19.04.2013 Views

Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

mulheres que, sempre que pu<strong>de</strong>ram o aban<strong>do</strong>naram, não lamentam a per<strong>da</strong>. «A gente só tem<br />

sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s porque sabe que aqueles tempos não vão voltar», <strong>de</strong>clara um velho emigrante que<br />

também fora agricultor na sua terra e ratinho no Alentejo”.<br />

Paralelamente ao <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> rural assistiu-se a uma abertura <strong>de</strong>stas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s ao<br />

exterior, a uma articulação crescente com o mun<strong>do</strong> urbano e a novos usos para o espaço rural.<br />

Ao longo <strong>da</strong> história portuguesa a emigração tem si<strong>do</strong> uma constante. Na região em apreço teve<br />

valores significativos na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60 <strong>do</strong> século XX até aos primeiros anos <strong>de</strong> setenta. Teve<br />

<strong>do</strong>is <strong>de</strong>stinos fun<strong>da</strong>mentais: em direcção às áreas em industrialização crescente situa<strong>da</strong>s em<br />

torno <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> litoral – a emigração interna; e, pre<strong>do</strong>minantemente, para a<br />

Europa – a emigração externa.<br />

Num primeiro tempo saem os pequenos agricultores, os assalaria<strong>do</strong>s rurais, gente exausta <strong>de</strong><br />

tanto trabalho para tão fraca compensação, quase sempre adultos jovens <strong>do</strong> sexo masculino. As<br />

al<strong>de</strong>ias ficam assim cheias <strong>de</strong> mulheres (viúvas <strong>de</strong> vivos), <strong>de</strong> i<strong>do</strong>sos e <strong>de</strong> crianças. Não há quem<br />

trabalhe o campo, os vencimentos agrícolas sobem em flecha e as áreas por cultivar são ca<strong>da</strong><br />

vez maiores. Em contraparti<strong>da</strong>, há dinheiro como nunca, constituí<strong>do</strong> pelas remessas <strong>do</strong>s<br />

emigrantes.<br />

A família, como instituição social dinâmica, não ficou alhea<strong>da</strong> <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> transformação.<br />

A família tradicional, mais liga<strong>da</strong> à terra, extensa, forma<strong>da</strong> segun<strong>do</strong> as conveniências, com<br />

eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> filhos, com práticas sacraliza<strong>da</strong>s, solidária, geograficamente perto <strong>de</strong><br />

ascen<strong>de</strong>ntes e colaterais, com a activi<strong>da</strong><strong>de</strong> feminina mais vira<strong>da</strong> para o seu seio, alvo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

controlo social, com papéis e funções muito <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s entre os seus membros, com relações <strong>de</strong><br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>u lugar à família com características mo<strong>de</strong>rnas, com reduzi<strong>do</strong> número <strong>do</strong>s<br />

elementos, forma<strong>da</strong> no respeito pelos sentimentos <strong>do</strong>s nubentes, com baixo número <strong>de</strong> filhos,<br />

laica, pobre nas relações <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, geograficamente afasta<strong>da</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s seus<br />

núcleos, com a mulher também a trabalhar fora <strong>de</strong> casa, com menor controlo social e com uma<br />

gran<strong>de</strong> flexibilização <strong>do</strong>s papéis e <strong>da</strong>s funções em termos familiares.<br />

Até há poucas déca<strong>da</strong>s as condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população rural roçavam o miserável. Escreve<br />

José Lopes Dias, no artigo Para a História <strong>da</strong> Barragem <strong>de</strong> I<strong>da</strong>nha-a-Nova, e <strong>da</strong> sua Gente<br />

(1968:5 e 6), “naquele tempo, tira<strong>da</strong>s as ceifas, a sementeira e a colheita <strong>da</strong> azeitona, os<br />

trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> I<strong>da</strong>nha-a-Nova vagueavam to<strong>do</strong> o santo dia, por não terem trabalho, pelas ruas<br />

<strong>da</strong> vila, ou coçavam os fundilhos <strong>da</strong>s calças nos bancos <strong>de</strong> granito, duros e toscos <strong>da</strong> Praça<br />

Pública”.<br />

E mais à frente.<br />

“... Com uma média populacional <strong>de</strong> 18 habitantes por kilómetro quadra<strong>do</strong>, não havia trabalho<br />

durante uma boa parte <strong>do</strong> ano.<br />

De tão estranha situação resultava o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> haver gente a mais e terra a mais! Podia então<br />

dizer-se como Oliveira Martins:<br />

- Convém que o povo emigre?<br />

- Não!<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

16

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!