Somos mestiços, e daí? - cchla - UFRN
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2. Mestiçagens: anomalia cultural ou estrutura antropológica fundante?<br />
É verdadeiro que não é de hoje que se reconhece a sociedade brasileira como uma<br />
sociedade que pratica "sincretismos", "hibridismos", "misturas". Nesse sentido, não haveria nada<br />
de novo em se dizer que somos uma cultura de mestiçagens. Entretanto, até aqui, muito variaram<br />
as maneiras como se interpretou e se aceitou esse fato. Em geral, predominou (e continua a fazer<br />
escola) o modelo de interpretação do Brasil que vê nossas mestiçagens com desconfiança,<br />
condenando-as como “anomalias”, “vícios”, “males de origem”. Ainda que, quase sempre, as<br />
referências às mestiçagens tenham sido feitas por evitação, mascaradas em termos depreciativos,<br />
o fato é que, com esses próprios termos, assinava-se a sua presença como parte da realidade<br />
nacional.<br />
Como se sabe, tratando da cultura brasileira – ou, como escreveram alguns de nossos<br />
autores, tratando do "caráter nacional" -, as idéias de "vícios", "males", "degenerescência",<br />
"atraso", etc. conduziram alguns intérpretes brasileiros a perseguir, de uma maneira quase<br />
obsessiva, o tema que se tornou um clássico: a causa dos males do Brasil. O que uma leitura<br />
atenta desses intérpretes permite extrair como conclusão é que, no tratamento do que se<br />
convencionou chamar "os males do Brasil", estão desaprovações às práticas que nos caracterizam<br />
como cultura, entre o que se destacam nossas mestiçagens. Ainda todo o eufemismo depreciativo<br />
de nossos autores para se referirem a elas, e ainda que estes autores tenham se abrigado numa<br />
crítica ao projeto de colonização português e ao escravismo como sistema social que serviu de<br />
base a fundação da sociedade brasileira. Em alguns, crítica que se fez mais pela recusa à<br />
miscigenação e às relações de classe que a escravidão proporcionou que pela recusa ao sistema<br />
como tal. E crítica ao colonizador português como "menos europeu" que todos os demais: povo já<br />
mestiço, misturado às tradições árabes e africanas.<br />
Com desconfiança em nossos costumes de mestiçagens, toda uma tradição teórica de<br />
interpretação da cultura brasileira passa a se perguntar de um suposto "atraso nacional": com<br />
freqüência, falou-se de "país sem ordem", "ignorante do progresso", "alheio à civilização" e à<br />
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