Somos mestiços, e daí? - cchla - UFRN
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estratégia discursiva das classes dominantes com vistas a dissimular sua dominação (bem ao<br />
contrário!, nossas classes dominantes sempre condenaram às mestiçagens ao lugar do que é<br />
"popular", "grosseiro", "bárbaro", "primitivo", "perigoso", "amoral", etc.).<br />
Com efeito, as mestiçagens correspondem a procedimentos de identificação, ainda que<br />
compreendam modos de fazer que não têm nada de definitivo, absoluto, estável, fixo. O próprio<br />
das mestiçagens é serem práticas de alterações, mudanças, perturbações. Da ordem do incerto, do<br />
fugidio, do incontrolável, as mestiçagens compõem um mundo de movimentos de sombras e luz<br />
em que nada é firme, linha reta, pré-visível. O ser das mestiçagens não correspondendo a nada de<br />
único ou de separado, não se prestando, pois, a projetos políticos que visem o controle social ou a<br />
vitória de um segmento social sobre o outro. (Valeira a pena lembrar que "a estrutura semântica<br />
do termo mestiço é alternativa de ser: " ser" ou "não ser", o termo é neutro; "ser" e "não ser", o<br />
termo é misto" 20 )<br />
As mestiçagens correspondem a práticas que nunca mais deixaram a sociedade brasileira.<br />
Se são, sem dúvida, herança de nosso passado escravista, não são por isso menos permanentes e<br />
presentes como constituintes da maneira de ser do corpo social brasileiro todo inteiro. Se para<br />
alguns essa herança é motivo de vergonha e, para outros, uma razão de pessimismo, parece mais<br />
acertado hoje entender que se trata de uma estrutura antropológica de fundo, base de um<br />
verdadeiro estilo de sociabilidade e socialidade. Se não se torna possível teoricamente dizer que a<br />
vida brasileira seria impossível sem as mestiçagens que nos singularizam, ao menos podemos<br />
dizer que ela se torna incompreensível se não levamos nossas mestiçagens em conta.<br />
A sociedade brasileira, longe de ser animada por uma lógica da dissociação, da disjunção,<br />
constitue-se em um grande caldeirão de fusões, junções, misturas, pela predominância de uma<br />
lógica da junção, da associação, do encontro, numa palavra, pela predominância da tendência a<br />
mestiçagens no espírito pessoal e coletivo. Uma tendência que faz com que a cultura brasileira,<br />
20 Cf. Roger, Toumson. Mythologie du métissage. Paris, PUF, 1998, p. 13. Nesse livro, o autor desenvolve uma<br />
crítica ao que chama de "ideologia da mestiçagem". Sua crítica pode ser compreendida como exatamente o contrário<br />
da perspectiva por mim aqui desenvolvida. Entretanto, a passagem citada nos parece válida para uma terminologia<br />
das mestiçagens.<br />
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