strong>do</strong> por uma organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> específica que<br />
define setores, formas de funcionamento, funções e tarefas. Por esse<br />
motivo detalharemos a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> nesses <strong>do</strong>is espaços.<br />
 organização na Garagem<br />
De mo<strong>do</strong> bastante esquemático, podemos dizer que a<br />
organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> na garagem ocorre em função <strong>do</strong> número de<br />
linhas a serem servidas por uma determinada quantidade de carros<br />
disponíveis e por um determina<strong>do</strong> quadro de opera<strong>do</strong>res (motoristas,<br />
cobra<strong>do</strong>res, fiscais e inspetores). Esse tripé é sustenta<strong>do</strong> pelos setores<br />
de Administração, Operação e Manutenção de cada garagem e pelo<br />
setor de Programação que centraliza o planejamento das linhas de<br />
todas as garagens da empresa.
Pág. 47<br />
A Programação predetermina o número de carros e de<br />
opera<strong>do</strong>res por linha, bem como os horários de saída e chegada de cada<br />
carro para cada uma das linhas servidas, identifican<strong>do</strong>, inclusive,<br />
através <strong>do</strong> número de prontuário (registro na empresa), a dupla que<br />
deverá operar o carro, tembém identifica<strong>do</strong> por um número. A<br />
Programação prevê também as férias e folgas de opera<strong>do</strong>res, bem<br />
como a revisão de manutenção <strong>do</strong>s carros. É específica para cada linha<br />
e prevê to<strong>do</strong>s os intervalos entre ônibus, o número de opera<strong>do</strong>res e'o<br />
tempo de duração de cada meia-viagem ( que corresponde ao trecho<br />
percorri<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto inicial ao ponto final e vice-versa.)<br />
A concretização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> planeja<strong>do</strong> pela Programação<br />
é efetuada, na garagem, pelo Plantão que diariamente adequa a<br />
organização planejada para cada uma das linhas à disponibilidade de<br />
carros em bom esta<strong>do</strong> e à presença de opera<strong>do</strong>res; portanto, o Plantão<br />
faz a ponte de ligação entre Programação, Operação e Manutenção,<br />
com a incumbência de servir todas as linhas da garagem com carros e<br />
opera<strong>do</strong>res. A partir daí, a continuidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> da operação se dá<br />
na linha.<br />
 organização na Linha<br />
A equipe de <strong>trabalho</strong> na linha é composta pelos fiscais - um<br />
no ponto inicial e outro no ponto final - e as várias duplas de opera<strong>do</strong>res<br />
(motorista e cobra<strong>do</strong>r). A função <strong>do</strong> fiscal é adequar ao máximo o<br />
andamento real da linha à Programação previamente planejada,<br />
observan<strong>do</strong> a duração da jornada de <strong>trabalho</strong>, os locais de início e<br />
término da jornada, as pausas entre as meias-viagens e os intervalos<br />
para refeição de cada uma das duplas.<br />
Da mesma forma que existe a Programação que prevê a<br />
distribuição e fluxo de carros para cada linha, existe para cada dupla<br />
de opera<strong>do</strong>res, a Tabela, que prevê os horários de início e final da
Pág. 48<br />
jornada, número de viagens, horários de saída e de chegada de cada<br />
meia viagem, pausas entre elas e intervalo de refeição.<br />
Cada linha tem o itinerário principal fixa<strong>do</strong>,<br />
compreenden<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os trechos por onde o ônibus deve passar e<br />
locais onde há pontos de parada. Esse itinerário somente deve sofrer<br />
alterações caso existam eventos que interditem o caminho, como é o<br />
caso das feiras-livres semanais ou quan<strong>do</strong> a própria administração<br />
assim determinar.<br />
Há linhas em que existem três tipos de itinerário e de locais<br />
de paradas - o principal, o expresso e o "vira". O ônibus normal de linha<br />
é aquele que segue o itinerário principal, mais freqüentemente<br />
segui<strong>do</strong>; o expresso segue itinerário por vias expressas e tem menos<br />
pontos de parada, objetivan<strong>do</strong> transportar os passageiros mais<br />
rapidamente <strong>do</strong> ponto inicial ao final e o "vira" que percorre apenas<br />
um trecho <strong>do</strong> itinerário principal, objetivan<strong>do</strong> garantir transporte aos<br />
passageiros que embarcam no meio <strong>do</strong> trajeto, os quais, devi<strong>do</strong> à<br />
lotação, não poderiam embarcar naquele carro que vem transportan<strong>do</strong><br />
passageiros desde o ponto inicial.<br />
Cada linha de ônibus comporta características bastante<br />
peculiares que as distinguem, não apenas pela organização imprimida<br />
pela programação de horários, itinerário e tipo de carro e esquema de<br />
folgas, mas também pelas particularidades advindas da organização <strong>do</strong><br />
espaço urbano que determina o tipo de passageiro, quanto à sua<br />
condição social, cultural e econômica, a rotatividade de passageiros por<br />
viagem, a condição de tráfego nas vias, adequação e conforto <strong>do</strong>s locais<br />
para alimentação e pausas, dentre outras.
Âs funções <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res<br />
Pág. 49<br />
Para dar conta da programação das linhas, das folgas, férias<br />
e absenteísmo <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res, bem como da imprevisibilidade de<br />
recolhimento de carros por problemas de manutenção, existem três<br />
funções distintas para os opera<strong>do</strong>res: "escala<strong>do</strong>", "folguista/tornante"<br />
e "reserva".<br />
O opera<strong>do</strong>r "escala<strong>do</strong>", como o próprio nome indica, é<br />
escala<strong>do</strong> para uma determinada linha, numa determinada Tabela.<br />
Somente será transferi<strong>do</strong> para outra linha ou para a função de "reserva"<br />
ou de "folguista/tornante", caso haja necessidade por parte da empresa<br />
ou, em alguns casos, por solicitação <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r. Nessa função ele sabe<br />
de antemão local, horário e linha que servirá, sen<strong>do</strong> estas sempre as<br />
mesmas.<br />
O opera<strong>do</strong>r "folguista/tornante" é designa<strong>do</strong> para substituir<br />
opera<strong>do</strong>res escala<strong>do</strong>s que gozam férias ou folga, sen<strong>do</strong> ambas as<br />
situações já previstas pela Programação. Nesse caso o opera<strong>do</strong>r pode<br />
saber previamente os locais, horários e linhas a serem por ele servidas<br />
a cada dia, mas a linha poderá variar diariamente e, consequentemente,<br />
o local e horário para início e final da jornada.<br />
Na função de "reserva", o opera<strong>do</strong>r deverá servir linhas<br />
onde haja faltas não previstas de opera<strong>do</strong>res, bem como<br />
intercorrências onde exista a necessidade de substituição de ônibus.<br />
Seu local para início da jornada é a garagem, de onde pode partir para<br />
qualquer uma das linhas daquela garagem ou, dependen<strong>do</strong> da<br />
necessidade, para linhas de outras garagens. Nessa função o opera<strong>do</strong>r<br />
pode permanecer vários dias sem sair da garagem, operar to<strong>do</strong>s os dias,<br />
alguns dias da semana ou algumas horas de sua jornada de <strong>trabalho</strong>.<br />
Na reserva o opera<strong>do</strong>r nunca sabe de antemão se vai operar e se for,<br />
tampouco sabe em qual linha, em qual horário e em qual local.
Pág. 50<br />
A organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de<br />
ônibus urbano<br />
Na operação há três perío<strong>do</strong>s de <strong>trabalho</strong> distintos.<br />
Primeiro perío<strong>do</strong> ( da madrugada até o final da manhã), Segun<strong>do</strong><br />
perío<strong>do</strong> (<strong>do</strong> final da manhã até o final da tarde) e Terceiro perío<strong>do</strong>( <strong>do</strong><br />
final da tarde até a madrugada) O horário de início e término nâo é o<br />
mesmo para to<strong>do</strong>s os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mesmo perío<strong>do</strong>, diferin<strong>do</strong> de um<br />
para o outro por minutos, segun<strong>do</strong> a necessidade de suprimento e<br />
recolhimento <strong>do</strong>s carros das linhas.<br />
A época em que iniciamos o <strong>trabalho</strong> de campo - agosto de<br />
1989 - a jornada diária de <strong>trabalho</strong> prevista para motorista era de sete<br />
horas, intervalo de trinta minutos para refeição e uma folga semanal,<br />
mas em novembro <strong>do</strong> mesmo ano a duração da jornada diária havia<br />
si<strong>do</strong> reduzida para seis horas e quarenta minutos, manten<strong>do</strong>-se os<br />
mesmos esquemas de intervalo para refeição e folga semanal. Em<br />
função dessa redução de jornada, acordada em Convenção Coletiva de<br />
Trabalho (1989), aumentou-se o número de perío<strong>do</strong>s de três para<br />
quatro.<br />
A folga semanal não segue o mesmo esquema para to<strong>do</strong>s<br />
os opera<strong>do</strong>res, depende de sua função e da linha onde trabalha. Ela<br />
pode ser "corrida" onde a cada semana o opera<strong>do</strong>r folga em um dia (<br />
corrida porque na primeira semana folga na segunda-feira, na segunda<br />
semana folga na terça-feira e assim sucessivamente), como também a<br />
pode ser aos finais de semana (sába<strong>do</strong> ou <strong>do</strong>mingo).<br />
A ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus urbano caracteriza-se<br />
basicamente por transportar passageiros dentro <strong>do</strong> perímetro urbano,<br />
executan<strong>do</strong>, para tanto, uma série de procedimentos técnicos e<br />
disciplinares em relação aos colegas, superiores e passageiros, como<br />
descrito pela Classificação Brasileira de Ocupações (C.B.O.). A<br />
descrição da ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus é a seguinte: "Dirige<br />
ônibus de empresas particulares, municipais ou interestaduais,<br />
acionan<strong>do</strong> os coman<strong>do</strong>s de marcha e direção e conduzin<strong>do</strong>-o no
Pág. 51<br />
itinerário previsto, segun<strong>do</strong> as regras de trânsito, para transportar<br />
passageiros dentro de uma localidade ou a longa distância: vistoria o<br />
veículo, verifican<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pneus, o nível <strong>do</strong> combustível, água e<br />
óleo <strong>do</strong> carter e testan<strong>do</strong> freios e parte elétrica, para certificar-se de<br />
suas condições de funcionamento; examina as ordens de serviço,<br />
verifican<strong>do</strong> o itinerário a ser segui<strong>do</strong>, os horário, o número de viagens<br />
e outras instruções, para programar sua tarefa; ligar o motor <strong>do</strong> ônibus,<br />
giran<strong>do</strong> a chave de ignição, para aquecê-lo e possibilitar a<br />
movimentação <strong>do</strong> veículo; dirige o Ônibus, manipulan<strong>do</strong> seus<br />
coman<strong>do</strong>s de marcha e direção e observan<strong>do</strong> o fluxo <strong>do</strong> trânsito e a<br />
sinalização, para transportar os passageiros; zela pelo bom andamento<br />
da viagem, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> as medidas cabíveis na prevenção ou solução de<br />
qualquer anomalia, para garantir a segurança <strong>do</strong>s passageiros,<br />
transeuntes e outros veículos; providencia os serviços de manutenção<br />
<strong>do</strong> veículo, comunican<strong>do</strong> falhas e solicitan<strong>do</strong> reparos, para assegurar<br />
seu perfeito esta<strong>do</strong>; recolhe o veículo após a jornada de <strong>trabalho</strong>,<br />
conduzin<strong>do</strong>-o à garagem da empresa, para permitir sua manutenção e<br />
abastecimento. Pode cobrar e entregar os bilhetes aos passageiros,<br />
pode efetuar reparos de emergência no veículo." (BRASIL, 1982,<br />
p. 473).<br />
Essa descrição da C.B.O., mesmo sen<strong>do</strong> bastante<br />
detalhada, não contempla todas as variações <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista<br />
de ônibus urbano e, embora existam regras a serem seguidas pela<br />
empresa e pelo motorista, na realidade constata-se a existência de uma<br />
prática distinta, em muitos aspectos, daquela planejada.
Pág. 52<br />
O dia a dia de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus<br />
escala<strong>do</strong><br />
A prática cotidiana <strong>do</strong> motorista de ônibus escala<strong>do</strong> é<br />
definida por um FAZER situa<strong>do</strong> em um determina<strong>do</strong> contexto (social,<br />
organizacional e ambiental), caracteriza<strong>do</strong> como as condições e<br />
organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
Essa prática desenvolve-se em meio a uma série de<br />
condicionantes a qual, identificamos, dizem respeito a três ordens: a<br />
primeira refere-se à organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>; a segunda definida pelas<br />
peculiaridades de cada linha e instrumento de <strong>trabalho</strong> e, finalmente<br />
a terceira que está relacionada às necessidades e características <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res.<br />
Por esta razão, apesar de existir um conjunto de parâmetros<br />
que enquadram teoricamente a ocupação <strong>do</strong> motorista de ônibus<br />
urbano, não se pode transportá-la imediatamente para a prática real<br />
desses trabalha<strong>do</strong>res.<br />
Uma vez que existem condicionantes presentes para a<br />
coletividade de motoristas de ônibus escala<strong>do</strong>s e outros que são<br />
pessoais é praticamente impossível falar em uma rotina comum para<br />
eles nas duas linhas estudadas. Por outro la<strong>do</strong>, pode-se falar em<br />
semelhanças e particularidades no conjunto de práticas observadas e<br />
relatadas. Os próprios motoristas relatam que cada um tem um jeito<br />
de trabalhar, limita<strong>do</strong> pela organização mínima exigida para que o<br />
sistema de transporte coletivo funcione, associa<strong>do</strong> às peculiaridades da<br />
linha.<br />
Procuramos, neste tópico, assinalar e descrever alguns<br />
aspectos <strong>do</strong> dia a dia de <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong> motorista de ônibus escala<strong>do</strong>,<br />
consideran<strong>do</strong>-se as ressalvas anteriores e acrescentan<strong>do</strong> ainda que,<br />
mesmo para um único motorista, não se pode falar em uma rotina de<br />
<strong>trabalho</strong> previsível durante toda a sua jornada de <strong>trabalho</strong> e mesmo<br />
durante os vários dias da semana.
Pág. 53<br />
Como foi dito anteriormente, cada motorista tem uma<br />
Tabela que planeja o seu <strong>trabalho</strong> na sua linha. Por ela o motorista<br />
identifica se deve apresentar-se, para iniciar a jornada, na Garagem,<br />
dirigin<strong>do</strong>-se ao Plantão, ou diretamente na linha, dirigin<strong>do</strong>-se ao ponto<br />
inicial ou final, apresentan<strong>do</strong>-se ao fiscal. Em um ou outro íocal<br />
ser-lhe-á entregue a Ficha-Repórter (espécie de cartão de ponto) a<br />
qual deve assinar e onde serão anota<strong>do</strong>s os horários de saída e chegada<br />
de cada meia-viagem, o horário de refeição e final da jornada, bem<br />
como as intercorrências durante o dia de <strong>trabalho</strong>.<br />
Posteriormente ser-lhe-á designa<strong>do</strong> o carro com o qual<br />
deverá operar e, caso o cobra<strong>do</strong>r não seja, como o motorista, escala<strong>do</strong>,<br />
ele também será designa<strong>do</strong>.<br />
Esses procedimentos, quan<strong>do</strong> o motorista, o cobra<strong>do</strong>r e o<br />
fiscal são escala<strong>do</strong>s na linha, ocorrem sem formalidades pois se<br />
transformaram em rotina. O fiscal pode procurar o motorista, este<br />
pode apresentar-se simplesmente colocan<strong>do</strong>-se em lugar visível ou<br />
reunir-se aos demais opera<strong>do</strong>res com os quais diariamente encontra-se<br />
em algum <strong>do</strong>s ônibus estaciona<strong>do</strong>s. Da mesma forma, assumir o<br />
coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro, na maioria das vezes, independe de uma ordem <strong>do</strong><br />
fiscal, pois o motorista, saben<strong>do</strong> antecipadamente a qual colega deverá<br />
substituir - "render" - assim o fará, o mesmo ocorren<strong>do</strong> com o cobra<strong>do</strong>r.<br />
Ao assumir o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> carro, o motorista inicia a<br />
verificação de uma série de quesitos, manten<strong>do</strong> o motor <strong>do</strong> carro<br />
liga<strong>do</strong>: óleo, água, pneus, freios, embreagem, sinaliza<strong>do</strong>res,<br />
acelera<strong>do</strong>r, espelhos, bancos, forro de banco, cortina, limpam o<br />
pára-brisa, alguns adaptam um prolongamento da alavanca de câmbio,<br />
outros colocam o radinho no painel e afixa sua ficha funcional na<br />
parede <strong>do</strong> carro. To<strong>do</strong>s os objetos instala<strong>do</strong>s no carro são pessoais e<br />
trazi<strong>do</strong>s pelo motorista e nem to<strong>do</strong>s procedem da mesma forma.<br />
Além disso alguns lavam o piso <strong>do</strong> ônibus, tiram o pó <strong>do</strong><br />
painel e tomam outros cuida<strong>do</strong>s com o carro não previstos como parte
Pág. 54<br />
de sua atribuição oficial. Em geral, a relação que o motorista mantém<br />
com o carro de escala é de zelo. Porém nem sempre é possível trabalhar<br />
com carro de escala.<br />
Já no início da jornada algumas intercorrências podem<br />
acontecer: o carro atrasar, constatar-se problemas no carro que<br />
inviabilizem sua permanência na linha , falta de cobra<strong>do</strong>r, atraso na<br />
programação, falta de outros carros na linha. Estas intercorrências<br />
implicam em mudança da rotina estabelecida na Tabela de cada<br />
opera<strong>do</strong>r. O <strong>trabalho</strong> na operação de transporte urbano é organiza<strong>do</strong><br />
de forma que o <strong>trabalho</strong> de cada dupla (motorista-cobra<strong>do</strong>r) determina<br />
e é determina<strong>do</strong> pelo <strong>trabalho</strong> das outras da mesma linha, sem contar<br />
as influências da manutenção e <strong>do</strong> espaço de <strong>trabalho</strong> que, por ser<br />
externo, sofre as interferências <strong>do</strong> trânsito, das vias e <strong>do</strong>s passageiros.<br />
Desta forma, as fontes e as formas de determinação são<br />
múltiplas, e variadas. A denominação "linha" parece bastante adequada<br />
pois o andamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de cada dupla está liga<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong> de<br />
todas as outras, numa relação de interdependência.<br />
Ao iniciar cada meia-viagem o motorista ou o cobra<strong>do</strong>r<br />
muda o letreiro que indica o destino <strong>do</strong> ônibus. A cada início e final de<br />
meia-viagem o fiscal anota na Ficha-Repóater <strong>do</strong> motorista e <strong>do</strong><br />
cobra<strong>do</strong>r os respectivos horários. De mo<strong>do</strong> geral essas fichas ficam de<br />
posse <strong>do</strong> cobra<strong>do</strong>r até o final da jornada.<br />
A dupla motorista-cobra<strong>do</strong>r, uma vez sen<strong>do</strong> constante, cria<br />
algumas regras de relacionamento profissional, cria códigos de<br />
comunicação e uma divisão de <strong>trabalho</strong>.<br />
A primeira meia-viagem em geral é aquela onde o<br />
motorista verifica as condições <strong>do</strong> carro, mesmo sen<strong>do</strong> o seu carro de<br />
escala, pois, como cada carro é conduzi<strong>do</strong> por pelo menos <strong>do</strong>is<br />
motoristas na linha, é revisa<strong>do</strong> pelo setor de manutenção e pode ser<br />
por outros motoristas na garagem e utiliza<strong>do</strong> para transportar<br />
opera<strong>do</strong>res durante a madrugada.
Pág. 55<br />
Também durante a primeira meia-viagem o motorista tem<br />
uma idéia de como será o seu <strong>trabalho</strong> naquele dia, tanto no que se<br />
refere a aspectos <strong>do</strong> andamento da linha (maior ou menor aproximação<br />
com a Programação), como no que se refere ao trânsito, itinerário e<br />
condições <strong>do</strong> carro. Mesmo assim, cada meia-viagem tem<br />
características singulares. Podem ocorrer incidentes que se<br />
prolonguem ou repercutam para toda a sua jornada , como podem<br />
ocorrer outros que influenciem apenas momentaneamente.<br />
A cada meia-viagem também mudam os passageiros, a<br />
quantidade, o tipo de fluxo, as relações que se estabelecem entre os<br />
passageiros e entre os passageiros e os opera<strong>do</strong>res.<br />
Quan<strong>do</strong> a Programação é seguida os motoristas conhecem<br />
os passageiros que transportam, conhecem o fluxo de passageiros por<br />
ponto de parada e também os tipos de passageiros.<br />
Quan<strong>do</strong> a Programação não pode ser seguida há um certo<br />
andamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> também conheci<strong>do</strong> pelo motorista. Ele<br />
conhece as situações que prejudicam o desenvolvimento de seu<br />
<strong>trabalho</strong>, o tipo de relação mantida com o passageiro que poderá lhe<br />
aborrecer e assim por diante.<br />
Os motoristas desenvolvem a habilidade para lidar com o<br />
passageiros, pois a própria natureza de sua ocupação assim exige. Eles<br />
sabem como se portar perante ao passageiro de mo<strong>do</strong> a evitar atritos<br />
ou de mo<strong>do</strong> a minimizá-los. Os procedimentos recomendam não<br />
brigar com os passageiros, cuidar da integridade física <strong>do</strong>s mesmos e<br />
<strong>do</strong>s pedestres. No entanto, mesmo esses cuida<strong>do</strong>s nem sempre podem<br />
ser toma<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> às super-lotações e ao comportamento <strong>do</strong>s<br />
próprios passageiros nos ônibus. Como procedimento também existe<br />
a regra de impedir que os passageiros desembarquem pela porta<br />
trazeira, mas se o motorista e o cobra<strong>do</strong>r levarem esses procedimentos<br />
ao pé da letra, estarão descumprin<strong>do</strong> aquele que os proíbe de entrar<br />
em conflito com os passageiros. Assim, os opera<strong>do</strong>res, com relação a<br />
esse aspecto, estabelecem a relação possível com os passageiros, os
Pág. 56<br />
quais, por sua vez, apresentam características específicas dependen<strong>do</strong><br />
da linha.<br />
A duração das pausas entre as meias-viagens variam de<br />
linha para linha, de perío<strong>do</strong> para perío<strong>do</strong> e de dia para dia. Ela pode<br />
inexistir como pode estender-se por 15 minutos.<br />
Quan<strong>do</strong> o andamento da linha está muito distante <strong>do</strong><br />
programa<strong>do</strong> o fiscal procura aproximá-lo <strong>do</strong> planeja<strong>do</strong> atrasan<strong>do</strong><br />
alguns carros, adiantan<strong>do</strong> outros, indican<strong>do</strong> que algum carro dirija-se<br />
ao seu destino sem transportar passageiros - Reserva<strong>do</strong> - ou indican<strong>do</strong><br />
que vá Reserva<strong>do</strong> até determina<strong>do</strong> trecho a partir <strong>do</strong> qual iniciará o<br />
transporte de passageiros, ou ainda que faça o "vira".<br />
O intervalo para refeição é de 30 minutos e é preenchi<strong>do</strong><br />
distintamente por cada motorista.Alguns fazem refeição outros não.<br />
Alguns tomam lanche, outros trazem marmita, outros utilizam seus<br />
tickets-refeição, outros, ainda, como residem próximo ao ponto inicial<br />
da linha, vão às suas casas para se alimentar.<br />
Não há um local apropria<strong>do</strong> para tomar refeições que faça<br />
parte da infra-estrutura construída pela empresa, assim os opera<strong>do</strong>res<br />
dependem daquela existente no bairro. Por isso alguns trazem<br />
engenhocas adaptadas para aquecer a marmita e a preparação é feita<br />
dentro <strong>do</strong> próprio coletivo, outros comem a alimentação fria e outros<br />
trazem marmitas térmicas.<br />
Embora os trabalha<strong>do</strong>res da empresa tenham direito ao<br />
ticket-refeição, para muitos não é a garantia da alimentação adequada<br />
durante a jornada de <strong>trabalho</strong>, pois é preciso que além dele exista, nos<br />
pontos iniciais das linhas, infra-estrutura que possibilite a sua<br />
utilização. Alguns desses são situa<strong>do</strong>s em bairros onde tem-se apenas<br />
um modesto bar escassamente aparelha<strong>do</strong> para essa finalidade, com<br />
condições higiênicas precárias.<br />
Há linhas onde os opera<strong>do</strong>res encontram-se nos pontos<br />
finais e/ou iniciais, pois as pausas são suficientes para que isso ocorra,
Pág. 57<br />
porém, há outras em que os motoristas cruzam-se apenas durante as<br />
viagens.<br />
Entre os opera<strong>do</strong>res os apeli<strong>do</strong>s, os chistes e os códigos de<br />
comunicação são bastante utiliza<strong>do</strong>s. Muitos deles não se conhecem<br />
pelo nome próprio, mas pelo apeli<strong>do</strong>, pelo número <strong>do</strong> prontuário (ficha<br />
funcional) ou pelo número <strong>do</strong> carro quan<strong>do</strong> este é de escala.<br />
Cada fiscal tem um jeito para se comunicar ou definir o<br />
<strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res. Essa relação pode ser amistosa ou<br />
conflituosa, o mesmo ocorren<strong>do</strong> entre os outros opera<strong>do</strong>res.<br />
Embora exista como procedimento técnico a exigência de<br />
parada em to<strong>do</strong>s os pontos fixa<strong>do</strong>s, bem como a exigência de que<br />
apenas seja permiti<strong>do</strong> o embarque e desembarque de passageiros<br />
nesses mesmos pontos, o motorista pode não fazê-lo, quer porque o<br />
ônibus já esteja lota<strong>do</strong>, quer porque o passageiro sinalizou<br />
tardiamente, ou ainda porque o motorista já está atrasa<strong>do</strong>.<br />
O horário para finalizar a jornada de <strong>trabalho</strong> , como<br />
também depende <strong>do</strong> andamento da linha, nem sempre é o mesmo e<br />
observamos que, em geral, ela é prolongada. Há motoristas que fazem<br />
horas extraordinárias por solicitação <strong>do</strong> fiscal ou por solicitação<br />
própria. Ela pode ser feita na linha de escala <strong>do</strong> motorista ou em outra,<br />
quan<strong>do</strong> há mais de uma cujos pontos finais sejam próximos.<br />
Da mesma forma que ocorre ao início da jornada, o local<br />
para terminá-la pode ser na linha, caso haja outro motorista para<br />
substituí-lo ou na garagem, quan<strong>do</strong> a linha prescinde daquele^carro,<br />
determinação prevista na Programação e na Tabela de cada opera<strong>do</strong>r.<br />
Ao finalizar o <strong>trabalho</strong> o motorista recolhe os seus<br />
pertences e se for necessário comunica ao setor de manutenção a<br />
existência de problemas que requerem reparos.
Capítulo V<br />
As Representações<br />
Sociais <strong>do</strong><br />
Trabalho Penoso
Pág. 59<br />
.inicialmente identificamos que os motoristas demarcam<br />
as condições de <strong>trabalho</strong> em <strong>do</strong>is grupamentos - "linha boa" e "linha<br />
ruim" - e o detalhamento dessa demarcação é procedi<strong>do</strong> mediante o<br />
emprego de outras palavras-índice que nos aproximavam cada vez<br />
mais <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
Essas outras palavras expressam de um la<strong>do</strong> a<br />
reapjesentação social <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, pois falam das condições objetivas<br />
<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em si e, de outro, expressam a vivência que dessa relação<br />
emerge como sentimentos de sofrimento e como identificação de<br />
<strong>do</strong>enças. Todas elas fazem parte da mesma teia simbólica que delimita<br />
a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
To<strong>do</strong>s os motoristas têm uma listagem de linhas "boas" e<br />
"ruins". Essa demarcação é procedida mediante um critério valorativo.<br />
Os motivos, varia<strong>do</strong>s, vão desde as condições de infra-estrutura nos<br />
pontos iniciais, passan<strong>do</strong> pela duração das meias-viagens até o tipo de<br />
trânsito. Mas o motivo que sobresai é a figura <strong>do</strong> passageiro como<br />
parâmetro de avaliação mais importante. Finalmente, o que se<br />
identificou é a polêmica sobre a avaliação das linhas. Uma mesma linha<br />
pode ser "boa" para uns e "ruim" para outros, pelos mesmos motivos.
Pág. 60<br />
Por isso um <strong>do</strong>s motoristas alertou: "A senhora não vai<br />
chegara conclusão nenhuma. Cada um acha de um jeito". Ele tem razão,<br />
caso nos ativessemos apenas aos motivos que se mostram na superfície<br />
das avaliações. Porém, subjacente a eles identificamos a existência de<br />
outras razões, agora comuns, que sustentam a eleição de motivos<br />
diversos, variáveis, mutáveis e por vezes aparentemente inconciliáveis.<br />
Das falas, discussões e polêmicas que os motoristas travam,<br />
constata-se que existem <strong>do</strong>is méto<strong>do</strong>s que eles empregam para avaliar<br />
as linhas. O primeiro é construí<strong>do</strong> mediante a troca de informações e<br />
apreciação da experiência <strong>do</strong> grupo de motoristas e da observação, e<br />
o segun<strong>do</strong> através da experiência pessoal vivida no desempenho da<br />
atividade ocupacional como motorista de ônibus urbano. Esses <strong>do</strong>is<br />
méto<strong>do</strong>s de avaliação <strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong> são interrelaciona<strong>do</strong>s,<br />
intersustenta<strong>do</strong>s e instrumentalizam o conhecimento <strong>do</strong>s motoristas<br />
sobre eles. Eles fazem parte da lógica que perpassa esse conhecimento.<br />
Optamos pelo emprego <strong>do</strong> termo contatos de <strong>trabalho</strong>por<br />
termos evidencia<strong>do</strong> que os motoristas concebem o <strong>trabalho</strong> em si como<br />
unidade, como totalidade, cuja configuração é determinada pela<br />
interação dinâmica entre os seus componentes, significan<strong>do</strong> também<br />
que cada um desses componentes apresenta-se sempre na sua<br />
interação com to<strong>do</strong>s os demais. Por este motivo seria fictício atribuir<br />
apenas a componentes isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> a causa da penosidade.<br />
Epjdemiologia <strong>do</strong> Senso Comum<br />
O primeiro méto<strong>do</strong> que os motoristas empregam pode ser<br />
denomina<strong>do</strong> de "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum", pois lida<br />
basicamente com indica<strong>do</strong>res. Segun<strong>do</strong> BERQUÓ, E., MILANESI,<br />
M.L. e LAURENTI, R.(1972) os indica<strong>do</strong>res de saúde ou indica<strong>do</strong>res<br />
sanitários são "elementos propostos internacionalmente no senti<strong>do</strong><br />
de medir saúde" (p.209). Tais indica<strong>do</strong>res de saúde são da<strong>do</strong>s<br />
populacionais sobre <strong>do</strong>enças, mortes, distribuição <strong>do</strong>s serviços de
Pág. 61<br />
saúde, dentre outros, que permitem entender relações e causas de<br />
padrões de comprometimento da saúde pois, entende aEpidemioJogia,<br />
existem fenômenos passíveis de compreensão apenas através de grupos<br />
populacionais, não o sen<strong>do</strong> através da Clínica que foca a análise sobre<br />
o indivíduo.(FORATTINI,O.P., 1976).<br />
Em nosso estu<strong>do</strong> os indica<strong>do</strong>res construí<strong>do</strong>s pelos<br />
motoristas de ônibus lhes permitem compreender relações existentes<br />
entre as condições de <strong>trabalho</strong> e o incômo<strong>do</strong> ou conforto , ou ainda,<br />
entre estas condições e os problemas de saúde que se estruturam em<br />
patologias dentre eles. Tais indica<strong>do</strong>res se caracterizam por serem<br />
mostras indiretas dessas relações, expressan<strong>do</strong> comportamentos que<br />
consistem em reações por parte <strong>do</strong>s motoristas a condições de <strong>trabalho</strong><br />
"boas" e "ruins".<br />
Para a Epidemiologia os indica<strong>do</strong>res de saúde são<br />
coeficientes que se expressam em quantidades numéricas. Para os<br />
motoristas de ônibus os indica<strong>do</strong>res de sua Epidemiologia prática<br />
também têm um caráter quantitativo, muito embora seus coeficientes<br />
não sejam expressos através de números. Tal caráter assim se configura<br />
pelo senso <strong>do</strong> grupo. A freqüência é extraída pela noção de repetição<br />
<strong>do</strong> evento no grupo. Muito, pouco, bastante, demais também são<br />
coeficientes, como o é dez em mil.<br />
São indica<strong>do</strong>res o absenteísmo, a recusa ou solicitação para<br />
trabalhar em determinadas linhas, a rotatividade de opera<strong>do</strong>res, a<br />
freqüência com que os motoristas-reserva trabalham em determinadas<br />
linhas e a recusa <strong>do</strong> motorista escala<strong>do</strong> em ser troca<strong>do</strong> de linha.<br />
Esses indica<strong>do</strong>res expressam a sintonia - maior ou menor -<br />
existente na relação motorista-condição de <strong>trabalho</strong> e são fontes de<br />
informação que possibilitam aos motoristas lidarem com a penosidade<br />
<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, na medida em que criam uma predisposição a procurar<br />
determinadas linhas e a evitar outras, pois os indica<strong>do</strong>res caracterizam<br />
o perfil da linha "ruim" e o da "linha boa".
l J ây. 62<br />
No entanto, apenas a "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum"<br />
não nos permitiu identificar as razões essenciais que conformam essas<br />
tendências aos indica<strong>do</strong>res. Faltam-nos informações que nos<br />
possibilitem apreender como se dá a relação motorista-<strong>trabalho</strong> que<br />
conduz o coletivo de motoristas a se comportar de mo<strong>do</strong> tal que esses<br />
indica<strong>do</strong>res sejam observa<strong>do</strong>s.<br />
Famiiiaridade, Poder e Limite Subjetivo: Requisitos<br />
para o exercício <strong>do</strong> Controle<br />
O segun<strong>do</strong> méto<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> pelos motoristas para<br />
avaliar as linhas é o que denominamos de "Subjetivo-Existencial" pois<br />
pressupõe a vivência direta <strong>do</strong> motorista no <strong>trabalho</strong>. Através dele<br />
aparecem outros elementos que elucidam a presença da penosidade<br />
no <strong>trabalho</strong> <strong>do</strong>s motoristas, complementan<strong>do</strong> as informações obtidas<br />
através da "Epidemiologia <strong>do</strong> Senso Comum". Eles aparecem através<br />
de palavras-índice de "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
Identificamos, através deste segun<strong>do</strong> méto<strong>do</strong> que o<br />
Trabalho Penoso está sustenta<strong>do</strong> por um tripé forma<strong>do</strong> pela<br />
famiiiaridade, pelo poder e pelo limite subjetivo, os quais, por sua vez,<br />
possibilitam o exercício <strong>do</strong> controle sobre o <strong>trabalho</strong>.<br />
1 - Famiiiaridade<br />
A famiiiaridade é um processo de aproximação gradativa<br />
com o <strong>trabalho</strong>, elabora<strong>do</strong> mediante a construção de um conhecimento<br />
específico <strong>do</strong>s motoristas. Uma das suas expressões objetivas é a<br />
linguagem própria <strong>do</strong>s motoristas. Nessa linguagem, aqueles que não<br />
estão familiariza<strong>do</strong>s com o <strong>trabalho</strong>, os novatos, recebem uma<br />
denominação específica - "calça branca".
Pág. 63<br />
A essencialidade desse aspecto para a compreensão da<br />
penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é indubitável, da<strong>do</strong> que os motoristas relatam<br />
experiências de <strong>trabalho</strong> associadas ao sofrimento quan<strong>do</strong> da entrada<br />
na profissão: "Ah, a pessoa fica nervosa porque ele passou a motorista<br />
esses dias, então a pessoa fica com me<strong>do</strong> de andar, não tem experiência,<br />
não tem nada. Eu mesmo quan<strong>do</strong> comecei a trabalhar fiquei meio<br />
cisma<strong>do</strong> assim. Não tinhaprática, então a gente fica com receio de andar,<br />
então é numa dessa que os passageiros começam a chiar com agente e a<br />
gente fica nervoso." A familiaridade é um conhecimento que se adquire<br />
e se constrói com a experiência de <strong>trabalho</strong>.<br />
Acostumar-se com o <strong>trabalho</strong> e adquirir prática no <strong>trabalho</strong><br />
são expressões empregadas para designar esse processo de<br />
familiarização gradativa que ocorre durante o exercício da profissão:<br />
"no começo houve um pouco de nervosismo devi<strong>do</strong> ao trânsito, devi<strong>do</strong><br />
né, falta de costume,pâra-pára, então não estava adapta<strong>do</strong> a essas coisas,<br />
né, então eu estranhei". Outros referem que no início <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />
tinham o desejo de sair, devi<strong>do</strong> ao estranhamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>:<br />
"...aconteceu um tempo atrás, eu fui na garagem pediprá me mandar<br />
embora, eu achei que não estava suportan<strong>do</strong>, sabe?" Esses depoimentos<br />
corroboram a afirmação de DEJOURS(1980) de que o perío<strong>do</strong> de<br />
adaptação é "<strong>penoso</strong>".<br />
O processo que visa tornar familiar aquilo que é estranho<br />
implica na tentativa de acomodação, de ajuste entre o trabalha<strong>do</strong>r e o<br />
<strong>trabalho</strong>, envolven<strong>do</strong> também o esforço de tornar-se familiar ao<br />
<strong>trabalho</strong>.<br />
A familiarização com o <strong>trabalho</strong> não é um processo de<br />
aprendizagem que se dá passivamente, não é um caminho de mão<br />
única. Ela se constrói entrelaçan<strong>do</strong>-se ao conhecimento que o<br />
trabalha<strong>do</strong>r já possui. Além disso, não é um processo visan<strong>do</strong> apenas<br />
tornar o <strong>trabalho</strong> familiar, pois, ao mesmo tempo, é um processo de<br />
auto-conhecimento, conhecimento de seus iimites subjetivos, <strong>do</strong>s<br />
limites impostos pelo <strong>trabalho</strong> e de interfaces trabalha<strong>do</strong>r-<strong>trabalho</strong><br />
onde se experiência maior ou menor conforto no <strong>trabalho</strong>. Um <strong>do</strong>s
Pág. 64<br />
motoristas assim sintetizou a avaliação das linhas: "geralmente são<br />
aqueles mesmos passageiros to<strong>do</strong>s os dias, então por isso eles se adaptam<br />
- 'não, o motorista é bacana, né?'... mesmo o passageiro sen<strong>do</strong> ruim, então<br />
ele não se toma ruimprá gente, ele se toma uma pessoa compreensiva...<br />
então muitas vezes o passageiro vai se adaptan<strong>do</strong> com a gente, vai se<br />
acostuman<strong>do</strong>, então agente se toma uma pessoa boa pro passageiro e o<br />
passageiro umapessoa boapro motorista e o cobra<strong>do</strong>r... então geralmente<br />
tem linha que agente se adapta melhor, outras agente não se adapta, mas<br />
eu acho que é tu<strong>do</strong> em termos da gente trabalhar nela. Se a pessoa<br />
trabalha nela escala<strong>do</strong> então a pessoa vai se adaptar... então eu não<br />
acredito que existe linha ruim nem linha boa. No meu mo<strong>do</strong> de pensar,<br />
tu<strong>do</strong> depende da pessoa se adaptar com a linha e com os passageiros, né.<br />
Então não existe linha nem boa nem ruim, todas elas se toma igual. Existe<br />
aqueles motoristas que são um pouco mais agita<strong>do</strong>, outros mais calmos<br />
né, então tu<strong>do</strong> depende muito <strong>do</strong> jeito da pessoa agir." Nesse processo de<br />
adaptação, de familiarização, está envolvida a dimensão subjetiva <strong>do</strong><br />
quanto é possível ao motorista ajustar-se ao <strong>trabalho</strong>.<br />
É tranqüilo trabalhar quan<strong>do</strong> é possível prever o desenrolar<br />
<strong>do</strong>s acontecimentos no <strong>trabalho</strong>:"... até os pontos que os passageiros vão<br />
descer a gente sabe, a gente acostuma né, então até os pontos... que o<br />
passageiro vaipr'aquele lugar você já sabe, então quer dizer que fica mais<br />
tranqüilo" Torna-se "fácil trabalhar" e sen<strong>do</strong> assim, o "motorista não se<br />
irrita muito, não se desgasta muito".<br />
Por sua vez, por gerar a possibilidade de prever os<br />
acontecimentos, a familiaridade também gera expectativas e uma<br />
acomodação subjetiva para as quais se preparam íanto o motorista<br />
como os passageiros e não tê-las concretizadas suscita a vivência de<br />
sofrimento e incômo<strong>do</strong>. Daí porque um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s ter referi<strong>do</strong><br />
que o incômo<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> reside no fato de ter que realizar uma<br />
quantidade de viagens além das previstas em sua tabela, incômo<strong>do</strong> este<br />
não associa<strong>do</strong> diretamente ao cansaço gera<strong>do</strong> pelas horas de <strong>trabalho</strong><br />
pois a seu ver não está relaciona<strong>do</strong> à duração da jornada de <strong>trabalho</strong> e<br />
sim à expectativa <strong>do</strong> quanto terá que trabalhar. Espera-se um<br />
determina<strong>do</strong> desenrolar <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e quan<strong>do</strong> isto não ocorre gera<br />
sofrimento: "passageiros que fazem algazarra, entram pela janela, pela
Pág. 65<br />
porta da frente, não pagam passagem, rasgam o banco <strong>do</strong> ônibus,<br />
escrevem na parede e no teto". O imprevisto incomoda pois nem sempre<br />
sé sabe como lidar com ele.<br />
Desconhecer o <strong>trabalho</strong> é uma das razões que estão<br />
subjacentes à concepção <strong>do</strong> Trabalho Penoso. Por outro la<strong>do</strong>, estar<br />
familiariza<strong>do</strong> com o <strong>trabalho</strong> , por si só não significa a ausência de<br />
contextos de <strong>trabalho</strong> identifica<strong>do</strong>s como "<strong>penoso</strong>s", pois há uma outra<br />
dimensão que diz respeito à possibilidade de materializar as<br />
expectativas geradas, em parte, pelo conhecimento.<br />
O conhecimento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e <strong>do</strong> limite subjetivo gera<br />
expectativas de duas ordens, pelo menos: cumprir com regras<br />
pré-estabelecidas pela empresa ou criadas pelos motoristas no<br />
decorrer <strong>do</strong> processo de familiarização e respeitar o seu limite<br />
subjetivo.<br />
No entanto, tais expectativas, para serem concretizadas,<br />
dependem da detenção de algum grau de poder para atuar: " tem<br />
itinerário que é mais desagradável prá gente, né. Trânsito né, irrita<br />
bastante. Geralmente o trânsito é uma calamidade prá irritar a gente. As<br />
vezes você não tem condição de fazer aquele horário, o passageiro fala:<br />
'vamo embora motorista... não anda nada!' O outro: 'o que que é isso,<br />
você é mole?'Então aquilo né, não tem condições né. Você pede passagem<br />
prá um carro eles fazem gesto feio prá gente. Então isso vai acarretan<strong>do</strong><br />
bastante nervo na gente". No processo de familiarização está envolvi<strong>do</strong><br />
também o conhecimento sobre o poder que individualmente detém<br />
para atuar sobre o <strong>trabalho</strong> e, mesmo conhecen<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong>, as expectativas <strong>do</strong>s passageiros e as suas, experimenta-se<br />
sentimentos de irritação e nervosismo associadas à submissão.<br />
A familiaridade com o <strong>trabalho</strong> capacita o motorista a<br />
prever as conseqüências de cada tipo de problema. São os "imprevistos"<br />
que têm conseqüências previsíveis, mas nem sempre controláveis.
Pág. 66<br />
Trabalha-se sossega<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> " com carro de escala você<br />
trabalha com uma coisa que você está confiante nela, aí você usa aquilo<br />
que você sabe". Para usar aquilo que se sabe é preciso ter poder.<br />
2 - Poder<br />
A limitação <strong>do</strong> poder sobre o <strong>trabalho</strong> faz com que os<br />
motoristas o considerem "complica<strong>do</strong>, problemático e ruim demais."<br />
Essa adjetivação conferida a determina<strong>do</strong>s contextos de <strong>trabalho</strong><br />
deve-se a um conhecimento prévio sobre as possibilidades e limitações<br />
<strong>do</strong> poder que detém sobre eles. Assim, "às vezes a manutenção acaba<br />
causan<strong>do</strong> problema pro passageiro também e ele cai em cima <strong>do</strong><br />
motorista, o motorista é o culpa<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong> e o motorista é um verdadeiro<br />
herói sem valor." Ou seja, sabe-se de antemão quais os des<strong>do</strong>bramentos<br />
de problemas localiza<strong>do</strong>s, suas conseqüências para a prestação de<br />
serviço e para o próprio motorista, mas não há como modificá-los de<br />
imediato.<br />
Ocorre ainda de o motorista experienciar situações de<br />
conflito, onde a irritação ocorre justamente devi<strong>do</strong> à impossibilidade<br />
de responder a todas as solicitações simultaneamente, como por<br />
exemplo: "existe carro que é tu<strong>do</strong> duro e você pisa e ele não desenvolve,<br />
não deslancha a velocidade dele, então aquilo acarreta bastante...tanto<br />
nervo como cansaço no motorista né. Traz bastante irritação na gente,<br />
por quê? Você tá ven<strong>do</strong> o horário aproxima<strong>do</strong> e você não pode, não tem<br />
condições... Então você sai <strong>do</strong> ponto...o carro não deslancha e já o<br />
passageiro vai descer naquele e o carro não desenvolveu nada a<br />
velocidade. Então aquilo acarreta esforço no corpo né, canseira no corpo,<br />
na mente e tu<strong>do</strong>, enquanto um carro que você pisa e ele desenvolve a<br />
velocidade então aquilo te...né...te alivia bastante." A irritação, o<br />
nervosismo e o cansaço , portanto, a "penosidade", é vivida quan<strong>do</strong><br />
trabalhar significa ter que suportar, tolerar uma situação incômoda ou<br />
que demande esforço e perceber que o poder de interferência na<br />
situação é restrita ou inexiste.
Pág. 67<br />
Reconhecer a limitação <strong>do</strong> poder de modificação ou de<br />
interferência nos contextos "<strong>penoso</strong>s" de <strong>trabalho</strong> gera a conformação<br />
<strong>do</strong> motorista a esse limite:" o meu carro chega num limite ele corta o<br />
óleo e não adiante eu pisar mais, você vai acaban<strong>do</strong> o que., você vai ter<br />
que apertar mais o acelera<strong>do</strong>r, você vai cansar logicamente né. Então não<br />
adianta eu querer batalhar, é remar contra a maré, eu tenho que me<br />
conformar com aquilo dali. Então tem hora que pega outro carro, o carro<br />
anda a 70por hora, enquanto o outro anda a 80, outro anda a 60, ele não<br />
deslancha mais <strong>do</strong> que aquilo. Então não adianta, eu vou cansar tanto a<br />
mente como o corpo".<br />
Reconhecen<strong>do</strong> a limitação para o exercício <strong>do</strong> poder é que<br />
um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s considerou o seu <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>": "é meio<br />
<strong>penoso</strong> por agüentar todas essas conseqüências que a gente agüenta né,<br />
mas se toma mais <strong>penoso</strong> se a gente levar aquilo assim, né, se a gente for<br />
pensar naquilo, mas se a gente procurar meio que disfarçar então se torna<br />
menos <strong>penoso</strong>... então é uma coisa bastante prejudicial no serviço da<br />
gente isso aí, porque você vai ser obriga<strong>do</strong> a se fazer de bobo prá poder<br />
viver". Ao fazer-se de bobo ele expressa a existência de um<br />
conhecimento prévio não aplicável, inclusive das limitações de seu<br />
poder sobre o <strong>trabalho</strong>. Fazer-se de bobo remete ainda à reflexão de<br />
CAMUS(s.d.) sobre o <strong>trabalho</strong> de Sísifo, onde o castigo existe quan<strong>do</strong><br />
o trabalha<strong>do</strong>r tem consciência de sua situação. Isto se relaciona à<br />
questão da alienação onde o disfarce, o esquecimento, a não<br />
consciência sobre a sua condição, sobre o seu poder levam ao menor<br />
sofrimento.<br />
O poder inexiste em duas situações - não ter o<br />
conhecimento da prática e tê-lo mas mão ter instrumentos para<br />
exercitá-lo. Quan<strong>do</strong> isto ocorre o <strong>trabalho</strong> é "duro de agüentar", pois o<br />
motorista é obriga<strong>do</strong> a suportar, a submeter-se a situações complicadas<br />
e difíceis.
3 - O Limite Subjetivo<br />
Pág. 68<br />
O processo de familiarização com o <strong>trabalho</strong> é também um<br />
processo de auto-conhecirnento, que diz respeito ao limite subjetivo<br />
<strong>do</strong> quanto e quan<strong>do</strong> é possível agüentar as estimulações <strong>do</strong>s contextos<br />
de <strong>trabalho</strong>.<br />
A objetivação <strong>do</strong> limite subjetivo é procedida mediante o<br />
emprego de palavras-índice que indicam uma ação<br />
estimula<strong>do</strong>ra/provoca<strong>do</strong>ra sobre o motorista.<br />
A palavra-índice irritar, suas derivações e compostos<br />
mostra-se adequada para sinalizar que há contextos de <strong>trabalho</strong><br />
gera<strong>do</strong>res de incômo<strong>do</strong>. É plástica o suficiente para expressar diversas<br />
formas difusas de vivências indesejadas, não prazerosas física e<br />
mentalmente. Tal propriedade desta palavra-índâce, coincide com a<br />
constatação de DUARTE (1986) de que a irritação designa uma<br />
"sensibilidade difusa por toda a superfície corporal, um pouco como<br />
capacidade de recepção e reação a estímulos, um pouco como a<br />
experiência eletrostática"(p.l66) Irritar significa tornar colérico,<br />
exasperar, agastar, exaltar, excitar, provocar.<br />
Quan<strong>do</strong> são empregadas encadeadamente com irritar,<br />
outras palavras-índice como nervoso, cansaço, desgaste, incômo<strong>do</strong>,<br />
prejudicar, atrapalhar, a provocação sentida passa a ganhar contornos<br />
mais claros, indican<strong>do</strong> através de quais espaços o limite subjetivo é<br />
detectável.<br />
Distingue-se basicamente o emprego de três conjuntos de<br />
expressões. O primeiro onde o espaço da irritação está circunscrita à<br />
dimensão emocional, onde as expressões compostas ou derivadas dessa<br />
palavra-índice são utilizadas isoladamente ou com aquelas compostas<br />
ou derivadas de nervoso e tensão. O segun<strong>do</strong> onde essa palavra-índice<br />
é utilizada encadeadamente com desgaste, cansaço, força muito<br />
mentalmente e fisicamente e esforço, indican<strong>do</strong> que o limite subjetivo é<br />
detectável simultaneamente no espaço físico e mental. Por fim, o
Pág. 69<br />
terceiro onde a irritação associada a incomoda muito aponta para um<br />
excesso ou inconveniência de estímulos (DUARTE, 1986) sensoriais<br />
e físicos, sinalizan<strong>do</strong> que há desconforto.<br />
Assim, a irritação associada a outras palavras-índice<br />
constituem-se em sinaliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> limite subjetivo <strong>do</strong> suportável nas<br />
dimensões física e mental (estan<strong>do</strong> incluídas aqui a dimensão cognitiva<br />
e emocional).<br />
A irritação sentida pelo motorista sofre determinações<br />
objetivas e subjetivas, pois depende ao mesmo tempo <strong>do</strong>s contextos de<br />
<strong>trabalho</strong> e das características de cada motorista, significan<strong>do</strong> que o<br />
limite subjetivo <strong>do</strong> suportável sofre dupla determinação. No entanto,<br />
as de ordem objetiva parecem ser determinantes na vivência da<br />
irritação: "existem aqueles opera<strong>do</strong>res que são mais calmos e outros que<br />
são mais agita<strong>do</strong>s né. Toda classe tem esse tipo de gente, uns são mais<br />
irrita<strong>do</strong>s... então, mesmo aquele que não é tão irrita<strong>do</strong> ele se sente irrita<strong>do</strong><br />
porque faz parte daquela profissão né, às vezes é o carro que não anda<br />
bem, éruim, é pesa<strong>do</strong>, os passageiros irritan<strong>do</strong>, então você se sente mal".<br />
O sentir-se mal indica que o excesso ou a inconveniência de<br />
estimulações está atingin<strong>do</strong> o iimite <strong>do</strong> suportável ou que este limite<br />
já foi ultrapassa<strong>do</strong>, geran<strong>do</strong> o que denominamos de Ruptura.<br />
Incômo<strong>do</strong>s, esforços e irritações existem em to<strong>do</strong>s os<br />
contextos de <strong>trabalho</strong>: "espinho tem em todas as linhas". A simples<br />
identificação da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> à existência de provocações<br />
não nos leva ao conceito em questão. Daí a necessidade de lançar mão<br />
de outras formas de expressão, também através da linguagem, onde a<br />
sinalização <strong>do</strong> limite subjetivo passa também por um crivo quantitativo,<br />
objetiva<strong>do</strong> através <strong>do</strong> emprego associa<strong>do</strong> a palavras-asidice de<br />
advérbios de intensidade como muito, demais, ou outras expressões<br />
que denotam uma quantificação como prá caramba. O mesmo ocorre<br />
ainda com algumas expressões bastante corriqueiras na linguagem <strong>do</strong>s<br />
motoristas. Linha Pesada é uma das que denota quantificação<br />
subjacente. É onde tem "muito passageiro", "muito trânsito", "paradas<br />
demais". Para que algo seja senti<strong>do</strong> como excessivo pressupõe-se que<br />
o motorista tenha a noção de um limite subjetivo <strong>do</strong> que é possível
Pág. 70<br />
suportar. A "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> assim entendida aponta para um<br />
excesso além desse limite. É o desrespeito a esse limite.<br />
O <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> se dá mais <strong>do</strong> que é possível,<br />
por excesso ou por inconveniência de estímulos: "um <strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong><br />
que eu acho é o seguinte: na minha opinião seria o funcionário trabalhar<br />
10, 12 horas por dia e não ganhar um salário justo. É assim, ele tá<br />
deixan<strong>do</strong> o sangue dele né, e ele não tem recompensa, ele não tem como<br />
cobrir aquilo, como se alimentar prá poder ter força de novo prá<br />
trabalhar". Quan<strong>do</strong> isso ocorre há o prejuízo para a saúde.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, o limite subjetivo não é uma demarcação<br />
rígida e absoluta, pois relaciona-se a contextos de <strong>trabalho</strong> e não a<br />
agentes ou fatores. Exemplifican<strong>do</strong>, para um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s o<br />
trânsito é um fator de incômo<strong>do</strong> mas, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto no qual<br />
se inseria poderia ser suportável : "a linha A era uma linha que tinha<br />
trânsito, mas era um trânsito que você, você dá só uma viagem e meia ou<br />
duas. Você se colocava dentro de uma forma que você tinha paciência de<br />
ir e voltar e era uma linha que o pessoal era bem mais compreensivo, que<br />
não andava com o carro cheio".<br />
Uma nova dimensão também emerge para delimitar o nível<br />
de suportabilidade de contextos de <strong>trabalho</strong>. É a interferência de<br />
posturas a<strong>do</strong>tadas pelo motorista. Na citação acima, o entrevista<strong>do</strong><br />
relativiza o peso das condições objetivas mediante a incorporação <strong>do</strong><br />
tipo de postura que ele a<strong>do</strong>ta para trabalhar. Em suas palavras: "você<br />
se colocava dentro de umaforma que você tinhapaciência de ire voltar..".<br />
Assim, a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é definida pela relação estabelecida<br />
entre as condições objetivas de <strong>trabalho</strong> e a disponibilidade subjetiva.<br />
O limite subjetivo é o limite <strong>do</strong> quanto e quan<strong>do</strong> o<br />
motorista pode suportar. O poder diz respeito a quanto e quan<strong>do</strong> ele<br />
pode atuar modifican<strong>do</strong> os contextos incômo<strong>do</strong>s e difíceis de <strong>trabalho</strong>.
4 - O Controle<br />
Pág. 71<br />
O <strong>trabalho</strong> é complica<strong>do</strong>, ruim demais, problemático<br />
quan<strong>do</strong> há descontrole sobre o seu ritmo, geran<strong>do</strong> alterações e<br />
contextos de <strong>trabalho</strong> não familiares e consequentemente não<br />
<strong>do</strong>mináveis, poden<strong>do</strong> ou não estar dentro <strong>do</strong>s limites de<br />
suportabilidade.<br />
A percepção de descontrole sobre o <strong>trabalho</strong> na linha tem<br />
por referência o conhecimento anterior de que a programação e a<br />
tabela planejadas prevêem um andamento diferente <strong>do</strong> andamento<br />
real. A restrição quanto ao possível exercício <strong>do</strong> controle sobre o<br />
<strong>trabalho</strong> está relacionada à sua própria organização, onde o andamento<br />
de um carro é determina<strong>do</strong> e determina o andamento <strong>do</strong>s outros:"o<br />
motorista <strong>do</strong> carro da frente corre demais, entendeu. Ele passa num local<br />
adianta<strong>do</strong>, com diferença de 5 minutos, já é diferença, então ele sai<br />
daqui-alí, por exemplo... ele adiantan<strong>do</strong> esse percurso aqui, dalíprá lá,<br />
ele, o pessoal que sai, que sairia da fábrica não pega mais o carro dele, já<br />
pega o de trás, então ele adianta muito mais".<br />
O descontrole sobre o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como gera<strong>do</strong>r de<br />
nervosismo, forja<strong>do</strong> por um processo cumulativo.* "vai esgotan<strong>do</strong><br />
demais o cara". Esgotar tem o senti<strong>do</strong> de tirar até a última gota, dan<strong>do</strong><br />
a noção de que não ter possibilidade de exercer controle sobre o<br />
<strong>trabalho</strong> faz com que a pessoa seja exigida além <strong>do</strong> seu limite.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, para que o <strong>trabalho</strong> seja senti<strong>do</strong> como fácil,<br />
menos desgastante, é necessário que existam contextos de <strong>trabalho</strong> que<br />
permitam ao motorista a<strong>do</strong>tar mecanismos de ajuste que lhe permitam<br />
controlar o <strong>trabalho</strong> mediante o conhecimento prévio da rotina e <strong>do</strong><br />
poder que detém, bem como <strong>do</strong> seu limite subjetivo. Assim, um "dia<br />
bom de <strong>trabalho</strong> que eu acho é o seguinte: a ferramenta de <strong>trabalho</strong>, o<br />
carro estan<strong>do</strong> normal, o carro estan<strong>do</strong> em condições de <strong>trabalho</strong>, então<br />
você sai com o carro da garagem você se sente bem, o carro estan<strong>do</strong> em<br />
condições de <strong>trabalho</strong>, então você faz o horário normal, os outros carros<br />
vão vir tu<strong>do</strong> normal, pouco trânsito... diminui o número de passageiros,
Pág. 72<br />
então você vem tranqüilo, vem com a lotação normal <strong>do</strong> carro, o carro<br />
deslancha mais, você pára menos".<br />
O controle sobre o <strong>trabalho</strong> não está apenas articula<strong>do</strong> com<br />
a noção de "<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>". Conforme evidências de estu<strong>do</strong><br />
realiza<strong>do</strong> por HARRISON(1988) ele também encontra-se articula<strong>do</strong><br />
com a noção de <strong>trabalho</strong> perigoso : " O perigo se manifesta nos<br />
acontecimentos específicos onde os trabalha<strong>do</strong>res reconhecem que o<br />
controle jamais é absoluto. Existem incertezas em cada situação e os<br />
recursos necessários para conter os efeitos nocivos não estão sempre<br />
disponíveis"(p* 78).<br />
O <strong>trabalho</strong> é "<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r não tem<br />
conhecimento, poder e instrumentos para controlar os contextos de<br />
<strong>trabalho</strong> que suscitam vivências de desconforto e desprazer, dadas as<br />
características e necessidades e limite subjetivos. Enfim, o <strong>trabalho</strong> é<br />
"<strong>penoso</strong>" quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r não é sujeito da situação. Quan<strong>do</strong> isto<br />
ocorre, o <strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "desumano, força<strong>do</strong>"(OLIVEIRA,<br />
1971, p. 314).<br />
 Ruptura<br />
Quan<strong>do</strong> não é possível manter o equilíbrio que permite ao<br />
motorista exercer o controle sobre os contextos de <strong>trabalho</strong> que<br />
incomodam, irritam e que exigem esforço a mais dá-se a ruptura; ou<br />
seja, quan<strong>do</strong> há uma exigência <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> maior <strong>do</strong> que é possível<br />
corresponder, haven<strong>do</strong> transgressão <strong>do</strong> ritmo e limite subjetivo.<br />
Para os motoristas a ruptura se expressa diretamente na<br />
saúde. É quan<strong>do</strong> as coisas saem <strong>do</strong>s seus lugares, quan<strong>do</strong>/orça demais,<br />
provoca nervosismo, esta<strong>do</strong> de nervo abala<strong>do</strong>, e o motorista mistura.<br />
Esses esta<strong>do</strong>s emocionais vão sen<strong>do</strong> forja<strong>do</strong>s no decorrer <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />
em determina<strong>do</strong>s contextos, ten<strong>do</strong>, portanto, um caráter cumulativo.<br />
Não haven<strong>do</strong> mecanismos adequa<strong>do</strong>s para lidar com esses esta<strong>do</strong>s
Pág. 74<br />
o cara às vezes começa a falar sozinho e tem bastante misturan<strong>do</strong>,<br />
inclusive o cara com esgotamento nervoso então já não faz a coisa certa,<br />
não fala coisa com coisa, você vê cara falan<strong>do</strong> sozinho por aí, às vezes<br />
começa a xingar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>".<br />
Subjacente àpalavra-índicewüíwrar também está presente<br />
a concepção de que o motorista passa a ser uma pessoa não confiável,<br />
no senti<strong>do</strong> de não ter condição de seguir as regras de <strong>trabalho</strong><br />
necessárias. Isto ocorre devi<strong>do</strong> ao excesso e inconveniência de<br />
estimulações, impotência para lidar com elas e, ainda que tenha<br />
familiaridade com a situação ela não pode ser instrumentalizada, já que<br />
seu ritmo e limite subjetivo foram transgredi<strong>do</strong>s :." ...e/e (motorista)<br />
começa a sair fora <strong>do</strong> ar, ele não se liga no serviço, não presta atenção,<br />
aí ele começa a fazer bobagem, às vezes quan<strong>do</strong> ele acha que está muito<br />
mesmo ele sai corren<strong>do</strong> sozinho na rua...". Outro assim complementou:<br />
"ele fica falan<strong>do</strong> sozinho... não pega os passageiros no ponto, tá com o<br />
carro vazio e não pega os passageiros efica bravo quan<strong>do</strong> sobe um colega<br />
de... quan<strong>do</strong> sobe um colega de serviço, não gosta que fica na frente já<br />
manda irláprá trás, acha ruim <strong>do</strong>s velhinhos subir pela porta da frente".<br />
Finalmente, um entrevista<strong>do</strong> que já foi afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> por<br />
problemas emocionais, deu a seguinte visão sobre esse aspecto: "eu<br />
estava com esgotamento nervoso abala<strong>do</strong>, não tinha condições de espécie<br />
alguma de trabalhar e realmente não tinha, ia pôr em risco a vida de to<strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>".<br />
Ser uma pessoa não confiável, portanto, significa não ter<br />
condições para continuar trabalhan<strong>do</strong>, conforme referi<strong>do</strong><br />
anteriormente:" ele (motorista) está emponto deirproJuquerí, emponto<br />
de ficar interna<strong>do</strong>". Outro entrevista<strong>do</strong> diz que quan<strong>do</strong> o motorista está<br />
misturan<strong>do</strong> ele tem que ir prá "caixa" (expressão correntemente<br />
utilizada para designar que o trabalha<strong>do</strong>r está afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />
receben<strong>do</strong> auxílio previdenciário por <strong>do</strong>ença). Em síntese, misturar<br />
tem a conotação de esgotamento da saúde a ponto de tornar o<br />
trabalha<strong>do</strong>r incapacita<strong>do</strong> para o <strong>trabalho</strong>, mesmo que<br />
temporariamente.
Pág. 75<br />
Longe de ser um ato voluntário, misturar é uma<br />
"necessidade", como define um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. É uma necessidade<br />
porque já ultrapassou os limites <strong>do</strong> suportável. É necessário muitas<br />
vezes ter auto-controle para continuar trabalhan<strong>do</strong>, denotan<strong>do</strong> que<br />
quan<strong>do</strong> não é possível controlar os contextos de <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>s", é<br />
necessário controlar a si mesmo.<br />
O espaço de circunscrição daquilo que é designa<strong>do</strong> como<br />
misturar é a mente, a cabeça pois o <strong>trabalho</strong> com coletivos força muito<br />
a mente ou mexe muito com a mente e isto ocorre devi<strong>do</strong> a uma série<br />
de aspectos que vão desde a relação com o passageiro, passan<strong>do</strong> pela<br />
organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> na garagem e na linha, pelas condições de<br />
manutenção <strong>do</strong>s carros até as condições de trânsito. Da mesma forma<br />
que observa<strong>do</strong> em outras palavras-índice, aquilo que força a mente é<br />
a interação de fatores que forja contextos de <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>s"<br />
emocional e cognitivamente. Os motoristas definem o esta<strong>do</strong><br />
emocional misturar como sen<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> eles sentem que foram<br />
irrita<strong>do</strong>s demais, quan<strong>do</strong> eles estão nervosos demais e quan<strong>do</strong> foram<br />
"transpassa<strong>do</strong>s". Ter si<strong>do</strong> transpassa<strong>do</strong> significa ter si<strong>do</strong> viola<strong>do</strong> em seu<br />
limite subjetivo <strong>do</strong> suportável. É o excesso de nervosismo, de irritação,<br />
de tensão e de esforço. Quan<strong>do</strong> o motorista está misturan<strong>do</strong> ele está<br />
expressan<strong>do</strong> sua "revolta".<br />
São emprega<strong>do</strong>s encadeadamente com essa palavra-índice<br />
os seguintes: louco, pira<strong>do</strong>, esgotamento nervoso abala<strong>do</strong>, trauma<br />
nervoso, totalmente confuso, lelé.<br />
O desarranjo da subjetividade ocorri<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o motorista<br />
está nervoso demais, quan<strong>do</strong> está misturan<strong>do</strong> é objetiva<strong>do</strong> em<br />
manifestações psicológicas e fisiológicas, como relata um entrevista<strong>do</strong><br />
que teve esgotamento nervoso: "me deu bem dizer um trauma nervoso<br />
né, fiquei revolta<strong>do</strong>, eu só sabia chorar e tremer, minhas vistas escureciam,<br />
não via nada, não enxergava nada.,, então eu, qualquer coisinha, tava<br />
discutin<strong>do</strong>, brigan<strong>do</strong> com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em casa qualquer coisinha... eu<br />
cheguei a estourar os vidros da porta de casa, cheguei a quebrar tu<strong>do</strong> os<br />
vidros e me dava muita <strong>do</strong>r de cabeça, me <strong>do</strong>ía demais, me atacava outras
Pág. 76<br />
coisas também, me <strong>do</strong>ía o estômago e começava a tremer, então tinha<br />
que <strong>do</strong>rmir, descansar, prápassar...".<br />
Quan<strong>do</strong> a ruptura se expressa não há dicoíomia mente e<br />
corpo. Uma estimulação demasiada pode provocar o corpo, como os<br />
esforços musculares, por exemplo, e a expressão da ruptura dela<br />
advinda ser mental, na forma de nervosismo. Já uma estimulação<br />
demasiada que provoca a mente, como a relação atritosa com o<br />
passageiros, pode expressar-se, enquanto ruptura, em <strong>do</strong>res<br />
musculares e de estômago. Apesar disso, identificamos que o espaço<br />
preferencial para a expressão <strong>do</strong> excesso ou inconveniência de<br />
estímulos é a mente, os nervos e a cabeça.<br />
Aquilo que se exterioriza como descontrole - misturar -<br />
ocorre em função <strong>do</strong> excesso de auto-controle a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong><br />
suportar o máximo possível as irritações;"... ele tem muita preocupação,<br />
qualquerprobleminha no trânsito assim ele já se descontrola né, onde ele<br />
fica nervoso e se descontrola atoa, então a turma fala misturar, então tá<br />
misturan<strong>do</strong>, aí começa falar sozinho, é, eu acho que ele pensa que tá num<br />
outro local, ele esquece o intervalo, eu acho que isso é um problema da<br />
mente mesmo né".<br />
A ruptura <strong>do</strong> equilíbrio ocorre quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s apoios não<br />
está presente. Apesar <strong>do</strong>s três requisitos serem igualmente necessários,<br />
evidenciamos que o poder para interferir no <strong>trabalho</strong> a fim de respeitar<br />
o limite subjetivo é aquele que parece ter maior peso no jogo de forças<br />
que possibilita o controle ou leva à ruptura, talvez por ser aquele que<br />
independe <strong>do</strong> motorista.<br />
A pendência entre o controle e a ruptura nos diversos<br />
contextos de <strong>trabalho</strong> é a essência <strong>do</strong> conhecimento prático <strong>do</strong>s<br />
motoristas que sustenta a avaliação das linhas. A movimentação <strong>do</strong>s<br />
motoristas entre as linhas, ou seja, as reações que a<strong>do</strong>tam frente a elas,<br />
de aproximação e repulsa (rotatividade e absenteísmo), estão<br />
determinadas pelo controle que eles podem exercer, ten<strong>do</strong> em vista a<br />
familiaridade, o poder e o limite subjetivo, este conheci<strong>do</strong> mediante<br />
<strong>do</strong>is parâmetros: inconveniência e excesso de estímulos. É essa mesma
Pág. 77<br />
possibilidade de sustentação <strong>do</strong> controle que nucleia a avaliação das<br />
linhas boas e ruins.
Capítulo V"<br />
e a Ação<br />
Adaptativa
Pág. 79<br />
li o decorrer <strong>do</strong> capítulo anterior ficou evidencia<strong>do</strong> que o<br />
conceito de Trabalho Penoso está articula<strong>do</strong> com a possibilidade de o<br />
motorista controlar o <strong>trabalho</strong>. Essa articulação dá-se a nível da<br />
constituição <strong>do</strong> conceito propriamente. Isso implica que só se pode<br />
conceituar a "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> mediante a incorporação da<br />
noção de controle.<br />
Para que o controle <strong>do</strong> motorista sobre o <strong>trabalho</strong> seja<br />
exerci<strong>do</strong> é necessária a presença simultânea <strong>do</strong>s três requisitos:<br />
familiaridade, poder e limite subjetivo. Porém, a centralização <strong>do</strong><br />
poder é uma das principais características da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />
em nossa sociedade e, por decorrência, das decisões, <strong>do</strong> planejamento,<br />
das metas e <strong>do</strong>s meios para atingi-las. A lógica e as características dessa<br />
forma de organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, bem como as conseqüências,para a<br />
autonomia <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res já foram exaustivamente debatidas e<br />
analisadas por MARGLIN(1980), FRIEDMANN(1983),<br />
BRAVERMAN(1981), NAVILLE(1973), FLEURY e<br />
VARGAS(1983) dentre vários outros.<br />
Também já foram descritas e analisadas as suas<br />
conseqüências para a saúde <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, em nossa sociedade<br />
inclusive, segun<strong>do</strong> aportes teóricos e meto<strong>do</strong>lógicos distintos. Esses<br />
estu<strong>do</strong>s referem tanto repercussões mentais como físicas e, dentre os
Pág. 80<br />
vários estu<strong>do</strong>s que já demonstraram essa relação, citamos apenas<br />
alguns deles: KALIMO e cols.(1987), DEJOURS e cols.(1985),<br />
SELIGMANN SILVA(1986), DEJOURS(1980),<br />
FRIEDMANN(1983), DIESAT(1989), SELIGMANN SILVA e<br />
cols.(1985), SELIGMANN SILVA e cols. (1986) e BORGES(1990).<br />
Se a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em nossa sociedade planeja<br />
previamente a partir da centralização <strong>do</strong> poder to<strong>do</strong>s os detalhes para<br />
a realização das tarefas e se existem claras evidências de que ela traz<br />
repercussões negativas para a saúde física e mental, segue a pergunta:<br />
como o trabalha<strong>do</strong>r, neste caso, o motorista, poderia exercer o<br />
controle? E, em sen<strong>do</strong> possível, isto significaria que ele tem poder?<br />
GUSTAVSEN (s.d.) sob a ótica da saúde considera<br />
relevante a possibilidade de o trabalha<strong>do</strong>r exercer controle sobre o<br />
<strong>trabalho</strong> pois isso "contribui positivamente para a redução da<br />
insatisfação, <strong>do</strong>enças mentais, etc..(•••) torna as pessoas mais capazes<br />
de agüentar e lidar com praticamente to<strong>do</strong>s os problemas stressantes<br />
<strong>do</strong> ambiente de <strong>trabalho</strong>. O controle torna as pessoas capazes de<br />
enfrentar o problema"(p. 136).<br />
O controle, conforme foi observa<strong>do</strong> nessa investigação, é<br />
realiza<strong>do</strong> através de práticas que vão sen<strong>do</strong> construídas no decorrer da<br />
trajetória profissional e a<strong>do</strong>tadas no dia a dia de <strong>trabalho</strong>.<br />
Isto significa que pensar a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é pensar<br />
sobre as práticas no <strong>trabalho</strong> e a linguagem empregada pelos<br />
motoristas que permite organizá-las e comunicá-las. Esta articulação<br />
explica porque eles constróem nominações específicas, chistes e até<br />
mesmo dita<strong>do</strong>s.<br />
Neste estu<strong>do</strong> identificamos nas falas <strong>do</strong>s motoristas<br />
considerações sobre a possibilidade <strong>do</strong> exercício de controle como:<br />
estar "adapta<strong>do</strong>" ou "acostuma<strong>do</strong>" com o <strong>trabalho</strong>, a existência de<br />
"linhas boas", a existência de contextos em que é "fácil trabalhar". Ou<br />
seja, embora o poder seja centraliza<strong>do</strong>, através da Programação, a<br />
linguagem e as práticas explicitam a possibilidade de exercer o controle
Pág. 81<br />
sobre o incômo<strong>do</strong> e o esforço exigi<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>, bem como sobre<br />
o sofrimento a ele relaciona<strong>do</strong>.<br />
O tema adaptação tem si<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> a partir de aportes<br />
diversos segun<strong>do</strong> diferentes conceituações na área de saúde <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r.<br />
LAURELL e NORIEGA (1989) que entendem o processo<br />
de desgaste da saúde como historicamente determina<strong>do</strong>, conforman<strong>do</strong><br />
perfis de morbidade específicos segun<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> de produção,<br />
consideram a noção de adaptação aquela que permite apreender a<br />
historicidade da biologia humana. Ou seja, os processos particulares<br />
de adaptação atribuem características ao nexo biopsicosocíal que<br />
determina o perfil patológico e o processo de desgaste.<br />
Os autores criticam a visão da noção de adaptação como<br />
processo que invariavelmente conduza ao esta<strong>do</strong> normal <strong>do</strong><br />
organismo. Ao contrário, eles procuram recuperar dessa noção a face<br />
que está associada à sobrevivência em condições precárias e que leva<br />
à estruturação de processos destrutivos.<br />
Embora LAURELL e NORIEGA(1989) enfatizem a<br />
relação entre processo de <strong>trabalho</strong> e desgaste da saúde, consideran<strong>do</strong>-o<br />
como processo biológico e fisiológico, e refiram-se à adaptação nesse<br />
âmbito, pontuam a necessidade de recuperar <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> sua<br />
característica essencialmente humana e por isso consciente. Esse<br />
importante assinalamento recupera o caráter simbólico <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>,<br />
envolven<strong>do</strong> a criação de universos de conhecimento. Tais universos,<br />
como será analisa<strong>do</strong> a seguir, também participam <strong>do</strong>s processos<br />
adaptativos.<br />
A adaptação, além de sua face que explica o<br />
desenvolvimento de processos destrutivos, também tem outra face que<br />
explica a construção de mecanismos de resistência. Compreender a<br />
adaptação como bifacetada permite entender porque, nos dizeres <strong>do</strong>s<br />
mesmos autores, "o processo de <strong>trabalho</strong> converte-se num terreno de<br />
contradição quan<strong>do</strong> os trabalha<strong>do</strong>res desenvolvem resistência contra
Pág. 83<br />
tempo como resulta<strong>do</strong> de concordância e interação colusiva, amiúde<br />
inconscientes, entre membros da organização, quanto à forma que ela<br />
irá assumir. Os mecanismos de defesa socialmente estrutura<strong>do</strong>s<br />
tendem, portanto, a tornar-se um aspecto da realidade externa com a<br />
qual novos e antigos membros da instituição devem entrar de<br />
acor<strong>do</strong>."(p.13).<br />
Ten<strong>do</strong> como perspectiva que as organizações são<br />
influenciadas pelas necessidades psicológicas <strong>do</strong>s seus membros, a<br />
autora analisou em seguida como a equipe de enfermagem enfrentava<br />
a ansiedade gerada pela natureza da instituição e, consequentemente,<br />
<strong>do</strong>s serviços que presta.<br />
Vários são os mecanismos cita<strong>do</strong>s e atualiza<strong>do</strong>s na relação<br />
com o paciente, como a "fragmentação <strong>do</strong> relacionamento<br />
enfermeira-paciente", "despersonalização, categorização e negação da<br />
importância <strong>do</strong> indivíduo", "distanciamento e negação de sentimento",<br />
dentre outros.<br />
MENZIES(1970) aprofunda a análise das motivações<br />
intrapsíquicas que dão substrato ao desenvolvimento de tais<br />
mecanismos, entenden<strong>do</strong> que são deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s mecanismos de defesa<br />
psíquicos primitivos.<br />
DEJOURS(1980), também a partir de perspectiva<br />
psicanalítica, estuda o sofrimento mental advin<strong>do</strong> da organização <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong> e identifica a a<strong>do</strong>ção de ideologias defensivas como<br />
estratégia para ocultar o me<strong>do</strong> e a ansiedade gera<strong>do</strong>s pelo <strong>trabalho</strong>.<br />
Elas são também estratégias adaptativas e caracterizam-se por: serem<br />
elaboradas por um grupo social particular, no qual se deve buscar a<br />
sua especificidade; serem dirigidas contra perigos e riscos reais; sua<br />
operacionalidade depender da participação de to<strong>do</strong>s os membros <strong>do</strong><br />
grupo; serem <strong>do</strong>tadas de coerência; terem um caráter vital,<br />
fundamental e necessário tornan<strong>do</strong>-se obrigatórias.<br />
MENZIES(1970) e DEJOURS(1980) aprofundam o<br />
estu<strong>do</strong> destes mecanismos adaptativos a partir da dinâmica
Pág. 84<br />
intrapsíquica. Enquanto para o primeiro autor os mecanismos de<br />
defesa socialmente estrutura<strong>do</strong>s derivam de mecanismos de defesa<br />
individuais, para o segun<strong>do</strong> a ideologia defensiva os substitui. Porém,<br />
apesar de serem formas de adaptação não se pode concluir que são<br />
sadias, mas são aquelas que se mostram viáveis para os trabalha<strong>do</strong>res<br />
lidarem com o sofrimento relaciona<strong>do</strong> ao <strong>trabalho</strong>.<br />
Assim como MENZIES(1970), DEJOURS(1980)<br />
caracteriza a ideologia defensiva como socialmente elaborada, dirigida<br />
contra ansiedade real e partilhada por to<strong>do</strong>s os membros <strong>do</strong> grupo.<br />
MENZIES refere inclusive que os mecanismos adaptativos tornam-se<br />
aspectos da realidade externa.<br />
Esses autores, no entanto, não aprofundam a discussão de<br />
como se dá a estruturação social destes mecanismos e,<br />
consequentemente, como passam a fazer parte da realidade externa.<br />
O aprofundamento da discussão desses <strong>do</strong>is aspectos vem<br />
complementar a análise por eles realizada, pois consideramos que a<br />
construção de tais mecanismos é sustentada de um la<strong>do</strong> por<br />
motivações intrapsíquicas e, de outro, pela sua dimensão social.<br />
A nosso ver, conforme evidências dessa investigação, a<br />
estruturação social das estratégias adaptativas bem como a sua<br />
incorporação na realidade externa dá-se mediante as práticas e a<br />
linguagem <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.<br />
As práticas são ações que visam controlar o <strong>trabalho</strong>. Elas<br />
são coletivamente criadas e a<strong>do</strong>tadas, haven<strong>do</strong> diferenças individuais<br />
quanto àquilo que deve ser controla<strong>do</strong>, na medida em que a<br />
"penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> é definida na interação subjetivo-objetivo.<br />
Tais práticas modificam o <strong>trabalho</strong> prescrito e o próprio<br />
comportamento <strong>do</strong>s motoristas frente a ele. Elas implicam não só numa<br />
conformação, num ajuste deste ao trabalha<strong>do</strong>r, mas também e<br />
simultaneamente, num ajuste <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r a ele. Desse processo<br />
resulta um outro <strong>trabalho</strong>, o <strong>trabalho</strong> real, o que é possível, dadas as
Pág. 85<br />
características e exigências <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> prescrito e as características,<br />
necessidades e limite subjetivo <strong>do</strong> suportável pelo motorista.<br />
Esse processo exige uma ação <strong>do</strong>s motoristas que resulta<br />
no "jeito de cada um trabalhar", o qual visa "adaptar-se", "acostumar-se"<br />
com o <strong>trabalho</strong>. Em função de como se dá esse processo de construção<br />
de práticas é que as denominamos de ação adaptativa , pois implica<br />
em movimento, em ação <strong>do</strong> motorista em direção a algo e, nesse<br />
senti<strong>do</strong>, é um processo ativo.<br />
Também, como vimos no capítulo anterior, a construção e<br />
a prática de ações adaptativas depende, além das condições concretas<br />
de <strong>trabalho</strong>, <strong>do</strong> conhecimento que vai sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> e socializa<strong>do</strong><br />
ao longo da trajetória profissional na empresa, na garagem e na linha.<br />
Daí porque alguns motoristas referirem terem ti<strong>do</strong> o desejo de sair e<br />
mesmo solicita<strong>do</strong> demissão logo nos primeiros meses de empresa, pois<br />
não suportavam o <strong>trabalho</strong>, "não me acostumava".<br />
DANIELLOU, LAVILLE e TEIGER(1989), apontam a<br />
importância <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de adaptação onde nele o trabalha<strong>do</strong>r não<br />
necessita apenas aprender a realizar o <strong>trabalho</strong> mais rapidamente, "mas<br />
de reorganizar as seqüências informativas e gestuais de outra forma. O<br />
que só se pode fazer com experiência, o que leva tempo. Para tanto, é<br />
necessário, muito freqüentemente, ir contra as instruções e as<br />
prescrições fornecidas pela organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>"(p.ll). A essas<br />
observações vale acrescentar, quan<strong>do</strong> se analisa o perío<strong>do</strong> de<br />
adaptação à luz da "penosidade" <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, que há uma outra<br />
dimensão que é a da construção e da experiência de práticas que<br />
possibilitem exercer maior controle sobre aquilo que é "<strong>penoso</strong>".<br />
HARRlSON(1988), nesse senti<strong>do</strong>, entende que "os rigores da<br />
atividade profissional preside a estruturação de um código informal<br />
onde as normas são baseadas na experiência, na qualificação da<br />
profissão e nas prescrições <strong>do</strong> grupo de <strong>trabalho</strong>. Este código contribui<br />
para o conhecimento <strong>do</strong>s perigos e cria por sua vez atitudes, valores e<br />
os modelos de comportamento "(p. 78).
Pág. 86<br />
A esse respeito um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s refere que no começo<br />
<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> "a pessoa fica nervosa, então a pessoa fica com me<strong>do</strong> de<br />
andar, não tem experiência, não tem nada. Eu mesmo quan<strong>do</strong> comecei<br />
a trabalhar fiquei meio cisma<strong>do</strong> assim..., não tinha prática, então a gente<br />
fica com receio de andar*'. A não familiaridade, além da novidade <strong>do</strong><br />
<strong>trabalho</strong> em si, mostra que ele não detém o saber sobre as práticas para<br />
lidar com o <strong>trabalho</strong>.<br />
As representações sociais, por sua vez, garantem a esse<br />
conjunto de práticas significação e coerência. É o universo simbólico<br />
que se constitui no conhecimento da prática. São elas que<br />
instrumentalizam a socialização das ações adapíativas, ações essas que<br />
permitem passar <strong>do</strong> não familiar "não adapta<strong>do</strong>", "não acostuma<strong>do</strong>" -<br />
prescrito -, para o familiar - real.<br />
A linguagem é um <strong>do</strong>s canais que permite ingressar no<br />
universo das representações sociais. Sen<strong>do</strong> um conjunto de signos ela<br />
é criada na interação social. É um produto social. Segun<strong>do</strong><br />
BAKHTIN(1990) "os signos só emergem, decididamente, no processo<br />
de interação entre uma consciência individual e uma outra"(p. 34). Mas<br />
para isso, é necessário que esses indivíduos estejam socialmente<br />
organiza<strong>do</strong>s. No caso <strong>do</strong>s motoristas, para traduzir a realidade<br />
construída são criadas novas palavras e conceitos. Assim, o horário de<br />
"rush" é para alguns motoristas o horário <strong>do</strong> "ruge", a adaptação é a<br />
"adabitação".<br />
A linguagem médica também é incorporada e<br />
reapresentada por eles e para eles. Assim, achar que motorista sofre<br />
de "de-pressão" está sustentada pela vivência de pressão sofrida no dia<br />
a dia de <strong>trabalho</strong>. Essas novas palavras não são incorreções da língua<br />
portuguesa ou de tradução de outras e tampouco incompreensões de<br />
conceitos. São novas palavras com conceitos diferentes, mais ou menos<br />
próximos daquelas que derivam.<br />
BOLTANSKI(1989) analisan<strong>do</strong> as representações das<br />
classes populares sobre o corpo e a <strong>do</strong>ença, a partir <strong>do</strong> emprego da
Pág. 87<br />
nomenclatura médica, entende que o discurso fragmenta<strong>do</strong> sobre a<br />
<strong>do</strong>ença e o corpo, emiti<strong>do</strong> por <strong>do</strong>entes das classes populares, deve-se<br />
à forma de comunicação entre o médico e eles. Sem dúvida, esse é um<br />
aspecto importante que explica as razões <strong>do</strong> discurso fragmenta<strong>do</strong>.<br />
Porém, acrescentaríamos que o esforço de compreensão, de tornar o<br />
não familiar em familiar, de incorporar um elemento descola<strong>do</strong> da rede<br />
de conhecimentos já existente em elemento coerentemente integra<strong>do</strong><br />
nessa mesma rede, explica o neologismo cria<strong>do</strong> pelos motoristas. Como<br />
refere MOSCOVICI (1978): "Como os 'curiosos' e os'virtusos''que,<br />
em séculos passa<strong>do</strong>s, povoaram as academias, sociedades filosóficas e<br />
universidades populares, cada um procura manter contato com as<br />
idéias que pairam no ar e responder às interrogações que nos<br />
atormentam. Nenhuma noção é servida com o seu mo<strong>do</strong> de emprego,<br />
nenhum experimento se apresenta com o seu méto<strong>do</strong>, e ao tomar<br />
conhecimento de tais noções e experimentos o indivíduo usa-os como<br />
melhor entende. O importante é poder integrá-los num quadro<br />
coerente <strong>do</strong> real ou a<strong>do</strong>tar uma linguagem que permita falar daquilo<br />
de que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fala. Esse duplo movimento de familiarização com<br />
o real, pela extração de um senti<strong>do</strong> ou de uma ordem através <strong>do</strong> que é<br />
relata<strong>do</strong> e pela manipulação <strong>do</strong>s átomos de conhecimento dissocia<strong>do</strong>s<br />
de seu contexto lógico normal, desempenha um papel capital.<br />
Corresponde a uma constante preocupação: preencher lacunas,<br />
suprimir a distância entre o que se sabe, por um la<strong>do</strong>, e o que se observa,<br />
por outro, completar as 'divisórias vazias', de um saber pelas 'divisórias<br />
cheias' de um outro saber..."(p. 55). O neologismo, portanto, é produto<br />
da interação entre o conhecimento já existente e da incorporação<br />
modificada de novos elementos.<br />
Essa linguagem cria não só novas palavras, mas também<br />
expressões e dita<strong>do</strong>s, que visam garantir significa<strong>do</strong> à criação de novos<br />
objetos, traduzir práticas e padrões de relacionamento <strong>do</strong>s motoristas<br />
com o <strong>trabalho</strong> e <strong>do</strong>s motoristas entre si.<br />
Os opera<strong>do</strong>res são "chapéu de bico"? "virada seca" nomina a<br />
ausência de pausas entre as meias-viagens, "boneco" é o passageiro,<br />
"bater banco" é viajar com carro quase vazio e "muamba" é o excesso<br />
de lotação. "Calça branca" é o opera<strong>do</strong>r novato, "pé de cabra" é a
Pág. 88<br />
passageira com quem o motorista pode ter um relacionamento afetivo,<br />
a última viagem é "a boa" e "mistura/', como já analisa<strong>do</strong>, é o esta<strong>do</strong><br />
emocional altera<strong>do</strong>. "Darnó" é uma expressão que nornina o conjunto<br />
das ações adaptativas que visam controlar o <strong>trabalho</strong> e que altera a<br />
programação da linha.<br />
Dentre os dita<strong>do</strong>s, vale assinalar aquele que diz: "quem<br />
trabalha com pessoa não pode se irritar" e "agente tem que se conformar"<br />
ou "agente tem que se controlar". Eles comunicam a necessidade de criar<br />
formas de relacionamento com o <strong>trabalho</strong> pois este lhes impõe limites.<br />
A linguagem ao mesmo tempo em que é criada para dar<br />
significa<strong>do</strong> e socializar a prática também a sustenta enquanto prática<br />
social que passa a fazer parte da realidade da vida cotidiana.<br />
No universo simbólico <strong>do</strong>s motoristas de ônibus urbano<br />
existem ações adaptativas coletivamente criadas, nominadas e<br />
praticadas que visam controlar várias situações, tenham elas por<br />
refência o passageiro, o trânsito, o carro, a relação hierárquica, o ritmo<br />
de <strong>trabalho</strong>; enfim, a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> de uma forma geral.<br />
A Trajetória Informal<br />
O universo simbólico construí<strong>do</strong> pelos motoristas de<br />
ônibus tem sua funcionalidade intimamente articulada com as ações<br />
adaptativas. Elas vão sen<strong>do</strong> desvendadas aos poucos e parecem<br />
naturais para os motoristas. Delineiam os caminhos trilha<strong>do</strong>s pelos<br />
motoristas dentro da empresa, sen<strong>do</strong> estes articula<strong>do</strong>s com as<br />
características e necessidades de cada um, incluin<strong>do</strong> as da dimensão<br />
subjetiva e as condições de vida em geral.<br />
Identificamos que os motoristas de ônibus têm uma<br />
trajetória mais ou menos regular ao entrarem na empresa. Iniciam sua<br />
carreira como funcionários da Reserva, onde, por força da função,<br />
acabam conhecen<strong>do</strong> senão todas, a maioria das linhas servidas pela
Pág. 89<br />
garagem. É neste perío<strong>do</strong> inicial mais ou menos prolonga<strong>do</strong>, mais ou<br />
menos provisório, mais ou menos compulsório, que começam a<br />
adquirir na sua experiência direta e mediante a troca de informações<br />
com os companheiros, o conhecimento sobre o <strong>trabalho</strong>, no que se<br />
refere a temas diversos, dentre eles as características das linhas, as<br />
tabelas, as programações, os tipos de passageiros, o tom imprimi<strong>do</strong> pela<br />
organização da empresa, as condições <strong>do</strong>s carros.<br />
É também nesse perío<strong>do</strong> que vão se conhecen<strong>do</strong> no<br />
<strong>trabalho</strong>, como se sentem, o que é mais ou menos vantajoso, o que é<br />
mais ou menos incômo<strong>do</strong>, como é melhor trabalhar; enfim, como se dá<br />
a relação contextos de <strong>trabalho</strong> e características subjetivas, ten<strong>do</strong> em<br />
vista, nessa relação a importância <strong>do</strong> conhecimento sobre o limite<br />
subjetivo.<br />
Como dizem os motoristas "toda linha tem espinho", ou seja,<br />
não é possível encontrar contextos de <strong>trabalho</strong> que propiciem a total<br />
ausência de incômo<strong>do</strong>s. A questão desloca-se então para outra<br />
direção: Onde e como trabalhar numa situação em que os "espinhos"<br />
não incomodem tanto?, ou, Quais "espinhos" podem ser melhor<br />
controla<strong>do</strong>s e quais não podem?<br />
Essas trajetórias são caminhos que, quan<strong>do</strong> as analisamos<br />
à luz da penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, têm sua funcionalidade voltada para<br />
a evitação <strong>do</strong> incômo<strong>do</strong>, <strong>do</strong> sofrimento e <strong>do</strong> esforço. Para trilhar esses<br />
caminhos os motoristas a<strong>do</strong>tam critérios varia<strong>do</strong>s e lançam mão de<br />
instrumentos também varia<strong>do</strong>s: os socializa<strong>do</strong>s entre os companheiros<br />
e os singulares.<br />
Os motoristas definem esses caminhos mediante a<br />
articulação de critérios diversos, tais como: ser escala<strong>do</strong>, reserva ou<br />
tornante, a linha em si, o tipo de passageiro, características <strong>do</strong><br />
itinerário, o esquema de folgas semanais, a tabela, o perío<strong>do</strong> de<br />
<strong>trabalho</strong>, o local de rendição, distância e condição para o transporte<br />
casa-<strong>trabalho</strong>-casa, a duração de cada meia viagem, o número e<br />
duração de pausas entre as meias-viagens. O que ocorre é a eleição
Pág. 90<br />
de determinada linha em função da articulação desse conjunto de<br />
critérios, que a conformam e a tipificam.<br />
Embora esse seja o mecanismo existente, um ou outro<br />
critério pode ter papei prioritário na escolha. Identificamos alguns<br />
que foram mais freqüentemente cita<strong>do</strong>s: distância <strong>do</strong> local de<br />
residência, fácil acesso de condução para o transporte<br />
casa-<strong>trabalho</strong>-casa, tabela, local de rendição, tipo de passageiros, tipo<br />
de trânsito e perío<strong>do</strong> de <strong>trabalho</strong>.<br />
Os motivos sempre levam em conta obter algum grau de<br />
conforto no <strong>trabalho</strong>: morar próximo ao ponto inicial da linha para<br />
jantar em casa; trabalhar próximo de casa por estar familiariza<strong>do</strong> com<br />
os passageiros ou, ao contrário, trabalhar longe da residência a fim de<br />
evitar que os passageiros se prevaleçam da relação de vizinhança e<br />
amizade existentes para obterem pequenos privilégios no transporte;<br />
operar em linha cujo itinerário seja delinea<strong>do</strong> em sua maior parte por<br />
vias de menor trânsito e poucos cruzamentos; operar em linhas onde<br />
o relacionamento com o passageiro seja mais amistoso.<br />
Evidenciamos nesta investigação a existência, não por<br />
acaso, da coincidência entre as preferências de cada um e as<br />
características da linha. Assim, a tinha ruim, cujas características mais<br />
citadas são o comportamento provoca<strong>do</strong>r <strong>do</strong> passageiro, servir<br />
mora<strong>do</strong>res de um conjunto habitacional popular, trafegar em áreas de<br />
pouco trânsito e poucas paradas, congrega motoristas que não se<br />
incomodam tanto com os passageiros, mas que se incomodam com<br />
"pára-pára" e trânsito congestiona<strong>do</strong>. Para muitos <strong>do</strong>s motoristas dessa<br />
linha os passageiros não são tão provoca<strong>do</strong>res como referem outros<br />
opera<strong>do</strong>res, inclusive motoristas, de outras linhas e da reserva, pois<br />
com o "costume" os passageiros também se adaptam ao motorista e<br />
acabam estabelecen<strong>do</strong> relacionamento de respeito e até de amizade.<br />
De outro la<strong>do</strong>, os motoristas escala<strong>do</strong>s na linha boa, cuja<br />
característica é itinerário traça<strong>do</strong> em vias de grande movimentação e<br />
centros comerciais, servin<strong>do</strong> basicamente a população de classe média,
Pág. 91<br />
congrega motoristas que preferem suportar o trânsito ao<br />
comportamento provoca<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s passageiros.<br />
Para operacionalizar a trajetória os motoristas utilizam-se<br />
de instrumentos formais que passam pela estrutura administrativa da<br />
empresa e os informais, que fazem parte da cultura <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res.<br />
Dentre os instrumentos formais os motoristas podem solicitar os<br />
serviços <strong>do</strong> Plantão, já que este setor mantém contato com grande parte<br />
<strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res da garagem.<br />
Uma outra forma também a<strong>do</strong>tada para evitar trabalhar<br />
em determinadas linhas onde se vivenciou incidentes de risco,<br />
principalmente os relativos a atritos com passageiros, é obter um<br />
comunica<strong>do</strong> da chefia de tráfego ou <strong>do</strong> fiscal de linha autorizan<strong>do</strong>-o a<br />
não operá-las.<br />
Como estas, muitas outras estratégias para operacionalizar<br />
essas trajetórias são utilizadas. Na visão de um <strong>do</strong>s motoristas<br />
escala<strong>do</strong>s: "sempre se dá um jeito para não voltar para a linha". No<br />
entanto, isso não quer significar que os motoristas tenham a total<br />
liberdade para escolher a linha que mais lhe seja adequada. Os limites<br />
existem e têm suas conseqüências.<br />
Dentre os instrumentos informais, eles podem solicitar<br />
"uma troca" com algum companheiro que, através das informações que<br />
circulam, é um possível interessa<strong>do</strong> em proceder à permuta, afixar um<br />
pequeno cartaz no local onde ficam os opera<strong>do</strong>res da reserva,<br />
comunican<strong>do</strong> seu interesse.<br />
As trajetórias informais são ações adaptativas que se<br />
delineiam ao longo <strong>do</strong> tempo de <strong>trabalho</strong> na empresa e que não são<br />
apenas coincidências casuais, mas guardam relação com a penosidade<br />
<strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Confluem para a linha ruim os motoristas que conseguem<br />
melhor administrar os incômo<strong>do</strong>s que a caracterizam, o mesmo<br />
ocorren<strong>do</strong> com relação à linha boa. Estas informações também<br />
elucidam como se dá a rotatividade, entre linhas, ativamente
Pág. 93<br />
Dificilmente se vê um motorista sem a sua maleta. Nela são<br />
guarda<strong>do</strong>s o forro <strong>do</strong> banco, a cortina, um toco de madeira e, por vezes,<br />
a marmita, uma lata de sardinha vazia e álcool para substituírem o<br />
fogão, um prolonga<strong>do</strong>r e uma bola para a alavanca de câmbio e um<br />
pequeno rádio. Estes são alguns <strong>do</strong>s objetos que auxiliam o motorista<br />
a realizar o seu <strong>trabalho</strong> diário.<br />
O ritual público ocorre no início e final da jornada de<br />
<strong>trabalho</strong>. Ele cumpre com a finalidade de adequar as condições <strong>do</strong><br />
carro ao jeito de cada um, e guardam semelhanças e diferenças de um<br />
para o outro. No início esse ritual compreende procedimentos técnicos<br />
obrigatórios, como verificação de coman<strong>do</strong>s, nível de óleo, pneus, e<br />
outros que respondem ao objetivo de garantir a segurança para os<br />
opera<strong>do</strong>res e passageiros. Outro conjunto de procedimentos, nem<br />
to<strong>do</strong>s obrigatórios abrangem os seguintes: pendurar a sua cortina,<br />
envolver o banco com o forro, posicionar o banco com ou sem o auxílio<br />
de um toco de madeira ou de um pedaço de cano, testar os coman<strong>do</strong>s<br />
e o posicionamento <strong>do</strong>s espelhos, limpar o painel e o pára-brisa, testar<br />
a campainha de solicitação de paradas. Alguns acoplam um<br />
prolongamento e uma bola de câmbio à alavanca original, outros<br />
instalam seus rádios, diminuem o barulho da campainha de solicitação<br />
de paradas, e há inclusive os que diariamente lavam o piso de "seu"<br />
ônibus.<br />
No caso de o motorista render o carro de outro,<br />
invariavelmente existe a troca de informações sobre as condições da<br />
"máquina" . É geralmente nesse perío<strong>do</strong> que vários opera<strong>do</strong>res se<br />
encontram, trocam informações, conversam sobre assuntos diversos,<br />
relaciona<strong>do</strong>s ou não ao <strong>trabalho</strong>.<br />
Esse ajuste inicial visa propiciar maior segurança e conforto<br />
físico e mental ao motorista. Existem características distintas de um<br />
motorista para o outro. Apenas alguns deixam de instalar a cortina que<br />
os isola <strong>do</strong>s passageiros. Um <strong>do</strong>s motivos para isso, conforme um<br />
entrevista<strong>do</strong>, é não querer presenciar novamente a utilização de sua<br />
cortina por passageiros, como lhe aconteceu, para lustrar os sapatos.
Pág. 94<br />
No outro extremo, relatam alguns opera<strong>do</strong>res da Reserva, há<br />
motoristas que prolongam sua cortina até a lateral direita de seu posto<br />
de <strong>trabalho</strong>, transforman<strong>do</strong>-o numa espécie de cabine.<br />
Para eles esses pertences são pessoais e a escolha <strong>do</strong> padrão<br />
<strong>do</strong> teci<strong>do</strong> da cortina ou <strong>do</strong> motivo encrustra<strong>do</strong> na bola de câmbio é feita<br />
conforme as preferências pessoais. Não é qualquer cortina, não é<br />
qualquer bola, não é qualquer carro e, como vimos, não é qualquer<br />
linha que eles gostam. Assim como existe a preferência pelo "seu"<br />
carro de escala, há também a clara preferência por seguir a "sua" tabela<br />
e manter-se na "sua" linha.<br />
O carro de escala é um fator de grande importância para<br />
eles. Ele é "o meu carro". É consensual entre os motoristas a avaliação<br />
de que se o carro de escala fosse uma regra seria melhor para o<br />
motorista trabalhar, economizaria em manutenção e a durabilidade<br />
<strong>do</strong>s veículos seria maior. É melhor para trabalhar porque o motorista<br />
conhece o seu funcionamento, os seus problemas e, principalmente,<br />
como lidar com eles propician<strong>do</strong>-lhe maior conforto. Além disso,<br />
trabalhar diariamente com o mesmo carro garante ao motorista maior<br />
segurança no seu manejo.<br />
Um <strong>do</strong>s motoristas escala<strong>do</strong>s que não tinha carro de escala,<br />
trazia consigo uma pequena caderneta para anotar o número <strong>do</strong><br />
veículo. Esse procedimento visava proteger-se de possíveis denúncias<br />
de passageiros quanto à qualidade <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong> e de outros<br />
problemas futuros. Da mesma forma que o comunica<strong>do</strong> da chefia<br />
permite ao motorista recusar-se a operar determinadas linhas, essa<br />
caderneta é um pequeno <strong>do</strong>cumento que visa protegê-lo.<br />
Operar diariamente um carro diferente é um <strong>do</strong>s tantos<br />
motivos de incômo<strong>do</strong>. A primeira meia-viagem é aquela onde o<br />
motorista está testan<strong>do</strong> o carro em movimento e com lotação de<br />
passageiros. É a viagem de adaptação. Ela é diferente das outras que a<br />
sucedem, há mais solavancos, freiadas bruscas e ainda no decorrer da<br />
viagem o motorista continua a ajeitar o carro. Para o motorista é uma
Pág. 95<br />
viagem mais tensa e desconfortável o mesmo ocorren<strong>do</strong> para os<br />
passageiros e cobra<strong>do</strong>r.<br />
Para alguns o ajuste recíproco entre motorista e cobra<strong>do</strong>r<br />
também é importante. Cada dupla tem seus códigos de comunicação,<br />
sabe como é o jeito de cada um. Há duplas que se mantém há muito<br />
tempo compartilhan<strong>do</strong> a mesma tabela e, para expressar esse longo<br />
tempo de companheirismo, um <strong>do</strong>s motoristas refere-se ao cobra<strong>do</strong>r<br />
de escala como "minha noiva".<br />
O que se evidenciou, como tratamos no capítulo anterior,<br />
sair da programação planejada pela administração e da rotina já<br />
internalizada pelo motorista é ruim, mesmo que o imprevisto implique<br />
em terminar a jornada de <strong>trabalho</strong> mais ce<strong>do</strong>. Isto ocorre devi<strong>do</strong> não<br />
só às ações adaptativas já a<strong>do</strong>tadas no <strong>trabalho</strong> mas também porque<br />
muitos planejam a utilização <strong>do</strong> tempo de não <strong>trabalho</strong> em função <strong>do</strong><br />
horário e local de <strong>trabalho</strong>.<br />
Dentre essas ações adaptaüvas, existem aquelas que<br />
aparentemente não geram problemas nem para o motorista e nem para<br />
a qualidade <strong>do</strong> transporte ofereci<strong>do</strong>. Uma análise mais aprofundada<br />
sobre o segun<strong>do</strong> aspecto demandaria um estu<strong>do</strong> específico que não nos<br />
coube realizar.<br />
Uma delas são as pequenas mudanças de itinerário que<br />
abreviam o tempo de duração das meias-viagens, realizadas por alguns<br />
motoristas. Elas são possíveis em algumas condições: em trechos onde<br />
não há pontos de parada e naqueles onde o trânsito é pouco intenso.<br />
Os motoristas que assim procedem justificam sua ação basean<strong>do</strong>-se na<br />
expectativa <strong>do</strong> passageiro com relação à brevidade da duração das<br />
viagens e no tempo maior para as pausas.<br />
Essa mesma argumentação também sustenta a prática de<br />
realização das meias-viagens em tempos menores <strong>do</strong> que o previsto.<br />
Em geral os motoristas procuram correr um pouco mais durante a<br />
meia-viagem que antecede o horário de refeição programa<strong>do</strong> para 30
Pág. 96<br />
minutos, garantin<strong>do</strong> assim um perío<strong>do</strong> maior de intervalo e ao mesmo<br />
tempo, entenden<strong>do</strong> que o "negócio <strong>do</strong> passageiro é chegar logo".<br />
Essa explicação, portanto, tem dupla sustentação: de um<br />
la<strong>do</strong> o fato de prestarem serviço à população e de outro a evitação <strong>do</strong><br />
incômo<strong>do</strong>. Em alguns trechos <strong>do</strong> discurso a condição de <strong>trabalho</strong><br />
"penosa" está intimamente relacionada com a qualidade <strong>do</strong> serviço<br />
presta<strong>do</strong>: "quan<strong>do</strong> o motorista se acostuma com a linha ele não faz<br />
besteira, não arrasta passageiro".<br />
O passageiro é motivo de vários fragmentos das<br />
representações sociais. Existem os bons, os ruins; mulheres são mais<br />
educadas, mulheres às vezes são mais inadequadas; "passageiro de<br />
COHAB é tu<strong>do</strong> índio"; passageiro que tem uma condição melhor<br />
destrata o motorista porque tem acesso a políticos. Essas tipologias<br />
estão articuladas com a prática que a<strong>do</strong>tam na relação com o<br />
passageiro.<br />
Frente a passageiros desconheci<strong>do</strong>s não se sabe ao certo em<br />
qual dessas categorias ele se enquadra, daí porque muitos evitam<br />
dirigir-lhe a palavra, uma vez que podem surgir situações indesejadas:<br />
"a gente não sabe se é uma víbora". Mesmo no caso em que é possível<br />
enquadrá-los em alguma dessas tipologias, se a previsão é de que será<br />
gera<strong>do</strong> atrito a partir de uma imposição de limites por parte <strong>do</strong><br />
motorista, eles também procuram evitar. No entanto, existem outras<br />
formas de comunicação não verbal a<strong>do</strong>tadas pelo motorista que<br />
substituem o diálogo.<br />
Para desalojar os passageiros que viajam nos degraus da<br />
entrada trazeira, impedin<strong>do</strong> o fechamento de portas, o motorista tenta<br />
fechá-la várias vezes ou mantêm o veículo para<strong>do</strong> até que os<br />
passageiros percebam que enquanto ele não conseguir mantê-la<br />
fechada não prosseguirão a viagem.<br />
Existem outras práticas a<strong>do</strong>tadas para sensibilizar o<br />
passageiro como a "quebrada de asa", que significa trafegar<br />
rapidamente de uma pista para a outra da via, cujo objetivo é comunicar
Pág. 97<br />
aos passageiros que o motorista não está aprovan<strong>do</strong> sua atitude (parar<br />
nos degraus da entrada trazeira, discutir, batucar, etc). Segun<strong>do</strong> um<br />
deles, esse jeito de trabalhar "irrita o passageiro", o mesmo ocorren<strong>do</strong><br />
com as freiadas bruscas e "saída arrancada". Elas são a<strong>do</strong>tadas quan<strong>do</strong><br />
os passageiros "estão bagunçan<strong>do</strong>".<br />
No dizer de alguns motoristas, tem passageiro que "é<br />
folga<strong>do</strong>, não sabe o lugar dele". Essa foi a avaliação de um deles quan<strong>do</strong><br />
ao iniciar a viagem uma passageira acomo<strong>do</strong>u uma sacola ao la<strong>do</strong> da<br />
alavanca de câmbio e sentou-se no primeiro banco. Na primeira curva<br />
o motorista a contornou de maneira que a sacola caísse junto aos<br />
degraus da porta dianteira. Posteriormente, conversan<strong>do</strong> com ele,<br />
relatou-nos que como o carro estava vazio e a sacola era pequena ela<br />
poderia levá-la no colo e por isso fez a curva "daquele jeito". Essa mesma<br />
atitude da passageira, em outro contexto - carro lota<strong>do</strong>, sacola grande<br />
e pesada e até mesmo carrinho de feira com mantimentos - seria<br />
aceitável para o motorista, como pudemos observar.<br />
Outro motorista sente necessidade de recorrer à imagem<br />
refletida no espelho trazeiro interno (que dá visão <strong>do</strong>s degraus de<br />
entrada no ônibus) para dar prosseguimento à viagem após cada parada<br />
e para fechar a porta trazeira. Ele relata que como os passageiros<br />
mexem no espelho, alteran<strong>do</strong> o seu posicionamento, ele passa graxa no<br />
seu suporte para evitar que isso ocorra.<br />
Se por um la<strong>do</strong> existem ações adapíativas que "irritam" o<br />
passageiro, existem aquelas que lhe propiciam maior conforto, como<br />
por exemplo parar fora de ponto para embarque e desembarque. Esta<br />
prática também tem como funcionalidade para o motorista evitar atrito<br />
com passageiros.<br />
Além das ações adaplaíivas que tomam como referência o<br />
passageiro, existe uma série delas que estão relacionadas mais<br />
diretamente a outros aspectos da organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>. Aqueles<br />
que se sentem incomoda<strong>do</strong>s com as freqüentes paradas, preferem lotar<br />
o ônibus no início da viagem para evitar o "pára-pára". Aqueles que se<br />
sentem incomoda<strong>do</strong>s com a lentidão <strong>do</strong> trânsito trafegam pela pista da
Pág. 98<br />
esquerda. Como estas são a<strong>do</strong>tadas uma série de outras práticas que<br />
visam controlar o incômo<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> e que podem alterar a<br />
Programação, repercutin<strong>do</strong> no <strong>trabalho</strong> de to<strong>do</strong>s os opera<strong>do</strong>res da<br />
linha.<br />
No entanto, a liberdade <strong>do</strong> motorista para modificar o<br />
<strong>trabalho</strong>, crian<strong>do</strong> procedimentos, é restrita e, consequentemente, as<br />
ações adaptativas nem sempre evitam o incômo<strong>do</strong> e a ruptura, pois se<br />
o inverso sucedesse não haveria sustentação para as representações<br />
sociais sobre as <strong>do</strong>enças <strong>do</strong>s motoristas.<br />
As ações adaptativas no contexto dai ruptura<br />
A expressão máxima da ruptura é designada como<br />
"misturar", mas além dela existem outras expressões da adaptação que,<br />
nos dizeres de LAURELL e NORIEGA (1989) "significam a<br />
sobrevivência em condições corporais precárias, como também, até,<br />
podem se converter (...) em destrui<strong>do</strong>res da integridade corporal"(p.<br />
101), como úlcera e gastrite, problemas de coluna, problemas no<br />
coração, sistema nervoso abala<strong>do</strong>, abreviação <strong>do</strong> tempo devida e, além<br />
da materialização desses processos adaptativos destrui<strong>do</strong>res no corpo,<br />
há a sua materialização na vida.familiar, como trazer "desavença em<br />
casa".<br />
Esse mesmo perfil de morbidade impressionisticamente<br />
traça<strong>do</strong> pelos motoristas coincide com as evidências encontradas em<br />
diversos estu<strong>do</strong>s, epidemiológicos inclusive , conduzi<strong>do</strong>s junto à<br />
categoria de motoristas de ônibus urbanos e não urbanos, em vários<br />
outros países também (NETTERSTROM e LAURSEN, 1981;<br />
BACKMAN e JARVINEN, 1983; BACKMAN, 1983; BETTA e<br />
COSTA, 1985; CIPPAT, 1972; PICALUGA, 1983; BETTA, s.d.;<br />
NETTERSTROM, 1988, RAGLAND e cols., 1987).<br />
Essas expressões da ruptura traduzem a impossibilidade de<br />
o motorista exercer controle sobre o incômo<strong>do</strong> e o esforço <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.
Pág. 99<br />
Segun<strong>do</strong> GARDELL(1987) os motoristas de ônibus mostram mais<br />
sinais de stress psicológico e fisiológico quanto maior a pressão <strong>do</strong><br />
tempo para realizar o seu <strong>trabalho</strong>. A "pressão <strong>do</strong> tempo está<br />
relacionada com as condições de tráfego, sobre as quais o motorista<br />
não tem controle"(p. 31).<br />
Quan<strong>do</strong> a ruptura ocorre, pode-se dizer que a ação<br />
adaptativa deu-se com um custo para a saúde, de mo<strong>do</strong> que os<br />
motoristas são "conforma<strong>do</strong>s" pelo <strong>trabalho</strong>, são "força<strong>do</strong>s", são<br />
"transpassa<strong>do</strong>s" a ponto de essa tensão motorista-condição de <strong>trabalho</strong><br />
trazer como conseqüência as <strong>do</strong>enças e outros problemas de saúde:<br />
"... força muito a gente, vira e mexe ainda me dó. aquela <strong>do</strong>r de cabeça e<br />
me ataca o estômago... você chega na época de se aposentar, você já não<br />
está agüentan<strong>do</strong> mais e você morre. Tem muitos motoristas que logo que<br />
se aposenta ele não agüenta mais e morre. Porquê? Já tá acaba<strong>do</strong>? Essa<br />
idéia de que motorista morre precocemente traz encadeadamente a<br />
avaliação de que motorista deveria aposentar-se após 15 anos de<br />
<strong>trabalho</strong>. Se isso ocorre é porque a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> não é<br />
flexível o suficiente para ser amoldada pelo trabalha<strong>do</strong>r, a partir de<br />
suas características pessoais e de que as ações adaptativas a<strong>do</strong>tadas<br />
para lidar com a centralização <strong>do</strong> poder não cumpriram com sua função<br />
de mecanismo de resistência.<br />
Além <strong>do</strong> limite na flexibilidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> que pode gerar<br />
<strong>do</strong>enças, ocorre ainda de determinadas ações adapíativas<br />
tornarem-se ineficazes no decorrer <strong>do</strong> tempo ou serem vislumbradas<br />
outras situações de <strong>trabalho</strong> mais vantajosas, demonstran<strong>do</strong> que o<br />
limite subjetivo e as próprias ações adaptativas não são rígidas. Este é<br />
o caso de um entrevista<strong>do</strong> que <strong>trabalho</strong>u escala<strong>do</strong> na "linha ruim" e<br />
posteriormente conseguiu uma troca para a "linha boa" porque não<br />
estava mais agüentan<strong>do</strong> a linha, sentia-se nervoso, a ponto de gerar<br />
problemas nas relações familiares.<br />
A experiência de afastamento <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> por <strong>do</strong>enças, a<br />
vivência de crises nervosas levam o motorista a rever suas práticas no<br />
<strong>trabalho</strong>:" antes né, qualquer coisinha a gente discutia, brigava com o<br />
passageiro, se o passageiro xingava a gente, a gente também xingava,
Pág. 100<br />
qualquer coisa irritava, Agora não. Agora eu voltei (após o perío<strong>do</strong> de<br />
afastamento) prá fazer um <strong>trabalho</strong> num outro sistema: se o passageiro<br />
xingar, deixo ele xingar, faço que não tô ouvin<strong>do</strong>, às vezes o trânsito tá<br />
tu<strong>do</strong> entupi<strong>do</strong> e eu já não esquento minha cabeça, se tiver que atrasar vai<br />
atrasar, não tô nem aí com o horário prá cumprir nada. Então isso ajuda<br />
um pouco né e aí você não se irrita né. E outra, eu gosto de ligar o rádio,<br />
eu ligo, me distraio, se o trânsito tápara<strong>do</strong> eu me distraio cantan<strong>do</strong> junto<br />
a música, não esquento a cabeça, quem quer descer, se tiver para<strong>do</strong>, desce.<br />
Antes eu não deixava ninguém descer fora de ponto. Agora, se tápara<strong>do</strong>,<br />
desde que não tá no meio da rua, desce" Isso recoloca outro aspecto da<br />
ação adapiaiiva referente à dimensão subjetiva. Existe uma<br />
modificação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r também.<br />
As ações adaptaíivas, além de serem dirigidas para evitar<br />
a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, podem ser praticadas para lidar com a<br />
penosidade presente onde, ao sentir-se irrita<strong>do</strong>, nervoso, cansa<strong>do</strong>,<br />
tenso ou <strong>do</strong>ente, o motorista pode lançar mão de uma série de práticas<br />
que lhes possibilitem continuar trabalhan<strong>do</strong> apesar <strong>do</strong> sofrimento e da<br />
<strong>do</strong>ença: "...ele tá irrita<strong>do</strong> ele maltrata o usuário, ele tá com o carro ruim,<br />
ele maltrata... não tem nada a ver uma coisa com a outra, você tá com o<br />
carro ruim, fica nervoso, vai maltratar o usuário... ele faz isso. Ele<br />
(passageiro) no ponto dá sinal, ele (motorista) deixa ele (passageiro),<br />
maltrata o usuário, você tá com raiva, tá transmitin<strong>do</strong> coisas ruins." Em<br />
função disso é que muitos motoristas associam o "misturar" com o<br />
maltrato ao passageiro, à excessiva velocidade, à transgressão de<br />
procedimentos de <strong>trabalho</strong> e das regras de trânsito. Mas não é só em<br />
relação ao usuário que essas ações adaptativas podem trazer prejuízos.<br />
Elas podem interferir no andamento da linha como um to<strong>do</strong>, uma vez<br />
que o <strong>trabalho</strong> é interdependente e por modificar a Programação,<br />
acaba geran<strong>do</strong> irritação nos outros motoristas.<br />
Nesse senti<strong>do</strong> a penosidade <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, vista através das<br />
ações adaptativas, remete à complexidade de fatores interferin<strong>do</strong><br />
simultaneamente na saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, na organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong><br />
em si e na qualidade <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong> à população.
Pág. 101<br />
Constatamos, por fim, a construção social e a prática de<br />
estratégias para o exercício <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r sobre o<br />
<strong>trabalho</strong>, de mo<strong>do</strong> a torná-lo menos "<strong>penoso</strong>" e a fim de evitar a ruptura<br />
<strong>do</strong> equilibrio. No entanto, isso não significa que os trabalha<strong>do</strong>res<br />
passem a ter poder, pois as ações adaptaüvas dão-se mediante a<br />
modificação <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> centralizadamente planeja<strong>do</strong>, sem contu<strong>do</strong>,<br />
interferir no seu replanejamento global. Por possibilitarem o exercício<br />
paliativo <strong>do</strong> controle podem contribuir para o adiamento <strong>do</strong><br />
questionamento das relações de poder no local de <strong>trabalho</strong> definidas<br />
pela organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>.<br />
Além disso, nem sempre as ações adaplativas são<br />
saudáveis, quer porque levem à desconsideração de aspectos<br />
importantes para a segurança no <strong>trabalho</strong> e para a qualidade <strong>do</strong> serviço<br />
presta<strong>do</strong>, quer porque não evitem a ruptura <strong>do</strong> equilíbrio. Elas são<br />
dinâmicas e expressam a interação subjeüvo-objetivo. Por serem<br />
dinâmicas elas podem tornar-se obsoletas e novas serão criadas para<br />
substituí-las.<br />
. As ações adaptaüvas podem ser analisadas mediante<br />
cortes temporais distintos. O longitudinal, através da "Trajetória<br />
Informal", e o transversal, através <strong>do</strong> "Jeito de Cada um Trabalhar".<br />
Ambos os cortes são complementares. Elas possibilitam analisar o<br />
"Jeito de Cada um Trabalhar" e a 'Trajetória Informal"(rotatividade)<br />
não como inadequação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r ao <strong>trabalho</strong>, mas como o ajuste<br />
possível nas condições de <strong>trabalho</strong> exsitentes, ou seja, como e quan<strong>do</strong><br />
é possível trabalhar.
Capítulo Vlí<br />
Conclusões
Pág. 103<br />
JK.etornamos agora aos questionamentos iniciais: qual o<br />
conceito de Trabalho Penoso, o que faz com que determinadas<br />
condições de <strong>trabalho</strong> sejam sentidas como "penosas" e quan<strong>do</strong> o<br />
<strong>trabalho</strong> é senti<strong>do</strong> como "<strong>penoso</strong>".<br />
Na perspectiva <strong>psicossocial</strong>, o Trabalho Penoso não é<br />
simplesmente a exigência de esforços que provoquem incômo<strong>do</strong> e<br />
sofrimento. A penosidade existe quan<strong>do</strong> os esforços exigi<strong>do</strong>s pelo<br />
<strong>trabalho</strong> provoquem incômo<strong>do</strong> e sofrimento que ultrapassem o limite<br />
<strong>do</strong> suportável. A violação dp limite suportável dá-se quan<strong>do</strong> sobre<br />
esses esforços, senti<strong>do</strong>s como demasia<strong>do</strong>s, o trabalha<strong>do</strong>r não tem<br />
controle. Quan<strong>do</strong> isso ocorre, o <strong>trabalho</strong> recebe a qualificação de<br />
desumano, força<strong>do</strong>, ruim demais, pesa<strong>do</strong> e se transforma em castigo e<br />
pena. Para exercer o controle são necessários três requisitos:<br />
familiaridade, poder e limite subjetivo.<br />
Como a organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> em nossa sociedade<br />
centraliza o poder, os trabalha<strong>do</strong>res lançam mão de estratégias - ações<br />
adaptativas - que lhes possibilitem manter o equilíbrio dinâmico,<br />
mediante a contínua busca no senti<strong>do</strong> de garantir a presença<br />
simultânea <strong>do</strong>s três requisitos necessários ao controle, tornan<strong>do</strong> assim<br />
o <strong>trabalho</strong> menos "<strong>penoso</strong>". Em última instância, elas visam administrar<br />
a centralização <strong>do</strong> poder, que torna o <strong>trabalho</strong> "<strong>penoso</strong>".
Pág. 104<br />
As ações adaptativas visam a busca <strong>do</strong> conforto baseada na<br />
melhor sintonia entre trabalha<strong>do</strong>r e <strong>trabalho</strong> e a evitação da ruptura<br />
<strong>do</strong> equilíbrio. Elas elucidam como, quan<strong>do</strong> e com qual custo para a<br />
saúde é possível trabalhar. À luz da penosidade no <strong>trabalho</strong>, elas<br />
podem ser compreendidas não como inadequação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r ao<br />
<strong>trabalho</strong> mas como o ajuste possível, cria<strong>do</strong> pelos trabalha<strong>do</strong>res, para<br />
continuar trabalhan<strong>do</strong> nos contextos existentes.<br />
Nem sempre as ações adaptativas são saudáveis. Isso ocorre<br />
por restringirem a visibilidade <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res quanto às reais<br />
motivações que levam à sua a<strong>do</strong>ção, ou por não evitarem a ruptura <strong>do</strong><br />
equilíbrio. No contexto da ruptura as ações adaptativas existem, porém<br />
com claro prejuízo para a saúde, pois os trabalha<strong>do</strong>res são "força<strong>do</strong>s",<br />
são "conforma<strong>do</strong>s" e "transpassa<strong>do</strong>s".<br />
As expressões de custo para a saúde são físicas e psíquicas<br />
não haven<strong>do</strong> dicotomia entre essas duas dimensões, ainda que o espaço<br />
preferencial para a expressão <strong>do</strong> esforço demasia<strong>do</strong> seja a "mente, a<br />
cabeça, os nervos". Disso decorre que não se pode restringir como<br />
âmbito das repercussões <strong>do</strong> Trabalho Penoso para a saúde a dimensão<br />
física, ou a dimensão psíquica, sen<strong>do</strong> necessário considerar ambas.<br />
Além disso a penosidade não está associada a condições de<br />
<strong>trabalho</strong> e sim a contextos d&trábalho. Essa distinção é importante pois<br />
por condição de <strong>trabalho</strong> tem si<strong>do</strong> entendida a somatória de fatores ou<br />
agentes presentes no ambiente de <strong>trabalho</strong>, inclusive a organização de<br />
<strong>trabalho</strong>. O contexto pressupõe a interrelação de diversos aspectos,<br />
onde o peso de cada um somente será obti<strong>do</strong> na relação com os outros.<br />
O conceito de Trabalho Penoso, na perspectiva<br />
<strong>psicossocial</strong>, portanto, é delimita<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> equilíbrio entre a<br />
familiaridade, o poder e o limite subjetivo. Esse equilíbrio, por ser<br />
dinâmico, pode oscilar entre o controle e a ruptura, aproximan<strong>do</strong>-se<br />
mais de um ou outro pólo. Suas variações dependerão da interrelação<br />
entre os três requisitos. Por conseqüência, a caracterização <strong>do</strong>
Pág. 105<br />
"<strong>trabalho</strong> <strong>penoso</strong>" poderá ser procedida através de um balanço, pelos<br />
trabalha<strong>do</strong>res, da tendência pre<strong>do</strong>minante da oscilação: ao controle<br />
ou à ruptura.<br />
Quanto à possibilidade de delimitar o conceito de Trabalho<br />
Penoso prescindin<strong>do</strong> da dimensão subjetiva, concluímos que ao<br />
desconsiderá-la torna-se inviável apreender o núcleo <strong>do</strong> conceito - a<br />
oscilação entre o controle e a ruptura - já que um <strong>do</strong>s três requisitos<br />
identifica<strong>do</strong>s é de natureza claramente subjetiva: o limite subjetivo.<br />
Caso nos restringíssemos à dimensão objetiva não alcançaríamos a<br />
abstração que um conceito exige e nos limitaríamos a descrever as<br />
condições objetivas e a arrolar os elementos aponta<strong>do</strong>s como motivos<br />
de sofrimento e incômo<strong>do</strong> demasia<strong>do</strong>s, escapan<strong>do</strong>-nos a possibilidade<br />
de generalização, pois "cada um acha de um jeito".<br />
Quanto à meto<strong>do</strong>logia de estu<strong>do</strong>, por partir de um marco<br />
conceituai onde a subjetividade é uma de suas dimensões constitutivas,<br />
ela trouxe como contribuição importante para a área de saúde <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r a possibilidade de a<strong>do</strong>tar como ponto de partida e ponto<br />
de chegada o conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, por temos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />
o referencial das representações sociais para analisá-lo. Entende-se<br />
assim que esse conhecimento tem uma lógica própria e cria conexões<br />
para dar significa<strong>do</strong> à realidade da vida de <strong>trabalho</strong>. Por decorrência,<br />
a operacionalização da análise partiu da eleição de categorias<br />
emergentes <strong>do</strong> próprio conhecimento prático <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.<br />
O conceito de Trabalho Penoso também traz contribuições<br />
importantes para pensarmos o que é saúde por referência ao <strong>trabalho</strong>.<br />
A saúde seria a possibilidade de exercer controle sobre o <strong>trabalho</strong><br />
mediante a detenção real de poder. Como isso não ocorre, os<br />
trabalha<strong>do</strong>res buscam continuamente aproximar-se dessa situação<br />
com os instrumentos disponíveis.<br />
Ten<strong>do</strong> em vista a discussão acima, algumas considerações<br />
podem ser feitas com relação à atuação preventiva na área de saúde <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r. Em primeiro lugar ela deve a<strong>do</strong>tar como meta a busca da
Pág. 106<br />
saúde e não apenas a evitação da ocorrência de <strong>do</strong>enças e de acidentes.<br />
Em segun<strong>do</strong> lugar, porque o Trabalho Penoso refere-se a<br />
contextos e não a condições de <strong>trabalho</strong>, a eliminação ou a<br />
miniminação da ação de elementos identifica<strong>do</strong>s como motivo de<br />
penosidade, isoladamente, através de medidas de proteção individual<br />
e coletiva, não garantem o sucesso da atuação preventiva. Modificar os<br />
contextos de <strong>trabalho</strong> requer repensar o <strong>trabalho</strong> na sua totalidade. Por<br />
sua vez, para assim proceder, é necessário considerar simultaneamente<br />
a dimensão objetiva e subjetiva, a saúde física e mental, ten<strong>do</strong>-se por<br />
referência a busca <strong>do</strong> equilíbrio que garante o controle. Por isso, as<br />
formas de organização <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong> deverão ser repensadas de mo<strong>do</strong><br />
decisivo, já que a oscilação entre o controle e a ruptura, para a qual a<br />
centralização <strong>do</strong> poder joga papel importante, nucleia a delimitação <strong>do</strong><br />
conceito de Trabalho Penoso.<br />
Essas conclusões nos aproximam da argumentação de<br />
DEJOURS(1986) de que o <strong>trabalho</strong> pode ser um espaço onde a<br />
natureza da subjetividade seja considerada, sem haver a imposição a<br />
forjá-la a moldes rígi<strong>do</strong>s e padroniza<strong>do</strong>s e isto pode ocorrer quan<strong>do</strong> ele<br />
"é livremente escolhi<strong>do</strong> e quan<strong>do</strong> sua organização é bastante flexível<br />
para que o trabalha<strong>do</strong>r possa adaptá-la a seus desejos, às necessidades<br />
de seu corpo e às variações de seu esta<strong>do</strong> de espírito. É, portanto,<br />
fundamental ressaltar que o <strong>trabalho</strong> não é forçosamente nocivo à<br />
saúde. Ele pode ser tolerável; pode mesmo ser francamente favorável<br />
à saúde física e mental"(p. 10).<br />
To<strong>do</strong>s esses assinalamentos deverão ser considera<strong>do</strong>s no<br />
conjunto das práticas preventivas que abarca a identificação, a<br />
problematização e a resolução de inadequações <strong>do</strong>s contextos de<br />
<strong>trabalho</strong>. Essa argumentação pode ser estendida também a ações<br />
, preventivas em <strong>trabalho</strong>s considera<strong>do</strong>s perigosos, caso tomemos por<br />
referência a conclusão de HARRISON(1988) quanto à relação entre<br />
controle <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e percepção de risco de acidente.
Pág. 107<br />
A incorporação desses assinalamentos implicará na<br />
mudança da prática preventiva baseada na legislação de segurança e<br />
higiene <strong>do</strong> <strong>trabalho</strong>, a qual desconsidera a legitimidade <strong>do</strong><br />
conhecimento prático <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r supervalorizan<strong>do</strong> a técnica e o<br />
conhecimento científico; lida com a subjetividade como fenômeno<br />
"complica<strong>do</strong>r", pois baseia-se no preceito de normalidade estatística ao<br />
forjar o trabalha<strong>do</strong>r como homem-médio e, portanto, abstrato, que<br />
estaria protegi<strong>do</strong> da ação de fatores de risco dentro de limites de<br />
tolerância fixa<strong>do</strong>s; e onde a quantificação numérica é praticamente<br />
imprescindível(LACAZ, 1983; DIESAT, 1989).<br />
Por fim, passamos a nos referir aos trabalha<strong>do</strong>res e não mais<br />
motoristas de ônibus, pois apesar de termos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> estes como base<br />
empírica de nosso estu<strong>do</strong>, entendemos que as conclusões extraídas<br />
podem ser extrapoladas para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Trabalho Penoso em outras<br />
categorias profissionais.
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PICALUGA, Izabel Fontenele - Riscos e Danos. Um estu<strong>do</strong> de saúde<br />
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SATO, Leny - Seminário de Penosidade e Perkulosidade - Encontros<br />
Preparatórios Regionais. Texto base: Conceito de Trabalho<br />
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SELIGMANN SILVA, Edith e cols. Condições de Trabalho e Saúde<br />
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SELIGMANN SILVA, Edith - Trabalho e Saúde Mental <strong>do</strong> Bancário.<br />
DIESAT, Relatório de Pesquisa. São Paulo, 1985, mímeo, 190 pp.<br />
SELIGMANN SILVA, Edith - "Crise Econômica, Trabalho e Saúde<br />
Mental" in: ANGERAMI, VA. (org.) Crise, Trabalho e Saúde<br />
Mental no Brasil. São Paulo, Traço, 1986.<br />
SPINK, Mary Jane Paris - As Representações Sociais e sua Aplicação<br />
em Pesquisa na área da Saúde. São Paulo, julho de 1989, mímeo,<br />
14 pp.<br />
UNDEUTSCH,K.; GAERTNER,K.H. and others - "Back Complaints<br />
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WISNER, Alain - Por Dentro <strong>do</strong> Trabalho - Ergonomia: Méto<strong>do</strong> e<br />
Técnica. São Paulo, FTD/Oboré, 1987.<br />
LESS E DECRETOS<br />
Decreto de 26/07/1957 (B.O.E. de 26/08) - Reclamemos de trabajos<br />
prohibi<strong>do</strong>s a mujeresy menores porpeligrosos e insalubres. Espanha.<br />
Lei n a 3.807 - 26 de agosto de 1960 - Dispõe sobre a Lei Orgânica da<br />
Previdência Social - Capítulo V - Da aposenta<strong>do</strong>ria especial - artigo<br />
31.<br />
Decreto n 9 53.831 - 25 de maio de 1964 -Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Decreto n õ 63.230 -10 de setembro de 1968 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Lei n s . 5.527 - 8 de novembro de 1968 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Lei n s 5.890 - 8 de junho de 1973 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Decreto n B 72.771 - 6 de setembro de 1973 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra -15 - Atividades e Operações Insalubres -<br />
Portaria n 9 3.214 de 1978.<br />
Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra - 16 - Atividades e Operações Perigosas -<br />
Portaria n Q 3.214 de 1978.<br />
Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 - Capítulo<br />
<strong>do</strong>s Direitos Sociais - Artigo 7 S<br />
Projeto de Lei n 9 1019/1988, de autoria de Paulo Paim.<br />
Projeto de Lei n 9 1808/1989, de autoria de Paes Landim.
Projeto de Lei n 9 2168/1989, de autoria deDaso Coimbra.<br />
Pág. 119<br />
Convenção Coletiva de Trabalho - Sindicato <strong>do</strong>s Condutores de<br />
Veículos Ro<strong>do</strong>viários e Anexos de São Paulo e Companhia<br />
Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo -Cláusula quarta-<br />
Redução da Jornada Semanal de Trabalho. São Paulo, maio de<br />
1989, mímeo, 22 pp,<br />
Lei no. 7.850 - 23 de outubro de 1989 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Decreto n s 99.351 - 27 de junho de 1990 - Aposenta<strong>do</strong>ria Especial.<br />
Norma Regulamenta<strong>do</strong>ra -17 - Ergonomia - Portaria n Q 3.214 de 1978,<br />
alterada em 1990.
nvQy.^.«^^''-'-vff^s^^;8ga,^^<br />
Anexos
ANEXO I
Químicos<br />
Ajsênko<br />
Operações com arsCnico c seus compostos.<br />
Berfllo<br />
Operações com o berílio c seus compostos.<br />
Ceiímío<br />
Operações com o cadmio e seus compostos.<br />
Chumbo<br />
Operações com o chumbo, seus compostos.<br />
Cremo<br />
Operações com cromo c seus sais<br />
Fósforo<br />
Operações com o fósforo c seus componentes.<br />
Manganês<br />
Operações com manganês.<br />
1 • Extração Insalubre 20 anos<br />
11- Fabricação de seus compostos e<br />
deriva<strong>do</strong>s - Tintas, parasiticidas e<br />
inseticidas etc.<br />
III - Emprego de deriva<strong>do</strong>s arsenicais -<br />
Pintura, galvanotc"cnica, depilação, cmpaihamento<br />
etc.<br />
Trabalhos permanentes expostos a<br />
poeiras e fumos - Fundição de ligas metálicas.<br />
Trabalhos permanentes expostos a<br />
poeiras e fumos - Fundição de ligas metálicas.<br />
I - Fundição, refino, moldagcns, trcfilação e<br />
laminação.<br />
II -Fabricação de artefatos e de produtos de<br />
chumbo • baterias, acumula<strong>do</strong>rcs, tintas<br />
etc.<br />
III-Limpeza, raspagens cdemais <strong>trabalho</strong>s em<br />
tanques de gasolina conten<strong>do</strong> chumbo,<br />
tetra etil, polimento c acabamento de<br />
ligas de chumbo etc.<br />
IV- Soldagem c dcssoldagem com ligas á<br />
base de chumbo, vulcanizaçâo da borracha,<br />
tinturaria, estamparia, pintura c<br />
outros<br />
Trabalhos permanentes expostos ao<br />
tóxico - Fabricação, tanagem de couros,<br />
cromagem elctrolftica de metais e outras<br />
I • Extração c depuração <strong>do</strong> fósforo branco<br />
e seus compostos<br />
II - Fabricação de produtos fosfora<strong>do</strong>s asfixiantes,<br />
tóxicos, incendia<strong>do</strong>s ou explosivos.<br />
III - Emprego de líqui<strong>do</strong>s, pastas, pós e gases<br />
à base de fósforo branco para destruição<br />
de ratos e parasitas.<br />
Trabalhos permanentes expostos a poeiras<br />
ou fumos <strong>do</strong> manganês e seus<br />
compostos (bióxi<strong>do</strong>s) - Metalurgia, cerâmica,<br />
indústria de vidro e outras.<br />
Insalubre 20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 20 * anos<br />
Insalubre<br />
Perigoso<br />
20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos
Mercúrio<br />
Operações com mercúrio, seus sais c<br />
amálgamas<br />
Outros Tóxicos Inorgânicos<br />
Operações com outros tóxicos Inorgânicos<br />
capazes de fazerem mal â saúde.<br />
I-Extração e tratamento de amálgamas e<br />
compostos • Cloreto e fulminato de Hg.<br />
II - Emprego de amálgamas e deriva<strong>do</strong>s,<br />
galvanoplasüas, estanhagem e outros<br />
Trabalhos permanentes expostos às<br />
poeiras, gases, vapores neblinas e fumos de<br />
outrosw metais, metalóidcs halogcnos e seus<br />
clctrólilos tóxicos - áci<strong>do</strong>s, bases e sais -<br />
Relação das substâncias nocivas publicada no<br />
regulamento Tipo de Segurança<br />
da O. I.T.<br />
Poeiras Minerais Nocivos<br />
I - Tabalhos permanentes no subsolo cm<br />
operações de corte, furacão, desmonte c<br />
Operações industriais com desprendi<br />
carregamento nas frentes de <strong>trabalho</strong>.<br />
mento de poeiras capazes de fazerem mal â<br />
saúde • Silica, carvão, cimento; asvcslos e<br />
talco.<br />
11 - Trabalhos permanentes cm locais de<br />
subsolo afasta<strong>do</strong>s das frentes de <strong>trabalho</strong>,<br />
galerias, rampas, poços, depósitos, etc.<br />
Com posição tipográfica e mecânica,<br />
LI- nollpla, Estereollpla, Eletrodpla, Litografia<br />
e Off-selt, Fotogravura, Rotogravura e<br />
Gravura, Encadernação c Impressão cm<br />
geral<br />
III-Trabalhos perm. a céu aberto. Cortes,<br />
furacão, desmonte c carregamento,<br />
britalgcm, classificação, carga e descarga<br />
de silos, transp. de correas c Iclcféircos,<br />
moagem, calcinaçâo, ensacamento e<br />
outras.<br />
Trabalhos permanentes nas indústrias<br />
poligráficas: Linolipislas, monotipislas, tipógrafos,<br />
impressores, margea<strong>do</strong>res, monta<strong>do</strong>res,<br />
compositores, pauta<strong>do</strong>res, grava<strong>do</strong>res, granita<strong>do</strong>res,<br />
galvanolipistas, freza<strong>do</strong>res, titulistas.<br />
Estive e Armazenagem Estiva<strong>do</strong>res, Arruma<strong>do</strong>res, Trab. Capatazia,<br />
Conscrta<strong>do</strong>rcs, Confcrcntcs.<br />
Insalubre<br />
Perigoso<br />
20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 20 anos<br />
Insalubre<br />
Perigoso<br />
Penoso<br />
Insulubre<br />
Penoso<br />
15 anos<br />
20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Perigoso 25 anos<br />
Estincão de Fogo, Guarda Bombeiros, Investiga<strong>do</strong>res, Guardas. Perigoso 25 anos<br />
Telegrafia, Telefonia, Rádio Comunicação Tclcgrafistas, telefonistas, rádio opera<strong>do</strong>res<br />
de telecomunicações.<br />
Artexanato e outras ocupações qualificadas<br />
Lavanderia e Tlnluraria Lava<strong>do</strong>res, passa <strong>do</strong>res, calandristas,<br />
tinturciros.<br />
Fundição, Cozimento, Laminacão, Trefilução,<br />
Moldagecn<br />
Trabalha<strong>do</strong>res nas indústrias metalúrgicas,<br />
de vidro, de cerâmica c de pláslicosfundt<strong>do</strong>rcs,<br />
lamina<strong>do</strong>rcs, molda<strong>do</strong>rcs,<br />
trefila<strong>do</strong>res, forja<strong>do</strong>res<br />
Soldagem, Galvanização, Calderaria Tabalha<strong>do</strong>rcs nas indústrias metalúrgicas,<br />
de vidro, de cerâmica c de plásticos •<br />
solda<strong>do</strong>rcs, galvaniza<strong>do</strong>rcs, chapea<strong>do</strong>res, cal*<br />
deirciros.<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Pintura Pintores de pistola. Insalubre 25 anos
Perfurarão, Construção Civil, Assemelha<strong>do</strong>s<br />
Escavações de Subsolo • Túneis Trabalha<strong>do</strong>res cm túneis c galerias Insalubre<br />
Escavações de superfície - Poços Trabalha<strong>do</strong>ra em escavações a céu<br />
aberto.<br />
Edifícios, Barragens, Pontes Trabalha<strong>do</strong>res cm edifícios, barragens,<br />
pontes, torres.<br />
Transportes e Comunicações<br />
Transporte Aéreo Aeronautas, Acroviários de serviços de<br />
pista e de oficinas, de manutenção, de conservação,<br />
de carga c descarga, de recepção c de<br />
despacho de aeronaves.<br />
Transporte Marítimo, Fluvial e Lacustre Marítimos de convés de máquinas de câmaras<br />
e de saúde - Operários de construção e<br />
reparos navais.<br />
Transporte Ferroviário Maquinistas, Guarda-frcios, trabalha<strong>do</strong>res<br />
da via permanente<br />
Transporta Ro<strong>do</strong>viário Motonciros e condutores de bondes<br />
OCUPAÇÕES<br />
Liberais, Técnicas, Assemelhadas<br />
Motoristas c cobra<strong>do</strong>res de Ôniibus<br />
Motoristas c ajudantes de caminhão<br />
Engenharia Engenheiros de Construção Civil, de<br />
minas, de metalurgia, eletricistas.<br />
Perigoso<br />
20 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Perigoso 25 anos<br />
Perigoso 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Penoso 25 anos<br />
Insalubre 25 anos<br />
Química Químicos, Toxicologistas, po<strong>do</strong>logistas. Insalubre 25 anos<br />
Medicina, O<strong>do</strong>ntologia, Enfermagem Médicos, dentistas, enfermeiros Insalubre 25 anos<br />
Magistério<br />
_ - „<br />
Agrícolas, Florestais, Aquáticas<br />
Professores Penoso j 25 anos<br />
Agricultura Trabalha<strong>do</strong>res na agropecuária Insalubre 25 anos<br />
Caça Trabalha<strong>do</strong>res florestais, Caça<strong>do</strong>res Perigoso 25 anos<br />
Pesca Pesca<strong>do</strong>res Perigoso 25 anos
Tóxicus OrgÉnkcs<br />
Operações executadas com deriva<strong>do</strong>s Trabalhos permanentes expostos às po Insalubre 25 anos<br />
tóxicos <strong>do</strong> carbono . Nomenclatura Inter eiras: gases vapores, neblinas e fumos de<br />
nacional . deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> carbono constantes na Relação<br />
] • Ilidrocarbonctos (ano, eno, ino)<br />
Internacional das Substâncias Nocivas<br />
pulicada no Regulamento Tipo de Segurança da<br />
II- Áci<strong>do</strong>s carboxflicos (ólico) O.l.T. - tais como: cloreto de metila,<br />
III-Alcoois(ol)<br />
tctracloreto de carbono, tricloroctilcno,<br />
cloroformio, bromureto de metila, nitro<br />
IV-Aldchy<strong>do</strong>s (ai)<br />
benzcno.gasolina, alcoóis, acetona, actatos,<br />
pentano, metano, hexano, sulfureto de<br />
V- Cetona(ona) carbono, etc.<br />
nitratos.<br />
VI • Esteres (oxissais em ato - ila)<br />
VII- Éteres (oxi<strong>do</strong>-oxi)<br />
VIII • Amidas - ami<strong>do</strong>s<br />
IX- Aminas - aminas<br />
X - Nitrilas c Isonitrilas (nitrilas c<br />
carbilaminas)<br />
XI • Compostos organo-metálicos ha-<br />
logcna<strong>do</strong>s, metalóidicos e<br />
Biológicos<br />
— i.<br />
Carbúnculo, Brticela Morno e Tétano<br />
Operações industriais com animais ou<br />
produtos oriun<strong>do</strong>s de animais infecta<strong>do</strong>s.<br />
Germes Infecciosos ou parasitários humanos<br />
Animais<br />
Serviços de Assistência Médica, O<strong>do</strong>ntológica<br />
e Hospitalar cm que haja contato<br />
obrigatório com organismos <strong>do</strong>entes ou<br />
com materiais infecto-contagiantes,<br />
Trabalhos permanentes expostos ao<br />
contato direto com germes infecciosos- Asistíncia<br />
Veterinária, serviços cm mata<strong>do</strong>uros,<br />
cavalariças e outros<br />
Trabalhos permanentes expostos ao<br />
contato com <strong>do</strong>entes ou materiais infectocontagiantes<br />
- assisl£ncia médica,<br />
o<strong>do</strong>ntológica, hospitalar e outras atividades<br />
afins.<br />
Insalubre 25 anos<br />
Insalubre 25 anos
ANEXO II
Roteiro de entrevista<br />
• idade<br />
• escolaridade<br />
o naturalidade<br />
® esta<strong>do</strong> civil<br />
o bairro de residência<br />
« tempo e experiência de <strong>trabalho</strong> como motorista<br />
o tempo e experiência de <strong>trabalho</strong> como motorista de ônibus urbanos<br />
• breve relato sobre os <strong>trabalho</strong>s anteriores até o emprego atual<br />
• por quê quis ser motorista? por quê é motorista de coletivo urbano?<br />
• o que é linha ruim e linha boa? por quê?<br />
• o que é um dia bom de <strong>trabalho</strong>? porquê?<br />
» o que é um dia ruim de <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />
• o que mais incomoda no <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />
e o que exige esforço no <strong>trabalho</strong>? por quê?<br />
» quan<strong>do</strong> você fica irrita<strong>do</strong>? por quê?<br />
« quan<strong>do</strong> você fica nervoso? por quê?<br />
• o que é uma linha pesada, por quê?<br />
• o que significa misturar?<br />