Somos mestiços, e daí? - cchla - UFRN
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fêmea; ainda que mais leve que o Europeu, porque ele tem mais hábito de correr, ele é,<br />
entretanto, menos forte de corpo; ele é também menos sensível, ..." 60<br />
Mesmo na segunda metade do século XX ainda se discutia, nos ensaios de interpretação<br />
da cultura brasileira, a inferioridade do brasileiro e a viabilidade do Brasil. Assim como o<br />
colonizador foi de um lado a outro das representações sobre a nova terra e seu povo – de paraíso<br />
a inferno ou de um povo inocente e bom à idéia de uma povo incapaz e incorrigível -, ainda hoje<br />
os poderes, as elites brasileiras e nossos intelectuais se dividem entre essas mesmas<br />
representações, e de uma maneira, nós diremos, trágica. A idéia de um país de uma bela natureza<br />
mas de um povo não viável permanece na memória coletiva brasileira, atualizada pelos discursos<br />
e pelas práticas dos diversos poderes sociais, das nossas elites e de bom número de intelectuais. A<br />
reprovação das mestiçagens cotidianas soa como metáfora de tudo isso.<br />
O mundo das idéias, no Brasil, parece jamais ter escutado a palavra de um autor como<br />
Manoel Bomfim que, em 1903, em Paris, escrevendo sua obra A América Latina: males de<br />
origem, observou: "esse juízo universal, condenatório, a nosso respeito se reflete de um modo<br />
perniciosíssimo sobre nós mesmos. <strong>Somos</strong> a criança a quem se repete continuamente: 'não<br />
prestas para nada; nunca serás nada...', e que acabará aceitando esta opinião, conformando-se<br />
com ela, desmoralizando-se, perdendo todos os estímulos". 61<br />
Os intelectuais do país parecem jamais ter entendido as palavras de Gilberto Freyre,<br />
quando diz: "os que lamentam não sermos puros de raça nem o Brasil região de clima temperado<br />
o que logo descobrem naquela miséria e naquela inércia é o resultado dos coitos para sempre<br />
danados, de brancos com pretas, de portugas com índias. É da raça a inércia ou a indolência.<br />
Ou então é do clima, que só serve para o negro. E sentencia-se de morte o brasileiro porque é<br />
mestiço e o Brasil porque está em grande parte em zona de clima quente." 62<br />
60 C. Buffon, G. Oeuvres..., op. cit., p. 381<br />
61 Cf. Bomfim, Manoel. América Latina: males de origem. Rio de Janeiro, TopBooks, 1993, p. 43<br />
62 Cf. Freyre, Gilberto. Casa-Grande..., op. cit., pp. 34,35<br />
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